TÍTULO: Vida de Estudante LOCAL: Portugal - Porto DATA: 1995 INFORMANTE SEXO: F IDADE: 47 anos ESCOLARIDADE: Curso Superior PROFISSÃO: Farmacêutica - não acha que, de um modo geral, a miudagem já não est[...], eh, em todos os aspectos da vida, não, não quer grandes sacrifícios? não é só no estudo. são... -> mas exigem, exigem-se-lhes muitos sacrifícios, eu acho, hoje. - acha? -> acho, acho. então, eh, nos complementares, naquilo que se chamava complementares, e no décimo segundo ano sobretudo, eu acho que é uma exigência brutal, m[...], brutal. - em níve[...], a nível da matéria, dos programas? -> matérias, de, e falta de tempo, muita coisa para estudar, pouco tempo, e eles não têm, não conseguem viver nada que diga respeito à idade deles. eh, eu tenho uma filha, por exemplo, que está no décimo segundo ano, e que eu ontem fui almoçar a casa de uns amigos, e ela ficou aqui a estudar. e tem sido isto sistematicamente, todos os fins-de-semana. porque durante a semana não têm tempo para estudar, porque têm um currículo muito pesado, em termos de horas, e o que acontece é que durante a semana não têm suficiente tempo, depois têm testes, têm que estar preparados para os testes, acabam uns começam outros, e a verdade é que eles não têm tempo absolutamente nenhum. é uma adolescência estúpida, porque eles não vão ao, não podem ir a lado nenhum, não têm tempo para, para se dedicar a, à música - ela, por exemplo, andava em piano teve que deixar, andava em ginástica teve que deixar - não há tempo para nada. o que eu sinto é isso. - hum. -> que eles p[...], passam a, a sua juventude a estudar, agarrados aos livros, assim em cima de uma mesa, e não fazem mais nada. a[...], aqueles que se aplicam, claro. - claro. -> sorte a dos outros, se calhar, que não se aplicam. - pois. e quando é que eles vão viver a sua vida...? -> não sei. não sei. realmente acho... que está, está-se a exigir demasiado de, desta gente desta idade. - hum, hum. -> não se, se depois na, na universidade se as coisas continuam - ui! -> como no meu tempo, se pioraram, não sei. - penso que continua a ser [...]. -> eh, só sei é que realmente se está a estraga[...], e[...], eu olho para eles - claro que eu não vou dizer isto assim, à minha filha posso dizer, porque ela é muito responsável, mas a verdade é que não se pode dizer isto aos miúdos de quinze, dezasseis, dezassete anos - mas a verd[...], mas sinto que eles não vivem nada que diga respeito à adolescência. eles não podem ver televisão porque os pais mandam-nos para a cama, porque de manhã têm que se levantar às sete e um quarto, depois passam o dia inteiro nas aulas, chegam à noite, eh, não têm tempo, como digo, para fazer, ah, qualquer actividade extra-curricular. - nem sequer para conviverem -> é o que eu sinto - com os pais, não é, -> sim. eu cruzo-me poucas vezes até com a minha filha, a não ser à noite. - pois. -> é isso que eu sinto, que, que, acho que têm muitas disci[...], demasiadas disciplinas, penso eu. - e tudo isso em nome de, de se prepararem para vencer na vida, não é, -> é verdade. vencer na vida, ao fim e ao cabo é para, só para, para ter possibilidades de um dia vir a ganhar dinheiro, empata-se toda uma adolescência, toda uma ju[...], uma juventude, para se começar a trabalhar já tarde, não é, porque é - pois. -> já tarde, e se calhar nem sequer emprego ter. - pois. muitas vezes acontece isso também. -> então esta, esta geração agora vai ter muitos problemas, penso eu. - pois. só os muito bons é que vão... arranjar alguma coisa com mais facilidade, não é, -> se calhar. mas mesmo esses... depende dos cursos que também pretendem ir. - hum, hum. -> mesmo os muito, os chamados muito bons ainda depois terá que haver, eh, os ainda me[...], melhores, melhores que os bons. - pois é. e depois as entradas nas universidades são complicadas também. -> sim, e eu penso que aqui em Portugal, pelo menos - não sei se nos outros países sucede a mesma coisa - mas parece-me que é muito injusto, ah, algumas coisas que estão a suceder, que é o facto dos alunos que frequentam colégios particulares, eh, conse[...], conseguirem, eh, alcançar médias que nunca conseguiriam alcançar na, no ensino público. e isso faz com que eles ocupem, eh, primeiro, as vagas que deveriam ser ocupadas por efectivamente aqueles que se empenham mais. - pois. -> e isso verifica-se aqui, por exemplo, no Porto, eu tenho alunos que... são capazes no segundo período de estar chumbados a quase todas as disciplinas, vão para o colégio, na, matriculam-se portanto na Páscoa no colégio, passam e regressam às, ao liceu à, que não é liceu, não se chama liceu - pois. -> actualmente, aqui é - pois. -> aquilo é quase como se fosse um liceu - pois. -> à escola secundária. e regressam e, depois no ano seguinte é a mesma coisa, e chegam lá, voltam a passar, e, e depois no décimo segundo então frequentam mesmo o colégio, tiram as notas necessárias e suficientes para entrar num - pois. -> curso qualquer e, e realmente vão ocupando as vagas que os outros mereciam. - portanto isso leva-nos a um problema interessante, que é o problema da avaliação, que deveria ser, se calhar, de âmbito nacional, e não... -> eu acho, mas, mas o problema é que, dá-me, o facto de ser de âmbito nacional, quem é que corrige? - equipas nomeadas -> pois, não sei. porque também o facto do teste ser nacional não significa que depois eles sejam avaliados da mesma maneira. - pois. antigamente como é que se procedia, no caso dos colégios? iam fazer aos liceus, os exames, não é, -> iam, iam. - era isso que devia acontecer, não é, -> mas mesmo assim, como a classificação - que eu acho correcto que a classificação final entra com a média das frequências. - claro. -> mas a frequência, essa nota da frequência é dada p[...], na então, no sítio onde eles frequentaram. portanto automaticamente está viciada. - pois está. -> porque mesmo que haja um teste a nível nacional, eh, se cinquenta por cento da, da nota entrar com a frequência, automaticamente está outra vez viciada. - sim. mas se o aluno for realmente muito mau chumba e... portanto não serviu de nada a média que ele tinha do colégio, não é. se ele tem quatro ou cinco no exame de nível nacional, eh, bem pode ter catorze ou quinze de média, não é, porque chumba. -> bem, nã[...], eu, há uma, uma, uma... fórmula de avaliação final do décimo segundo ano, que neste momento não tenho presente, mas, eh, que, que realmente me parece que os alunos, eh, do ensino público estão sempre um bocado em desvantagem em relação aos do ensino privado. e a prova é que eles vão todos p[...], quando estão mal, vão para os colégios. por alguma razão é. - portanto, não é justo. -> por alguma razão é, não é.