TÍTULO: Um Mal Desconhecido LOCAL: Portugal - Covilhã DATA: 1997 INFORMANTE SEXO: M IDADE: 22 anos ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior PROFISSÃO: Estudante - olhe uma coisa, você disse que, eh, antes de entrar para a universidade - você entrou quando, o ano passado, então? -> sim, sim. entrei no ano de noventa e seis, noventa e sete. - ham, ham. e antes disso, disse que esteve três anos, eh, que não esteve a, a estudar. -> tive três anos que não estive a estudar, exactamente. - e o que é que esteve a fazer, nesses três anos? -> nesses três anos eu tive um problema de saúde, eh, relativo, relacionado com o sistema nervoso central. tive um problema de saúde que eu corri vários médicos no concelho da Covilhã e no distrito de Castelo Branco e fiz um montão de exames a tudo e mais alguma coisa e eles não descobriram absolutamente nada. faziam exames a tudo, estava tudo bem. eu perdia o equilíbrio e a minha, o meu ritmo cardíaco acelerava para a casa dos cento e setenta, parado. recorri várias vezes à urgência do Hospital da Covilhã, onde me administravam uma injecção intravenosa, para o coração voltar ao normal. através de uns conhecimentos com uns amigos - um deles já está a terminar o seu curso também em Direito, na universidade em Lisboa - eu consegui - porque ele tinha uma tia no Hospital de Santa Maria que era enfermeira - tem de ser assim. -> consegui ir ao Hospital de Santa Maria, fizeram-me uma carrada de exames, viram realmente que era o sistema nervoso, disseram-me logo "o senhor é um indivíduo nervoso, eh, não lhe acha[...], não lhe encontramos absolutamente mais nada" - fiz desde o coração à cabeça, até ressonância magnética fiz. e então chegaram à conclusão que era do sistema nervoso. eu andava a tomar três valium cincos por dia, o médico disse-me logo se eu andava a ser tratado por um veterinário cá da zona - ah! -> e então mandou-me aventar aquilo tudo para o lixo e disse-me "não, o senhor não precisa de tomar absolutamente nada. o senhor tem que se autocontrolar e autodominar. isto é apenas um problema de sistema nervoso. o senhor teve uma alteração muito grave no sistema nervoso, eh, que oscilou muito e agora até se recompor o senhor tem que se adaptar a esta situação. não tem absolutamente mais nada". até hoje. deixei de tomar aquela porcaria toda, comecei-me a sentir cada vez melhor, cada vez melhor, comecei mesmo a pensar "não, isto será, isto é mesmo sistema nervoso". pronto, acabou. até hoje, impecável. - que bom! ah, isso é bom. mas você deve ter sofrido imenso durante aquele, aquele tempo. -> um bom bocado. e o que é, é que foram, parecendo que não, foram três anos! três anos a sofrer! - três anos da sua vida. -> eu cheguei a recorrer - porque depois as vizinhas começaram a chatear a cabeça à minha mãe e nos meios pequenos há sempre aquela tendência "o seu, o seu Pedro anda embruxado". chegaram-me a levar à bruxa, a essas senhoras que dizem que fazem... magias negras e não sei quê, cheguei a recorrer a esse tipo de gente. levando só dinheiro possivelmente... inventaram para ali umas histórias quaisqueres para, para comer algum dinheiro, e eu... - pois. exacto. e isso durou três anos?! -> durou três anos. - fogo! essas coisas são complicadas. -> complicadíssimo, vi-me mesmo à rasca. - pois é. -> depois, nessa senhora diz que eu que tinha o espírito não sei quê, andei - ah! -> andei lá com um tratamento qualquer que at[...] - eu não me senti pior! mas, pronto, eu vim sempre a melhorar, não sei se também foi de ir lá se não. sinceramente se me disserem assim "se eu acredito em bruxas?" bem, eu acreditar, quer dizer, ele que as há, há, agora eu acreditar, isso para mim não, não me diz absolutamente nada. - pois, exacto. e você, nessa altura começou a tomar valiuns, para, para se acalmar? porque sentia-se muito a... -> sim, andava a, tomava três valiuns cincos por dia, um de manhã, outro ao meio-dia e um à noite. - e o médico é que lhe receitou? -> tinha sido um médico da região, um conceituado médico, conhecido, pelo menos em Tortosendo, que era o doutor Pitrez. - pois. é, os médicos de clínica geral não são os mais indicados para essas coisas -> pois, infelizmente por vezes... - não é, -> as pessoas receitam, isto é o tal problema: é que, em Portugal, recorrendo ao centro de saúde, o médico, ainda o doente está a entrar, olha para a ficha do doente, já está a escrever, a passar a receita, sem sequer auscultar o doente. eu tive bast[...], fui bastantes vezes ao médico sem sequer ser auscultado. eu entrava, eu dizia "senhor doutor - tinha... -> queixo-me disto, daquilo", e ele começava a escrever, a passar medicamentos. quer dizer, é impossível. como é que um médico olha para um doente e sabe aquilo que ele tem? é quase impossível. - pois é. ainda bem que você conseguiu esse conhecimento no Hospital de Santa Maria. -> foi muito bom, foi muito bom. fui muito bem recebido, visto por especialistas, indivíduos com, com um nível muito grande - hum. -> todos eles professores doutores, eh, chegaram a estar em volta de mim seis médicos, e tinham um anfiteatro, portanto aquilo foi feito num anfiteatro, os exames que me fizeram ao coração, prova de esforço, etc., tinham os alunos todos que estão a estudar Medicina na Universidade Nova estiveram a assistir àquele exame. - ah! porque você era um caso... bicudo, não é, -> sim, porque era, era um caso esquisito - esquisito. -> que eles também não achavam muita razão para aquilo, e então, também tive uma crise, mesmo dentro do hospital tive uma crise dessas do ritmo cardíaco me acelerar. aproveitaram, tinham os alunos na altura, foram chamar o professor que estava a dar aula, e eles vieram todos para ali. - pois. exacto. -> viram aquelas coisas todas. depois ficaram com aqueles exames para eles estudarem tudo. acabaram por chegar à conclusão que era mesmo o sistema nervoso. - e não lhe deram nenhum tratamento? -> nenhum tratamento. vim completamente sem nada. - ai que giro. -> antes pelo contrário, tiraram-me aquele que eu estava a tomar. - exacto. e depois pronto, você... pouco a pouco. -> sim, deixaram-me p[...], continuar a fazer uma vida perfeitamente normal. eh, se fumasse, continuasse a fumar, pronto, que não fumasse muito que o tabaco faz mal, mas, também me disseram, também é, o, terrível deixar-se bruscamente, quem fuma deixar bruscamente de fumar, também... pode afectar muito o sistema nervoso. "o senhor fuma uns cigarros, pode continuar a fumar". - exacto. ou seja, você, ah, que ficou pior primeiro da sua doença ao longo daqueles três anos por causa de não saber o que é que tinha e cada vez ficava mais nervoso -> exactamente. e eu - quando lhe disseram que não havia problema, foi -> acalmei muito mais, exactamente - foi acalmando e foi-se habituando a essa própria ideia. -> com certeza. e então a partir daí - isso é óptimo. -> até hoje, impecável. - ainda bem. pois, porque você agora está óptimo. -> sim, graças a Deus, d[...], ultimamente tenho andado perfeitamente bem.