TÍTULO: As Grandes Cidades LOCAL: Portugal - Porto DATA: 1995 INFORMANTE SEXO: M IDADE: 42 anos ESCOLARIDADE: 10 anos PROFISSÃO: Secretário - eu acho que as pessoas do Porto têm uma maneira muito especial de viver, não é, -> eh, sim, eh, não sei, eh, eu, como sou daqui, sempre fui, nascido e criado aqui, não sei. não posso muito falar, acho. de facto, sei lá, não gosto de Lisboa, por exemplo. - não gosta? -> vou a Lisboa e venho-me embora. - porquê? -> porque não me sinto bem, porque, e já tive lá amigos, mas, não, eh, sei lá, eu acho que é diferente das pessoas aqui do norte. são mais individuais, mais fechadas no, e, não é o ser mais fechadas, mais, tudo mais isolado. - pois. -> já está muito mais... metrópole. Lisboa é mais parecido com uma metrópole. o Porto ainda tem espírito de aldeia, do, da, do bairro. da, as pessoas, eh, preocupam-se mais, são mais solidárias. Lisboa já é mais... - pois. -> anónima. - pois é -> [...] é isso - eu penso que de facto as pessoas são mais próximas aqui. -> é. aqui as pessoas são, estão mais próximas. é. isso se calha[...], isso, para mim, por exemplo, prontos! não, é uma coisa que me afecta logo de imediato. não, não me sinto bem em Lisboa. - hum, hum. -> começo por chegar lá e... diz-me pouco. - pois. -> não é, eh, a[...], até mesmo, ah, sei lá!, das vezes que lá estive e que até fui um bocado forçado a "fica e tal, fica mais uns dias", não sei quê. e eu achava que havia um certo vazio, que as pessoas que, que era assim um bocado falso, coisa muito plástica. não, o norte não. as pessoas são mais, têm outra comunicação, outro... - eh, eu penso -> mais interessadas no humano - pois. -> Lisboa, vá, mais, eh - eu penso que isso também em Lisboa é quando a gente olha assim de fora, não é, porque depois também há os grupos que em relação -> claro, também há os grupos, exacto. mas pareceu-me um bocado diferente daqui do Porto. é evidente que as pessoas de Lisboa também chegam aqui, e, e também têm essa sensação, não é, um bocado. - não, mas eu noto -> embora reconheçam mais que há mais - hum, hum. -> eh, que há o, um, digamos, há outro calor humano. - é, é. -> muito diferente. e eles gostam muito. eu notava que as pessoas quando eu ia a Lisboa queriam que eu ficasse, porque gostavam do tripeiro, do - pois. -> dos gajos do p[...], do norte, eh, era uma coisa que eles não tinham, um bocado, aliás eles chegavam-me a dizer, algumas pessoas, que era isso, que... - sim. eu pessoalmente penso que as pessoas do norte são mais comunicativas -> é. - têm um espírito diferente. -> sim, sim. têm um espírito diferente. - e quanto mais para o su[...], para mim Lisboa ainda não é o pior -> ainda, eh, pois. - quando se chega ao, a Faro, por exemplo, eu acho que é muito pior do que Lisboa. -> Lisboa. eu por acaso nunca fui lá para baixo, para o Algarve. - não?! -> é que depois também nunca gostei muito de ir para o sul. - pois. -> e nunca fui ao Algarve, tem piada, nunca me interessou - pois. -> muito ir. primeiro achava que aquilo que de facto seria interessante de Verão mas depois... é montes de gente, a coisa é assim, uma coisa que, prontos, já não me, não, não estaria interessado. para fazer umas férias, de facto, não era... o ideal. - hum, hum. -> a confusão, a turbulência, a agitação do... consumista e tal, não, dizia-me muito pouco. - é -> depois, de Inverno também não se propiciava - pois. -> e acabei por não, e também de facto noto que, quanto mais se vai para sul, prontos, mais há esse tipo de problemas, mais, e nós sentimos um bocado isso, não é, eu, por exemplo, gostei muito de Paris por ver muitos portugueses, por encontrar portugueses - hum, hum. -> e o português no estrangeiro é muito diferente, quer ele seja do norte ou do sul. é sempre... - é português! -> comunicativo, pois, é português! é isso. se calhar isso acontece com toda a gente, não é, não, mas nota-se que são mais comunicativos, não há, não se nota tanto essa diferença. - hum, hum. -> talvez pelas pessoas estarem fora do seu país, não é, - pois. -> mas, há... mais interesse, eh, mais, eh, são mais solidárias - pois. -> interessam-se mais pelo, pelo outro. hum. - talvez. -> porque, estão, também estão um bocado mais indefesos, não é, - pois. -> mas, gostei por causa disso, por exemplo. eh, hum, era uma coisa que me levava a sentir bem, embora eu, nesse aspecto Paris achasse que também fosse muito anónimo. muito mais anónimo do que Lisboa. - pois, ainda é maior, não é, -> ainda é muito maior, não é, de facto, as grandes cidades parece-me que criam uma situação de anonimato, de isolamento, de - mas se calhar, as f[...], há, eh, penso que -> inclui a realização, não é, - pois. se calhar, actualmente há muita gente que procura, eh, justamente esse anonimato, vá para as grandes cidades para ter esse anonimato. não lhe parece? -> eh, não. eu acho que as pessoas que estão a ir para as cidades, para mim, primeiro porque parece que aqui se trata de uma questão de so[...], de sobrevivência. o campo não tem condições para as pessoas viverem e... tudo o que é progresso, evolução, quer dizer, pode ser para o bem ou para o mal, não sei - hum, hum. -> eh, não chega ao campo. e, por outro lado, é que as pessoas vêm para a cidade um bocado para procurar isso, e uma melhor qualidade de vida, porque de facto está na cidade, não é, qualidade, se calhar no sentido errado, não é, porque, eh, tenho certas dúvidas se de facto se vive melhor na cidade do que no campo, não é, mas prontos, eh, por outro, as pessoas é o isolamento, é, é estarem mais em comunicação com o mundo. coisa que, eh, o campo não possibilita, não é, - pois. -> e... - pois. se calhar é isso. mas... -> e é um bocado isso. depois claro que se criou o anonimato porque... se começa a misturar gente de muitos lados, não é, e as pessoas também, prontos, a, a cidade já por si está a impor, de certo modo uma tendência para o ano[...], anonimato, para o desconhecido, para, pessoa, prontos, só está relacionada com um número e mais nada, não é, porque, não sei se interessará ao poder, de certo modo [...] - acha que o poder -> está interessado um bocado no anonimato, não é, - em que aspecto? -> em todo. até para sua própria defesa, não é, se as pessoas de facto não se comunicam entre si, eh, não podem ser solidárias, não é, - pois -> e estão cada vez mais afastadas de um problema, que pode ser colectivo e, e também individual, não é, eh, um problema qualquer que surja, não é, eh, as pessoas aí, eh, não estão, não estão, eh, preparadas para se defenderem colectivamente, por exemplo - hum, hum. -> não é, vê-se isso no mundo industrial, não é, em que se criam diferenças entre as pessoas que trabalham e... se procura que hajam interesses pessoais para que, eh, cada um tenha qualquer coisa a defender e não haja espírito de que há... uma coisa colectiva a defender, não é, isso vem do poder e vem - hum, hum. -> prontos. e depois, eh, de certo modo o anoni[...], o, o isolamento e o anonimato, não é, a, a individualização, eh, acho que é uma maneira muito inteligente de, eh, de acabar um bocado com lutas colectivas, a nível do, da discussão política, da, da coisa política em si, não é, - hum, hum.