TÍTULO: Os Poderes do Chefe de Estado LOCAL: Portugal - Lisboa DATA: 1990 INFORMANTE SEXO: M IDADE: 65 anos ESCOLARIDADE: Curso Superior PROFISSÃO: Presidente da República OBSERVAÇÕES: Este texto foi retirado de uma entrevista da Rádio. - [...] -> porque eu estou a falar em questões que vêm muito de trás, nós não podemos esquecer que o nosso país esteve parado no tempo durante cinquenta anos, e depois destes cinquenta anos em que esteve parado no tempo e apesar dos progressos imensos que fez a demo[...], a democracia ao país, a democracia, o hábito da democracia por um lado, por outro lado, ah, a nossa adesão à Comunidade Europeia, representaram um choque e uma grande, uma grande modificação, uma grande mudança em Portugal, como eu também reconheço - exacto -> no país, mas nós gostaríamos que... tivesse sido erradicada completamente a miséria, e sabemos que nos meios urbanos continua a existir, eh, muitas barracas e que as condições de habitação para muitos portugueses são ultra-deficientes, eh, sabemos que existem carências muito grandes na nossa sociedade a vários níveis que gostaríamos de ver naturalmente modificadas. pode isso tudo ser modificável de um dia para o outro? naturalmente que não! isso não vem muito de trás? pois vem. eu estou a chamar a atenção para uma situação e porquê? poque nós estamos numa fase de grande desenvolvimento. indiscutivelmente, e eu digo, nos últimos anos o país deu grandes saltos, quer no aspecto da melhoria do nível de vida dos portugueses e quer no aspecto de certas infra-estruturas, eh, como também na própria mentalidade dos portugueses porque a, a própria mentalidade dos portugueses está a ser modificada e desenvolvida. isso eu reconheço. mas em relação àquilo que nós precisamos e em relação aos nossos parceiros comunitários nós estamos de facto em atraso - [...] -> e temos que ter a consciência desse atraso para andar mais depressa e o que e[...], e o que eu quero é que se ande mais depressa. - exactamente. o senhor presidente lamenta nessa, nessa ordem de ideias que de facto, por exemplo, a, a máquina entorpecedora da burocracia não tenha sido movida de outra maneira, não... -> exacto, exacto, eu penso que a sociedade civil... - que a reforma do estado não tenha ido mais longe, não é, -> exacto. eu penso que a sociedade civil, e penso que sobre isso não haverá dúvidas nem polémicas políticas à volta disso, eu penso que a sociedade civil está a andar mais depressa que o Estado e que os corpos, e que os diferentes corpos do Estado. mas não quer dizer que esse seja uma responsabilidade do governo ou uma responsabilidade d[...], da oposição ou deste governo ou daqueles que foram o governo no passado. não é nessa matéria que eu estou a entrar. - justamente eu gostaria... -> estou a fazer uma constatação de facto. - justamente eu perguntava-lhe era se, se o senhor presidente em vez de ter sido o presidente consensual que torna de si hoje, ah, o presidente que sete de cada dez portugueses quereriam comprar segundo uma sondagem recentemente publicada, se tivesse assumido um protagonismo mais activo... -> apesar de os presidentes não se comprarem. - apesar de os presidentes não se comprarem. -> nem em s[...], nem em sentido literário. - tem to[...], tem toda a razão, mas enfim é uma liberdade de expressão dessa sondagem. se tivesse assumido um protagonismo mais activo não poderia, embora com evid[...], com, talvez com um desgaste maior da sua popularidade que é neste momento enorme, não poderia ter ajudado a avançar essa reforma do Estado de que, que enfim, que considera tão necessária? -> penso que não, penso que não. porque, justamente isso é um dos aspectos que eu trato neste prefácio e que é um dos aspectos interessantes, acho eu, porque põe um problema de... sistema, de sistema político e de funcionamento desse mesmo sistema. o presidente da república não tem no nosso sistema funções executivas. quem tem as funções executivas é o governo. na medida em que o presidente da república queira avançar mais do que deve, cai numa área de conflitualidade. e então é pior a emenda do que o soneto, desculpe-se-me a expressão, porque pode querer agir com as melhores intenções mas o que provoca são as maiores pertubações. e eu tive a prudência de não cair nesse aspecto. não por razões eleitorais que nunca estiveram no meu espírito e por i[...], porque eu tenho como sempre, como sabe e sempre dito que não desejo recandidatar-me. não por razões portanto eleitorais que nunca estiveram no meu espírito mas por leitura que faço da constituição e coerência. eu há muito tempo que digo que o presidente não deve intervir. o presidente não tem que intervir na área do, do executivo, tem que respeitar o executivo e tem que ter solidariedade institucional em relação ao executivo. - em todo o caso, senhor presidente, o que está em jogo nesta globalidade das questões europeias, eh, que se nos apresentam, não justificava, com todos os riscos que acaba de, de anunciar ou, enfim, de, de relembrar, uma intervenção mais dinâmica da sua parte? -> poderia eventualmente justificar se ela me fosse solicitada, mas só nesse sentido, porque como quem orienta a política externa do país é o governo, obviamente que eu não podia nunca, ah, permitir-me tomar iniciativas em matéria de política internacional, nesse aspecto ou noutros, sem estar em concordância com o governo. - tem sido solicitada, essa intervenção? -> nalguma medida tem, noutra medida não. - isso, entende isso como uma queixa ou, ou um reparo ou... -> não. naturalmente que não é uma queixa -> visto que eu não, não tenho idade nem posição para me pôr em bicos dos pés e estar a dizer "aqui estou eu, aproveitem-me". - claro, claro. -> se entendem que me devem aproveitar, pois que me aproveitem e eu naturalmente estou ao serviço do país. agora não posso é eu tomar iniciativas numa área que não é da minha competência.