TÍTULO: Ao Volante LOCAL: Portugal - Faro DATA: 1972 INFORMANTE SEXO: F IDADE: 25 anos ESCOLARIDADE: 9 anos PROFISSÃO: Guia/intérprete - e qual é o seu trabalho, já agora, aqui assim? [...] -> praticamente é mais serviço de escritório, embora às vezes também vá para a rua entregar carros. - ah, sim? -> é verdade. - também tem carta, também tem... -> também tenho carta, já há seis aninhos. - ah, há seis aninhos! e que tal se dá com a condução? -> olhe, dou-me bastante bem. nunca bati, já me bateram duas vezes, mas... - [...] -> mas nada de grande, nada de grave. - não? ainda bem. -> não. podia ter sido... - como é que foi? conte lá como é que foram essas, olhe, esses choques. -> uma vez ia... devagarinho, ali... perto dum cruzamento, veio um biciclista - oxalá não vão pôr isto no computador, não deve haver muitos q[...], a dizer biciclista - veio um ciclista, o homenzinho vinha em sentido contrário, estava a dar-lhe o sol nos olhos, despistou-se e veio-me cair em cima do capot. - ah, ah! -> ficou todo aconchegadinho! - apanhou um susto, não? -> sim, eu apanhei! fiquei a tremer, nunca mais conseguia pôr o pezinho no acelerador; mas foi coisa pequena. outra vez em Albufeira - não sei se conhece - conheço. -> conhece Albufeira? sabe onde é o cemitério? - ai, não! -> aquilo faz ali uma curva muito grande, tem assim um, um parquezinho de estacionamento, que tem uma vista bonita, vem de lá um, na, na mecha com um NSUTP que aquilo anda que se farta, eu ia muito devagarinho no meu Morrizinho todo engalinhado, ia dizendo para a minha mãe "olhe isto aqui tem uma vista linda!" bom, quando olho para o lado dou por mim já tinha o NSU em cima. - ah, que horror! -> limpou-me o lado todo, o lado em que eu vinha conduzindo, bateu de lado um... no outro, depois foi um problema, queria-se chamar a polícia, não havia, como sempre nestas terrazinhas não há nada! - [...] -> havia a guarda, a guarda não quis saber de nada, ah, "olhe, há d[...], acidentes pessoais?" "não, não." "ah, então resolvam lá isso entre vocês, que é para não haver problemas." claro que foi um problema gravíssimo, tive que lá voltar três vezes... - ai, que horror! -> para reconstituir o crime, dizendo foi assim, foi assado, como não havia testemunhas, o moço dizia ao contrário, não queria também ser culpado; ah, lá chegámos depois a um acordo, ele lá pagou aquilo. - ai sim? -> já não foi mau. - vá lá. - já não tiveram que, que recorrer a seguros, nem nada disso? -> não, ah, quer dizer, é porque a companhia de seguros era precisamente, a minha era precisamente a dele. - ah, pois. -> e então o, o homem tinha aquele problema terrível. "agora vou, não posso ir nem por, pelo que um diz, nem pelo que o outro diz." - [...] -> e para já o outro era muito melhor cliente que eu, porque tinha lá uma série de carros segurados e o restaurante do pai e era seguro contra todos os riscos e tudo, mas o moço era mocito novo, percebe, ainda por cima o pai era o presidente da Câmara de Albufeira, era uma pessoa assim mais considerada do que eu, e então, ah, foi um problema, mas depois lá aquilo se acalmou. - e o que é que, e o, e o carro ? foi portanto para aí o guarda-lamas... -> ficou todo raspado, do, do meu lado, do lado que eu conduzia com o lado em que ele conduzia, tiveram que tirar portas, foi um friso todo novo, aquilo ficou tudo bonito! quase que valeu a pena! depois de tantos problemas; mas enfim... - e, e tirando isso não tem havido mais problemas com o carro? -> ah, de carro não, que eu me lembre não, assim coisa... grave, não, não tenho tido nada. os carros são todos tão ruins que nem, nem dão para as pessoas bater. - [...] -> felizmente que também já tenho andado com carros bons aqui na casa, Mercedes e coisas no género, mas também ainda não bati. o diabo seja surdo, cego e mudo. isso diz-se muito cá para baixo, não é, - é, é.