TÍTULO: O Acidente LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro DATA: Década de 80 INFORMANTE SEXO: F IDADE: 71 anos ESCOLARIDADE: 4 anos PROFISSÃO: Recepcionista reformada - dona Dália, mas nós estávamos falando de religião, não é, -> certo. - o brasileiro sempre diz que é católico, mas ele nunca pratica. -> é, exacto. - é assim que você sente, também? -> é, eu sinto assim, não é, eu, se passo na frente de uma igreja e me dá vontade de entrar ali, rezar um pouquinho, vou, rezo... e venho-me embora. inclusive não posso me ajoelhar. depois que eu fui atrop[...], sofri um acidente de carro - foi? -> eu não posso me ajoelhar, é. - conte esse acidente. como foi esse acidente? -> olha, o primeiro, eu vinha saindo do consultório, do raio-x. - ham. -> tinha fechado o consultório, lá em Bonsucesso e vinha-me embora. eu nunca olhei tanto para atravessar uma rua como naquela noite. olhei para um lado, olhei para o outro, não vinha nada. vou atravessando, mas, contramão veio um carro, em toda velocidade, e eu, por instinto de defesa, não é, fiz assim para o carro, para empurrar o carro! aí, levei uma trombada no meio-fio, fui bater no outro meio-fio. então, bati, estava com esse relógio - hum, hum. -> bati de barriga para baixo, não é, - sei. -> com o joelho. assim, eu bati assim no chão. - hum, hum. -> aí vieram chamar, era muito conhecida ali, porque eu sou assim, me dou com todo mundo, não é, aí, "aquela moça do raio-x foi atropelada e tal!" e eu dizia "telefona para o, para o Mourão Neto." - sei. -> que era o meu patrão, não é, o dono do raio-x. - hum, hum. -> aí foram telefonar para ele. ele foi para o Getúlio Vargas me esperar. aí me pegaram e puseram dentro de um carro. mas eu s[...], estava sentindo só o joelho. - sei. -> cheguei lá, o Mourão Neto estava pensando que eu estava toda arrebentada, não é, - ham, ham. -> estava já com uma maca ali, que ele é médico, não é, - hum, hum. -> e ele disse "ah, dona Dália! eu pensei que a senhora estivesse toda arrebentada. não está não, graças a Deus." aí fomos. no joelho não dava nada. e eu estava sentindo dor neste braço. esse braço é que é quebrou aqui - sei. -> um pouquinho. aí ficámos naquele negócio, bateu radiografia, ele me deu para eu ver e tal, eu vi "é, não tem fractura nenhuma, não". mas eles me imobilizaram o braço, não é, - hum, hum. -> e vim para casa, ele me trouxe aqui em casa, eu passei uma noite horrível, cheia de dores. - hum, hum. -> aí ele de vez em quando telefonava para casa, eu sentada naquela cadeira e... eu atendia o telefone, e assim passaram-se uns dois ou três dias. ele disse assim - eu es[...], chamo ele pelo apelido, não é, tenho conhecimento com ele, não é, - "Toninho, está doendo demais." "e a senhora estava chorando?" eu disse "eu estou, chorando de dor." "então a senhora vem aqui no consultório". mas nisso eu já tinha batido uma porção de radiografias, não é, - hum, hum. -> inclusive eu lá na casa de saúde de Bonsucesso, quando uma das enfermeiras me viu, ela ficou apavorada, porque tinha visto eu ser jogada uns dois metros de altura e cair no chão. então ela pensou que eu tivesse morrido! - é. hum, hum. -> quando ela me viu, disse "dona Dália, como é que a senhora está andando?" eu disse "pois é, não sei, é só o braço." bom, a conclusão: aí eu fui bater radiografia no consultório aonde eu trabalho. um colega meu que bateu, não estava dando, aí, ele pegou e tirou. assim é que apareceu. - hum, hum. -> eu tive que operar, depois tirar o pedaço do osso. bom, esse joelho ficou meio ruim. depois agora, aqui há uns anos também, com o meu neto numa kombi, que eu tenho horror a kombi. ele comprou uma kombi, eu ainda disse para ele "ih, meu filho! sua avó não gosta de kombi." "ah! que nada avó." bom, eu ia experimentar um vestido numa sobrinha na cidade - hum, hum. -> que eu também coso, às vezes. e eu ia para lá, ele disse "ih, avó, entra aqui." tudo bem. quando nós íamos, depois da Praça Sêca, a kombi, esse negócio, eu não entendo muito bem não, parece que faltou freio, eu não sei o que é, de carro eu não entendo nada. - [...] -> eu sei te dizer, minha filha, que o carro não parava de jeito nenhum. foi e ele, então, puxou para o lado do meio-fio, aonde tinha um caminhão, desses feito de alumínio, a kombi foi... - é. ih!... -> lá de baixo, e ele pegou, porque ia eu e ele na frente, não é, eu assim com o braço no, nas costas dele. ele pegou, me puxou por aqui. ele saiu fora da kombi, ele caiu lá fora, não sei como ele não foi morto. - é. -> e eu fiquei presa entre os ferros. também machucou esse joelho, o mesmo joelho, não é, - é. -> e deu aqui, oh! aqui e aqui. - hum, hum. -> deu aqui, talhos, e de maneira que eu não posso ajoelhar por causa disso, não é, - é. -> tanto quando eu vou a, a uma missa, qualquer coisa, eu não ajoelho de jeito nenhum. não posso mesmo. tenho que ficar mesmo é em pé.