TÍTULO: Nada Ciumenta LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro DATA: Década de 80 INFORMANTE SEXO: F IDADE: 54 anos ESCOLARIDADE: 11 anos PROFISSÃO: Doméstica -> ah, minha filha! minh[...], mulher de médico precisa... ser uma criatura assim, é, mui[...], muito - como é que eu vou dizer? - não ligar para certas coisas, entendeu, não pode ser ciumenta, não pode estar levando o negócio assim, você querer monopolizar teu marido porque não adianta, porque você tem que deixar de mão mesmo. você imaginou a mulher de médico ciumenta? que coisa horrível! é horrível! eu não tenho. nunca tive ciúmes do meu marido, nem um pouquinho. - nunca? -> nunca! nem quando eu era ca[...], mocinha, garota, nunca tive ciúmes, não. porque não, não dá, sabe, ó Maria Lúcia, você habitua mesmo, você não te[...], acho que você no final, você mesmo que seja uma criatura ciumenta você, no final, você acaba se acomodando no, deixando de ser ciumenta, entendeu, porque ele, a vida dele diária é o dia inteiro lidando com mulher, com enfermeira, com colegas médicas, não é, com clientes, moça, velha, tudo, broto, de tudo quanto é jeito. agora, se você é ciumenta, você fica louca ou separa de uma vez, não é, ou separa. - você tem, também tem os telefonemas de noite, não é, -> telefonema de cliente. eu acho que marido de, mulher, eh, ma[...], médico, se quiser enganar a mulher, engana com a maior facilidade. como é que você vai andar atrás do ho[...], do marido o dia inteiro? engana. você pode, pode dizer para você que vai dar um plantão, não dá; pode dizer que vai ver um doente, não vai ver. como é que você vai saber? - é. -> então você, o, o negócio é você não esquentar a cabeça. deixa para lá, sabe, deixa o barco correr. - [...] aí, qualquer homem pode fazer isso. -> ah! mas é, mas já, mas acho que médico tem mais facilidade para isso, sabe, tem muito mais, ele pode, ah, receber um telefonema, não, não ser de cliente, dizer que vai ver o cliente e não é, não é isso? como é que você vai saber se é cliente ou não é? e você vai, vai poder prender o marido dentro de casa? não, eu não. eu nunca prendi. não ligo. me dou muito bem com Paulo, no[...], nós não brigamos, já estamos casados há trinta e poucos anos, até já perdi a conta... - ai, que maravilha! -> trinta e pouco. já perdi a conta até. mas eu me dou bem, a gente não briga assim, só tem, às vezes, umas coisas que a gente não está de acordo, não é, porque cada um tem... - sua manei[...] -> seu modo de viver, de pensar, não é, mas não, briga séria assim, não tem, não. agora, eu digo o seguinte: se eu tivesse a mentalidade que eu tenho hoje, a experiência que eu tenho hoje, a experiência, não é mentalidade, não, a ex[...], a experiência. então, se eu tivesse a experiência que eu tenho hoje, eu não me casaria com médico. - porquê? -> não aconselho a casar com médico, porque você vive só. vive sozinha. vive sozinha, porque você está muito bem com o marido, daqui a pouco [...] ele recebe um telefonema, tem que sair. e você não pode prender, não é, se tem um doente passando mal, você não vai dizer que não quer que ele vá ver o doente, não é, se está passando mal, tem que ir mesmo, não é isso? - [...] -> eu oh!, vou te dizer uma coisa: eu não me casaria com médico. preferia casar com negociante que fecha a porta, fecha a loja, nem que fosse dono de armazém - é. -> as[...], chega aquela hora, fechou a loja, vem para a casa, não esquenta. o médico, não. o médico sai do trabalho, vem para casa mas não, não te[...], não fica em casa. ele, daqui a pouco recebe um telefonema, quantos telefonema de madrugada, eh, duas hora, uma hora... e quando, quando eu me casei então, foi, foi o pior, foi a fase pior da minha vida, porque eu era muito criança e fui para fora, não é, então, menina, eu ficava sozinha! sozinha! ele, de madrugada, ele saía, recebia aquele chamado, vinham buscar ele em casa, e eu ficava numa, numa casa que eu fui morar, enorme, sozinha, Maria Lúcia! que medo que eu ficava! apavorada! - medo? -> apavorada! então, e, mas eu acho que foi por isso que eu, que eu agora não ligo mais, sabe, já me desliguei, já não, não me importo mais, não. dá plantão, está tudo bem, então, eh, volta para casa. - [...] as actividades da senhora, não é, -> é, por isso é que eu gosto de, de fazer meus exercício, minhas ginástica, minha ioga, porque s[...], se não, vou ficar aqui trancada dentro de casa o dia inteiro. - engraçado... -> aí, eu moro... - porque nenhum dos meninos resolveu ser médico, não é, -> nenhum! não, nenhum dos dois. eles sempre disseram "Deus me livre ser médico para levar a vida que meu pai leva!" porque, quando eu, no princípio, eu, de casada, então ainda era pior, quando os menino, pegava muito plantões seguido. agora, não. há muito tempo até que ele não dava plantão, mas agora a policlínica, lá resolveu b[...], dar esses plantões. está com pouco médico lá, porque vai mandando gente embora, não é, - a policlínica de aonde? -> é policlínica do porto. então, eh, tem poucos médicos e, e tem que dar plantão e ele teve que entrar na escala do plantão. ele não queria, porque ele d[...], detesta dar plantão. já deu, deu muito, quando ele era do exército, não é, ele era médico do exército dava, às vezes, seguida, sabe, ele ia para fora e, e, imagina você, ia acampar! - ai, que horror! -> acampar! passava quinze dias fora, acampado. às vezes ia para, para fora, ia para, pe[...], p[...], vacinar, eh, vacina de tifo, essas coisa, então ia para, para santos, para não sei para onde, passava lá uma temporada. - e a senhora ficava sozinha? -> e eu ficava sozinha com os meninos. olha, vou te dizer uma coisa, Maria Lúcia, até Natal e Ano Novo, eu passei muito sozinha, sabe, muitos natais e Ano Novo eu passei sozinha com os menino. e a minha nora reclamam da vida que, às vezes, os, os meninos, eh, chegam atrasados, chegam tarde, essas coisas, eu digo "minha filha, vocês não devem reclamar, não. vocês levam até uma vida muito melhor que eu levei, poxa!" - mas eu acho, dona Mariângela, que a mulher hoje ela, sei lá, ela não aceita com tanta facilidade assim. -> eu também acho. a mulher agora não aceita mesmo não, sabe, é porque foram habituadas, tiveram uma educação diferente, não é, eu é... - [...] -> é isso mesmo. - [...] -> eu acho que assim é que deve ser. - a senhora acha? -> eu, ah! eu acho. eu acho, eu aprovo. eu sempre acho que, quan[...], ah, não, não acho ruim das, das mulheres que, assim serem independentes e trabalharem fora, eu acho que isso é uma boa mesmo, sabe, é uma boa! a mulher deve ser independente, nunca depender de marido. - é, mas, às vezes, os homens ficam muito ameaçados. os homens, os maridos. -> ah! eles ficam ameaçados nada. eles ficam é, é enciumado. - pois é, nesse sentido [...] -> eles ficam é com ciúmes, porque tem muita mulher que ganha mais que o marido. - [...] -> conheço mui[...], muita mulher que ganha mais que o marido, e, e, e eles ficam assim enciumados, porque eles querem ser sempre os machões, não é, querem controlar ali. mas o, mas eu acho certo, sabe, a mulher ser independente, não depender de marido, não. - [...]