TÍTULO: Criar Filhos LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro DATA: Década de 80 INFORMANTE SEXO: M IDADE: 32 anos ESCOLARIDADE: 8 anos PROFISSÃO: Vendedor OBSERVAÇÕES: 'pereré' é utilizado pelo falante para abreviar o discurso. - então, que é que o senhor acha dos jovens, por exemplo -> acha de quê? - de hoje em dia? dos jovens... de hoje em dia. a cabeça deles, como é que vai ser tudo isso... com o pensamento que, que eles têm? o futuro dessa geração... -> é outra pergunta, também, meia, não é, para gente entender a mente de um jovem hoje em dia, está meio bravo. - senhor acha? -> eu acho. - mas você se considera assim realmente de outra geração, bem... -> não, eu não me considero de outra ge[...], ge[...], geração, não! eu sou de uma geração que não é tão antiga, não é, sou de cinquenta e um. mas, sabe, eh, eu se chegar perto do meu pai e chamar "aí, ó pai! você..." já é motivo dele me olhar de, me[...], meio atravessado. você sabia disso? - jura? -> é. e meu filho chega para mim e fala assim "ó co[...], ó baleia!" é, meu, meu filho me chama de baleia, barril de chopp, mas eu já crio meu filho na geração de hoje - é. -> sabe, eu brinco de lutar com meu, com meu filho, caramba! meu pai nunca me permitiu. agora, ah, sabe, eh, sei lá! essa geração de hoje em dia está meio estranha. muito, mesmo. depois, então, que apareceu essa série de, de troços aí. olha, eu sempre gostei de uma coisa, de duas coisas, desde que eu, q[...], que eu me conheço. eu com... dez anos de idade, eu conheci um cigarro, começei a fumar de brincadeira, não sei o quê, estou aí até hoje, com trinta e dois anos eu fumo. - e o senhor daria liberdade para o seu filho furar, fumar? -> dou! - dá? -> ele man[...], eu mando ele acen[...], ele acender o cigarro para mim, ele se engasga, sai tossindo. eu dou, para ele ver o que é que é! se ele gostar, ele vai a luta! sabe, acendeu duas vezes, pergunta se ele quer acender mais! meu filho, quando tinha dois, três, três anos, uns três anos mais ou menos, ele sentava... atrás do carrinho de chá, onde eu tinha lá minhas cachaça, meus troço lá, meu, meus licores, ele abria e zip, [...] até o dia que se engasgou. pergunta se ele, se, se ele [...], se, se quer, se ele quer sentir o cheiro. se e[...], se ele está aqui do meu lado, eu estou fumando: "pô, pai! essa fumaça!" a única coisa que ele ainda gosta, até hoje, é botar cerveja para mim porque faz espuma. aí, ele bebe a espuma. também, só, só. mas ele, quando era garotinho, pegou lá, uma vez pegou um copo lá, eh, sabe, ia sempre, pegava o mesmo, botava, "hum!" gostou! a gente não via! até o dia que nós encontrámos ele atrás do carrinho de chá, se engasgando todo, porque tomou uma dose de pura. aí se desgraçou todo. - coitadinho! -> é. - e o senhor vai dar muita liberdade, assim, para eles, [...]? -> eu, olha, eu crio o meu filho, os meus filhos, eu crio com a liberdade de hoje em dia. agora, a liberdade dentro do limite, não é, dentro do limite. que ele, com todo o tamanho dele, já é abusado. se der trela, você não, você não aguenta, não, cara! - mas abusado como? -> ah, já quer me... confundir os troços, sabe, você... fala um troço, "ah, não enche, não sei o quê e..." pergunta à mãe! eu nunca dei um tapa! - não, é? -> eu só olho para ele! - nunca bateu? -> nunca bati nos meus filhos. ela bate, não sei o quê. eu nunca dei um tapa - [...] -> só dei-lhe um tranco uma vez! - é? -> [...] dei-lhe um, sabe, um tranco, assim, ele, eu só olho para ele, já é motivo dele ir para o canto chorar. - ai é? -> não sei se é respeito, se é medo, sabe, pode ser até medo, não é, - claro. -> mas eu nunca dei um tapa nele. eu só prometo. "ó! tu se cuida, malandro! te cuida que eu vou, eu, eu vou te achar, heim! e a hora que eu te achar, fica ruim!" oh! "nada, acha nada!" sabe, aquele negócio de criança! - e a menina? - e... -> a menina? a menina, oh! uma coisa maravilhosa. - a menina no futuro vai dar mais trabalho, não é, que a menina sempre é mais trabalhosa, não é, educar uma filha, é sempre mais difícil, não é, -> a menina já dá trabalho, cara! - já dá, não é, -> já dá. atrevidinha, folgad[...], com aquele tamanhinho que você viu aí, o irmão não mete as cabeça com ela, que ela enfia a mão no irmão! com aquele corpo todo dele, ela, ela encara ele mesmo! ela, ela, aí! ela já é totalmente diferente dele. é atrevida, mesmo! atrevida. aquele narizinho, mesmo, de, sabe, atrevidinha, ela. - mas o senhor vai manter uma relação, assim, de bastante diálogo, não é, -> ah, eu tenho. - é. -> é o que eu disse, eu saio, passeio, quando posso. também quando, sabe, se querem tomar um sorvete, se eu tenho dinheiro, a gente vai, vai tomar o sorvete. se não tem, não vai. ontem saímos daqui, vi[...], vimos o filme dos Trapalhões, acabou oito horas da noite. aí, peguei eu, ele, as mulher, as criança, não é, vá, aí, fomos ali, sentámos ali no, no bar da Toninha, ali, do lado da Estácio de Sá, faculdade. pedi uma lasanha para mim e uma lasanha para ele. ele, com sete anos, comeu a lasanha que eu, com trinta e dois, como. - pô! - nossa! -> e uma outra lasanha dividiu entre ela... e a garotinha. ele sentou do meu lado "pai, pá, vamos comer lasanha?" "vamos lá!" caímos dentro de uma lasanha, eu e ele. ele comeu u[...], ele comeu a dele, eu comi a minha, com sete anos de idade. ah, então... - você e sua esposa vão querer ter mais filhos? -> não! ela, quando nasceu a garota, ligámos. man[...], mandei ligar porque dois basta, mesmo. - é. -> já está ligado já... quatro anos, já. já vai fazer cinco. - não, não se arrependeu? não se arrependeram, não é, os dois. -> não, porque eu sempre quis ter um filho. eu não, ela, não é, primeiro o homem. nasceu homem. aí, começámos a brincar, aí, depois de três ano aí, começámos aí, pá, não sei o quê, se distraímos, aí, punft! aí, veio uma garota, não é, aí, falámos ass[...], "se for uma garota mesmo a gente liga." ou garoto, ou garoto, ia, sabe, já estava tudo programado para ligar. eu acho que... um filho é bom, não, um filho é pouco, dois é bom, três é dose. - é dose. -> três é dose mesmo, cara! dois, eu já me vejo doidinho, aí! esse moleque almoça duas, três vezes por dia. você acredita isso? - nossa! -> o que bo[...], o prato de arroz e feijão e carne que bota para mim, bota para ele igual, que ele mata. o cara é, o cara é indigesto, mesmo! - tal pai, tal filho. -> e eu não i[...], e eu não proíbo. eu prefiro que coma, do que eu ir levar para médico, gastar com médico. - claro. - [...] -> esse meu garoto, não cortando você... - [...] -> é um caso muito, esse meu garoto, aí, com dois meses e meio, ele arrancou duas hérnias. - pô! -> com quatro meses, ele teve inf[...], duas ou três infecções, infecções intestinal, catapora com varicela. se reparar, ele tem o rosto todo furado - hum, hum. -> de catapora e varicela que deu junto. esse moleque até uns dois anos, pô! bota dinheiro nisso que, dinheiro e susto, convulsões, uma em cima da outra, e não sei o quê e 'pereré'. mas sim, qual é a sua pergunta? -> era o Gerson. - ah, era eu. assim, sobre a mulher actual, por exemplo, mulher que trabalha fora... -> maravilhosas! - é? a sua esposa não trabalha fora. -> não, nunca tra[...], quer dizer, antes de, de nos casarmos, ela trabalhou com uma amiga minha, trabalhou uns, ainda uns dois meses. - hum. -> aí, logo depois, nos casámos, aí, nunca mais. - isso... -> agora, me ajuda muito. me ajuda muito - agora -> nos... - o senhor não se importaria se ela trabalhasse? -> olha, eu acho que é, se ela fosse trabalhar fora, ela teria que ganhar muito dinheiro. - porquê? - porquê? -> porquê? porque, pensa bem! quanto é que ganha uma empregada? quanto é que uma empregada de casa de família quer ganhar hoje em dia? - vinte mil, não é, - mais... -> pô! vin[...], vinte mil, eu pago à, à primeira que chegar aí! - está muito mais, Gerson! está trinta, quarenta... -> é trinta e cinco para, para frente, cara! é, trinta e cinco para frente. então, a minha esposa não tem, ela tem o quê? ela fez curso de Eugenia, na MESBLA, e... tem curso de dactilografia que não faz há muito tempo. então, ela iria ganhar o quê? salário mínimo? vinte e poucos mil cruzeiro. e eu iria pagar de empregada trinta e cinco. para quê? para ver a minha mulher, na rua, recebendo os cochicho, cantadas, que qual é a garota que não recebe uma cantada? qual é a mulher que não recebe uma cantada? daqui ao mercado ela recebe trinta cantadas, no mínino! no mínimo, cara! é! sabe, daqui ao mercado, ali, a quinhentos metros, ali... - mas o senhor também recebe! -> eu recebo nada! eu dou as minhas cantadas, se colar, colou; se não colar, saio fora. mas o, o negócio é esse, cara! sabe, não, eu... - então, a preocupação é essa, com as cantadas? -> não, não é, não é as cantadas. é que ela não vai ganhar o suficiente para cobrir uma pessoa que fique no lugar do meus fi[...], lugar dela, dentro de casa. e não vai criar meus filhos do jeito que, que ela cria, está, e muita coisa mais! muitas coisas mais.