diff --git a/Angola/A Guerra e o Ambiente.txt b/Angola/A Guerra e o Ambiente.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..82b230b02b0dd709166584a6e592f0b2813d1b76 --- /dev/null +++ b/Angola/A Guerra e o Ambiente.txt @@ -0,0 +1,43 @@ +TÍTULO: A Guerra e o Ambiente +LOCAL: Angola - Luanda +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 40 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Professor universitário + + +OBSERVAÇÕES: O interlocutor do informante utiliza um discurso muito formal. Não se encontrou registo de «depletado», adjectivo, nem de «depletar», verbo, de que poderia ser o Particípio Passado. Será um anglicismo (de «deplected»), correspondente ao termo «exausto», utilizado em Portugal para o exaurimento das terras. O informante produz «CADC» por «SADC»(South Africa Development Comunity) + + + + + + +- eh, doutor João Serôdio, os fluxos migratórios que ultimamente se têm registado, um pouco por toda a África, e também dentro do nosso país teriam provocado graves consequências ao ambiente. em volta disto, o que há a dizer-se? + +-> os fluxos, os fluxos migratórios que sempre houve em todo o mundo provocados por desgraças, por guerras, fomes, secas, etc., por cataclismos naturais ou artificiais, dependendo da quantidade de pessoas que se mo[...], que se m[...], m[...], mobilizam de um lado para o outro, claro que traz sempre grandes desvantagens, sempre grandes desequilíbrios ambientais. nós sabemos que o ser humano como qualquer outro animal, desde que ultrapasse... a u[...], a u[...], a capacidade de utilização da natureza, essa natureza tem que ficar prejudicada, tem que ficar de[...], depletada, tem, tem que desaparecer, árvores, plantas, frutas, ah, exi[...], depo[...], co[...], surgem os problemas de erosão pelo excesso de passagem de pessoas, de movimentação, basta apenas os pés a baterem no chão para poderem de[...], desagregar terrenos, para poderem, depois, com a acção das chuvas, essas... pequenas, esses caminhos, não é, serem... utilizados, serem, através das chuvas, do movimento das águas que corre, não é, sobre essa superfície lisa, arrastarem terras, e começam a surgir as, as, as ravinas, pequenas ravinas primeiro, depois maiores ravinas se não houver um trabalho contrário. portanto, sempre que há uma movimentação excessiva de pessoas de um lado para outro, claro que sempre, isso sempre t[...], são, eh, transformadas em problemas ambientais. isto, mesmo que não haja grandes quantidades de pessoas, basta apenas transferir populações de um, de uma dado, de um determinada zona ecológica, habituados a fazer uma agricultura que aprenderam ao longo de milhares de anos com a experiência do erro... cometido, portanto, acerto, erro, acerto, erro, acerto, as populações que se habituam a viver em determinadas áreas aprendem a viver em equilíbrio com a natureza. se, de repente, por qualquer motivo, você pegar essas populações de populaçõ[...], de... rurais, portanto, de agricultores e transferi-los para uma zona ecológica que eles não estão habituados, a primeira coisa que eles vão fazer é pôr em prática aquilo que estão habituados a fazer. portanto, os, os cultivares que eles vão fazer, as, os amanhos da terra vão ser adaptados à zona donde eles são originários. aí começam os desequilíbrios, porque provavelmente, naquela nova zona onde eles estão, se tiver condições ecológicas diferentes, claro que o amanho, o, a gestão da terra tem que ser de formas diferenciada daquelas donde eles são originários. portanto, já isso, mesmo que não haja excesso de populações, mesmo isso já prejudica a própria natureza. agora imagine o que se passa no Rwanda em que são milhões de pessoas que se deslocam e ficam concentradas durante meses no mesma região em que destroem completamente todo o coberto vegetal. claro que isso é um cataclismo mesmo. + +- eh, doutor João Serôdio, no nosso caso de Angola, com as movimentações constantes de grupos de pessoas, eh, provocadas por situações de guerra, essa questão não se põe também? + +-> problemas ecológicos, como disse, já dei há bocado o exemplo, acontecem em Angola permanentemente e acontecem desde a independência de Angola. a transferência de populares, camponeses, por exemplo, do planalto central para as regiões de Luanda, regiões de Benguela e Lobito, o Namibe inclusivamente, em que eles vêm com hábitos culturais do Lubango, do Huambo, por exemplo, da província do Huambo, onde chovem mil e seiscentos milímetros por ano, e vão para as zo[...], zonas semi-áridas, mas as técnicas de cultivar são as mesmas que eles utilizavam no Huambo. claro que esssas, essa situação prejudica imediatamente as situações, a, a, a, os locais para onde são levados, o exemplo, Luanda, à volta de Luanda, à volta do Lobito, Benguela, e mesmo Namibe que é um deserto, as populações do su[...], planalto central ao deslocarem-se para ali provocaram dese[...], dese[...], grandes desequilíbrios ecológicos locais, na, na, no, no, nesses locais. primeiro, porque é uma zona semi, são á[...], zonas semi-áridas, não é, toda a costa angolana, mais ou menos, inclui-se numa, numa, numa zona que ecologicamente se diz semi-árida, ou, e, e esse, e essa situação semi, dessa, essa, esse bioma semi-árido tem características de equilíbrio muito especiais. se nós alterarmos esse equilíbrio, claro que estamos a destruir a natureza. portanto, em Angola, está farta de ter exemplos, por toda a Angola, está farta de ter exemplos de destruição ambiental. não é preciso ir muito longe, a própria população do Huambo, que se concentrou devido à guerra, aos, aos problemas da guerra e ao desequilíbrio... políticos e militares, que se concentrou durante anos à volta das cidades. hoje à volta da cidade do Huambo, ess[...], à volta da cidade do Bié, praticamente o terreno está completamente despido de vegetação. e v[...], nota-se de avião quem chega, não é, eh, porquê? era até, as populações locais iriam até onde podiam ir. ainda ontem, por exemplo, de Saurimo, nós saímos da cidade de Saurimo, que é uma cidade pequenina, mas onde existem, neste momento, vinte ou trinta mil desem[...], eh, desempregados, portanto, pessoas refugiadas e, a toda à volta de Saurimo, pelo menos num raio de dez a vinte quilómetros não há vegetação, não há árvores. árvores todas foram destruídas. só a partir daí depois é que se começa a ver outra vez a floresta. + +- sim, [...] tanto quanto conhece lhe permite fazer qualquer ligação desta, deste desaparecimento de vegetação com desaparecimento também de chuvas... + +-> claro que ao retirar o coberto vegetal, eu estou imediatamente a provocar a situação do surgimento de ravinas. a água da chuva, é, são, zonas que continua a chover intensamente. essa água da chuva cai directamente no solo, desagregando esse solo e arrastando-o depois para os rios. portanto, as ravinas do Moxico, as ravinas do leste de Angola são todas provocadas pelo excesso de população que retirou ao solo o coberto vegetal que fazia a protecção física e mecânica, física, mecânica, claro, e química também, fazia a protecção desse solo. vejam, uma chu[...], se você estiver debaixo de uma árvore a apanhar chuva, a água chega a si já pulverizada, porque ela bate nas folhas, as partículas de água são, são desagregadas e portanto quando chega ao solo já vem sem força, porque houve uma f[...], uma primeira parte que amorteceu a queda da água, da, dessa gota de água, portanto quando chega ao solo já sai l[...], cai lentamente. depois disso as próprias raízes das plantas, das árvores e dos capins têm incapacidade de retenção do solo. você não consegue arranjar, arrancar um pé de capim, por mais fraquinho que seja, se não vier com um torrão de terra agarrado. quer dizer que a própria raiz da planta segrega uma determinada produto que faz uma cim[...], faz, provoca um cimento, uma agregação das partículas de terra em volta das suas raizes, até para se poder agarrar, para se proteger, senão era levada pelo vento, qualquer vento podia arrancar uma planta. portanto, toda essa acção física e química faz a protecção do solo. se você retira o coberto vege[...], vegetal, seja ele de árvores, ou de arbustos, ou de capins, não é, de... herbáceas, ou de gr[...], de gramíneas herbáceas, você está imediatamente a tirar ao solo a capacidade de defesa. essa solo já não tem mais capacidade de, de, de, de contenção e é arrastado pela água corrente. + +- eh, olhando para todo esse panorama ambiental, assim, é possível fazer-se qualquer coisa para evitar que esta degradação seja ainda acentuada nos próximos tempos que, já que as consequências são visivelmente graves? + +-> nós não podemos pensar se é possível fazer. nós temos que fazer, que é diferente! nós temos que fazer! e há, desde que haja vontade das pessoas, desde que haja vontade política dos governos, tudo se pode fazer. e temos que fazer mesmo se não queremos correr o risco de desaparecermos da superfície da terra! todas as acções que nós estamos a provocar nefastas ao ambiente vão ter repercussões na nossa própria sobrevivência. ora, nós não n[...], devemos ser loucos ao ponto de querermos o nosso... próprio desaparecimento, o suicídio da espécie humana! portanto, nós temos que fazer mesmo e temos e podemos fazer! ora, como? como é que podemos fazer? podemos fazer através de vários métodos. primeiro, você tem que convencer as pessoas que, do que têm que fazer, para isso tem que os informar. ora, para isso tem que haver, primeiro estudos, tem que haver informação, tem que haver uma campanha de educação ambiental, tem que haver uma c[...], de, campanha de educação cívica, para as pessoas se poderem respeitar, tem que haver uma série de acções que levem as pessoas a compreender o porquê das coisas. após essa compreensão, você tem moral para punir aqueles que não querem fazer. eu não posso, ou não devo punir uma pessoa que não tem consciência do que está a fazer. faz as coisas porque não sabe. bem, essa pessoa deve ser alertada, deve ser admoestada, mas não punida. deve ser educada primeiro. a partir dali, a partir do momento em que ela tenha consciência de que está a faze[...], a cometer um mal, então a partir daí, nós podemos entrar com a parte coerciva, quer dizer, obrigar a pessoa a fazer desta ou daquela maneira, e há muitas formas de actuar coercivamente. portanto, há aqui já dois aspectos que têm que se, que fazer. para actuar coercivamente, você tem que ter leis, porque nós não podemos trabalhar sem leis. tem que haver leis. então, há dois aspectos importantes que é, primeiro, fazer a ed[...], a campanha de educação ambiental, alertar as populações, para que a maioria tenha consciência do que está a fazer e do que deve ser feito, como pode ser feito. segundo, ao mesmo tempo fazer publicação de leis para que logo a seguir seja possível a aplicação de acções coercivas - obrigar as pessoas a - outr[...], há muitas maneiras de acção coerciva, como disse, e depois continuar com a investigação científica para, cada vez mais, aumentar o nosso grau de conhecimentos. + +- também de, sobre políticas a nível de... ambientalistas africanos, eh, parece que se pensa em... sensibilizar governos, em estudar estratégias de contrapor a tanta destruição do ambiente em si. é, é possível nesta região continental fazer-se políticas concertadas entre os vários países próximos? + +-> isso faz parte já, é uma política que já está a ser... levada a cabo. a existência da própria CADC, isto na nossa região, a própria CADC é exactamente isso. é uma tentativa dos países da própria região coordenarem-se em vários esforços entre eles também a protecção do ambiente. + +- [...] + + + + + diff --git a/Angola/A Guerra e o Ambiente.wav b/Angola/A Guerra e o Ambiente.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..a3809df60aee302c99318b5f32841318288de6a0 --- /dev/null +++ b/Angola/A Guerra e o Ambiente.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:b464f5171a1e08212cd47b0399284fe904865883f996ad67fa42370161deabeb +size 26744056 diff --git a/Angola/Meninos da Rua.txt b/Angola/Meninos da Rua.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..86588835238ea3953a9be2411d7fd9428b611d9c --- /dev/null +++ b/Angola/Meninos da Rua.txt @@ -0,0 +1,60 @@ +TÍTULO: Meninos da Rua +LOCAL: Angola - Luanda +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 27 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Educador do Centro Infantil + + +OBSERVAÇÕES: O interlocutor do informante utiliza um discurso muito formal; o informante nasaliza a vogal inicial de "assim" + + + + + + +- eh, António dos Santos, você trabalha com o padre Horácio desde quando? + +-> bom, desde, posso assim dizer, desde o início mesmo do, da, da caminhada. nós começámos pela rua, na área praticamente do Eixo Viário, quem desce para o Quinaxixe. eh, a princípio foi um pouco assim, meio difícil, não é, porque ainda não tínhamos aquela, prontos, ah, aquela força total para poder... + +- e... + +-> eh... + +- Toni, como é que era este trabalho, vocês saíam às noites, iam ao encontro dos grupos de meninos de rua, meninas de rua, também, não é, + +-> bom, eu praticamente, actualmente já existe meninas de rua, mas antes nós trabalhávamos só mesmo com meninos de rua. eh, nós íamos as noites, íamos às noi[...], às noites ao encontro dos, dos tais meninos. levávamos às vezes comida, cobertores e isto para fazermos a distribuição a estas tais crianças. se encontramos assim agrupados num sítio, eh, mantemos um diálogo com eles, uma sensibilização e tal, por aí, devido certos vícios que na rua também eles, estas tais crianças adquirem, não é, e, prontos. posteriormente, damos a, a... comida, ficamos um tempo com eles e voltamos para a casa. assim sucessivamente o nosso trabalho foi, eh... + +- vocês todas as noites tinham esse trabalho, até mais ou menos ao amanhecer? + +-> sim, nós, eh, começávamos o trabalho, praticamente entre... dezanove e tal, até lá para as uma e tal, porque as crianças, ah, entre dezoito, dezanove e vinte é um pouco difícil de serem encontrados num sítio, porque é a hora em que eles vão à procura de, prontos, alguma, alguma coisa para comer e tal, e é entre as zero hora, duas, um[...], da uma da manhã eles estão a dormir. então ali nós acordamos estas crianças, apesar que é um pouco de sacrifício, não é, eh, e é, é incomodar a criança enquanto está a dormir, mas é aquela hora que nós achamos porque, prontos, eh, é logo, é a hora em que eles estão ali, eh, praticamente, assim, eh, reunidas. mas isto aconteceu só aqui, na, entre Eixo Viário, eh, Eixo Viário, no... Quinaxixe, no, aqui a área do banco, posteriormente nós fomos até à ilha, porque na ilha onde nós estávamos já assim aglomerados, podemos assim dizer. portanto, praticamente, lá já exis[...], estava assim como um acampamento, onde tinham, ala[...], da, assim, as crianças totalmente já bem controladas. ali o programa era diferente. já tínhamos assim a, a, a oportunidade para ter aulas de explicação, já tínhamos assim um, um, um sistema multi-educacional, posso... + +- esta educação era mais, eh, moral, vocês transmitiam algum conhecimento, como é que era isto? + +-> bom, eh, nó[...], da, era tudo. moral, da, da, da, religioso, educação, assim, já académico também que era parte de aulas, eh, académicas, eh, porque, também nós já estávamos a pensar no, no futuro deles que é a, a, a... matrícula nas escolas, nas escolas oficiais, porque nós já estávamos a contar com a vinda para aqui, aqui no, no, no Palanca, não é, e prontos, então apla[...], apla[...], apla[...], apla[...], aplicávamos esta, esse sistema para tirar mais ou menos uma parte do vício que elas já, já, já tinham. porque totalmente as crianças estavam assim, bem inundadas com o vício. + +- e, portanto, e, con[...], conte-nos um bocado como é que era a situação dessas crianças, em que condições é que vocês encontravam, como é que elas viviam, como é que elas dormiam, alguma coisa assim mais mais. + +-> bom, essas crianças, eh, praticamente, nós encontrávamos totalmente drogadas. drogadas com vários, já vários, vários produtos, que é a droga mesmo. a droga... são os comprimidos, então, ingeriam a gasolina, o álcool, o tabaco, que é o liamba e o cigarro, isso exclusivo, e foi um pouco assim. às vezes tínhamos... um pouco de dificuldade como contactar com essas crianças, porque nós não tínhamos assim, praticamente uma formação, uma formação para de, para, prontos, corresponder ou estar em contacto com essas crianças, mas com a ajuda de Deus, não é, tudo foi possível, nós conseguirmos, eh, contactar com essas crianças. tarde depois é quando, eh, com... os conhecimentos ou com a evolução do tempo, a UNICEF apareceu, deu-nos uma formação, prontos, um semi[...], promoveu-nos um seminário, não é, de capa[...], de capacitação, isto para, com estas crianças mesmo de rua. e ali [...] vimos o trabalho um pouco mais diferente e dali fomos... vivendo com o tempo. + +- e algumas dessas crianças que vocês encontravam nesse estado, em estado de droga, já estão, estão completamente recuperadas, lembra-se de alguma que está recuperada e está aqui convosco neste centro? + +-> bom, actualmente, das que, as que encontrávamos assim totalmente drogada, uma ou duas crianças, posso me lembrar delas, está, portanto, estão, estão cá no Palanca e o restante já foram encaminhadas para a família, porque isso também é um dos nossos objectivos de, portanto, que é da instituição, promover a vida e os direitos da criança com vista à sua autonomia na sociedade e à sua reintegração na sociedade, porque nós já vimos de, devido um certo tempo, não é, as crianças já estão totalmente assim bem, eh, reintegrada, se eu posso dizer, nós vimos que, não é, eh, achamos conveniente reinseri-los para a família de, para as suas famílias. não é isso. + +- e, com que então, eh, também falava-se que nesta altura vocês já haviam tido algumas dificuldades, sobretudo quando protegiam as meninas de rua, falava-se das meninas de rua que muitas vezes eram assaltadas, por indivíduos, até por grupos policiais, conte-nos um bocado como é que era isto. + +-> bom, quanto às meninas de rua, bom, a, o tempo em que nós estávamos a... ter contactos com as, com os rapazes, eh, os meninos de rua, bom, aquelas [...] eram consideradas, assim, como prostitutas, não é, posso assim dizer, eh, passe o termo. eh, nós protegíamos estas crianças devido também ao, à boa parte de caridade que nós temos, não é, o amor, não é assim, bem, bem elevado, se eu posso dizer, porque, eh, eu, aconteceu o problema do, duma menina, esqueço o nome, que foi baleada por um polícia lá no, na Mutamba, que na qual, eu e o padre Horácio é quem acompanhámos ela até ao hospital, não sei se, não acompanhei mais a, a, a, a evacuação dela da, da, da, do hospital para fora de, de an[...], de Angola, não é, porque ela foi mesmo evacuada fora de Angola, eh, mas [...] o problema foi assim, eh, uns polícias, não é, encontraram as tais miúdas a deambularem no, na, na área da Mutamba, entre o, o b[...], o, o prédio do Ministério das Finanças... é naquela área ali. então as meninas estavam assim, nos, no meio de, de alguns rapazes que são amigos dele, e prontos, a polícia estava a fazer aí a sua patrulha, [...], o seu patrulhamento e tal, prontos, e os rapazes conseguiram escapar-se e foram. e as meninas ficaram. assim que ficaram, não sei se eram mesmo polícia assim, posso assim dizer, não é, polícias, eh, nacionais, mas eles estavam fardados à polícia e levaram as meninas, forç[...], tentaram forçar as meninas para levar. uma delas é que estava... a refilar. e prontos, ainda conseguiu escapar-se das mão dos, da, da, dos polícias, ficaram-se a me[...], meteram, meteu-se a correr, e prontos, foi baleada mesmo ali. os polícias levaram as duas e foram, deixaram aí a menina. assim quando nós vínhamos do Baleizão, eh, para vir à Mutamba para estar em contacto com outras criança, encontramos a menina... a gritar. e dali, prontos, vimos pelas horas, era um pouco tarde, evacuámos a, levámos até à Quinta Avenida. + +- nesta altura os polícias já não estavam? + +-> já não estavam os polícias, nessa altura. os polícias já não estavam, eh, fomo[...], levámos até à Quinta Avenida. a irmã Danuta, que é uma ma[...], uma, uma madre, que está também ligada dentro deste projecto, fez o, os primeiros socorros e, prontos, eh, passou aí a noite, no dia seguinte... levámos... para o hospital Josina Machel. houve apen[...], algumas pr[...], complicações, mas com a influência da irmã Danuta, como ela é, é médica, médica, prontos, não foi assim muito, pouco difícil rejeitarem a miúda. + +- e lembram-se de alguns abusos que estas crianças tenham tido e que vocês tenham sido os verdadeiros protectores, como muitas vezes se diz, abusos sexuais, sobretudo contra as tais... sobretudo meninas? + +-> bom, eu não me lembro na, na, nenhuma, na, na, num, nenhuma acção desse tipo, porque, prontos, na altura em que nós estávamos a, a trabalhar com eles, não aconteceu assim lá tanto, tantos abusos. + + + + diff --git a/Angola/Meninos da Rua.wav b/Angola/Meninos da Rua.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f55f94377b5b38030747723ccfe96d31980a2f8e --- /dev/null +++ b/Angola/Meninos da Rua.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:06f08111e5b619439748f6276d8ff63b0929560145ac2b06390e129c5fb869e4 +size 23590070 diff --git a/Angola/O Ensino em Angola.txt b/Angola/O Ensino em Angola.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..1fee53895131fc418ac74419d3b3fe302933ea28 --- /dev/null +++ b/Angola/O Ensino em Angola.txt @@ -0,0 +1,39 @@ +TÍTULO: O Ensino em Angola +LOCAL: Angola - Luanda +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Professora + + +OBSERVAÇÕES: O interlocutor do informante utiliza um discurso muito formal. A informante fez os seus estudos superiores em Portugal, no início da década de 70. + + + + + + +- quando é que se considera que em Angola passou a haver mais ou menos um grupo, ou uma elite a sair formada das escolas, nesta altura, a partir de quando mais ou menos? + +-> bom, formada, depende do que você entende por formada, porque, escola secundária, como digo, abriu ess[...], abriu o liceu em mil novecentos e dezanove e os s[...], o seminário continua a ser uma escola secundária que serviu de formação para muita gente que, que evidentemente nunca chegou a ser padre, porque a maioria dos que frequentaram o seminário não foram padres, mas ficaram com a sua escolaridade de nível secundário. mas eu... acho que, talvez hoje já não se lembrem bem, que a primeira instituição de carácter superior, tirando uma vaga escola médico-cirúrgica do século dezanove que nunca funcionou para formar gente aqui, a primeira instituição de ensino superior foram os Estudos Gerais Universitários, que foram em mil novecentos e sessenta e três. esta colónia, ao contrário de colónias vizinhas, não teve inst[...], eh, qualquer instituição de ensino superior até mil novecentos e sessenta e três. e aí eram os Estudos Gerais Universitários de Angola, dependentes da universidade portuguesa, que em mil novecentos e sessenta e oito se converte em Universidade de Luanda, portanto para toda a colónia, tendo as suas, as suas dependências, também, eh, no Huambo e no Lubango. mas de qualquer forma convém também recordar que há certos cursos que nunca tivemos aqui no período colonial. Direito nunca houve, Arquitectura nunca houve, todos os cursos chamados de Letras não tinham licenciatura, tinham apenas nível de bacharelato. Antropologia nunca houve, Sociologia nunca houve, eh, Filosofia, se não contarmos com a opção seminário, portanto, que tem, como sabe, Filosofia e Teologia na sua formação, eh, nunca houve. quer dizer que não só foi uma universidade tardia, como limitada, e com muitas reservas desde, desde o início, e que [...], e que nunca chegou a tomar desenvolvimento pleno antes da independência, não é, e que foi feita, criada, sobretudo na altura para satisfazer a grande corrente de emigração branca que tinha aumentado muito a população de origem europeia na colónia, que começava evidentemente já a reivindicar a formação na colónia para os seus filhos. o que não quer dizer que alguns angolanos, das mais variadas origens, não tenham também apanhado já esses estudos universitários. mas, é bom termos a percepção que o ensino universitário em Angola aparece muito tarde. e estou a comparar com as outras colónias africanas, não estou a querer comparar com mais nada. portanto, quer a s[...], a escola secundária, quer o ensino universitário são relativamente tardios. é uma caracterização, infelizmente, nossa, do nosso passado, como colónia, nós e as outras colónias portuguesas, um atraso grande no domínio educacional. e os números são muito elucidativos, eh, quando se compara os números do ano setenta, setenta e três, com, por exemplo, os números de setenta e sete, percebe-se o que foi a explosão escolar pós-independência, pode-se mesmo dizer explosão escolar pós-independência, que realmente os dados mostram. + +- eh, quer dizer que este período vai até mais ou menos à independência, em mil novecentos e setenta e cinco. estamos a falar, mais ou menos, do nível de escolaridade nesta altura... + +-> sim, sim. o nível de esc[...] + +- e a partir... + +-> o nível de escolaridade sofre um primeiro, eu diria uma pequena explosão escolar na segunda metade da década de sessenta. efectivamente, na segunda metade da década de sessenta, portanto, a seguir a sessenta e cinco, mil novecentos e sessenta e cinco, acontecem duas coisas importantes: acaba a diferença entre a escola dos indígenas e a escola dos outros, portanto, não há mais indígenas e civilizados como estatuto e também na escola o ensino fica unificado, acabou o ensino rudimentar, ensino de adaptação, passa a haver um único ensino. depois depende das posses das famílias, de, de várias condições. portanto não há mais discriminação no ensino, a partir de, de mil novecentos e sessenta e cinco, e isto é um aspecto importante, e isso vai-se traduzir numa primeira explosão escolar, sobretudo no secundário. portanto, no primário, claro, mas também no secundário. as escolas secundárias multiplicam-se, nessa última fase colonial, e enchem-se realmente aí de angolanos de todas as origens. mas isso não chegou, isso não, essa onda não chegou nem ao ensino médio, nem ao ensino superior com muita força. a seguir à independência, portanto, até à independência, mesmo assim, e se você quiser uns números globais que sempre preocupam e assustam as pessoas, eh, acontece que ainda em setenta e dois nós tínhamos no ensino primário apenas meio milhão de alunos, e nessa altura as previsões do, dos estudos feitos, diziam que lá para setenta e nove, oitenta, devíamos ter seiscentos. eu quero lembrar que em setenta e sete, portanto ainda antes da data prevista, nós já tínhamos um milhão de estudantes nos vários níveis de ensino. portanto, e tínhamos, aliás, mais, para ser mais correcta, tínhamos, só no primeiro nível em setenta e sete, um milhão e vinte e seis mil. portanto, e depois tínhamos setenta e nove mil no segundo nível, e noutros níveis mais gente. quer dizer que realmente se pode fazar, falar numa explosão escolar no pós-independência, o que representou, é evidente, uma sobrecarga em termos organizativos, em termos de professores, em termos de, de edifícios, tudo isso. também, não estamos agora a falar de, do momento actual, poderia começar a fazer crítica do que não fizemos no pós-independência, não é, mas isto era para fazer um balanço do período colonial e eu acho que não é brilhante, não. é um balanço que mostra muito atraso, no domínio da educação. em quantidade e em qualidade. + +- isto... deve-se a alguns factores, quer indicar alguns? + +-> bom, posso indicar um deles que é, é bem conhecido, o p[...], a própria metrópole que nos colonizou tinha um índice de analfabetismo ainda substancialmente alto no século vinte em relação a outros países europeus. eh, por outro lado, o regime que se instala em Portugal a partir do anos trinta, o regime fascista, o regime de Salazar, é um regime bastante retrógrado no domínio científico e é um regime pouco interessado em alargar muito os horizontes e o conhecimento das populações, a não ser na medida em que precisava de formar as pessoas para o trabalho, não é, portanto, escolas politécnicas, escolas técnicas, etc. então, mesmo as universidades portuguesas se ressentiam disso. quando eu disse há pouco que nós não tínhamos certos cursos, eu como estudante fui para Portugal em sessenta e nove fazer História e, e não podia, por exemplo, ir fazer Sociologia, se eu quisesse. não havia um curso de Sociologia em Portugal. a não ser uma coisa ligada aos estudos de política ultramarina para formar funcionários para o ultramar. não havia um curso de Antropologia, como tal, a não ser ligado à política ultramarina para formar funcionários para o ultramar. eh, estou a usar a linguagem da época, claro. eh, e havia, portanto, mesmo nas universidades portuguesas, no domínio das Ciências Sociais, não direi no domínio da Medicina e da Engenharia, onde havia um certo desenvolvimento, mas no domínio das Ciências Sociais um grande atraso, que o próprio regime português criou. quer dizer, colonizado por um país, que já em si tem atraso no domínio educacional, a colónia certamente não vai ter mais desenvolvimento que a metrópole, hum, isso é um aspecto. o outro é que é bom lembrar que Angola só foi totalmente ocupada já neste século, portanto a colónia com estas fronteiras que nós hoje conhecemos como país desenha-se no século vinte. + +- e voltando um bocadinho no tempo e no espaço, eh, como é que começam a aparecer então, para além da, daqueles casos isolados que já disse, os primeiros doutores, ou aqueles que aparecendo, talvez fossem os assimilados daquela altura, com um nível mais ou menos equiparado ao doutoramento? há casos isolados, como é que se explica estas, bom, estes que aparecem? + +-> doutores sempre teve muito poucos. eu, eu, eu acho que hoje em dia, com a proliferação de doutores que a gente tem, eh, tende a projectar para o passado esses nossos, essas nossas maneiras de observar. doutores sempre houve muito poucos. eh, mesmo falando licenciados, já não estou a dar esse desconto, que aqui s[...], chamamos doutor a qualquer licenciado, mas, mesmo licenciados houve muito poucos, para as próprias necessidades da colónia. isso era uma, uma reclamação feita, quer pelos filhos de colonos quer pelos filhos dos colonizados, era uma, uma, um protesto, uma reclamação sempre sentida. a questão dos, entre aspas, civilizados, ou entre aspas, assimilados, é outra questão, isso não tem que ser doutor, é uma questão de ter adoptado, incorporado e aplicar um modo de vida mais, eh, próximo das influências culturais europeias, e isso sempre houve ao longo da história de Angola, grupos e camadas sociais, uns mais letrados, outros iletrados mas adoptando certos usos e costumes, isso sempre teve ao longo da história de Angola, e depois, agora, seria preciso analisar em cada período o que é que isso significou. + + + diff --git a/Angola/O Ensino em Angola.wav b/Angola/O Ensino em Angola.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..6e6ae48d1b46cfe3b18030a6da371a2687754248 --- /dev/null +++ b/Angola/O Ensino em Angola.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:3e9ac3ad1091840706c251672a714f72b04c0bcb3029d88a0dc4dec991245670 +size 21649374 diff --git a/Angola/O Jovem Gaspar.txt b/Angola/O Jovem Gaspar.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..bc4d6a95f64d97c02d4a86731987a86c5c7af3f9 --- /dev/null +++ b/Angola/O Jovem Gaspar.txt @@ -0,0 +1,105 @@ +TÍTULO: O Jovem Gaspar +LOCAL: Angola - Luanda +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 22 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Empregado de mesa + + +OBSERVAÇÕES: O interlocutor do informante utiliza um discurso muito formal. + + + + + +- vamos à conversa com o jovem Gaspar, com... um jovem de vinte e dois anos que em Luanda como outros jovens tem uma situação particular. muito cedo abandonou os familiares, por situações que ele próprio vai explicar. + + [...] + +- por isso é que vamos saber também se trabalha. + +-> sim, trabalho, não é, e é do meu trabalho que eu consigo sobreviver. + +- é. o salário satisfaz? + +-> sim, sim. de facto. satisfaz. + +- podemos saber quanto é que ganha? + +-> duzentos dólar, vamos assim dizer. + +- e com duzentos dólares é possível fazer-se frente a tudo, eh, à vida, ao custo, e... como é possível sair-se desta situação, assim, sem grandes problema? + +-> bem, primeiro, é que eu vivo só, não é, vivo só, e, portanto, com... os duzentos dólares que eu ganho eu consigo, pelo menos, eh, fazer as minhas compras e comer, não é, durante o, o, o mês todo. durante trinta dias. + +- é só porque vive só é que esta facilidade lhe está, é porque, é só porque vive só é que tem esta facilidade? + +-> sim, sim. é porque tenho essa facilidade. porque se fosse, se eu vivesse com mais alguém acho que esse dinheiro, di[...], dinheiro não chegava. nem para mim, nem para a pessoa com quem eu vivesse e para o meu filho. + +- [...] também falando um bocadinho das condições sociais, o Gaspar, por exemplo, tem à sua disposição um meio como um televisor, um, as suas condições, eh, em casa, tem meios que, que lhe sirvam para dizer que leva uma vida regular... + +-> bem, em casa eu não tenho meios. eu não tenho esses meios, em casa. + +- portanto, eh, conte-nos um bocadinho a sua experiência desde sair da família e viver sozinho e mais ou menos equiparado aos outros jovens da r[...], de Angola. + +-> bem, eu vou mesmo começar pela, pela minha família, não é, eu saí de casa, d[...], aos treze anos e portanto comecei a dormir f[...], em casa dos amigos, não é, hoje dormia em casa de um, amanhã de outro, amanhã comia ali e assim sucessivamente, não é, inclusivamente, até fui parar a um sítio que, mesmo aí próximo do Marçal, não é, perante uns amigos bandidos que roubavam e fumavam liamba, roubavam as suas coisas e metiam ali, não é, então eu vi, v[...], verifiquei que ali não era o sítio ideal para mim, não é, então fui trabalhando normalmente, primeiro fui trabalhar numa serra[...], serralharia, não é, e onde fiquei aí duas semanas e depois tive de sair dali e fui para a Feira N'Goma, não é, que é lá quando comecei a minha experiência de hotelaria e três meses depois fiz o curso de hotelaria, aprovei, não é, como um dos melhores empregados, e fui para o, o Afrodisíaco funcionar como empregado de mesa e depois passei para o Farol Velho durante cinco meses e agora continuo no, no Imoca, não é, a trabalhar, normalmente. + +- e, Gaspar, porquê então ter-se afastado da família, algum motivo, e assim tão cedo? eh, será, terá havido alguma razão? + +-> exacto. há razões sim. porque, primeiro é que eu tive problemas mesmo com a família. sim tive problemas com a minha família, não é, e portanto a minha mãe faleceu muito cedo e de + + [...] + +-eh, então depois de ter perdido a mãe, o que é que se deu? + +-> sim, não é, a minha mãe era uma pessoa que teve muitos problemas com, com a mãe dela, não é, e depois dela ter morta, parece que o sofrimento dela toda recaiu sobre nós, não é, a família parece que não queria responsabilizar-se de nós, porque nós somos três, então, estávamos separadas, não é, uma estava num tio, outra estava numa prima e outra, e outro estava na avó que sou eu. só que esta avó, portanto, não sei se ela gostou da minha pessoa ou não gostou, maltratava-me muito. então foi a razão no qual eu tive de sair mesmo da minha família e arranjar um cantinho que é para mim poder viver sozinho trabalhar normalmente, para mim poder sobreviver. + +- eh, nesta altura, quantos anos tinha? + +-> bem, treze, treze anos, nessa altura. + +- e aos treze anos lembra-se de algum drama, eh, como é que eram as noites, a sua sobrevivência e como é que conseguiu até hoje manter-se? + +-> bem, eh, naquel[...], na[...], naquele tempo, portanto, como eu já antes tivera dito, não é, eu dormia hoje aqui, amanhã ali, às vezes, eh, portanto, dormia mesmo na rua assim ao ar livre. e mais tarde eu verifiquei que estava, estava, estava mesmo a caminhar muito mal, não é, estava que nem um menino de rua e no entanto eu tive de fazer o esforço, poder trabalhar um bocadinho para ver se conseguisse um tecto para mim, não é, e até que eu consegui um tecto para mim viver. + +- e hoje o Gaspar vive, eu já visitei a sua casa e conheço mais ou menos e como é que conseguiu então encontrar um espaço? + +-> bem, na altura, eu estava a trabalhar com um branco. esse branco confiou tanto em mim que, e, que disse que eu tinha que trabalhar ao lado, ao lado dele, eu tinha que ir viver ao lado, ao lado da casa dele. no entanto ele mandou-me procurar um quarto, e como eu já tinha quatrocentos dólares em casa, então estava a andar com um amigo e este amigo começou a procurar o quarto para mim durante três meses. e nós conseguimos um quarto mesmo na Mutamba. [...] + +- e qual é a sua maior aspiração depois de ter conseguido ultrapassar com muitas dificuldades ao, ah, de ter-se triunfado na vida, digamos assim, com algumas dificuldades, qual é a maior aspiração para o futuro que pensa realizar? + +-> bem, a minha aspiração nesse momento seria mesmo trabalhar na informação, porque eu... tenho o, o segundo ano de jornalismo, não é, apesar de não ter terminado, faltavam dois, e portanto, eu me esforço um bocadinho que é para ver se entro, portanto, na Rádio Luanda, ou em qualquer emissora que é para mim poder aprofundar um bocadinho a minha experiência, porque eu sei na realidade que, acho que a minha, minha vocação seria mesmo rádio. + +- é, portanto com esta vocação, eh, pensa encontrar talvez algum caminho para... tirar ou para compensar alguma coisa que no fufu[...], no passado não teve, ou pensa com isto ajudar algumas pessoas que tenham experiência parecida à sua? + +-> não, ajudar, para as poder ajudar algumas, algumas pessoas que têm que, portanto, praticamente estão na minha situação, não é, + +- de que maneira, mais ou menos? + +-> eh, portanto, eh, eu, da forma em que eu vivi, não é, já estando num, num, portanto, num órgão assim de informação, eu poderei comentar a minha vida a muitos daqueles que também vive a me[...], a mesma situação. portanto, eu não roubei, não é, e eu espero que muitos jovens também não roubam ao, ao, portanto, ao quererem recomeçar a vida, não é, então, é essa a mensagem que eu pretendi e pretendo, pelo menos ainda, dar a conhecer às pessoas, não é, + + [...] + +- e Gaspar falou-nos um pouco de, da morte de sua mãe, não nos falou do pai, e em que situações é que isto aconteceu. conte-nos um bocadinho da sua situação familiar quando estava com o pai e mãe, como é que foi? + +-> bem, quando eu era mais pequeno, mais pequeno ainda, digo mesmo, eh, eh, a, a, o pai e a mãe t[...], também tiveram muitos problemas, que eu ainda recordo uma luta de minha mãe e de meu pai. e d[...], após a morte, portanto, o meu pai separou-nos e eu estou, há quase vinte anos que não vejo o meu pai, e nem sei onde está nesse momento. + +- lembra-se de algum motivo, terá, terá sido alguma pessoa que bebia muito ou, não, não tem mais ou menos ideia de como era o pai, a figura que marca que tem? + +-> bem, o meu pai é uma pessoa que bebia muito, de facto. bebia e depois até fazia confusão. eh, recordo-me, uma das vezes, ele bebeu e foi lá para casa de, de, dos meus avós e... levou assim umas coisinhas para mim: calções, um par de, um par de sapato e, desde aquela data até hoje, eu hoje não consigo ver o meu pai, e eu tenho certeza absoluta que se eu o ver na rua ainda posso esquecer dele. + + [...] + +- eh, que receptividade é que você tem com a família, com a, a que esteve ligado, e que de uma certa maneira você tem reservas muito negativas? + +-> bem, nesse momento eu não ligo à minha família. eu não estou, não, não, não, não, não dou assim mui[...], muito, muito bem com a minha família, não é, embora, embora eles me tirarem do sítio onde estava, porque eu estava mesmo muito doente. mesmo já em minha casa estava muito doente. e, portanto, foi a família que me pegou e levou-me ao hospital, fiquei três meses lá, então, eu também devo agradecer a essas pessoas. mas há outras f[...], há outros familiares que nem sequer queriam botar a mão em cima de mim. essas pessoas irão pagar um dia. + +- eh, irão pagar de que maneira? não pensa numa reconciliação, ou pensa retaliar pela mesma moeda? + +-> bem, reconciliação, hum! reconciliação eu não digo, não é, porque até agora abandalham-me. até agora abandalham-me. prontos, também não vou sujar as minhas mãos de sangue, não é, mas irei utilizar uma vingança límpida, chamo assim. + + + + diff --git a/Angola/O Jovem Gaspar.wav b/Angola/O Jovem Gaspar.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..042e150db2616f975d68da82aeb1cfe975d3e507 --- /dev/null +++ b/Angola/O Jovem Gaspar.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:40f336b8c8b3b7b4a8a38b21d03e7d4bd0f0fb33b5bfd739125b276e1b640a17 +size 25457152 diff --git a/Angola/Um Conto Tradicional.txt b/Angola/Um Conto Tradicional.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f6c4f528100ad4813deca16e8d5296c4cb034255 --- /dev/null +++ b/Angola/Um Conto Tradicional.txt @@ -0,0 +1,43 @@ +TÍTULO: Um Conto Tradicional +LOCAL: Angola +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Estudante + +OBSERVAÇÕES: O interlocutor do informante utiliza um discurso muito formal. + + + + + +- então Domingos, vamos ao conto, que parece gira em volta de que temática mais ou menos? + +-> da prudência que devemos ter na justiça, não é, + +- portanto, a prudência que se deve ter na justiça, muitas vezes os contos africanos, sobretudo aqueles originários, têm em cada um a sua mensagem. então vamos a mais um, em que o Domingos vai contar. faz favor. + +-> em determinada aldeia, existia uma família que teve um filho deficiente, na perna. essa família foi procurar o médico tradicional, que é o curandeiro, e a partir daí o, a receita que o curandeiro deu é a de... que o filho, que tinha a perna deficiente, usasse uma pulseira, para quando, ou, cada vez que olhasse na pulseira, a tendência seria de melhorar. aconteceu que essa família, no seio desta família, não havia ninguém que possuía a pulseira recomendada pelo... médico tradicional. foi então que... a[...], ocorreram a outras famílias e apareceu uma que tinha essa pulseira, e emprestaram a pulseira, e aí a criança começou a usar e cada vez que olhava, cada vez que andasse, procurava melhorar, e até chegar a melhorar, a pulseira permaneceu. os anos passaram, a criança cresceu, e até que atingiu mais ou menos dois anos, a outra família, foi a, a família que havia emprestado a pulseira, foi buscar a pulseira. quando lembraram-se, já a criança estava grande, forte, e não dava para tirar a pulseira da perna da criança. e ninguém daquela família tinha uma pulseira idêntica para devolver. + +- portanto uma pulseira com poderes mágicos, não é, + +-> eh, podemos assim dizer, sim. + +- e muitas vezes na tradição africana, as pessoas usam mesmo, eh, pulseiras, e porque realmente acreditam em qualquer coisa de mágica. quando se vê, muitas vezes, muitas mulheres africanas, sobretudo quando a gente viaja um pouco mais para o interior, a gente vê pulseiras justamente, era mesmo, eh, algumas delas têm qualquer coisa a ver com a tradição. + +-> segundo o que se diz, pelo menos pelos muílas, onde eu andei muito pouco tempo, não é, quer dizer, conheci um pouquinho aí, mas, diz-se que as pulseira têm um poder energético, eh, muito forte, assim para, e que dá resistência às pessoas. + +- é, com que então vamos retomar o conto. a criança cresceu com a pulseira e a família veio a pedir, a família que tinha emprestado a pulseira. + +-> exactamente. então, como ninguém da família que... tinha o filho deficiente anteriormente, nem, nem deles tinha a pulseira, e a outra família exigia a ferro e fogo que tinham de, de devolver a pulseira, então a solução foi única. cortar a perna da criança para tirar a pulseira. e fizeram. hum, d[...], cortaram a perna da criança e... entreg[...], devolveram a pulseira. passado alguns tempos, aquela família que era possessa da pulseira, teve um filho, nasceu uma criança, que nasceu com os olhos tortos, e foram ao curandeiro, um médico tradicional e este disse "olha, a criança deve usar um colar, no, no peito, no pescoço", para cada vez que olhasse para este colar, eh, ela, para [...], para cada vez que olhasse para este colar, ela... tendia a melhorar, a endireitar os olhos. então aconteceu que a criança, a de, a outra família teve de recorrer ao, à mesma família que anteriormente lhes havia emprestado a pulseira. então emprestaram o colar e a criança começou a usar, até melhorar... os olhos. passaram-se anos, a crian[...], a jovem, a criança que depois f[...], tornou-se jovem, eh, ficou forte, já ninguém mais lembrava e a outra família foi então buscar a, o colar que havia emprestado. foi assim que chegado lá, ninguém da família tinha o colar idêntico para emprestar. e não havia forma de tirar o colar do pescoço daquela jovem. então, nou[...], a outra família exigia que tivesse que devolver o colar, a ferro e fogo, tal como aconteceu com a pulseira anterior. então não tinham outra, outra alternativa senão cortar a cabeça da... jovem para devolver a pulseira e termina por aí o conto, não é, + +- portanto, um conto em que, por duas ocasiões, a menina teve que devolver primeiro a pulseira e depois devolver também o colar que custou o pescoço, no caso de, do colar e a, bom, a perna no caso da, da pulseira. portanto, uma mensagem que fica em volta disso. eh, como é que se interpreta este conto? + +-> eh, é que nós temos que ter prudência ao fazer a justiça, não é, quando queremos fazer a justiça para com alguém que nos deve, ou para com alguém que n[...], ou que nos fez algum mal, eh, temos que medir bem o que nós queremos fazer e as con[...], e prever, procurar prever um pouquinho as consequências daquilo que... a gente vai fazer, não é, porque muitas vezes nós agimos por sentimentalismos, emoção a mais, e às vezes não... damos conta que ferimos muitas sensibilidades, não é. + + + + + diff --git a/Angola/Um Conto Tradicional.wav b/Angola/Um Conto Tradicional.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..d0f433f9caad43b0bd8275832e4c355a6189ddea --- /dev/null +++ b/Angola/Um Conto Tradicional.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:9fce8ac59adc68a261202b6d4d9d2c5802733e91895144b2b2b709ed6d83362e +size 15813126 diff --git a/Brasil/A Fazenda.txt b/Brasil/A Fazenda.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..48fdcc9c9b2c3cbbaf345f06c83e80cd92243dcb --- /dev/null +++ b/Brasil/A Fazenda.txt @@ -0,0 +1,105 @@ +TÍTULO: A Fazenda +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: 1972 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 30 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: + + + + +-> uma fazenda é, fica em Friburgo, vinte minutos depois de Friburgo, portanto no município de Friburgo. a fazenda é bem grande, tem uma casa tipo colonial. a casa é toda cercada por um varandão com, com... cerquinha de madeira e depois então dentro tem uma sala muito grande, com duas portas em que se abrem duas alas, que são duas alas de quartos diferentes, cada ala com o seu banheiro... servindo. depois tem uma porta bem grande de ferro que separa da copa. a copa não é absolutamente como nós vemos na cidade. a copa é uma sa[...], uma sala de jantar. aquelas mesas enormes, cadeiras enormes, pronta a receber uma família com muitos filhos. a cozinha - logo em seguida vem a cozinha - também muito grande, uma coisa maravilhosa que aqui na cidade não se vê, que é fogão a lenha. você já viu fogão de lenha? é espectacular, não é, + +- é [...] + +-> e esse fogão da fazenda é uma maravilha, conservado por uma empregada antiquíssima. então, o grande... prazer dela é depois que termina toda função de alimentação e de alimentar aqueles vândalos, de... arear os metais, passar brasso, então o fogão fica lindo, maravilhoso. aí chega na hora do jantar, bota lenha fica tudo pretinho outra vez. não tem importância. + +- [...] + +-> todo dia ela faz a mesma coisa. bom, tirando, da cozinha, nós temos o pátio bem grande. nesse pátio tem uma reserva de lenha, a parte fechada, tem uma escadaria de pedra, em cima tem um morro e nesse morro tem uma pequena cabana que foi feita para as minhas filhas. é uma cabaninha de boneca. então, nessa cabana de boneca tem uma reprodução do fogão de lenha da fazenda... + +- hum. + +-> sem os dourados. isto é muito importante. logo a seguir depois tem uma outra casa, que é a continuação da fazenda. então, na parte de - dois andares - na parte de baixo tem uma sala grande, que está vazia actualmente, mas que futuramente seria uma sala de jogos... + +- hum. + +-> jogo-de-botão, pingue-pongue, etc., etc. e em cima tem três quartos, esses três quartos estão mobiliados com uma mobília idêntica à que eu tenho no meu quarto, e... tem um banheiro, um banheiro e uma sala. aí normalmente ficam os rapazes da casa, totalmente isolados. agora, bem longe da casa, dessa fazenda, mas dentro ainda do, do território familiar, tem uma piscina, piscina natural. aliás, a piscina até é muito interessante, descobriram esse ano que esta piscina foi escavada cem anos atrás. fizeram, sabe, porque o, a piscina furou, o fund[...] - não sei se tem interesse... + +- tem, tem. + +- [...] não, claro, todo o interesse. + +-> o fundo da piscina deu defeito, tiveram que esvaziar e pi[...], e pintar, e limpar. aí perceberam que estava toda quebrada, então resolveram tirar - porque a piscina natural é toda de pedra - então resolveram tirar aquelas pedras e botar um cimento. quando começaram a, a tirar a parte, a parte externa, começaram a perceber que tinham mais pedras para dentro, todas, eh, manuseadas. + +- hum, hum. + +-> um negócio assim engraçado, não é, aí começaram, meus tios ficaram assim meio curiosos e chamaram pessoas interessadas e pessoas que entendem disso, então começaram a dizer que realmente al[...], muito tempo atrás, não foram definidos, tiraram amostras de pedras, não sei mais o quê, para saber há quanto tempo que realmente aquela piscina tinha sido, sido cavada, não é, engraçado. e agora está lá como relíquia histórica. não sabemos o que vamos fazer da bendita da piscina, não é, todo mundo sem coragem de cobrir... a parte antiga. um negócio assim espectacular... + +- você disse que tem uma piscina de água natural, quer dizer, a, a água vem de, de onde? + +-> a água vem de um rio... + +- hum. + +-> e... s[...], ela é represada num pequeno lugar. e este lugar justamente, quando os tios mandaram fazer, eles acharam que seria um lugar ideal porque alargava ligeiramente, quer dizer, o rio dava uma lá[...], um alargamento, tinha uma ligeira queda. então acharam engraçado que realmente parecia que estava formado aquilo ali, mas formado com terra dentro e mato, etc., etc. então eles represaram o rio, fecharam, mandaram cavar, mandaram limpar e conservaram as pedras naturais... e abriram o ri[...], o rio formou o poço, o poço depois cai e faz uma outra cachoeira e é um lugar maravilhoso. + +- a água é tratada? + +-> não, a água não é tratada. a água é limpinha de rio sem... + +- que corre... + +-> é. rio sem casebres para cima, a nascente... não tem problema. que mais que vocês querem...? + +- bom, e, e a casa fica por exemplo, assim, é presa a outra casa da fazenda ou ela é solta? como é que é? + +-> não, a casa é bem, vamos ver, se nós, nós não temos o problema da cidade de, de ficar devassado absolutamente. agora, temos vizinho pertos. o lot[...], o terreno da fazenda era muito grande, então foi loteado uma parte. então, você tem pessoas perto, sim, na base de cinquenta metros de distância, cem metros. você não fica inteiramente isolado, mas a casa é, não é devassada absolutamente. nós não temos vizinhos próximos, ou muito próximos... + +- a casa fica assim no centro do terreno? + +-> fica no centro dum terreno alto. quer dizer, ela de cima, ela fica, ela pode ver todo o resto da fazenda, certo, + +- o que é que tem no resto da fazenda? + +-> ah! o resto da fazenda. no resto da fazenda você tem, perto da piscina, você tem uma outra casa bem grande, que era a fazenda antiga. seria a sede da fazenda antiga, certo, mas essa sede actualmente é tida como mal-assombrada. então, apesar de sermos todos pessoas esclarecidas, nós não temos muita vontade de ficar nela. isso é evidente. + +- vocês nunca entraram lá? + +-> a gente entra, a gente faz aposta, sabe, de passar tempo lá, etc., etc. você sabe, todo mundo tem filho, então chega assim sete ho[...], horas da noite, oito horas, tem que dar jantar apesar de ter babá. então, você sai da fazenda para ficar supervisionando, essas coisas assim que absolutamente não te afectam muito... + +- está vazia a casa? não tem nada no lugar? + +-> inteiramente vazia. nada. + +- é muito grande ela? + +-> enorme. + +- e do mesmo jeito, o mesmo, a mesma construção que a... + +-> é muito mais bonita porque é muito mais antiga. ela deve ser, está-se presumindo que essa casa já foi, nós encontrámos, quer dizer, nós não, meus tios encontraram com, quando compraram a fazenda já tinha essa casa. aí mandaram construir essa que nós moramos, quer dizer, é recente, é moderna. esta outra casa presume-se agora que seja do tempo em que... + +- eh, da piscina. + +-> da piscina. agora, correm sobre ela milhões de lendas, não é, de que andam... + +- porquê? qual lenda? o que é que dizem? + +-> dizem que foi um, um lugar, uma sen[...], tinha uma senzala, tem realmente uma, uma parte subterrânea em que poderia ser uma senzala de escravos, entende, então parece que houve histórias de que houve fugas de escravos etc., etc., durante o período da, do século passado. então que os escravos ali se refugiaram, mas que descobriram e fizeram morticínio. então que os escravos, as almas dos escravos clamam por vingança, etc., etc. + +- aí [...] ficar com medo, não é, [...] + +-> exacto. e que só atacam, só atacariam, quer dizer, as almas atacariam, os fantasmas, sei lá quem, atacariam os brancos, principalmente sendo donos de terra + +- [...] + +-> como você vê não é muito interessante. eu mesma levei um susto agora esse fim de, esse fi[...] - estou fugindo do meu problema de casa, não é, + +- não, não, não está não, pode falar à vontade. + +-> nós levámos um susto tremendo essa, agora em Julho. normalmente eu sempre, a gente sempre conta as bravatas, que você não tem medo disso, que você não tem medo daquilo. imagine, alma do outro mundo, boba[...], bobagem. então eu falei para as minhas crianças que absolutamente não acreditassem nessas histórias porque... isso era coisa de gente ignorante e as pessoas da fazenda não, não, não vinham à cidade, não tinham meios de comunicação, etc., etc. então, eram pessoas burrinhas, pobrezinhas, coitadinhas, então que não tinham a menor possibilidade, que cabia a nós, como pessoas esclarecidas, ensiná-las e mostrar as coisas como deveriam ser. elas, como meninas da cidade, aquela lengalenga toda, não é, então uma noite nós fomos ao chiqueiro que fica perto dessa fazenda e escureceu muito rapidamente porque estava ameaçando chuva. então o negócio era o seguinte: "nós não vamos passar perto da casa velha". "sim, nós vamos passar perto da casa velha. absolutamente não tem perigo". "está bom". e foi aquela coisa, pilha de crianças, sete crianças, eu e mais duas moças, "vamos passar em frente da casa velha". passámos. aí, "vamos entrar?" "vamos entrar". e entrámos. as crianças... apavoradas, mas ninguém com coragem de demonstrar, nós não tínhamos nada. bom, começou realmente a chover porque estava ameaçando a chover, um vento, sabe dessas coisas de cinema, aquele "Morro dos Ventos Uivantes"? o vento batendo, as janelas batendo, aquela coisa toda. aí nós ficamos meio assim, "vamos esperar passar a chuva, não sei mais o quê". "está bom". aí sentamos no chão, ficamos contando história para as crianças, brincando. de repente, nós escutamos um barulho, mas uma coisa assim, nós nos olhamos, nos entreolhamos e fo[...], "alguém tem que saber o que é que está havendo, não é, porque o barulho não é normal". aí fomos ver, as três juntas de mão dadas, pálidas, brancas, só faltava os cabelos estarem eriçados, disfarçando para as crianças. dois cavalos entraram dentro da casa e começaram a, a ficar, eles ficaram desesperados. estavam presos, não é, mas faziam um barulho ensurdecedor. mas não foi nada de mais, não. mas que deu susto, deu! + + diff --git a/Brasil/A Fazenda.wav b/Brasil/A Fazenda.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e64fd8136bfacbe449e770d34709d8ae7d6544ab --- /dev/null +++ b/Brasil/A Fazenda.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:b93226a3d115a3b96b9352a2579773dfaa843424983add6e63017a172422646e +size 28540204 diff --git a/Brasil/A Macarronada.txt b/Brasil/A Macarronada.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..5ab9d6f3380dbf0bc3cf8eeebf00f21c3bb9243f --- /dev/null +++ b/Brasil/A Macarronada.txt @@ -0,0 +1,131 @@ +TÍTULO: A Macarronada +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: F + DADE: 56 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Doméstica + + + + + +- e quem cozinha, você ou seu marido? + +-> eu que cozinho mesmo. ele não sabe fazer nada, sabe nem fritar um ovo! + +- sabe fazer café. + +-> só! só café! às vezes o outro, o caçula é que fala "pai, vamos fritar" quando eu não estou aí, que eu saio às vezes lá fora, não é, + +- hum, hum. + +-> também tem, preciso, não é, ir na rua, "pai, pode deixar que eu frito o ovo para o senhor." aí ele frita. + +- ham, ham. + +-> ele só come dois, três, + +- sei. + +-> não come menos que dois, três, o garoto + +- poxa, é muito ovo, heim? + +-> é. e no pão, ele gosta fritar ovo, botar no pão, tanto eu não fico sem ovos. todo Domingo é duas, duas dúzia de ovos que eu compro + +- sei. + +-> na feira. ou na Cobal. + +- então, se, se você cozinha deve ter um prato que é o predilecto dos seus filhos. qual é? + +-> ah! do meus filho é, do caçula é carne assada. + +- ham. + +-> adora carne assada. boto linguiça e boto toucinho de fumeiro, não é, assim por, ele adora! ele catuca e tira aquelas, aquelas, aquelas linguiça toda de dentro. eu não aguento com ele. ele é engraçado mesmo. e o mais velho gosta de galinha. + +- é? + +-> já meu marido adora macarrão. + +- ham. + +-> adora ma[...], quando eu faço macarronada. + +- conta para gente como você faz a sua carne assada. dá a receita para mim. + +-> ah! eu to[...], eu faço só de patinho. + +- sei. + +-> eu compro um peso bom de patinho, redondo, não é, + +- hum, hum. + +-> e ali eu meto o facão assim por dentro, boto um, pego um paio e coloco assim por dentro, do outro lado eu boto um pedaço de toucinho fumeiro + +- hum, hum. + +-> aí, ponho para o fogo para assar, com bastante óleo, não é, + +- sim. + +-> bo[...], ah, diminui o fogo, não boto nem um pinguinho de água. + +- hum. + +-> deixo ali, vai, vai cozendo, assando devagarzinho, devagarzinho, depois vai corando, aí eu boto umas cebola descascada + +- sei. + +-> pimentão, umas batatinhas pe[...], miudinha, não é, + +- hum, que delícia. + +-> aquelas batatinha, ponho, ainda fica, é assim que eu faço. aí fica bem corado + +- hum, hum. + +-> e ela fica bonita, gostosa! + +- hum! + +-> mas não coloco a carne cara, nem esse lagarto, eu não gosto. porque é muito dura + +- hum, hum. + +-> é uma carne muito ressecada e tem que estar pondo água. + +- sei. + +-> eu não gosto [...] de assar botando a água. + +- hum, hum. + +-> eu a[...], vou assando assim só com aquele calorzinho dela, só, fica uma delícia. + +- hum! deve ficar uma delícia. + +-> é. + +- é. e o macarrão, como faz? + +-> o macarrão, eu faço com bastante carne. compra-se um pedaço de boi, não é, + +- hum, hum. + +-> aí faço, assim, bastante molho. aí vou botando macarrão e a carne, o macarrão e a carne, vou jogando por cima. + +- hum! + +-> depois eu encho de queijo, aquela carne assim por cima. marido adora! + +- a próxima vez eu venho almoçar. + +-> pode vir. + + + diff --git a/Brasil/A Macarronada.wav b/Brasil/A Macarronada.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9ae365ba3773b6144f90f3e8f2abdc2db4966f64 --- /dev/null +++ b/Brasil/A Macarronada.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:9dad7f88c6cd7553d1b4b27ba3f7a64e6fe0041cc5a31fdca7f7af1f5d6f2918 +size 5581356 diff --git a/Brasil/Arte Urbana.txt b/Brasil/Arte Urbana.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..5fd1e9e025104e781d5824eb465884a79e8a494c --- /dev/null +++ b/Brasil/Arte Urbana.txt @@ -0,0 +1,146 @@ +TÍTULO: Arte Urbana +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 44 anos + ESCOLARIDADE: 11 anos + PROFISSÃO: Doméstica + + + + +- escuta você estava falando para mim que conhece Minas, não é, + +-> conheço, e gostei muito, porque eu tinha uma vontade muito grande de ir lá. + +- hum. + +-> o ano passado, quando t[...], aproveitou-se um congresso de médico que não se foi, aí, em vez de nós irmos ao congresso, no meio do caminho eu disse "vamos a Minas." aí, lá fomos nós para Ouro Preto, Mariana e aquilo tudo. depois fomos a São João del Rei e Tiradentes. é o que eu te disse que adorei, mas adorei! porque eu gosto muito de coisa antiga, sabe, + +- sei. + +-> a minha família, como toda família de Pernambuco, tem uma mania de coisas antigas, de casa, de móvel, meu pai foi fazendeiro, então, tem essa história toda aí, eu gosto muito, sabe, e eu achei, mas eu achei uma be[...], adorei! + +- hum, hum. + +-> adorei. achei a melhor coisa que eu fiz assim em termos de viagem, assim de coisa pi[...], nada de excepcional, mas eu acho uma beleza. e depois assim aquele contraste muito grande, não é, entre as, as igrejas, e tudo do lado de fora tem aquela simplicidade, quando você entra é aquela, aquele, coisa de uma ostensividade, não é, + +- sem dúvida. + +-> é, do, do luxo, do, do, do ouro, do dourado e além disso aquela coisa toda, que também tem as pinturas, os coloridos. eu acho aqueles coloridos, assim, da maior exuberância, não é, que aquilo tudo fica, é muito, é muito brasileiro, não é, quer dizer, é muito português, é, mas é muito nosso também, então... + +- sem dúvida. é muito da nossa história ali dentro, não é, + +-> ah! achei, achei uma, adorei! agora, eu sou louca para conhecer Olinda. + +- ah é? + +-> é que eu não conheço o norte. eu tenho maior vontade! + +- os pais pernambucanos, mas você nunca foi? + +-> nunca fui a Pernambuco. não, não s[...], meus pais não, mas meus avós. + +- é os avós. + +-> a minha família toda é pernambucana. é. + +- hum, hum. + +-> e eu nunca fui. mas eu tenho uma vontade muito grande de conhecer. Olinda! ir a Maranhão, a São Luís, isso tudo. mas eu não sei, eu achei Minas uma maravilha. e depois, também por causa da diferença, sabe, eu acho que é muito diferente para quem viveu a vida inteira em termo de Rio de Janeiro, você sair daqui e pegar um lugar assim, assim, cinza, como eu estou te dizendo, com aquelas montanhas assim... + +- ham, ham. + +-> aí dá en[...], para entender mais o jeitão do mineiro, não é, + +- o que é que você acha que é o jeitão do mineiro, Heloiza? + +-> eu acho, sabe, que tem aquele de[...], assim, aquela coisa assim, aquela coisa sóbria, sabe, aquela coisa + +- hum. + +-> sóbria que o mineiro tem, que não é tão exuberante feito nós somos, mas tem aquele ar assim, assim ma[...], fechado, sabe, que não tem a água, em termos de mar, assim, a coisa da abertura, dá aquela coisa, assim, mais introspectiva... + +- sei. + +-> é, eu acho que ele tem, tem todo o astral em volta para dar aquela certa concentração. + +- ham, ham. + +-> sabe, + +- é, é tudo entre montanhas, não é, + +-> é. e tem um vento, é uma coisa incrível, eu fiquei impressionada, parecia que você estava dentro de um navio, em Ouro Preto. porque venta tanto, não é, você tem a sensação que você está num navio, sem ter água! + +- correcto! + +-> eu gostei. + +- você chegou a conhecer em Tiradentes aquela, aquela igreja de Santo António? aquela matriz de Santo António... + +-> que coisa maravilhosa! aquela que tem, que tem o órgão? + +- que tem o órgão, o primeiro órgão. + +-> ah, mas é linda, das mais lindas que eu achei! achei das mais lindas. + +- é considerada a segunda em riqueza, não é, + +-> ai, achei lindíssima! linda! Tiradentes é um, realmente encantador. achei lindo! depois as pessoas de lá são tão agradáveis, as pessoas do lugar, não é, então, sabe, você faz uma perguntinha qualquer, e eles são tão simpáticos, assim, achei óptimo! óptimo. e depois, teve uma coisa, porque eu achei Ouro Preto, Mariana, aquilo tudo a[...], por ali, eu achei sujo + +- hum. + +-> muito sujo. agora, em Tiradentes não! é limpo! é, é, é limpo, sabe como é, eu acho que já é, é, é mais, eu achei uma gracinha! muito pequenininho, tudo isso, mas achei uma gracinha, porque é limpo. e eu não sei se é porque tem mais verde, não é, parece um presépio, eu achei lindo. + +- você não teve assim aquela sensação de, ao entrar assim, como que estar fazendo uma volta ao passado, dentro daquela cidade? + +-> ai, não! não era questão de volta ao passado. eu achei que era um lugar que eu já conhe[...], não era nem que conhecia. é um negócio que faz parte de mim, está entendendo? + +- hum. + +-> é assim, era uma coisa assim que me dava a sensação de "é, isso eu já conheço!" dá, sabe, assim, já conheço no sentido, mas um conheço gostoso. não é aquele conheço, assim, chato, já conheço chato. + +- sei. + +-> um já conheço assim, é uma coisa que faz parte da, da minha herança, da minha vida, de tudo que eu gosto. + +- Heloísa, você sentiu assim que tanto em Tiradentes, São João del Rei, todas essas cidades, muita coisa que é realmente histórica e está assim muito abandonada... + +-> abandonada? mas eu acho que tud[...], dá, dá, dá uma sensação. em Ouro Preto, então, é muito, não é, é muito. agora, vou te dizer um negócio, mas ao mesmo tempo, eu acho que está havendo uma preocupação maior, não é, no sentido de preservar o que é da gente, não é, porque você vê, aqui perto tem uma cidadezinha, chamada Bananal, que fica perto de Barra Mansa. + +- não conheço. + +-> é uma cidade que também tem muito coisas antigas. mas é uma tristeza, as pessoas do lugar não dão o menor valor, sabe, por exemplo, eles acham que coisa antiga é coisa velha. então botam para, arrebentam com o negócio, acham lindo fazer uma casa assim género planalto, é, palácio da alvorada... + +- sei. + +-> assim, sabe, no meio, uma coisa assim... + +- ham, ham. + +-> tacar ladrilho nas casas que não têm nada a ver. mas eu acho que, pelo menos eu acho que, que lá já está havendo mais, dentro do povo mesmo, da gente do lugar, uma consciência maior do que aqui, o velho não é, o, quer dizer, o antigo não é velho. + +- correcto. + +-> eu acho que tem uma preocupação maior. mas acho que, aí é que eu acho. eu acho que é uma questão de educação, não é, e acho que isso, que o governo tem muita responsabilidade nisso. tem que ter. no sentido, sabe, eu acho que, por exemplo, deveria usar a televisão para se fazer propaganda, para se preservar, para se educar, para mostrar que a, que antigo não é velho! + +- correcto. + +-> sabe, eu acho que é uma questão de educação. + +- nesse ponto aí, você concorda então com essa, a, essa, toda essa campanha que o, a Fundação Roberto Marinho vem fazendo e [...] + +-> ah concordo! claro! mas não interessa. eu acho que, contanto, sabe, que as coisas sejam preservadas e, e der uma consciência maior em termos de povo, de educação, eu acho que é o mais importante, sabe, porque eu acho que todas essas, eh, televisão e essas companhias particulares, as pessoas que têm o dinheiro na mão, tinham mais é que se preocupar com essas coisas mesmo. no sentido de uma educação, não é, + +- correcto. sem dúvida. + +-> de uma educação, porque eu acho que é, o maior problema da gente é educação. tudo vem em decorrência dele. + +- hum. + + + + + diff --git a/Brasil/Arte Urbana.wav b/Brasil/Arte Urbana.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..c7171a5aa2530c679e087a7000d7efe27e464db2 --- /dev/null +++ b/Brasil/Arte Urbana.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:7ddd208b0a132de2bbf716d953f3f49e1eec4ddac7123a42a51767877fd8715a +size 18865756 diff --git a/Brasil/Bichinho.txt b/Brasil/Bichinho.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..fa20ca6ee4ca67dde88e5a979df5261e635e10ba --- /dev/null +++ b/Brasil/Bichinho.txt @@ -0,0 +1,118 @@ +TÍTULO: Bichinho +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 62 anos + ESCOLARIDADE: 7 anos + PROFISSÃO: Profissional de seguros + +OBSERVAÇÕES: No português europeu também se utiliza "esquina", ao contrário do que diz o informante; não se confirma que haja uma equivalência entre a expressão "no sobrado" do português do Brasil e a expressão "nos altos" do português europeu. + + + +-> como essa palavra que muita gente ouve nordestino chamar de "bichinho". + +- bichinho. + +-> é uma palavra carinhosa. + +- hum, hum. + +-> a pessoa chama de bichinho a outro, [...] pessoa, a pessoa gosta. como um pai chama um filho, um filho chama a mãe, pode chamar a mãe de bichinho: "ó bichinho..." é uma palavra de carinho, não é uma palavra de ofensa + +- hum, hum. + +-> não é, não é uma palavra ofensiva, bichinho. então, o, deu-se uma coisa muito interessante: eu fui em setenta e sete à Paraíba, a João Pessoa, mas eu lá tive que ir a Guarabira. fui levar umas encomendas, um rapaz que me pediu. fui lá em Guarabira levar. fui eu e aqui minha patroa. + +- hum, hum. + +-> cheguei lá nessa casa, quem nos atendeu, para não fugir à regra no nome, foi dona Severina, não é, foi dona Severina mesmo, que é uma senhora, não é, aí, ficamos lá na varanda, batendo um papo, conversando muito com dona Severina, e, e dona Severina: "senhor moço, o senhor é do Rio mesmo?" eu digo, "sou, senhora dona Severina, sou do Rio mesmo." "mas sabe porquê? é porque eu estou conversando com o senhor, o senhor é carioca e eu estou entendendo tudo que o senhor está me dizendo. tudo que o senhor está me dizendo como carioca eu estou entendendo. mas meus sobrinho não; vão lá para o Rio de Janeiro, passam lá quatro, cinco mês, quando chegam aqui, eu não entendo nada do que eles dizem!" + +- ai é... + +-> então, eu vou lhe dar uma explicação, ó dona Severina: "é o ambiente que o sujeito, que a pessoa vive lá no Rio. é porque o seu sobrinho, é o seguinte: o rapaz..." - eu não vou dizer seu sobrinho, não é, + +- hum, hum. + +-> depois eu fui até saber, depois ela me mostrou uns quadros na parede, ela era irmã de dois escritores paraibanos famosos + +- hum, hum. + +-> não é, lá, tinha lá os nome dele. + +- hum, hum. + +-> pessoas, ela morava até numa, essa casa é uma casa muito boa, apesar de ser em Guarabira, era uma família de muito recurso - então, ela dizendo para mim. eu digo "olha, vou lhe explicar, dona Severina: seus sobrinho vão daqui para lá. quando a pessoa está no Rio, manda chamar e acolhe a, tal. mas o rapaz sai daqui para lá para procurar emprego, não encontra, é do ambiente que ele vive. eu sei o que é. eu sei o", eu vou dizer assim "eu sei o que é." "é, porque ele chegam aqui com umas conversa, sabe, seu Paulo, uma conversa que eu não entendo." eu digo "já sei o que é, é: "estou numa boa", não é isso que eles dizem para senhora?", não é, "estou numa boa, porque agora, não sei quê, comigo é i[...]," "é, exactamente, exactamente isso que ele, eu não entendo, não entendo nada do que ele fala, nada do que ele fala." então, eu estava explicando a ela que é do ambiente que eles vivem aqui... + +- hum, hum. + +-> até, vão trabalhar nessas obras, nessas obras, frequenta-se meio de, de, de, de favela, e essas bodega e tomando essas pinga, eu dizendo para ela, não é, naqueles botequim, naquilo tudo e... então, eh, eles conversam naquele meio, entre eles. isso é conversa de gente, é só, "está me entenden[...]?" "não, agora eu estou entendendo o que o senhor está dizendo, porque o senhor diz que é carioca, eu estou entendendo o senhor está falando, eu não entendo os meus sobrinho, quando vão para lá e voltam para aqui, e vêm de volta + +- hum, hum. + +-> eu não entendo eles." pois bem, então falam muito assim. e muita coisa varia, não é, por exemplo, nós aqui no sul dizemos "estamos com pressa", não é, + +- hum, hum. + +-> [...] está com pressa, está com pressa mesmo; se está com vergonha, está, nós estamos avexados, não é, está um pouco avexado. lá já não, não é, eles chamam às vezes "vem cá, vem! ó, ó Zé, vem cá, Zé!" ele grita "não posso não, seu, não posso não, seu, estou muito avexado, estou muito avexado." está com muita pressa. + +- pressa, não é, + +-> é, está com muita pressa, está muito avexado. então, o nordestino é assim, eles têm esse sotaque. o cearense fala... já mais can[...], o cearense fala cantando também... um sotaque muito estridente. o ce[...], o... norde[...], esse, esse é do paraibano, não é, ele é muito paraibano. o baiano já não. o baiano, para mim, tem uma... diferença. o pernambucano fala assim, como se estivesse conversando consigo, mas é como se estivesse discutindo, sabe, + +- sim. + +-> principalmente o, o homem de dentro mesmo, o sertanejo, ele conversa assim, como estivesse discutindo, sabe como é, ele gesticula muito, bate muito, não é, e + +- hum, hum. + +-> no modo dele... falar. e... + +- e essas diferenças assim... + +-> agora, eu vou lhe contar uma diferença muito interessante. eu cheguei no Pará, então, no Pará usa-se muito, depois, mais tarde, não é, eu mesmo - quase como se fosse uma pesquisa - no Pará, fala-se muito o português de Portugal. + +- não, é? + +-> é, o português com muitas palavras do português de Portugal. porque nós falamos o português, mas o português em Portugal + +- hum. + +-> falamos completamente diferente. por exemplo, no Pará não diz "tem uma esquina", "tem um sobrado". no Pará não diz aqui nós dizemos "na esquina... da Álvares de Miranda", não é, "com a avenida suburbana", "você vai lá, fulano, no sobrado, está," no Pará diz "no canto da rua tal", "nos alto", que é o sobrado, não é, por exemplo, "vou fazer, vou," aqui, como você diz, "vou fazer um terno" + +- hum. + +-> "um terno de roupa". no Pará, "eu vou fazer um fato". + +- um fato. + +-> é português. + +- ham, ham. + +-> português. porque é um terno, todo mundo sabe que o terno é, são três, é paletó, colete e calça que hoje está voltando. chama-se um terno, não é, + +- hum, hum. + +-> colete, calça e paletó, um terno. porque tem a palavra de um terno? você diz "esse aí é um terno", não é, porque é o terno: calça, colete e paletó. então no Pará ainda se usava muito. terno, usava. então, prepararam a comida no Pará, assim na nossa chegada, isso foi o primeiro contacto. nós, cariocas, com o paraense. e prepararam uma comida rápida. a comida mais rápida que eles encontraram foi cortar uma carne seca, para eu, para mim aqui, para você. cortaram uma carne seca e fizeram uma farofa rápida. aí, me veio aquela comida, nós começámos a comer e foi um tal de, é, beber água que não dava para nada. aí, veio um rapaz, um rancheiro, nós estávamos na primeira bateria mo[...], primeira bateria automóvel... + +- hum, hum. + +-> chamavam automóvel porque ela lá já tinha sido infantaria, não é, cavalaria, infantaria, e estavam fazendo um motorizado, botando ela já motorizada: carro, não é, veículo, viaturas. + +- hum, hum. + +-> e a mesa era de quatro pessoas. sentávamos quatro na mesa. + +- certo. + +-> ele chegou, disse "olhe, não repare não, porque a jabá foi feita avexada." poxa, aí olhamos para cara do outro, "não repare não, a jabá foi feita avexada." traduzido: "não repare não, porque a carne seca foi feita às pressa." + +- hum. + +-> por isso ela estava salgada. + + + + diff --git a/Brasil/Bichinho.wav b/Brasil/Bichinho.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..587f6a62c1d368d768603b7776527e03523a21bb --- /dev/null +++ b/Brasil/Bichinho.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:2d3631ea0286b297507f64d0a42707d4f93fa3f639e47b9e023a23c817c41478 +size 18838996 diff --git a/Brasil/Comer Bem e Falar Bem.txt b/Brasil/Comer Bem e Falar Bem.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..d1cf9290e682aa09e659ee516a6dd7ef3a487fde --- /dev/null +++ b/Brasil/Comer Bem e Falar Bem.txt @@ -0,0 +1,82 @@ +TÍTULO: Comer Bem e Falar Bem +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 41 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Mecânico + +OBSERVAÇÕES: Em Portugal, a troca do "v" pelo "b" referida pelo informante não é um fenómeno generalizado; dá-se nas regiões de Trás-os-Montes, Minho, Alto Douro, Douro Litoral, Beira Litoral (a norte de Coimbra) e na franja ocidental da Beira Alta; este comentário deve-se, provavelmente, ao facto de a maioria dos emigrantes portugueses no Brasil serem oriundos do Norte do país. + + + +- o senhor sabe fazer alguma coisa na cozinha? + +-> na cozinha? + +- hum. + +-> sei, o que é que eu não sei fazer na cozinha? feijão, arroz, fritar um bife. um bom churrasco é comigo mesmo, um angu caprichado, uma sopa de siri... + +- é. + +- e como faz + +-> comigo mesmo, um café... + +- um bom churrasco? + +-> ah! um bom churrasco, você pega a carne, lava a carne direitinho, joga um sal grosso na carne e leva ela ao fogo, simplesmente. é o bom churrasco. é o churrasco gaúcho, é. porque a carne com um certo tempero, ela fica enjoativa, então você assa a carne só no sal e prepara o molho à parte: cebola, tomate picadinho, alho, vinagre, azeite, certo, sal, mais um pouquinho, uma pimentazinha de leve; então depois a pessoa que gosta bota no prato + +- hum, hum. + +-> à parte, uma farofa! isso é que é o churrasco... ao molho... + +- e você foi aprendendo... + +-> certo, não, isso é, a vida vai ensinando, certo, é, um reservista de primeira categoria como eu fui tinha que fazer certas coisa e faço até hoje, quando a patroa às vezes vai para praia com as criança ao fim-de-semana, ela vai Segunda-feira e eu só vou fim-de-semana, certo, então, eu fico em casa, eu tenho que fritar um ovo, eu tenho que fazer um cachorro-quente. cachorro-quente também é fácil de fazer, você pega salsicha ou linguiça, se for linguiça você tem que escaldar a linguiça. escalda, tira, vai tirar um pouquinho do sal + +- hum, hum. + +-> faz aquele tempero, um molho de tomate, cebola, pimentão, aquilo que a pessoa gosta. depois, corta um pãozinho ao meio, bota a linguiça, bota um... queijinho parmesão dentro, uma maionese, certo, é isso aí. + +- [...] + +-> é um cachorro-quente. quer dizer que eu estou inteirado nesse assunto, não é, + +- está legal. + +-> se tiver que fazer um bolo, eu também sei fazer um bolo de aniversário. + +- nossa! mas está [...] + +-> ah! sei! porque é que eu não sei? + +- e não tem preconceito não? de homem? + +-> não, não tenho preconceito. eu sou mecânico mas também se, se tiver que ser padeiro, eu também vou ser padeiro. tudo bem. isso é questão de, de tocar para frente. tudo na vida se aprende, meu amigo, certo, + +- e, assim, o senhor sabe que nortista fala carregado, não é, + +-> fala. + +- que é que o senhor acha disso? da fala deles? + +-> ué! cada um fala da maneira de aonde nasceu, do seu estado, certo, + +- mas quando o senhor ouve esse alguém falando que é que o senhor acha? + +-> não, eu não sinto nada, é. simplesmente, coitado, ele está falando da maneira que ele aprendeu a falar, certo, como o português, por exemplo, o português, quando ele vai falar "vasco", ele não fala "vasco", ele fala "basco" e quando ele vai falar "botafogo" ele fala "vastafogo". então, quando ele não é "basco", ele é "vastafogo". é isso aí, meu amigo. + +- e o que é que o senhor acha do jeito do carioca falar em relação ao resto do Brasil? + +-> bom, o carioca é aquele que gosta sempre de estar brincando com os outro, certo, o carioca, sempre, está gozando os outro. [...] o, o carioca está sempre com aquela de brincar com os outro. então, o carioca gosta de gozar mesmo os outro, certo, quando ele pega uma falha qualquer, ele já nega, mas ele também não esquece que muita das vezes ele fala as coisa errada, não é isso? o carioca, muita das vezes, fala as coisa errada. + +- hum, hum. + +-> no momento eu não lembro de nada que o carioca fala errado. + + + + diff --git a/Brasil/Comer Bem e Falar Bem.wav b/Brasil/Comer Bem e Falar Bem.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..88d860e0a794cdee64ef79a1cfc3285439473426 --- /dev/null +++ b/Brasil/Comer Bem e Falar Bem.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:94a0ec2028431ab9f2f9555a9556319259f8b2bef1c25bee40f3f602c9943cea +size 8288308 diff --git a/Brasil/Criar Filhos.txt b/Brasil/Criar Filhos.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f14c1e1740f3c6a6428bed322ccc67977f0f10bf --- /dev/null +++ b/Brasil/Criar Filhos.txt @@ -0,0 +1,216 @@ +TÍTULO: Criar Filhos +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 32 anos + ESCOLARIDADE: 8 anos + PROFISSÃO: Vendedor + +OBSERVAÇÕES: 'pereré' é utilizado pelo falante para abreviar o discurso. + + + + +- então, que é que o senhor acha dos jovens, por exemplo + +-> acha de quê? + +- de hoje em dia? dos jovens... de hoje em dia. a cabeça deles, como é que vai ser tudo isso... com o pensamento que, que eles têm? o futuro dessa geração... + +-> é outra pergunta, também, meia, não é, para gente entender a mente de um jovem hoje em dia, está meio bravo. + +- senhor acha? + +-> eu acho. + +- mas você se considera assim realmente de outra geração, bem... + +-> não, eu não me considero de outra ge[...], ge[...], geração, não! eu sou de uma geração que não é tão antiga, não é, sou de cinquenta e um. mas, sabe, eh, eu se chegar perto do meu pai e chamar "aí, ó pai! você..." já é motivo dele me olhar de, me[...], meio atravessado. você sabia disso? + +- jura? + +-> é. e meu filho chega para mim e fala assim "ó co[...], ó baleia!" é, meu, meu filho me chama de baleia, barril de chopp, mas eu já crio meu filho na geração de hoje + +- é. + +-> sabe, eu brinco de lutar com meu, com meu filho, caramba! meu pai nunca me permitiu. agora, ah, sabe, eh, sei lá! essa geração de hoje em dia está meio estranha. muito, mesmo. depois, então, que apareceu essa série de, de troços aí. olha, eu sempre gostei de uma coisa, de duas coisas, desde que eu, q[...], que eu me conheço. eu com... dez anos de idade, eu conheci um cigarro, começei a fumar de brincadeira, não sei o quê, estou aí até hoje, com trinta e dois anos eu fumo. + +- e o senhor daria liberdade para o seu filho furar, fumar? + +-> dou! + +- dá? + +-> ele man[...], eu mando ele acen[...], ele acender o cigarro para mim, ele se engasga, sai tossindo. eu dou, para ele ver o que é que é! se ele gostar, ele vai a luta! sabe, acendeu duas vezes, pergunta se ele quer acender mais! meu filho, quando tinha dois, três, três anos, uns três anos mais ou menos, ele sentava... atrás do carrinho de chá, onde eu tinha lá minhas cachaça, meus troço lá, meu, meus licores, ele abria e zip, [...] até o dia que se engasgou. pergunta se ele, se, se ele [...], se, se quer, se ele quer sentir o cheiro. se e[...], se ele está aqui do meu lado, eu estou fumando: "pô, pai! essa fumaça!" a única coisa que ele ainda gosta, até hoje, é botar cerveja para mim porque faz espuma. aí, ele bebe a espuma. também, só, só. mas ele, quando era garotinho, pegou lá, uma vez pegou um copo lá, eh, sabe, ia sempre, pegava o mesmo, botava, "hum!" gostou! a gente não via! até o dia que nós encontrámos ele atrás do carrinho de chá, se engasgando todo, porque tomou uma dose de pura. aí se desgraçou todo. + +- coitadinho! + +-> é. + +- e o senhor vai dar muita liberdade, assim, para eles, [...]? + +-> eu, olha, eu crio o meu filho, os meus filhos, eu crio com a liberdade de hoje em dia. agora, a liberdade dentro do limite, não é, dentro do limite. que ele, com todo o tamanho dele, já é abusado. se der trela, você não, você não aguenta, não, cara! + +- mas abusado como? + +-> ah, já quer me... confundir os troços, sabe, você... fala um troço, "ah, não enche, não sei o quê e..." pergunta à mãe! eu nunca dei um tapa! + +- não, é? + +-> eu só olho para ele! + +- nunca bateu? + +-> nunca bati nos meus filhos. ela bate, não sei o quê. eu nunca dei um tapa + +- [...] + +-> só dei-lhe um tranco uma vez! + +- é? + +-> [...] dei-lhe um, sabe, um tranco, assim, ele, eu só olho para ele, já é motivo dele ir para o canto chorar. + +- ai é? + +-> não sei se é respeito, se é medo, sabe, pode ser até medo, não é, + +- claro. + +-> mas eu nunca dei um tapa nele. eu só prometo. "ó! tu se cuida, malandro! te cuida que eu vou, eu, eu vou te achar, heim! e a hora que eu te achar, fica ruim!" oh! "nada, acha nada!" sabe, aquele negócio de criança! + +- e a menina? + +- e... + +-> a menina? a menina, oh! uma coisa maravilhosa. + +- a menina no futuro vai dar mais trabalho, não é, que a menina sempre é mais trabalhosa, não é, educar uma filha, é sempre mais difícil, não é, + +-> a menina já dá trabalho, cara! + +- já dá, não é, + +-> já dá. atrevidinha, folgad[...], com aquele tamanhinho que você viu aí, o irmão não mete as cabeça com ela, que ela enfia a mão no irmão! com aquele corpo todo dele, ela, ela encara ele mesmo! ela, ela, aí! ela já é totalmente diferente dele. é atrevida, mesmo! atrevida. aquele narizinho, mesmo, de, sabe, atrevidinha, ela. + +- mas o senhor vai manter uma relação, assim, de bastante diálogo, não é, + +-> ah, eu tenho. + +- é. + +-> é o que eu disse, eu saio, passeio, quando posso. também quando, sabe, se querem tomar um sorvete, se eu tenho dinheiro, a gente vai, vai tomar o sorvete. se não tem, não vai. ontem saímos daqui, vi[...], vimos o filme dos Trapalhões, acabou oito horas da noite. aí, peguei eu, ele, as mulher, as criança, não é, vá, aí, fomos ali, sentámos ali no, no bar da Toninha, ali, do lado da Estácio de Sá, faculdade. pedi uma lasanha para mim e uma lasanha para ele. ele, com sete anos, comeu a lasanha que eu, com trinta e dois, como. + +- pô! + +- nossa! + +-> e uma outra lasanha dividiu entre ela... e a garotinha. ele sentou do meu lado "pai, pá, vamos comer lasanha?" "vamos lá!" caímos dentro de uma lasanha, eu e ele. ele comeu u[...], ele comeu a dele, eu comi a minha, com sete anos de idade. ah, então... + +- você e sua esposa vão querer ter mais filhos? + +-> não! ela, quando nasceu a garota, ligámos. man[...], mandei ligar porque dois basta, mesmo. + +- é. + +-> já está ligado já... quatro anos, já. já vai fazer cinco. + +- não, não se arrependeu? não se arrependeram, não é, os dois. + +-> não, porque eu sempre quis ter um filho. eu não, ela, não é, primeiro o homem. nasceu homem. aí, começámos a brincar, aí, depois de três ano aí, começámos aí, pá, não sei o quê, se distraímos, aí, punft! aí, veio uma garota, não é, aí, falámos ass[...], "se for uma garota mesmo a gente liga." ou garoto, ou garoto, ia, sabe, já estava tudo programado para ligar. eu acho que... um filho é bom, não, um filho é pouco, dois é bom, três é dose. + +- é dose. + +-> três é dose mesmo, cara! dois, eu já me vejo doidinho, aí! esse moleque almoça duas, três vezes por dia. você acredita isso? + +- nossa! + +-> o que bo[...], o prato de arroz e feijão e carne que bota para mim, bota para ele igual, que ele mata. o cara é, o cara é indigesto, mesmo! + +- tal pai, tal filho. + +-> e eu não i[...], e eu não proíbo. eu prefiro que coma, do que eu ir levar para médico, gastar com médico. + +- claro. + +- [...] + +-> esse meu garoto, não cortando você... + +- [...] + +-> é um caso muito, esse meu garoto, aí, com dois meses e meio, ele arrancou duas hérnias. + +- pô! + +-> com quatro meses, ele teve inf[...], duas ou três infecções, infecções intestinal, catapora com varicela. se reparar, ele tem o rosto todo furado + +- hum, hum. + +-> de catapora e varicela que deu junto. esse moleque até uns dois anos, pô! bota dinheiro nisso que, dinheiro e susto, convulsões, uma em cima da outra, e não sei o quê e 'pereré'. mas sim, qual é a sua pergunta? + +-> era o Gerson. + +- ah, era eu. assim, sobre a mulher actual, por exemplo, mulher que trabalha fora... + +-> maravilhosas! + +- é? a sua esposa não trabalha fora. + +-> não, nunca tra[...], quer dizer, antes de, de nos casarmos, ela trabalhou com uma amiga minha, trabalhou uns, ainda uns dois meses. + +- hum. + +-> aí, logo depois, nos casámos, aí, nunca mais. + +- isso... + +-> agora, me ajuda muito. me ajuda muito + +- agora + +-> nos... + +- o senhor não se importaria se ela trabalhasse? + +-> olha, eu acho que é, se ela fosse trabalhar fora, ela teria que ganhar muito dinheiro. + +- porquê? + +- porquê? + +-> porquê? porque, pensa bem! quanto é que ganha uma empregada? quanto é que uma empregada de casa de família quer ganhar hoje em dia? + +- vinte mil, não é, + +- mais... + +-> pô! vin[...], vinte mil, eu pago à, à primeira que chegar aí! + +- está muito mais, Gerson! está trinta, quarenta... + +-> é trinta e cinco para, para frente, cara! é, trinta e cinco para frente. então, a minha esposa não tem, ela tem o quê? ela fez curso de Eugenia, na MESBLA, e... tem curso de dactilografia que não faz há muito tempo. então, ela iria ganhar o quê? salário mínimo? vinte e poucos mil cruzeiro. e eu iria pagar de empregada trinta e cinco. para quê? para ver a minha mulher, na rua, recebendo os cochicho, cantadas, que qual é a garota que não recebe uma cantada? qual é a mulher que não recebe uma cantada? daqui ao mercado ela recebe trinta cantadas, no mínino! no mínimo, cara! é! sabe, daqui ao mercado, ali, a quinhentos metros, ali... + +- mas o senhor também recebe! + +-> eu recebo nada! eu dou as minhas cantadas, se colar, colou; se não colar, saio fora. mas o, o negócio é esse, cara! sabe, não, eu... + +- então, a preocupação é essa, com as cantadas? + +-> não, não é, não é as cantadas. é que ela não vai ganhar o suficiente para cobrir uma pessoa que fique no lugar do meus fi[...], lugar dela, dentro de casa. e não vai criar meus filhos do jeito que, que ela cria, está, e muita coisa mais! muitas coisas mais. + + + + + + + + + + + + + + + diff --git a/Brasil/Criar Filhos.wav b/Brasil/Criar Filhos.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..0e6d2c19d6c5574804b7ea9fff42df8eb0fc8b6f --- /dev/null +++ b/Brasil/Criar Filhos.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:0ea530235db15e0cf26b9b2c42b72517482ac3dd20a8d4a3570898cae60a5eec +size 25513884 diff --git a/Brasil/Economia e Sociedade.txt b/Brasil/Economia e Sociedade.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..21158497865996c4ddcafaba9bc07c26b1c27687 --- /dev/null +++ b/Brasil/Economia e Sociedade.txt @@ -0,0 +1,147 @@ +TÍTULO: Economia e Sociedade +LOCAL: Brasil - São Paulo +DATA: 1987 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 22 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Estudante + + + + + +-> eu sei o seguinte, eu, eu tenho minhas críticas tal, eu sei que... o sistema socialista tem muita, tem muita coisa ruim mas tem seus lado positivo. e como o sistema capitalista tem muita coisa boa, mas se faz, se se fizer uma análise concreta, e.... de estatística de po[...], prós e contras, não é, eu acho que o capitalismo sai muito mais defasado, viu, porque, por exemplo, o direito, que é que é o direito? direito é o instrumento do estado que tem por finalidade manter a... organização... e dar... uma certa autonomia a cada indivíduo, não é, para se fazer, para fazer valer seus direitos + +- ham. + +-> por exemplo, qual é a... parcela da sociedade que tem di[...], realmente direito na nossa sociedade? é vinte por cento. você acha que um men[...], um cara que é pobre por falta de condições? + +- por falta de conhecimento. + +-> não, que conhecimento? por falta de, de, de, de condições materiais. você acha que uma pessoa pobre tem condições de invocar o órgão jurisdicional, por exemplo? pagar custas de processo? tem condições para conversar com advogado e falar "olhe isso aqui é assim, assim, assim, e eu vou te pagar tanto." não se tem, pô. o cara não tem condições. + +- agora, eu acho que, veja, eu estava vendo um, um artigo sobre as múltiplas delegacias que existem actualmente, certo, ah, então, aí eu estava era, eu mesmo não conhecia essas de[...], delegacias, e qual era a real função de cada uma delas, não é, não sabia. elas existem, estão aí. então, sabe, eu acho que a coisa começa aí. + +-> não, porque quando... + +- a desinformação, a, a... + +-> certo. bom a informação é importante, mas quando se fala em direito, você já, a gente que tem assim uma concepção mais, mais adentro, não é, mais adentrada, tal. assim, em termos de estudo de direito, você já tem uma visão totalmente elitista, como produto de uma, de uma classe da sociedade que faz valer seus interesses através de selecção de valores, ou seja, eles optam por uma lei, optam por outra lei... e quem são os legisladores? são os caras que legitimam isso aí, certo, + +- é, essa classe é elitista mesmo. + +-> e quando você fala em, você fala em direito com um cara que é pobre, ele, para ele é um conceito abstracto de direito. ele só vê falar nisso aí, mas ele não tem a força, ele mesmo sabe que ele não tem a força de invocar o direito. porque não tem mesmo, depende, depende de, de in[...], de intelectualida(de) + + [...] + +-> à cultura, o cara não tem direito a nada, meu, só vive que nem um animal. + +- e nem de acesso ao material que ele produz + +-> e é o cara, e é o cara que produz esse prédio aqui, em que a gente está morando e tudo o mais. e então é a classe dominante que usufrui da i[...], da, de, da, da cultura, usufrui dos prazeres da vida, pô, + +- dos bens materiais. + +-> e isso aí é justo com a sociedade? não é justo, pô, agora há, há-de se falar em liberdade quando se fala numa sociedade socialista? é porque lá não existe liberdade. não existe liberdade tudo bem. isso aí é um mal que tem que ser combatido. combatido, ferran[...], com, com, com muito, como é que se diz? + +- vigor... + +-> com muito vigor, tenacidade. mas não se pode falar em liberdade antes de se falar em subsistência, pô, a subsistência é, a existência é... primordial da vida. como é que se vai se falar em liberdade se você não tem condições nem de subsistir como gente? + +- é, pois é, mas... + +-> aqui você tem liberdade, por exemplo + +- ah... + +-> para comprar u[...], uma calça, um cara que não tem dinheiro não tem... + +- sim, mas veja, isso no plano que nós analisamos. porque nós estamos vivendo nessa sociedade, não é, em que as coisas são totalmente deturpadas. agora + +-> por exemplo, quando se fala em liberdade... + +- na sociedade socialista que se falam tanto + +-> hum. + +- que se apregoam tanto, como você falou no plano filosófico, não é, é, até aí... + +-> não, não, no plano filosófico não é em termos de, de, de aplicação prá[...], prática, não é, + +- certo. + +-> serve como concepção de vida. + +- concepção + +-> é. + +- mas vamos falar em termos de aplicações práticas. + +-> aí tem que partir para o lado político. + +- exacto. o plano político, está, então nós sabemos que, ah, estão, tentaram aí porque eu acho que foi uma tentativa que se fizeram, não é, nos países do leste de implantação do socialismo. + +-> não, não é, eu acho que não é tentativa, acho que é produto + +- porque + +-> produto de relações, não é, [...] + +- é porque, você veja, agora, o que aconteceu? o que aconteceu foi que uma classe dominou toda a situação, e domina a situação. agora, quando Lenine falou-se numa re[...], im[...], implantou uma revolução, ele falou numa ditadura do proletariado. + +-> exatamente. falou. + +- e na verdade não existe essa ditadura do proletariado. + +-> hum, hum. + +- porque a coisa ao longo do tempo foi transformando, aquele transformacionismo que a gente sabe que acontece em toda sociedade ao longo do tempo. + +-> é porque o dinamismo é, é, é, é ele existe em tudo o que existe na, na natureza. é + +- dinâmico. + +-> tudo, tudo é dinâmico. nada é estático. + +- [...] nada, nada pára. + +-> como o pró[...], como a própria sociedade é estática, tanto é que você, fazendo uma análise histórica, você sabe que nós começamos numa, numa, fase de produção escravista, passamos para uma fase de produção, eh, feudal onde existia o servo e o escravo e não se parou por aí. entrou no capitalismo comercial, não é, industrial e hoje a gente vive uma fase do capitalismo avançado que é o, o imperialismo. + +- certo. + +-> hoje o, a "célula mater" do capitalismo que é os Estados Unidos vive de juros dos países do Terceiro Mundo. + +- [...] + +-> isto é imperialismo, ou seja, ela vive do factor monetário, não é, preponderante [...] então o que é que acontece? é dinâmico. então a, o próprio socialismo, ele surgiu de uma contradição. Marx disse que, eh, um país se tornaria socialista, quando a... sua relação de produção capitalista se tornasse altamente desenvolvida, e isso não se deu. e por que é que não se deu? porque ele Marx viveu uma época, certo, + +- é. + +-> e nada é estático, e tudo se transforma. + +- [...] + +-> e o que é que aconteceu? aconteceu que em mil novecentos e dezessete, a União Soviética, a Rússia, ela tinha uma relação de produção eminentemente feudal, onde havia os czares e havia os servos. então o que é que havia ali? havia uma contradição muito grande, muita riqueza e muita probreza. daquela contradição houve choque, choque de interesse, e deu-se uma nova relação, que foi a relação de produção socialista. + +- hum. + +-> então é produto histórico, como Cuba também era. Cuba em mil novecentos e cinquenta e sete o que é que era? reduto de americano, prostituição, contrabando de drogas e miséria. contradição de sociedade, surgiu uma nova coisa. então o Brasil vai passar por isso. mas quando? quando... tiver muita pobreza e muita riqueza. e quando isso vai se dar? a gente vive uma relação em que uma parcela da sociedade cada vez fica mais rica e uma parcela fica mais pobre. então vai chegar um limite, um momento histórico, em que isso aí entra em hist[...], entra em choque, estoura. é produto histórico, natural, concorda? + + + + + + + + + + + + + + + + + diff --git a/Brasil/Economia e Sociedade.wav b/Brasil/Economia e Sociedade.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..3fb71cdb9615381718bbda196c7d0653c7a1d7c2 --- /dev/null +++ b/Brasil/Economia e Sociedade.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:f01722f184fd58f2ababe8066b8f834fbb5d7c507552698ad0aca03e2794ee74 +size 16403316 diff --git a/Brasil/Eu Gosto Dela Demais.txt b/Brasil/Eu Gosto Dela Demais.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..25431828b787024afd8a1e2d1c25aad476999bc2 --- /dev/null +++ b/Brasil/Eu Gosto Dela Demais.txt @@ -0,0 +1,36 @@ +TÍTULO: Eu Gosto Dela Demais +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 31 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Técnico de contabilidade + +OBSERVAÇÕES: 'nenam' é utilizado pelo informante para substituir o discurso que está a relatar; equivale a dizer "e não sei quê"; "cesárea" é um brasileirismo que significa "cesariana". + + +-> ah! mas aí, quando chegou o dia, não é, da op[...], aí a doutora marcou "vamos fazer dia dez de Maio." aí, pronto, eu sofri até o dia dez de Maio. quando chegou dia dez de Maio que eu ligo para a doutora "não, deixa para o dia treze de Maio." eu falei "oh, uma bonita data, dia de preto velho, tudo bem. está, está melhor." quando chegou no dia treze que eu ligo, que eu liguei no dia doze "não, deixa para o dia quinze". eu falei "doutora, se a senhora me troca mais um dia, eu me mato." e eu com medo, não é, podia, porque ela não podia mais sentir a dor do parto assim. ela tinha que ter um parto, hum, sem dor. + +- hum. + +-> porque a, a placenta estava no[...], quase no colo do útero. se ela chega no colo do útero, a placenta sai na frente e a criança fica atrás, morre. e t[...], você sabendo disso, qualquer ser humano, é, sofre. aí, graças a Deus, no dia quinze ela fez a cesárea, foi onze horas, quando foi onze e vinte me deram a notícia. estava eu e o meu cunhado e eu só fazia chorar de nervoso, não é, porque nessa, eu sou muito bonzinho e tudo, mas nessas horas só faço chorar, meu nervoso ataca para chorar. pessoal até me encarna de bebé chorão, mas eu não tenho isso comigo não. eu choro mesmo. aí, quando o médico chegou, não é, falou assim "quem é o papai?" eu só fiz assim. eu não tinha nem força para falar de tanto nervoso. "é uma menina" eu só faltei dar um ataque de tanta alegria e esqueci até que eu estava contando com Rodrigo. e ela anestesiada e o médico depois perguntou "como é que é o nome da criança?" eu falei "sabe que eu não sei." eu falei "bom, se fosse menino ia ser Rodrigo, agora, menina eu não sei. ah! bota Carolina!" porque quando, assim, eu me juntei com a minha mulher, eu não estava numa boa em casa, a senhora sabe, a situação estava periclitante para mim. que eu sempre briguei muito com meu padrasto e realmente eu não estava numa legal com eles. então, eu acho que a minha mulher apareceu na hora exacta para mim. mas não foi por causa disso que eu me juntei com ela nem nada. nós se juntámos, porque ela, não sei, ela, eu acho que ela ainda gosta mais de mim do que eu próprio dela. ela tem uma certa gamação por mim que é fora do comum. o que ela puder fazer por mim, ela faz, sabe, é o tipo de pessoa que é assim, qualquer coisa que eu depender dela - e eu também faço por ela que eu gosto dela demais, não é, porque eu tive muitas aventura na rua e nunca quis ter filho com ninguém. já com ela eu aceitei a criança porque eu gostava dela e, e senti nela, você sente quando a pessoa é + +- hum, hum. + +-> legal. então acho que... não tem jeito. ali estou mais amarrado do que se eu fosse casado. para separar ali vai ser uma briga. porque - eu nem quero pensar nisso - porque, assim, eu amo a minha filha demais e amo minha mulher. e eu não acho legal a gente ter o filho com uma pessoa, o pai viver num lugar e a mãe viver em outro. eu acho que de acordo, tem que procurar contornar a situação, procurar viver bem, procurar se entender, conversar bastante, ter bastante diálogo, que eu acho que é o que falta no, na maioria dos casais hoje em dia é o diálogo, para poder ter uma vida assim bem, sabe, sem briga, sem esse negócio de atrito, sem essas confusões toda. eu cá acho isso besteira, não leva a nada. + +- hum, hum. + +-> e sou contra, também, os homem que bate em mulher, porque eu acho assim: a mulher não serve para o homem, larga. aí, quando um casal chega a ponto de partir para a agressão eu acho que já não dá mais para viver junto, então cada um para o seu lado. se eu digo para a minha mulher "se eu quis essa criança, é porque eu te amo e sei que você me ama", porque você viveu dez anos casado com uma pessoa, você nunca quis um filho, então você querer o meu é porque você gosta demais de mim. então desde o momento que eu sei que você quis essa criança é porque você me ama, então eu também te amo, vamos viver nossa vida. + +- hum! que bonito! + +-> é. é, tudo tranquilo. porque a outra - eu namorei a Sueli dez ou doze anos - a Sueli nunca quis. tira duas criança. o primeiro houve um probleminha, ela teve que tirar. tudo bem, eu tive que aceitar. na época eu sofri à beça, estava com uns vinte e um ano. eu sofri muito. mas já o segundo não. fez, não me falou nada, quando eu vim a saber já tinha feito. então, acho que desde o momento que ela fez isso, não tomou assim nem uma, assim, não teve consideração nenhuma comigo, não é, porque ela para fazer, tinha que falar comigo. não falou. e eu, e eu qui[...], sempre quis assumir, não é, um compromisso com ela. ela que sempre me dava uma volta "ah, nenam." então, eu achei que aquilo foi demais. e continuámos mais por algum tempo assim, mas não deu para levar o barco muito adiante não. + +- hum. + +-> aí começou briga, briga, briga. fiquei revoltado, aí fui perdendo aquele amor que eu tinha por ela, acabou. aí tem aquele ditado que "amar só existe uma vez", mas eu acho que para mim não, existiu duas. porque eu amei muito Sueli, mas hoje em dia se a Sueli vem coberta de ouro, eu não troco a minha mulher por ela. eu sou ainda mais a minha mulher. + + + diff --git a/Brasil/Eu Gosto Dela Demais.wav b/Brasil/Eu Gosto Dela Demais.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..51a0a7063e1a8d2f8d069231eb0dd18df057b48c --- /dev/null +++ b/Brasil/Eu Gosto Dela Demais.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:dbd3554dbb285459ce8188ded3989ee06878331bfdf9a095294c50b866f5103b +size 11527512 diff --git a/Brasil/Festa de Estudantes.txt b/Brasil/Festa de Estudantes.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..ff523cc1e7e6caf13f9256a8195fe7be608e81bf --- /dev/null +++ b/Brasil/Festa de Estudantes.txt @@ -0,0 +1,124 @@ +TÍTULO: Festa de Estudantes +LOCAL: Brasil - Araraquara, S. Paulo +DATA: 1993 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 26 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Estudante + + + +- e você lembra alguma festa na escola? + +-> esse ano? + +- que aconteceu assim de bom? + +-> lembro sim. + +- ham. + +-> foi maravilhoso. + +- ham. + +-> foi quando a gente combinou com o professor de matemática, a gente sempre brinca "ó, vamos num churrasco? vamos numa pizzaria?" e aquele dia realmente a gente combinou sério de ir. até ele falar "ah! mas é hoje que a gente vai?" a gente falar "se você não quiser ir hoje não tem problema." de repente todo mundo se animou. não foi a classe inteira, é lógico, que a gente não combinou com a classe inteira, mas foi o Tabajara, eu e alguns alunos. de repente a hora que a gente estava na pizzaria, eu não me, eu não me lembro, ali perto da, da, + + [...] + +-> da escola mesmo... + +- ah! sei qual que é [...] + +-> Trattoria acho que é. aí nisso ia passando a Rosires, que é nossa directora, a Eliana, a Maria, não é, que é de inglês, aí a gente chamou todos ele lá dentro, foi maravilhoso. aquilo que era para ser só uma cervejinha que era o combinado acabou assim saindo em pizza, não é, acabou em pizza como fala o ditado realmente. e ficamos ali até meia noite e meia, quer dizer, cada um tinha seu compromisso, seu, a esposa esperando, eu não, é lógico, mas eles tinham e foi muito gostoso porque a partir dali nasceu uma amizade mais gostosa com o professor. além de ele ser o professor, ele foi o amigo da gente. então quer dizer muito mais evento desse deveria acontecer, não só com eles em si mas com a família deles, tudo. nós, como eu te falei vira uma família, a escola. então foi gostoso... + +- e assim como é que é o caso da Maria que você estava me contando? que é...? + +-> foi logo no começo assim. ela chegou assim como um general. ela disse assim que a estrela da classe é o professor. não deixa de ter uma razão. só que ela chega com uma certa autoridade, logo no primeiro dia ela não cativou os alunos. ela já chegou assim meia rude e... ela pediu para escrever uma palavra na lousa, toda a gente escreveu logicamente, ninguém nasceu sabendo inglês, a gente sabendo inglês esse ano, tudo, não é, já vi na quinta série mas só na quinta série. e por falar, inglês é uma língua que eu quero aprender. eu adoro inglês, adoro. até meu irmão faz, minha cunhada faz, as criança dele faz, já estão falando super dez, canta as músicas, já dá para acompanhar. eu acompanho aquela, uma "Unchained Melody", não é, que você deu. + +- sei, sei. + +-> aquela lá se estiver cantando, eu sei acompanhar. eu adoro. o que você deu assim bem explicadinho, adoro, dá para acompanhar aquela lá. é uma pena que o dia que você mostrou o filme, "Ghost", não é, eu estava hospitalizada mas foi uma pena porque todo mundo falava de você na classe. que realmente você incentivou para caramba, que além de você mostrar o filme, não foi assim só para a gente ver o filme. teve um fundamento, você fez aprender, ensinar para a gente também, vendo o filme... e a letra da música. pena que não deu, que o horário da aula foi muito pouco, não é, para gente assistir o filme inteiro, para o pessoal assistir que eu não assisti. então foi assim superlegal. e ela, como eu estava dizendo + +- é. + +-> me chamou a atenção. e eu por ser uma aluna quieta, não sou de mexer com ninguém, fiquei chocada com a atitude dela falei "poxa, tan[...], gosto tanto de inglês, mas pelo professor vai ser um pé no saco esse ano." pelo contrário, conheci a pessoa dela nesse dia que a gente foi na pizzaria, é uma pessoa excelente, quer dizer, aquele conceito que eu tinha dela acabou. ela é uma pessoa legal. então, só que apareceu uma santa Mariliza no lugar dela que realmente dá aula de inglês superlegal para a gente. + +- [...] + +- então você acha que é assim. + +- é uma família mesmo [...] + +-> é uma família, sem dúvida, é uma família. a gente pegou uma amizade, uma amizade gostosa com todos eles. você, a gente só vê s[...], Sexta-Feira mas sente saudade, não é, porque a maioria das Sextas-Fe(iras) + + [...] + +-> (fe)riado, não é, + +- [...] + +- e você [...] a festa junina que teve? + +-> não fui porque mais uma vez eu estava hospitalizada mas todo mundo falou que foi superorganizada. eu gostaria de ter ido. disseram que foi muito bem organizada. + +- e você acha que falta isso na escola, ter mais festinha? + +-> falta mais incentivo assim para a festa, mais... agito, não é, o pessoal adora agito, não é, agito logicamente sem briga, que aí está feio, não é, + +- mais [...] + +-> mais festinha. achei legal eles emprestarem a... cozinha para a gente fazer festa quando alguém faz aniversário. ontem por exemplo teve uma festa superlegal + +- como é que foi? + +-> de outra classe, ah, deixaram, tudo bem, falar bebida alcoólica, uma cerveja não é bem uma bebida alcoólica, é uma coisa superfraca. + +- hum. + +-> e foi assim, não foi para to[...], ninguém se embebedar. teve cerveja, teve refrigerante, teve o bolo, foi uma coisa superlegal. + +- e todos participaram? como é que foi? + +-> não, assim, eu achei legal isso, porque, cada um você sabe que cria um vínculo, assim de amizade, assim um grupinho, você tem amizade com todos mas cada um tem o seu grupinho mais legal. achei legal porque ninguém se intometeu na festa deles. ninguém foi abelhudo, abrir a porta "o que é que está acontecendo?" foi uma coisa assim superlegal. participou aqueles que eles acharam que tinha que participar. como eu achei que foi superlegal essa ideia, se a gente fizer alguma festinha, a gente também combina e faz, quer dizer, é uma coisa assim que cada um soube respeitar o espaço daquele, foi muita gente, isso a gente viu, a gente estava lá no pátio, a gente viu, foi legal. + +- de quem é que era o aniversário? + +-> você não participou? foi aniversário... + +- não, fui embora. + +-> foi superlegal. gostei. + +- foi aniversário da... + + [...] + +-> tem uma certa liberdade ali de brincar, tudo. acho que deveria ter um pouco mais de respeito da parte dos aluno. isso deveria, que eles a[...], eles confundem muito liberdade com, tem uns que é meio selvagem ali, sabe, é o termo certo de usar, porque de vez em quando o que acontece é uma selvajaria, mas é legal sim. + +- então há esse negócio de liberdade, não é, que você está falando... + +-> hum, hum. tem que dar liberdade mas ao mesmo tempo tem o respeito. isso daí tem que partir dos próprios alunos, não é, + +- que nem o negócio de ter que chegar na hora, senão a porta está fechada, o que é que você acha disso? + +-> eu acho isso daí muito bom porque senão vira bagunça, a gente assim... fica chateado quando acontece com a gente. fala "poxa! eu trabalhei até agora, saí um pouquinho mais atrasado, chego aqui está fechado." mas tem que ter isso daí. a gente tem que ter consciência que tem, senão vira bagunça. + +- você acha? + +-> o professor está dando aula chega um aluno "ah! dá licença? posso entrar?" pega a coisa na metade. realmente tem que ter uma disciplina de um horário. + +- você acha que os alunos não são, assim, adultos o suficiente... + +-> quando eles colocaram sete horas sem esse chorinho + +- ham. + +-> dos dez minuto, eu achei ruim porque eu saía sete horas, quer dizer, tendo os dez minutos, eu, de moto, eu chego a tempo, não tendo os dez minuto + +- e agora como você vai resolver isso? + +-> começou me complicar. + + diff --git a/Brasil/Festa de Estudantes.wav b/Brasil/Festa de Estudantes.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b8a7c26f7c34292a816ca9a81382cc4831a32765 --- /dev/null +++ b/Brasil/Festa de Estudantes.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:a35243205cec343a830b23e45141c9dbe3cbfa8abed96d03ebd1c0fd324f478f +size 16969270 diff --git a/Brasil/Muito Iguais e Muito Diferentes.txt b/Brasil/Muito Iguais e Muito Diferentes.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..109cd5fa82457aa8818362a5cf8240342b24c3a0 --- /dev/null +++ b/Brasil/Muito Iguais e Muito Diferentes.txt @@ -0,0 +1,64 @@ +TÍTULO: Muito Iguais e Muito Diferentes +LOCAL: Brasil - Araquara, S. Paulo +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 22 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Estudante + + + + + +- e como é que é ter uma irmã gémea? + +-> olha, n[...], não, eu, eu sou leiga para falar. leiga não, sou suspeita para fa[...], leiga eu não sou, nem um pouco, não é, eu sou suspeita para falar, porque eu tenho uma irmã gémea e porque foi assim des[...], desde quando eu me conheço por gente, eu tenho uma irmã gémea, então eu não sei o que que é não ser gémea, está vendo, aí é que está o xis da q[...], da coisa, da questão, sabe, então nossa, a nossa infância, eu achei que foi, foi sem problemas, foi superlegal, a gente sempre assim com um olhar, uma já sabia o que a outra estava pensando, o que, em relação a alguma coisa, inclusive minha mãe, sempre, a gente levava altos pitos da minha mãe, não é, porque a gente ficava dando risada da minha avó, assim, uma olhava para cara da outra e ria por causa de determinada coisa que minha avó fazia, sabe, então essa parte foi engraçada. daí, nossa, aí quando... eu comecei a namorar, ela começou a namorar também, a gente foi se distanciando, tal, mas, problemas conscientes, eu posso falar que a gente não tinha, não é, mas problemas tipo complexo de Édipo, não é, deve ter alguma coisa, com certeza tem, não é, complexo de Édipo, assim que eu falo, é, porque o complexo de Édipo é o seguinte: a, é, a, a, a disputa da, a, da, na menina, é o complexo de Eletra, não é, então é a disputa do pai em relação à mãe, entendeu, então nu[...], num caso normal seria o seguinte: uma menina, uma criança mulher, ela disputa a, o amor, a atenção do pai com a mãe, sim, mas nos gémeos, eu tenho que disputar com a minha irmã e com a minha mãe, entendeu, + +- ham! + +-> então eu acho que numa terapia que, o que... segue Freud, não é, a linha psicanalítica, talvez eu pudesse até descobrir, não é, algum problema [...], alguma coisa, entendeu, mas é legal ser gémea, assim você ter, mas, apesar de que com a minha irmã, tem coisas que eu não conto para a minha irmã, que eu conto para melhores amigas minhas, entendeu, porque ela é diferente de mim em muitas coisas, ela pe[...], eu acho que ela é uma pessoa muito mais preconceituosa, ah, eu não sei se foi a, a faculdade que fez assim, se é da minha natureza mesmo ser assim, não é, mas eu acho que a minha irmã, ela difere muito de mim em relação a preconceito, em relação a... muitas coisas que eu acho mito, eu acho tabu e ela acha que não, ela acha que tem que ser assim, sabe, então por aí que, que eu não consigo aprofundar tanto com ela, não é, algumas coisas eu não consigo compartilhar com ela como eu consigo compartilhar com amigas minhas, que não entende, não é, que eu tenho medo do ro[...], do, da repressão dela, entendeu, de ela estar me julgando, não é, porque um julgamento de uma irmã pesa muito mais que o julgamento de uma amiga, não é, é... diferente. + +- e, e agora que você está lá em Bauru e ela aqui... n[...], não teve, não tem diferença nenhuma? + +-> não, não tem diferença não, eu acho que continua sendo superficial o nosso relacionamento, por ser irmã gémea eu acredito que nosso relacionamento é superficial, assim não era para ser, não é, [...] mas ela, ela é uma pessoa muito mais fechada do que eu, entendeu, ela não chega e conta coisas, assim, e eu também estou assim agora, não é, não estou mais contando tudo para ela + + [...] + +-> eu estou mudando em relação a isso também, não sei porquê também... + +- e você não acha pior isso? + +-> acho + +- você quando vem para cá, ao invés de contar, de tentar compartilhar alguma coisa, ficar se fechando também? + +-> ah, eu a[...], eu acho que, que é pior, não é, mas... é uma coisa que parece que está fora do controle da gente, do meu controle, não é, é uma coisa que parece que está fora, não sei porque acontece. + +- e nunca aconteceu de você estar longe dela, você se machucar e ela sentir, ou... o contrário? + +-> não, às vezes, às vezes eu penso, Tininha, porque, que nem, quando eu sofri esse acidente que bati a cabeça lá no carro, tudo, eu, eu fiquei pensando: ai será que a Beta sentiu alguma coisa lá em Araraquara, tudo, não é, mas aí eu cheguei, perguntei para ela se ela teve algum tipo de pressentimento, ela falou que não, tudo, não é, mas quando ela sofreu um acidente de moto aqui em Araraquara e eu estava em Bauru, eu senti qualquer coisa, eu senti uma preocupação com ela naquela semana, eu pensei nela de uma forma diferente, eu não sei como, eu não sei o quê, o que assim especificamente aconteceu, eu sei que alguma coisa assim me fez pensar mais fortemente nela naquela semana, naquele dia, e aí cheguei, ah, cheguei, entrei em casa assim no, que eu abri a porta dei de cara com ela com a perna enfaixada para cima, assim, não é, aí foi, foi estranho. + +- e como que é? ela não tem namorado sério, tal, e você não está namorando na[...], você não tem vontade de sair junto em quatro, em casais? + +-> tenho, tenho. inclusive, assim, me[...], mexeu comigo, sabe, de, de ela ter ficado noiva e eu nessa ainda, não é, lógico que mexe, não é, você pensa pô, minha irmã, minha idade, igual eu, está noiva e eu estou nessa ainda, será que eu vou casar, será que não vou, aparece um monte de dúvidas n[...], na minha cabeça, mas no fim você vê que... são pessoas diferentes, entendeu, são vidas diferentes. minha vida é completamente diferente da dela, não é, e... + +- e você acha que você cresceu muito mais que ela por ter ido estudar fora, ter ficado mais responsável, talvez alguma coisa assim? + +-> tenho certeza. eu tenho certeza que eu, que eu sou, sou muito diferente dela, eu não, eu seria pretensiosa se eu estivesse falando que eu sou melhor do que ela, entendeu, eu posso até quebrar muito minha cara ainda por ser assim, entendeu, mas eu acredito que eu sou uma pessoa mais aberta, eu sou, eu sou uma pessoa que... pode fazer mil cachorradas comigo mas eu vou estar sempre ouvindo o que a pessoa tem a me falar, e se eu não ouvir, eh, eu vou ficar mal, entendeu, a pessoa pode fazer a maior cachorrada do mundo comigo, se eu um dia não encontrar com ela e falar "porque é que você fez isso", sabe, querendo ou[...], ouvir com todas as letras a since[...], a sinceridade na pessoa, eu não, eu não vou ficar tranquila. a minha irmã não, ela já se fecha, se a pessoa faz alguma coisa que para ela, ela considera grave, ela não quer nunca mais olhar na cara, ela não quer nunca mais ver, ela fecha a questão e não fala mais sobre o assunto. e nisso não, eu não sou assim, tenho certeza que não + +- e como que é o relacionamento de vocês duas com a sua irmã mais nova? + +- é diferente também, ham, eu sinto que eu tenho mais afinidade com a Priscila do que ela, não é, a Priscila, ela brinca mais comigo, ela dá mais risada comigo, ela tem mais afinidade, não é, não sei se é porque eu fico fora a semana inteira, só vejo de fim-de-semana, pode ser por isso também, não é, mas é... aquilo que eu já falei, a minha irmã é mais fechada, a Roberta, não é, a gémea, ela é mais fechada, ela não é tão brincalhona, eu já, já sou mais extrovertida, já gosto de brincar, de... ficar pegando nela, ficar enchendo o saco, e minha irmã não tão assim, não é, ela é, ela brinca, brinca mas não tanto. + +- e quando vocês eram pequenas, vocês se vestiam iguais, tudo? + +-> na maioria das vezes era, eram roupas iguais mas não assim mesma cor, tal, não é, tudo dois de paus assim, não é, nunca gostámos disso, ai menina, sempre foi assim igual mas cores diferentes, não é, mas mesmo estilo de roupa, tudo. conforme a gente foi crescendo, a partir de, de doze anos, onze anos, não é, aí, o estilo sempre foi igual, mas roupas assim nunca iguais, sabe, sempre a gente quis comprar roupa diferente, tudo. aí, quando e[...], ela escolhia a roupa que eu gostava na minha frente, eu ficava brava, porque eu queria aquela e eu não podia ter aquela que ia ser igual, eu tinha que escolher outra para não ficar igual a ela, não é, fo[...], foi bem por aí, assim na, na infância, foi ro[...], foram roupas iguais mas cor diferente, e ainda bem que minha mãe teve pelo menos a ideia de mudar a cor, não é, e depois, quando a gente começou a crescer um pouquinho a gente foi... mudando. + +- mas uma usa roupa da outra ou não? roupa dela é dela, sua é sua. + +-> você está falando hoje em dia, como está? + +- é hoje, é. + +-> hum, a minha irmã é o seguinte, não é, quando interessa para ela, ela troca alguma coisinha, ela empresta, tudo, mas tipo qua[...], a Fabiana que mora comigo, mi[...], minha colega de república lá em Bauru, eu troco muito mais roupa com ela que é minha amiga do que com a minha própria irmã, sabe, são coisas assim que me, isso daí me deixa muito irritada, me deixa muito irritada, porque a minha irmã tem o mesmo corpo que eu praticamente, não é, eu sei que eu estou mais gorda, mas tudo bem, tem praticamente o mesmo corpo, mas é aquela coisa dela, não é, ela é assim com as coisas dela, tudo, e com a Fabiana, é, por exemplo, na boa, assim eu vou, troco, sabe, ela usa meu perfume, eu uso perfume dela, sabe, pedindo, tal, falando, não é, não é também assim vai pegando, vai usando, sabe, mas é m[...], mais, mais tranquilo do que com a minha irmã. diff --git a/Brasil/Muito Iguais e Muito Diferentes.wav b/Brasil/Muito Iguais e Muito Diferentes.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..712528da2e8fc06015cc51389ce0cef63b866610 --- /dev/null +++ b/Brasil/Muito Iguais e Muito Diferentes.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:42fda984ba2c58974b3270171e80687a2bfd092f9751a5a0af28d81d2820b40d +size 23698928 diff --git a/Brasil/Nada Ciumenta.txt b/Brasil/Nada Ciumenta.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..4ce6a7d9fe9cc73933d67240e50d3fa02eee38b9 --- /dev/null +++ b/Brasil/Nada Ciumenta.txt @@ -0,0 +1,114 @@ +TÍTULO: Nada Ciumenta +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 54 anos + ESCOLARIDADE: 11 anos + PROFISSÃO: Doméstica + + + + + +-> ah, minha filha! minh[...], mulher de médico precisa... ser uma criatura assim, é, mui[...], muito - como é que eu vou dizer? - não ligar para certas coisas, entendeu, não pode ser ciumenta, não pode estar levando o negócio assim, você querer monopolizar teu marido porque não adianta, porque você tem que deixar de mão mesmo. você imaginou a mulher de médico ciumenta? que coisa horrível! é horrível! eu não tenho. nunca tive ciúmes do meu marido, nem um pouquinho. + +- nunca? + +-> nunca! nem quando eu era ca[...], mocinha, garota, nunca tive ciúmes, não. porque não, não dá, sabe, ó Maria Lúcia, você habitua mesmo, você não te[...], acho que você no final, você mesmo que seja uma criatura ciumenta você, no final, você acaba se acomodando no, deixando de ser ciumenta, entendeu, porque ele, a vida dele diária é o dia inteiro lidando com mulher, com enfermeira, com colegas médicas, não é, com clientes, moça, velha, tudo, broto, de tudo quanto é jeito. agora, se você é ciumenta, você fica louca ou separa de uma vez, não é, ou separa. + +- você tem, também tem os telefonemas de noite, não é, + +-> telefonema de cliente. eu acho que marido de, mulher, eh, ma[...], médico, se quiser enganar a mulher, engana com a maior facilidade. como é que você vai andar atrás do ho[...], do marido o dia inteiro? engana. você pode, pode dizer para você que vai dar um plantão, não dá; pode dizer que vai ver um doente, não vai ver. como é que você vai saber? + +- é. + +-> então você, o, o negócio é você não esquentar a cabeça. deixa para lá, sabe, deixa o barco correr. + +- [...] aí, qualquer homem pode fazer isso. + +-> ah! mas é, mas já, mas acho que médico tem mais facilidade para isso, sabe, tem muito mais, ele pode, ah, receber um telefonema, não, não ser de cliente, dizer que vai ver o cliente e não é, não é isso? como é que você vai saber se é cliente ou não é? e você vai, vai poder prender o marido dentro de casa? não, eu não. eu nunca prendi. não ligo. me dou muito bem com Paulo, no[...], nós não brigamos, já estamos casados há trinta e poucos anos, até já perdi a conta... + +- ai, que maravilha! + +-> trinta e pouco. já perdi a conta até. mas eu me dou bem, a gente não briga assim, só tem, às vezes, umas coisas que a gente não está de acordo, não é, porque cada um tem... + +- sua manei[...] + +-> seu modo de viver, de pensar, não é, mas não, briga séria assim, não tem, não. agora, eu digo o seguinte: se eu tivesse a mentalidade que eu tenho hoje, a experiência que eu tenho hoje, a experiência, não é mentalidade, não, a ex[...], a experiência. então, se eu tivesse a experiência que eu tenho hoje, eu não me casaria com médico. + +- porquê? + +-> não aconselho a casar com médico, porque você vive só. vive sozinha. vive sozinha, porque você está muito bem com o marido, daqui a pouco [...] ele recebe um telefonema, tem que sair. e você não pode prender, não é, se tem um doente passando mal, você não vai dizer que não quer que ele vá ver o doente, não é, se está passando mal, tem que ir mesmo, não é isso? + +- [...] + +-> eu oh!, vou te dizer uma coisa: eu não me casaria com médico. preferia casar com negociante que fecha a porta, fecha a loja, nem que fosse dono de armazém + +- é. + +-> as[...], chega aquela hora, fechou a loja, vem para a casa, não esquenta. o médico, não. o médico sai do trabalho, vem para casa mas não, não te[...], não fica em casa. ele, daqui a pouco recebe um telefonema, quantos telefonema de madrugada, eh, duas hora, uma hora... e quando, quando eu me casei então, foi, foi o pior, foi a fase pior da minha vida, porque eu era muito criança e fui para fora, não é, então, menina, eu ficava sozinha! sozinha! ele, de madrugada, ele saía, recebia aquele chamado, vinham buscar ele em casa, e eu ficava numa, numa casa que eu fui morar, enorme, sozinha, Maria Lúcia! que medo que eu ficava! apavorada! + +- medo? + +-> apavorada! então, e, mas eu acho que foi por isso que eu, que eu agora não ligo mais, sabe, já me desliguei, já não, não me importo mais, não. dá plantão, está tudo bem, então, eh, volta para casa. + +- [...] as actividades da senhora, não é, + +-> é, por isso é que eu gosto de, de fazer meus exercício, minhas ginástica, minha ioga, porque s[...], se não, vou ficar aqui trancada dentro de casa o dia inteiro. + +- engraçado... + +-> aí, eu moro... + +- porque nenhum dos meninos resolveu ser médico, não é, + +-> nenhum! não, nenhum dos dois. eles sempre disseram "Deus me livre ser médico para levar a vida que meu pai leva!" porque, quando eu, no princípio, eu, de casada, então ainda era pior, quando os menino, pegava muito plantões seguido. agora, não. há muito tempo até que ele não dava plantão, mas agora a policlínica, lá resolveu b[...], dar esses plantões. está com pouco médico lá, porque vai mandando gente embora, não é, + +- a policlínica de aonde? + +-> é policlínica do porto. então, eh, tem poucos médicos e, e tem que dar plantão e ele teve que entrar na escala do plantão. ele não queria, porque ele d[...], detesta dar plantão. já deu, deu muito, quando ele era do exército, não é, ele era médico do exército dava, às vezes, seguida, sabe, ele ia para fora e, e, imagina você, ia acampar! + +- ai, que horror! + +-> acampar! passava quinze dias fora, acampado. às vezes ia para, para fora, ia para, pe[...], p[...], vacinar, eh, vacina de tifo, essas coisa, então ia para, para santos, para não sei para onde, passava lá uma temporada. + +- e a senhora ficava sozinha? + +-> e eu ficava sozinha com os meninos. olha, vou te dizer uma coisa, Maria Lúcia, até Natal e Ano Novo, eu passei muito sozinha, sabe, muitos natais e Ano Novo eu passei sozinha com os menino. e a minha nora reclamam da vida que, às vezes, os, os meninos, eh, chegam atrasados, chegam tarde, essas coisas, eu digo "minha filha, vocês não devem reclamar, não. vocês levam até uma vida muito melhor que eu levei, poxa!" + +- mas eu acho, dona Mariângela, que a mulher hoje ela, sei lá, ela não aceita com tanta facilidade assim. + +-> eu também acho. a mulher agora não aceita mesmo não, sabe, é porque foram habituadas, tiveram uma educação diferente, não é, eu é... + +- [...] + +-> é isso mesmo. + +- [...] + +-> eu acho que assim é que deve ser. + +- a senhora acha? + +-> eu, ah! eu acho. eu acho, eu aprovo. eu sempre acho que, quan[...], ah, não, não acho ruim das, das mulheres que, assim serem independentes e trabalharem fora, eu acho que isso é uma boa mesmo, sabe, é uma boa! a mulher deve ser independente, nunca depender de marido. + +- é, mas, às vezes, os homens ficam muito ameaçados. os homens, os maridos. + +-> ah! eles ficam ameaçados nada. eles ficam é, é enciumado. + +- pois é, nesse sentido [...] + +-> eles ficam é com ciúmes, porque tem muita mulher que ganha mais que o marido. + +- [...] + +-> conheço mui[...], muita mulher que ganha mais que o marido, e, e, e eles ficam assim enciumados, porque eles querem ser sempre os machões, não é, querem controlar ali. mas o, mas eu acho certo, sabe, a mulher ser independente, não depender de marido, não. + +- [...] + + + + + + diff --git a/Brasil/Nada Ciumenta.wav b/Brasil/Nada Ciumenta.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..6babaf69dd9ff08c92f3cd75c11265bae0cafe83 --- /dev/null +++ b/Brasil/Nada Ciumenta.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:0e35ede804fc9037418418fc81ba6d5436b5eaef39a2d32339ff54aabdd8769a +size 19280486 diff --git a/Brasil/O Acidente.txt b/Brasil/O Acidente.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..fcbb4fda7708986cb175b1bc4ce111b43cf4af6a --- /dev/null +++ b/Brasil/O Acidente.txt @@ -0,0 +1,125 @@ +TÍTULO: O Acidente +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 71 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Recepcionista reformada + + + + + +- dona Dália, mas nós estávamos falando de religião, não é, + +-> certo. + +- o brasileiro sempre diz que é católico, mas ele nunca pratica. + +-> é, exacto. + +- é assim que você sente, também? + +-> é, eu sinto assim, não é, eu, se passo na frente de uma igreja e me dá vontade de entrar ali, rezar um pouquinho, vou, rezo... e venho-me embora. inclusive não posso me ajoelhar. depois que eu fui atrop[...], sofri um acidente de carro + +- foi? + +-> eu não posso me ajoelhar, é. + +- conte esse acidente. como foi esse acidente? + +-> olha, o primeiro, eu vinha saindo do consultório, do raio-x. + +- ham. + +-> tinha fechado o consultório, lá em Bonsucesso e vinha-me embora. eu nunca olhei tanto para atravessar uma rua como naquela noite. olhei para um lado, olhei para o outro, não vinha nada. vou atravessando, mas, contramão veio um carro, em toda velocidade, e eu, por instinto de defesa, não é, fiz assim para o carro, para empurrar o carro! aí, levei uma trombada no meio-fio, fui bater no outro meio-fio. então, bati, estava com esse relógio + +- hum, hum. + +-> bati de barriga para baixo, não é, + +- sei. + +-> com o joelho. assim, eu bati assim no chão. + +- hum, hum. + +-> aí vieram chamar, era muito conhecida ali, porque eu sou assim, me dou com todo mundo, não é, aí, "aquela moça do raio-x foi atropelada e tal!" e eu dizia "telefona para o, para o Mourão Neto." + +- sei. + +-> que era o meu patrão, não é, o dono do raio-x. + +- hum, hum. + +-> aí foram telefonar para ele. ele foi para o Getúlio Vargas me esperar. aí me pegaram e puseram dentro de um carro. mas eu s[...], estava sentindo só o joelho. + +- sei. + +-> cheguei lá, o Mourão Neto estava pensando que eu estava toda arrebentada, não é, + +- ham, ham. + +-> estava já com uma maca ali, que ele é médico, não é, + +- hum, hum. + +-> e ele disse "ah, dona Dália! eu pensei que a senhora estivesse toda arrebentada. não está não, graças a Deus." aí fomos. no joelho não dava nada. e eu estava sentindo dor neste braço. esse braço é que é quebrou aqui + +- sei. + +-> um pouquinho. aí ficámos naquele negócio, bateu radiografia, ele me deu para eu ver e tal, eu vi "é, não tem fractura nenhuma, não". mas eles me imobilizaram o braço, não é, + +- hum, hum. + +-> e vim para casa, ele me trouxe aqui em casa, eu passei uma noite horrível, cheia de dores. + +- hum, hum. + +-> aí ele de vez em quando telefonava para casa, eu sentada naquela cadeira e... eu atendia o telefone, e assim passaram-se uns dois ou três dias. ele disse assim - eu es[...], chamo ele pelo apelido, não é, tenho conhecimento com ele, não é, - "Toninho, está doendo demais." "e a senhora estava chorando?" eu disse "eu estou, chorando de dor." "então a senhora vem aqui no consultório". mas nisso eu já tinha batido uma porção de radiografias, não é, + +- hum, hum. + +-> inclusive eu lá na casa de saúde de Bonsucesso, quando uma das enfermeiras me viu, ela ficou apavorada, porque tinha visto eu ser jogada uns dois metros de altura e cair no chão. então ela pensou que eu tivesse morrido! + +- é. hum, hum. + +-> quando ela me viu, disse "dona Dália, como é que a senhora está andando?" eu disse "pois é, não sei, é só o braço." bom, a conclusão: aí eu fui bater radiografia no consultório aonde eu trabalho. um colega meu que bateu, não estava dando, aí, ele pegou e tirou. assim é que apareceu. + +- hum, hum. + +-> eu tive que operar, depois tirar o pedaço do osso. bom, esse joelho ficou meio ruim. depois agora, aqui há uns anos também, com o meu neto numa kombi, que eu tenho horror a kombi. ele comprou uma kombi, eu ainda disse para ele "ih, meu filho! sua avó não gosta de kombi." "ah! que nada avó." bom, eu ia experimentar um vestido numa sobrinha na cidade + +- hum, hum. + +-> que eu também coso, às vezes. e eu ia para lá, ele disse "ih, avó, entra aqui." tudo bem. quando nós íamos, depois da Praça Sêca, a kombi, esse negócio, eu não entendo muito bem não, parece que faltou freio, eu não sei o que é, de carro eu não entendo nada. + +- [...] + +-> eu sei te dizer, minha filha, que o carro não parava de jeito nenhum. foi e ele, então, puxou para o lado do meio-fio, aonde tinha um caminhão, desses feito de alumínio, a kombi foi... + +- é. ih!... + +-> lá de baixo, e ele pegou, porque ia eu e ele na frente, não é, eu assim com o braço no, nas costas dele. ele pegou, me puxou por aqui. ele saiu fora da kombi, ele caiu lá fora, não sei como ele não foi morto. + +- é. + +-> e eu fiquei presa entre os ferros. também machucou esse joelho, o mesmo joelho, não é, + +- é. + +-> e deu aqui, oh! aqui e aqui. + +- hum, hum. + +-> deu aqui, talhos, e de maneira que eu não posso ajoelhar por causa disso, não é, + +- é. + +-> tanto quando eu vou a, a uma missa, qualquer coisa, eu não ajoelho de jeito nenhum. não posso mesmo. tenho que ficar mesmo é em pé. + + + + + diff --git a/Brasil/O Acidente.wav b/Brasil/O Acidente.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..444f91abb4b95a79d0f12bd2c39686cf453b7157 --- /dev/null +++ b/Brasil/O Acidente.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:5e24a0077580d0a86e3fb4e7fa3b5da9dc37f8d52912dbaa84c2f3728a7c30f8 +size 13084184 diff --git a/Brasil/O Jogo do Bicho.txt b/Brasil/O Jogo do Bicho.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..8d56ad0ff45591f4afdc54c8fc3a4cc5938786e1 --- /dev/null +++ b/Brasil/O Jogo do Bicho.txt @@ -0,0 +1,103 @@ +TÍTULO: O Jogo do Bicho +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 39 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Padeiro + +OBSERVAÇÕES: o falante produz 'adapito' por "adapto". + + + +- e o senhor joga, assim, lotaria, essas coisas? + +- no bicho, o senhor joga? + +-> não, não gosto de jogo de bicho não. é um jogo muito legal mas eu não me adapto muito, não. não dou, não é questão de sorte, entendeu, é porque eu não gosto. entendo muito, mas não gosto. gosto muito, como eu te disse, é... corrida de cavalo, não é, que eu faço meu joguinho, ligo o rádio, escuto, torço, tudo. isso é que eu gosto. agora, jogo do bicho, lotaria esportiva, isso é um roubo! + +- loto... + +-> isso, tudo é roubo, isso tudo é roubo! + +- ora mas um dia pode ganhar. + +-> vou ganhar o quê? vou perder! + +- [...] + +-> você ganhando, você está perdendo. você ganhando, você está perdendo. por exemplo, você desconta ali setenta por cento, você joga cem, só vale setenta. bom, setenta por cento. vocês estudam, sabem o que é setenta por cento, não é, você joga setenta por cento. suponhamos que você acerte no segundo semestre. você já está descontando setenta por cento do que você... ganhou, recebe o líquido, não é, descontado tudo, descontar, aquilo ali é setenta por cento é para pagar isso, aquilo, aqueloutro, imposto, tudo, não é, se você acertar esse dinheiro, no segundo semestre, o que é que te acontece, na próxima? você vai ter que pagar imposto daquilo que você ganhou. + +- é. + +-> você já está sendo roubado de entrada, tem um jogo que te desconta setenta por cento, já é um roubo. você bota cem cruzeiro, só vale trinta, já é um roubo. é um roubo mesmo. agora, então, você desconta, ganha ou não ganha, desconta, você acerta no segundo semestre. como é que você vai investir seu dinheiro para você pagar, vamos dizer, você ganhou quatrocentos milhões de cruzeiro. no segundo semestre, como é que você vai investir seu dinheiro para pagar logo o imposto de renda logo a seguir, não é, como é que fica? por exemplo, no meu caso. como é que eu vou pagar tudo isso, esse imposto todinho? se eu botar o dinheiro lá encostado, eu vou perder dinheiro. sou solteiro, com esse dinheiro todo, ele vão descontar logo na maior, não é, quarenta e dois por cento, não é, se eu não me engano. um negócio desses não me interessa, que ele nunca vão me descontar. + +- hum. + +-> e se eu investir eles também vão descontar. quer dizer que então, eu perco dinheiro toda vida. quer dizer que eu desconto na primeira vez que já vem descontado e vou descontar de novo! + +- mas corrida de cavalo, então, não tem isso? + +-> corridas de cavalo, não. corridas de cavalo não tem erro não. + +- não? isso eu não conheço. + +-> corrida de cavalo é o investimento dos rico, porque... o rico é o maior ladrão, não é, então é o seguinte, quando perguntam a ele "porque é que", no imposto de renda, perguntam a ele "como é, porque é que está sobrando esse dinheiro aqui?" "eu ganhei na corrida de cavalo." aquilo lá não dá recibo! você chega, joga e ganha. já é descontado já. lá tudo é descontado. você chega, joga, ganha, chega lá dá o talão, recebe e pronto. eles também não podem te provar contra. + +- é. + +-> que é que ele vão falar? vai ver que ganhou até um cavalo deles mesmo, não é, + +- hum, hum. + +-> você nunca ganhou, você nem entende de jogo de corrida de cavalo, mas fala que ganhou na corrida, pronto, acabou! não podem te falar mais nada. + +- e se o senhor ganhasse uma bolada, assim, que é que ia fazer com esse dinheirão todo da corrida de cavalo? + +-> que é que eu ia faz[...], não, esse dinheiro não dá para ganhar muito não. graças a Deus, por isso é que eu gosto dele. + +- ah! + +-> a gente só ganha pouco. é um jogo, jogo mais por esporte mesmo. eu jogo para ligar o rádio, ficar escutando, viu, e ter aquela vibraçãozinha assim. que de meia em meia hora a gente liga o rádio, não é, tem aquela vibraçãozinha. + +- Rádio Difusora Fluminense, não é, + +-> Difusora Fluminense, Rádio Mauá também dá. + +- é, o senhor falou daquela vez Difusora... + +-> é, não, a Rádio Mauá também dá! + +- ai é? + +-> é. não, mas escuto a Difusora Fluminense, não é, porque é, é directo e a Mauá, quando tem futebol, dá futebol, também. + +- hum, hum. + +-> e lá não, lá é só corrida de cavalo. a Difusora Fluminense é melhor, que é só corrida de cavalo. + +- mas o senhor nunca fantasiou assim se o senhor ganhasse, assim, uma bolada, que é que o senhor faria com tanto dinheiro? nunca... + +-> que é que eu ia fazer? + +- não sei. + +-> ia gastar do mesmo jeito! ia gastar. a única coisa que eu poderia fazer é o quê? comprar um iate, só. + +- viajar! + +-> não, não ia para longe, não, ia ficar aqui mesmo. que é que há? no Rio de Janeiro mesmo, só nessas aguinha daqui só, água mansa. é. muita negra, não é, dentro do barco e pronto. a gente ia gastando, ia dando até ficar duro de novo. é a melhor coisa que tem é você ser sem dinheiro, viu, + +- porquê? + +-> ah! você se sente feliz, porque você luta para ganhar ele, você sabe que tem dificuldade, você dá valor a ele. agora se você tiver dinheiro, não. tem problema não, posso gastar, porque tem lá para ga[...], para apanhar e gastar de novo. tem donde tirar. e agora, se você é dura, então você é, está sempre bem. você sai "puxa vida" deve, tem momentos na vida que você pensa "não posso nem morrer!" é. "eu não posso nem morrer agora." tem momentos não. [...] se você viver ou morrer para você é a mesma coisa. você pode não pensar assim agora, não é, mas um dia você ainda vai pensar "poxa vida, se eu morresse hoje, eu morreria tranquilamente." mas tem momentos na vida que você está botando a mão para o céu e - você não bota nem a mão para o céu, que você não tem tempo para isso - você está pensando "Deus me livre, eu não posso morrer agora. se morresse agora, ia morrer com a consciência bem ruinzinha.", entendeu, por isso é... que... eu tenho essa ideia, o pobre é sempre feliz, porque ele luta, ele batalha pelo dia-a-dia. ele quer saber sempre que tem para ele comer, é o mais importante para ele, não é, + +- hum, hum. + +- quer saber que ele tem para almoçar, jantar e que ele vai lutar e vai ganhar mais para fazer a mesma coisa. mas já o rico não. o rico já pensa em como te pagar, não é, é a diferença. como te roubar para te pagar. tira de você para pagar a você mesmo, não é, + +- é a preocupação. + +- é, que você, você, vamos dizer, você é professora, você dá aula no colégio do homem, não é, você estuda lá também. quer dizer que ele está pensando como te roubar para te pagar! é isso tudo. + diff --git a/Brasil/O Jogo do Bicho.wav b/Brasil/O Jogo do Bicho.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b2efa1645e106f01fac3eed701c29fe7ef04fed2 --- /dev/null +++ b/Brasil/O Jogo do Bicho.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:c2080c532af14f5ea15bfe68a5784811b684aac38402cc501b83111a2c58a129 +size 17025532 diff --git a/Brasil/O Mundo do Direito.txt b/Brasil/O Mundo do Direito.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b2c38df67c1b87fdd51b9c47e9e6cfb0f528a022 --- /dev/null +++ b/Brasil/O Mundo do Direito.txt @@ -0,0 +1,54 @@ +TÍTULO: O Mundo do Direito +LOCAL: Brasil - Araquara, S. Paulo +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 20 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Estudante + + + + + +-> então, como eu estava falando, então, no direito romano, a mulher não tinha direitos. ela, ah, o di[...], o, a ca[...], a pessoa que ti[...], os que tinham capacidade de, de facto, que era capacidade de ter direitos de, direitos, assim, fora os direitos normais que todos têm que é direito de escola, educação, saúde, isso todos têm independente de ser débil mental, de ser... qualquer coisa. agora, depois tem os direitos, por exemplo, direito de montar uma fábrica, direito de, ah, é, assim, sabe, direito que envolve mais responsabilidade, mais coisa. então, a mulher não tinha, ah, os loucos e... dependia da idade, não é, no direito romano. que mais? ah! e tem muita coisa assim curiosa, sabe, que você fala "puxa, mas isso não está certo." então, tanto é que eles adoptam muito, tem leis que eles, tem caso de lei que a gente teve que estudar a lei mas que não vale mais porque o costume não aceitava a lei, sabe, + +- qual por exemplo? + +-> espera aí, deixa eu pensar, do samba. eh, teve uma vez que, eh, numa constituição, eles lançaram que o samba era proibido no território nacional, aqui, certo, só que o costume, Brasil, é samba, não tem como. ah, o costume tirou a lei de, do vigor, de vigor, eh, essa lei não vale. + +- porquê o samba não podia? + +-> ai, é, Marilim, eu não, não sei. era a lei que eles fizeram e, só que no, pelo costume não, acho que pela ditadura, não sei, ah, isso, mas foi o exemplo que o, o professor citou, que o... samba era proibido, só que pelo costume, tanto é que assim, ah, pensa no, no Código, por mais que sejam enormes, os gro[...], os Códigos, deve sempre aparecer coisa assim absurda que você fala "puta, como é que foi isso surgir, isso?" então, eh, o juiz, ele tem todo o direito de, se não tiver na lei, por exemplo, se ele procurar na le[...], nas leis, nos Códigos e não tiver nenhuma lei dirigida àquilo que está acontecendo, ele não pode falar que ele não vai resolver porque não tem lei. ele é obrigado a procurar em costumes o que por costume aqui seria feito, entendeu, + +- ah! isso que eu ia perguntar... + +-> então, é. ele, então, aí vai para o costume, tem o costume, a, que eles falam, a analogia, que, por exemplo, se tem uma lei que, ah, fala sobre a, f[...], fala sobre uma coisa mas não é bem isso que tem, que cabe ao, o facto que ocorreu, certo, aí ele pode fazer analogia dessa lei, quer dizer, fazer, dar um jeito nessa lei para ela caber dentro do que está acontecendo, sabe, então isso, quer dizer, Direito é difícil, não é, porque além de você ter que saber as leis, você vai ter reso[...], saber resolver problema que nem previsto é nem nada. + +- tem que saber o número da lei e tudo? + +-> olha, os professores, eles sabem. eles falam assim "a lei seis mil e quinze", que é a que mais usa, que é enorme, que tem quase tudo, é na lei seis mil e quinze. mas, ah, eu acho que isso você acaba, ah, pegando com o tempo, não é, mas eu acredito que número não, porque são muitas, não é, que nem isso, seis mil e quinze do Código Civil. aí tem Código Penal, Código Processual, Código, sabe, e cada, por exemplo, tem Código Civil, Código Processual Civil, Código Penal, Código Processual ci[...], ah, Penal, sabe, agora Processual, eu já não sei te falar nada porque a gente não entrou ainda. a gente só está em Código normal. mas tem, agora tem LICC, quer dizer, no começo eles falam "LICC", você fala "nossa, que é que é isso?" aí, sabe, com o tempo, você vai se tocando. é a Lei de Introdução ao Código Civil, então, que tem os direitos assim básico, que todo homem tem direitos. ninguém pode assim dizer que não conhece a lei, porque a partir do momento que ela foi publicada, só aí ela vai começar a valer, sabe, então que são as leis assim... comuns. aí depois... + +- e... conta um caso interessante que um professor contou. + + [...] + +-> acho que o mais interessante que eu lembro foi aquele da sucessão que eu te contei das crianças, tal, de, de, da, do filho que a moça estava grávida. + +- ah... + +-> o cara era rico. acho que o mais assim que foi interessante foi isso. + +- e... trabalhista não tem nenhuma? + +-> de trabalhista? não. só, teve no dia da, da, da mulher, não é, no dia internacional da mulher, foi uma moça lá, uma advogada essa que era mocinha, que eu já citei. ela foi lá dar uma palestra para a gente, não é, e ela é advogada trabalhista, na[...], ah, assim não tem nenhum caso assim que ela contou. ela só falou que, ah, que nem o, ela falou assim que o escritório dela é carpetado, é lindinho e que vai aqueles peão de chinelo e tudo sujo de barro, sabe, ah, e que eles vão lá assim, e [...] o, as pe[...], eles têm muito medo do advogado. eles nunca confiam muito no advogado, sabe, que eles estão sempre achando que o advogado está do lado do patrão, sabe, então quando você consegue alguma coisa, eles, sabe, eles falam "ah! muito obrigado, dona, muito obrigado!", sabe, eles não acreditam que você conseguiu um direito para eles, um, eu acho que é isso porque, caso, caso não, porque o q[...], o advogado trabalhista acho que mais resolve é... coisa assim que é corriqueira mas que também não é certo, não é, por exemplo, acidente de trabalho, essas coisas mas eu não sei de nenhum caso assim para contar. + + + + + + + + + + diff --git a/Brasil/O Mundo do Direito.wav b/Brasil/O Mundo do Direito.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..7ce5ab28a82b3117c3804d02669dfb0d802215f6 --- /dev/null +++ b/Brasil/O Mundo do Direito.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:26edd5060a18fb1e1dd6741fd60bd87447957d124aba1df5f7e894e6546e0dfe +size 13918800 diff --git a/Brasil/O Plano Real.txt b/Brasil/O Plano Real.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..d16715804a27d5699411e062e10b73055ca459f0 --- /dev/null +++ b/Brasil/O Plano Real.txt @@ -0,0 +1,93 @@ +TÍTULO: O Plano Real +LOCAL: Brasil - S. Paulo +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: 2 F e 4 M + IDADE: + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: Texto retirado de uma transmissão radiofónica do programa Rádio Cultura, em que intervêm vários falantes da variedade brasileira do português. Uma vez que os informantes não intervêm ao mesmo tempo, não é necessário destinguí-los e a fala de cada um aparece a seguir a ->; a fala da responsável pelo programa aparece a seguir a -. No português do Brasil, 'terceirizar' significa «concessionar». + + + + +- quem não está nada satisfeito com o plano real é o sindicato dos artistas e técnicos em espectáculos. Zodja Pereira, directora do sindicato, acredita que a situação da categoria não difere dos demais trabalhadores. + +-> eu acho que para o trabalhador, a realidade continua a mesma. e na realidade cultural isso fica... muito mais difícil. porque, particularmente no Estado de São Paulo, hoje, onde a gente vinha com alguns projectos... de cultura, de popularização da cultura, e isso tudo foi, ah, foi derrubado, foi uma derrocada muito grande. + + [...] + +- segundo a sindicalista, o índice de desemprego no sector artístico está subindo. ela fala sobre a crise no governo do Estado e o plano real. + +-> não, eu acho que uma coisa está ligada à outra. pelo menos foi por ter um problema de, de ordem financeira que o Estado de São Paulo, ah, provocou essa derrocada cultural. e, e eu entendo que se o real fosse um plano tão seguro e tranquilo, o... Estado de São Paulo, o governo de São Paulo teria tido condições de sustentar e garantir a cultura ao povo. + + [...] + +- apesar de também sofrer com a herança de dívidas do antigo governo, quem está muito satisfeito com o plano real é o director-presidente do Memorial da América Latina, Fábio Magalhães. ele acha que o real é um plano que cria uma estabilidade monetária. com isso dá para prever orçamentos e projectos numa moeda estável. + +-> bem, eu antes não tinha como prever o custo, nós tínhamos que usar uma moeda estrangeira para criar a previsão desses custos. e muitas vezes a inflação, ela superava até os critérios de você ter uma moeda estrangeira como ponto de avaliação. vamos supor, eu usava o dólar, então, esse evento está orçado em cem mil dólares. ora muitas vezes a inflação superava essa previsão mesmo em dólar. eu acho que hoje, com o real, se pode fazer uma previsão muito mais acertada. e fica mais fácil para o próprio empresário também trabalhar dentro de um orçamento cujos, cujos índices de inflação são extremamente menores do que daqueles, ah, que nós encontrávamos antes do plano real. + + [...] + +- o Memorial está adoptando medidas para criar receita própria. + +-> uma das medidas que já foi adoptada e teve uma boa, um bom resultado com o público foi a cobrança de ingresso nos nossos espectáculos. o público reagiu de uma forma muito positiva e esses recursos provenientes da bilheteria voltam para a actividade cultural da instituição. nós estamos agora a, vamos, devemos, a, a 'terceirizar' o estacionamento, o restaurante, a loja, enfim, dinamizar aspectos que possam gerar uma receita própria para a instituição. e por outro lado, nós estamos fazendo os nossos projectos junto da iniciativa privada. e essas parcerias ajudam a baixar os custos e muitas vezes a finan[...], a financiar a totalidade do projecto. essa é uma forma que nós estamos encontrando de superar as dificuldades de carácter orçamentários. + + [...] + +- o ingresso no SESC Pompéia para o show Tetê e Lula e Lucina custava no primeiro dia do plano real sete e cinquenta. o show do Macalé no SESC Pompéia custa hoje doze reais, o aumento de sessenta por cento. no "Vou Vivendo" os shows de Terça custavam seis reais no início do plano, com Os Cariocas, por exemplo, hoje, com Borguetinho, a entrada custa quinze reais, uma elevação de cento e cinquenta por cento. e o poder aquisitivo do povo? o real vale mais? + + [...] + +-> está valendo bem mais. + +- está conseguindo se divertir mais? + +-> tem que ter um controle. você tem que ter um controle bem... forte sobre o dinheiro porque ele... diminuiu os números. entã[...], mas se você for fazer as contas, mas ele está valendo mais. está valendo bem mais. + +- e você está indo ao cinema, teatro, ou não? + +-> eh, está dando para ir. a gente vai levando, segurando aqui, segurando ali, controlando bem, a gente vai indo assim. já vai... + +- está indo mais agora ou antes? + +-> agora. agora está indo mais. + +- qual é que é a tua frequência? + +-> a minha frequên[...], eu vou assim, vou dizer assim, mais às estreia, não é, duas, três por mês. duas, três... + +- e antes? + +-> antes, aí, a gente ia uma vez a cada dois meses. uma vez por mês. demorava bem mais. por causa de muita inflação. você ia com um preço hoje e amanhã... já estava outro preço. então você ficava procurando ir de Quarta-Feira também que é mais, mais barato, não é, + + [...] + +- a inflação, que antes era de cinquenta por cento ao mês e agora é de trinta e cinco por cento ao ano faz uma diferença brutal nas actividades culturais do país. a opinião é do cientista político José Álvaro Moisés, secretário de apoio à cultura. ele sente essa diferença no Ministério da Cultura, em Brasília. + +-> este ano aqui, os projectos apresentados ao Fundo Nacional de Cultura, que é uma das, das linhas de atendimento aos pedidos e a, e aos projectos apresentados ao mecenato, quer dizer, a, a, na área da lei federal do incentivo à cultura, através das deduções do imposto de renda, esses projectos cresceram muito em, em número e também em recursos solicitados, está certo, no caso do, do, da lei federal do incentivo, os três primeiros anos de... mil novecentos, os três primeiros meses de mil novecentos e noventa e cinco registaram um crescimento de três vezes maior do que os três primeiros meses de mil novecentos e noventa e quatro. no caso do Fundo Nacional de Cultura, nós estivemos trabalhando, quer dizer, nós não, o Ministério da Cultura, até o final de noventa e quatro, esteve trabalhando com um total de cerca de quatrocentos projectos, para aqueles três anos: noventa e dois, noventa e três, noventa e quatro. só em mil novecentos noventa e cinco, o[...], nos seis primeiros meses, nós já recebemos mais de oitocentos projectos para o Fundo Nacional de Cultura, totalizando recursos solicitados na ordem de cem milhões de reais. isso o que é que mostra? mostra o vigor da área cultural, mostra uma imensa retomada das actividades artísticas culturais do país que foram possíveis a partir da estabilização da moeda. + + [...] + +- a estabilização da moeda permite uma programação financeira mais real, segundo o presidente da Associação dos Produtores de Espectáculos Teatrais do Estado de São Paulo, Sérgio Dantino. + +-> ao estabilizar a moeda, eh, eh, você ficou sem aquela loucura de, de, sabe, de trabalhar o dia inteiro, você perdia me[...], metade do dia, não somos sós nós em teatro, em qualquer outro tipo de ou[...], de outra... actividade, eh, cultural ou, ou, ou empresarial, você perdia metade do dia, tentando ver se o dinheiro não perdia o valor. e a outra [...] metade do dia você pensava em, em produzir. hoje você pode pensar em produzir o dia inteiro. você sabe que o teu, que o teu dinheiro está... aplicado ou, ou, ou, mesmo sem aplicação ele, a perda que ele vai ter se ficar um, dois dias na conta corrente é insignificante, eh, perto do, do, do que te aconteceu no passado. então você ficava a parte da manhã todinha, vendo o in[...], índice financeiro, indicadores financeiros, quanto é que vai dar o, quanto é que aumentou o dólar, compro o dólar, aplico nos CDBS, aplico nos 'comodities', não sei o quê. à tarde é que você ia ver, ver o que ia fazer com a sua fábrica, com o teu negócio, entende, agora não tem mais isso! então você tem muito mais tem[...], mais tempo para, para produzir. para pensar no s[...], no seu próprio negócio. se eu vendesse, por exemplo, ingressos antecipados e aplicasse o dinheiro, ah, da Quarta-Feira, ah, para entregar esse ingresso, a pessoa só ia usar esse, esse ingresso no, no, no Domingo, não é, eu só ia pagar a minha, minha, minhas, minhas... compromissos na semana seguinte, eu ganhava mais dinheiro no mercado financeiro do que, do que, do que no próprio ingresso, está certo, + + [...] + +- dá para se divertir com o real? + +-> não. nã[...], eh, quer dizer, eu não sei, eu acho que o plano está bom, porque... para mim não mudou nada, pelo menos não ter inflação já é uma grande coisa, você comprar uma coisa e saber que está ao mesmo preço. só que agora, nesses últimos dois meses, eu acho que teve uma inflação. principalmente com roupas, calçados e etc. então não está sobrando muito. + +- para ir ao cinema, teatro? + +-> não. não está sobrando. não está sobrando porque, eh, eu, pelo menos, não é, eu tive aumento de condomínio, de escola - que o meu filho estuda em escola particular - e então, ficou meio apertado. faz dois meses, eh, veio vindo bem, bem, bem, nesses últimos dois meses, a coisa apertou um pouco. + +- aí corta a parte cultural. + +-> aí te[...], a gente é obrigado a cortar, não é, porque, quando você tem que ir naquele, no que é obrigatório + +- no essencial, não é, + +-> no essencial, é isso, aí já não dá. diff --git a/Brasil/O Plano Real.wav b/Brasil/O Plano Real.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..017a792f7ed74a5ae5784c03029de6e63cbf4f16 --- /dev/null +++ b/Brasil/O Plano Real.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:54349a317d865338716a85c69a9b9f0e02155d1c55f357163ee1ad4834dd273c +size 23010210 diff --git a/Brasil/Samba.txt b/Brasil/Samba.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f9fcb2c45086a65a0315e76e48f22b4f10184d7d --- /dev/null +++ b/Brasil/Samba.txt @@ -0,0 +1,142 @@ +TÍTULO: Samba +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 44 anos + ESCOLARIDADE: 8 anos + PROFISSÃO: Doméstica + + + + +- agora, você falou que vai à escola de samba, todo ano? + +-> vou assistir aos desfiles. + +- é? + +-> todos os anos. + +- não é muito cansativo, não? + +-> não, nós gostamos tanto + +- hum. + +-> que passa bem + +- ah! + +-> não dá nem sono, não é, todos os anos, nós vamos assistir. + +- conta um pouco do desfile. eu vejo pela televisão e não é uma visão real, não é, + +-> olha, eu... não, já assisti futebol, no Maracanã e, mas não vou sempre, ele vai sempre com o garoto e eu não vou. então, ele diz "Dora, assistir pela televisão é uma coisa e assistir lá, no campo, é outra." + +- é. + +-> a escola de samba é a mesma coisa. você ver a, o desfile no local é completamente diferente. é, é emocionante você ver o desfile + +- é. + +-> de escola de samba. ah! é lindo! eu digo que todo brasileiro, pelo menos uma vez na vida, deveria assistir. + +- hum. + +-> porque é um espect[...], depois porque, não é, são pessoa, a maior parte são pessoas humilde. é um sacrifício tremendo + +- é. + +-> que fazem e é um espectáculo visual maravilhoso. que eu acho que no mundo não tem igual. + +- hum. + +-> eu acho, eu acho maravilhoso mesmo, gosto muito. eu já assisti. s[...], se eu não fosse assistir mais, tudo bem, porque já assisti várias vezes. agora, quem nunca assistiu, deveria ver. + +- hum, hum. então, o ano que vem você assistirá outra vez. + +-> se Deus quiser. isto é, ele ganha as entrada no palácio, eu estou lá. + +- ah! que bom. + +-> o governador dá duas, olha aí. é. + +- acho que eu vou conseguir um emprego nesse palácio, que está muito bom. + +-> é. o governador dá, não é, a, o oficial superior tem direito. então, ele ganha duas, é. + +- então, assim tem que ir mesmo. + +-> é. + +- nesse, durante esse correr de ano, você viu alguma diferença, esses anos todos que você assistiu, alguma diferença, assim, gritante? + +-> não. cada, cad[...], de ano para ano, elas vêm mais ricas, não é, + +- hum. + +-> mais ricas já, e vejo a diferença o seguinte: ano pa[...], há anos atrás, você via uma minoria de brancos + +- hum. + +-> desfilando, não é, hoje em dia, já está quase cinquenta por cento de brancos + +- que interessante! + +-> cinq[...], ah! é. o branco está tomando conta das escolas de samba, não é, na minha família mesmo tem muita gente que desfila. + +- hum. + +-> quer dizer, não frequenta a escola de samba + +- não mesmo. + +-> eles não frequentam, entende, + +- hum, hum. + +-> os ensaios, nada disso. agora, no dia, no dia do desfile, eles vão. é mãe, é pai e filhos, noras, tudo junto, na mesma ala. eles... + +- tudo unido. + +-> é. eles vão. adoram. + +- e você não tem pretensões de sambar, por exemplo? + +-> não. porque ele é, ele é militar, não é, então, eles ficam meio lá. + +- [...] + +-> é. eles ficam meio assim, depois aonde trabalham, também, não é, no palácio, eles ficam meio, você sabe que os bicheiro estão muito... + +- deve evitar, não é, + +-> ah! não é, na escola de samba e eles ficam meio receosos. + +- hum, hum. + +-> porque, inclusive a mãe desse menino que está aí, ela é uma sambista, ela canta bem, ela dança bem e nunca desfilou, porque o marido é coronel, é o ajudante de ordem do governador. então, prende um pouco. + +- é. + +-> eles, pas[...], nós vamos assistir, brincamos o tempo todo, não é, lá na arquibancada, mas desfilar, nós nunca desfilamos. + +- que pena. + +-> é. + +- um dia, as coisas mudam. + +-> é. + +- [...] desfilarem um pouco. + +-> é. vamos ver. + + + + + + + diff --git a/Brasil/Samba.wav b/Brasil/Samba.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..dfc836cad1f66d183575f92fbfa99366d9971502 --- /dev/null +++ b/Brasil/Samba.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:33a1a62938a671f2ca87a3aab60a87baed217d8debe472adeb24c9c5fa75eb1a +size 8800478 diff --git a/Brasil/Se Eu Mandasse.txt b/Brasil/Se Eu Mandasse.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..c01dc1dcfb3a6ed6d346f58e8fd44c6054d6a438 --- /dev/null +++ b/Brasil/Se Eu Mandasse.txt @@ -0,0 +1,50 @@ +TÍTULO: Se Eu Mandasse +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 30 anos + ESCOLARIDADE: 8 anos + PROFISSÃO: Mecânico + + + + +-> ih, rapaz! assim eu, se eu fosse o presidente, eu tinha muita coisa para fazer. que eu ia ajudar todo mundo, não é, + +- que ele tem força, não é, + +-> claro! eu ia tentar ajudar todo mundo, porque o presidente, entenda uma coisa, o presidente, ele tem força e não tem. o presidente é mandado, rapaz! o presidente é mandado. o que ele faz é mandado, rapaz! ele só praticamente, ele só tem nome de presidente. porque tem negro mais alto do que ele mandando nele, rapaz! + +- mais alto? + +-> tem. o marechal. + +- ah! + +-> agora tu não vês nem mais falar em marechal, mas tem marechal. e quem manda nele é marechal, rapaz! o presidente o que é que ele é? coronel? general? + +- general, não é, + +-> o marechal é mais alto do que ele, meu filho! então ele é mandado. e presidente é indicado a dedo, assim: "fulano, é o, agora é você que vai fazer besteira lá. vamos embora, é você." + +- será que vai ter eleição para presidente? + +-> tem eleição para, agora digo para você, tem eleição para presidente aqui? já teve alguma vez? + +- será que vai ter em oitenta e seis? + +-> estão querendo fazer. estão querendo fazer. gente, e[...], eles agora estão querendo fazer tudo. que eles estão a fim de correr, eles estão a fim de sair fora. então eles vão fazer tudo. eles estão doido para entregar na nossa mão isso aí, irmão! também o que apanhar também é pato. a bomba que está? vai segurar uma rebordo[...], ou fica bom, ou então piora tudo de uma vez. ou então, entrega na mão do americano que isso aqui, praticamente, já é de americano. + +- mas talvez piore com isso. + +-> ou piora, ou então melhora. porque o ri[...], o, o, o ritmo de um americano é diferente. e ele está só entrando aqui por dentro. e está entrando mole. está entrando na cara de todo mundo. e ninguém diz nada. há condição? não há condição, rapaz! os homem só querem ir lá fora apanhar dinheiro. não sei o que eles fazem com tanto dinheiro lá fora para apanhar dinheiro lá fora. e aqui, rapaz, a gente temos de tudo. de tudo! para ser um país, pô! rapaz! sinceramente, a gente não precisava apanhar dinheiro com ninguém não, cara! é a mesma coisa com o petróleo. o que é que a gente faz, a gente somos tão burro. o que é que a gente faz ao petróleo, aqui? a gente vende o grosso, depois ele vai lá, refina, e vende para cá para gente mais caro. não é burro? não somos burro? porque é que não tem refinaria, aqui? porque é que ele não faz isso também e vende para eles, eh, no preço que ele vende para a gente aqui? é burro. é burrice! está tudo errado, rapaz! está tudo errado, mesmo! o que tem aqui de legumes está fora de série. rapaz, a terra aqui é boa, rapaz! a terra é boa! mas para quê ir lá fora? para quê ir apanhar lá fora? não entendo, eu não entendo! sinceramente, até agora n[...], não estou entendendo nada. nadinha. + + + + + + + + + diff --git a/Brasil/Se Eu Mandasse.wav b/Brasil/Se Eu Mandasse.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..122fd91733ef0b9f981ae3d2cf7b9ab8ed4462d5 --- /dev/null +++ b/Brasil/Se Eu Mandasse.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:b667e36146271f9d102e7ed32f4dc24c7a5e0a65e9c2cdf4fce158f7e5ebd3ac +size 7753170 diff --git a/Brasil/Surpresas da Fotografia.txt b/Brasil/Surpresas da Fotografia.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b1c55f9a974153b13e8cd05548faf259ffa98c30 --- /dev/null +++ b/Brasil/Surpresas da Fotografia.txt @@ -0,0 +1,130 @@ +TÍTULO: Surpresas da Fotografia +LOCAL: Brasil - S. Paulo +DATA: 1993 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 23 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Estudante + +OBSERVAÇÕES: Estão presentes várias amigas da informante que participam na conversa. + + +-> e foi assim uma viagem que eu aproveitei muita coisa porque... + +- para qual cidade você foi? + +-> eu fui para Porto Alegre mas, ah, eu fiquei em cida[...], hospedada numa outra cidade vizinha, se não me engano, aí de Esteio, é perto de Canoas, é uma coisa assim, e, mas depois eu peguei, junto com o pessoal da, da Federal de São Carlos, nós fomos fazer os circuitos das, ah, das vinícolas, não é, então, Bento Gonçalves, toda aquela região de, ah, de vinícolas e tal, ah, a go[...] + +- foi tomar vinho! + +-> essa gozação eu aguentei depois, porque quando eu cheguei aqui, eu tirei foto para caramba, porque eu tirava foto de tudo o que eu via... + +- a do japonês, do japonês, lembrei, o japonês, tinha, tinha um japonês + +-> não tinha. + +- errado, que você bateu errado + +-> não foi aquela, foi a do Rio. + +- ah! errei. + +-> não... + +- errou. + +- apaga. + +-> não, essa foi uma outra foto, quando eu fui para SBPC no ano seguinte, que era o Rio de Janeiro, eu pedi para re[...], revelei um monte de fotos, não é, porque eu sempre que eu vou de tudo eu tiro foto, então eu tiro assim... tipo três ou quatro rolos de filme e dali eu aproveito quinze fotos, não é, então quando eu fui para o, para SBPC do Rio aconteceu isso, eu revelei as fotos só que no meio veio de uma japonesa, com uma criança no colo que até hoje eu não sei de quem se trata. ela de[...], deve ter alguma foto minha perdida assim como a dela, ela deve estar procurando até hoje, não é, + +- é. + +-> então ficou guardada. mas quando eu cheguei lá no, em Porto Alegre, eu tirava foto de um monte de coisa, tudo o que eu via ia tirando foto e foi uma coisa assim muito gostosa porque o pessoal à noite, SBPC mesmo, ninguém passou nem na porta, não é, eu conheci a faculdade + +- não conta, não conta + +-> eu conheci a faculdade, conheci cada luga[...], conheci onde era a universidade, não é, conheci como era a universidade, como estava dividida e tal, mas o c[...], as palestras, eu... não fui + +- [...] + +-> porque eu achei nem, ah, nem, ah, não, não chego a, nem graça, eu ia, sairia da palestra aqui, sairia da USP para ver os professores da USP falar em palestra? + +- lógico. + +-> não tinha nem sentido. então, quer dizer, hoje eu sei que não são só isso, tem... pessoas de fora + +- [...] + +-> não, tem pessoas de fora + +- é mentira. + +-> tem pessoas de fora que, que vêm, que trazem coisas interessantes, não é, então, o ano passado eu tive a oportunidade de ver realmente uma SBPC, de assistir, de participar, mas a de, a do Rio Grande do Sul, mais que era a primeira viagem fora... + +- era a primeira vez, você queria mais era aproveitar a viagem mesmo, não é, + +-> exactamente. eu queria era aproveitar, ver o que dava para poder, assim, conhecer o lugar e eu acho assim que eu até aproveitei muita coisa, talvez não tenha aproveitado, ah, palestra de professores, coisas que eu não assisti. + +- talvez? + +-> m[...], mas, por outro lado, eu acho que eu aproveitei muita coisa de conhecer uma outra realidade, então eu, quando eu cheguei aqui, eu cheguei com uma cabeça diferente no sentido de, primeiro, e quando você está dentro da universidade você não consegue ver as coisas bonitas daqui, você j[...], consegue ver é quando você está num ou[...], numa outra onde você, eh, poxa, a USP é tão bonita assim em termos de, geográficos mesmos, está, você vê em termos de população, como essas pessoas vivem, o que elas esperam, a própria recepção que elas têm com você, então, você chega, está todo o mundo assim "ah, você vem de São Paulo?" nossa! parece que você veio assim de outro lugar, está todo... + +- te tratam como uma deusa. + +-> todo o mundo te trata muito bem assim. você, ah, você quer sa[...], você quer saber o que esta aco[...], ah, as pessoas querem saber de você e querem s[...], assim, querem saber o, quem você é, o que é que você está acostumado a fazer lá e tal, elas são super, ah... + +- receptivas + +-> receptivas e... eu assim achei superlegal, então acho que eu aprendi muitas coisas por esse lado, não é, até mesmo de você chegar numa cidade onde você não conhece, ter que se virar com guia, com mapa do lugar, então você, bom, ah, está certo, as pessoas falam a mesma língua, alguém te indica, então mas, mas em cidade, geralmente em cidade pequena acontece muito isso. on[...], você chega e fala assim "ah, onde é o banco? o banco tal" eles falam assim "é do lado da telefónica", quer dizer, não te [...] adianta em nada porque você não conhece onde é a telefónica... + +- [...] + +-> exactamente. + +- que gracinha. + +-> exact[...] + +- [...] a única que tem... + +-> exactamente, você não conhece, por exemplo, um ponto que para eles são, é uma coisa comum, não é, + +- hum, hum. + +-> então, ah, você perde esse referencial. então quem te guia realmente ali dentro são os mapas, não é, que foi a primeira coisa que nós fizemos quando chegámos lá, procurar onde era o serviço de turismo para poder pegar, pegar os mapas e tal, não é, ah, ver a questão de prá[...], de, do, d[...], assim, ah, ah, o quanto dete[...], ah, pelo menos para mim foi diferente ver assim como eles valorizam aquela cidade, como eles, embora Porto Alegre seja uma cidade bem grande, não é, você vê como eles valorizam, como um, um turista chega lá, eles querem te mostrar "olha o rio Guaíba que co[...], passa ali, o nas[...], po[...], o nascer do sol é super, o poente é superlindo", não é, então, esse tipo de coisa, eles querem te mostrar o que têm de bonito na cidade, ah, você vê também até ques[...], determinadas coisas que, ah, para nós, ah, a nossa organização embo[...], você fica, para mim foi uma coisa que na época, principalmente porque eu estava estudando linguística, eu fiquei abismada, porque... eu entendia as coisas teoricamente e lá eu tive a oportunidade de ver isso na prática. então, por exemplo, lá a diferença de falares, lá eles falam por tu, tu, tu, o tempo inteiro, não é, e para a gente é superesquisito, embora a gente saiba que o português, que o correcto seria falar tu, não é, então essa diferença linguística, a diferença até de organização, então, por exemplo, eu lembro que tinha uma rui[...], ruazinha, você tem o guarda que ficou, ele tem visão nas quatro, nas quatro, das quatro ruas, ele fica numa pracinha, dali ele tem visão para quatro ruas, não é, então esse tipo de coisa, essa própria organização que hoje, aqui numa cidade grande, você não encontra, não é, e... a questão por exemplo de você querer ti[...], eu queria tirar foto de tudo, eu queria experimentar tudo, eu queria ver tudo, não é, agora, como a, a Leila já tinha falado + +- eu não falei nada. + +-> que ela viu as, as fotos que, você não, acho que não conhec[...], você não conheceu, mas eu trouxe um monte de fotos de lá, a metade está, metade está mal tirada e a outra... + +- e, lógico, quem foi a fotógrafa, quem foi? + +-> metade está mal tirada e t[...], e tem outras, perdão, p[...], ah, muito pelo contrário que eu esperava tirar a foto certinha + +- [...] + +-> só que eu mexi de tal maneira na máquina que até ho[...], se eu tiver que fazer hoje eu não consigo. então, por exemplo, tem uma foto que nós tirámos numa duna de areia e que era para ter saído clara e, e muito pelo contrário, saiu o, o, saiu como se fosse um, um efeito especial, saiu só a sombra das pessoas naquela areia. então ficou muito mais bonito pelo efeito que pela foto re[...], verda[...], real, real, não é, a outra, uma... + +- [...] fotografias + +-> uma outra, uma outra também que saiu assim foi de uma igreja que era na cidade de Canela, não é, então tem toda a história da igreja atrás disso e eu fui tirar a parte de dentro da igreja. todo o mundo que vê a foto, se vê, se eu mostrar só a foto fala assim "aquilo parece coisa de igreja medieval", lembra, não é, pelo, pela maneira que eu coloquei o vitral. como eu fiz isso até hoje eu não sei. em contrapartida ao lado de... + +- [...] quem sabe uma inspiração, um espírito. + +-> em contrapartida na, na parte de fora da igreja quando eu tirei a foto, eu estava assim, lugar que você não conhece e eu superpreocupada porque você tem documentos, você tem dinheiro, você tem, ah, você tem tudo ali, não é, e outra, eu estava fora de Porto Alegre, não é, + +- [...] ah, eu lembro + +-> então minhas coisas estavam todas, ah, no alojamento de Porto Alegre e essa altura do campeonato eu estava já n[...], em viagem há dois dias com outra tu[...], com a turma de, ah... + +- São Carlos. + +-> de São Carlos, da Federal de São Carlos para essas cidades. então, o que eu tinha era o que estava na minha bolsa, não é, então morrendo de medo, eu fui tirar a foto dessa igreja, eu coloquei a bolsa na minha frente e fui focalizar a igreja só que eu não sei como eu coloquei a máquina que saiu a bol[...], saiu a bolsa, a parte de ci[...], baixo da igreja e a parte de cima saiu cortada. não dá para você, você não vê a, a torre da igreja, não é, você viu essa foto? + + + + + + + diff --git a/Brasil/Surpresas da Fotografia.wav b/Brasil/Surpresas da Fotografia.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..ad0f1894a8f178903e6c14256a734dfd198119ce --- /dev/null +++ b/Brasil/Surpresas da Fotografia.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:bacc2dec54c0c666e80b0f465bc1d0c114732c7a39571c2f2a1b6151344b8c8b +size 22265200 diff --git a/Brasil/Trem de Ferro.txt b/Brasil/Trem de Ferro.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f9db3021ef5264aa768cec0cfb22a57d400ac9a6 --- /dev/null +++ b/Brasil/Trem de Ferro.txt @@ -0,0 +1,96 @@ +TÍTULO: Trem de Ferro +LOCAL: Brasil - S. Paulo +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Profissional de Rádio +OBSERVAÇÕES: O texto do poema "Trem de Ferro" está transcrito de acordo com a versão publicada e não de acordo com as normas do LINGUA; excepcionalmente, os pequenos cortes na gravação do poema não foram representados com o sinal [...]. + +Neste texto, o poema "Trem de Ferro" de Manuel Bandeira é dito por Pasquale Cipro Neto, no programa "Letra e Música", cuja gravação foi amavelmente cedida pela Rádio Cultura de S. Paulo. Copyright: António Manuel Bandeira R. Cardoso, José Cláudio Bandeira R. Cardoso, Maria Helena C. de Souza Bandeira e Marcos Cordeiro de Souza Bandeira. + + + + +-> eu vou começar o programa lendo um poema do Manuel Bandeira, poeta brasileiro falecido em 1968, grande, grande Manuel Bandeira, tido por muitos como o poeta da simplicidade, aquele que conseguia dizer as coisas mais... profundas da forma mais... simples, poeta que caiu realmente na, no gosto do povo, caiu na, na, na, na linguagem do povo, quem é que não conhece a frase "vou-me embora pra Pasárgada"? quem escreveu isso foi Manuel Bandeira: + + vou-me embora pra Pasárgada + l(á sou) amigo do rei + lá tenho a mulher que quero + na cama que escolherei. + +-> todo o mundo conhece isso. eu vou ler um poema do Bandeira então e você pelo poema vai desconfiar do tema, certamente você vai descobrir qual é o tema do programa. + + café com pão + café com pão + café com pão + virge maria que foi isso maquinista? + agora sim + café com pão + agora sim + voa, fumaça + corre, cerca + ai seu foguista + bota fogo + na fornalha + que eu preciso + muita força + muita força + muita força + trem de ferro + trem de ferro + + oô... + foge, bicho + foge povo + passa ponte + passa poste + passa pasto + passa boi + passa boiada + passa galho + de ingazeira + debruçada + no riacho + que vontade + de cantar! + + oô... + café com pão + é muito bom + quando me prendero + no canaviá + cada pé de cana + era um oficiá + oô... + menina bonita + do vestido verde + me dá tua boca + pra matá minha sede + oô... + vou m'imbora + vou m'imbora + não gosto daqui + nasci no sertão + sou de ouricuri + oô... + + vou depressa + vou correndo + vou na toda + que só (levo) + pouca gente + pouca gente + pouca gente... + + trem de ferro + trem de ferro + +-> trata-se do poema, do genial poema, do antológico poema, do memorável poema "Trem de Ferro", do Manuel Bandeira, poema que tem por si só toda a sonoridade de um trem, de um trem de ferro, trem directamente ligado à história do Brasil, à história do interior do Brasil, o Brasil que, por incrível que pareça, já andou de trem. do Brasil que depois genialmente, entre aspas esse genialmente, descobriu que o trem não presta, que o ideal é andar de ónibus, andar de caminhão; então num país continental como este, nós carregamos mercadoria em Porto Alegre e mandamos para Fortaleza num caminhão; lá vai o caminhão andando quatro mil quilómetros, um cidadão coitado sozinho, não é, nesse interiorzão do Brasil por estradas maravilhosas, nenhum buraco, nada, tudo maravilhoso, de primeira, lá vai o cidadão gastando energia, gastando pneu, gastando tudo, para carregar trinta toneladas, quando um trem sozinho, só, só um vagão, não é, leva oitenta, noventa, cem toneladas, imagine quanto não leva um trem desses de carga; o Brasil já andou de trem, não só na base da carga, os passageiros também. o trem está directamente ligado à história do Brasil, especialmente à história do interior do Brasil. os nossos avós andaram de trem, os nossos pais andaram de trem e o trem foi cantado em prosa e verso. + + + + + + diff --git a/Brasil/Trem de Ferro.wav b/Brasil/Trem de Ferro.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b13b3500f66d10ccf398df4d45e0d3e915af8830 --- /dev/null +++ b/Brasil/Trem de Ferro.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:355773004dfcf3baa35cd684a06105d58afa145d38df161f314b4dcbae9b2f7d +size 9731416 diff --git a/Brasil/Viver com os Outros.txt b/Brasil/Viver com os Outros.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b4c48c5d884c175237eba0521e30b5cb3e08e433 --- /dev/null +++ b/Brasil/Viver com os Outros.txt @@ -0,0 +1,111 @@ +TÍTULO: Viver com os Outros +LOCAL: Brasil - Rio de Janeiro +DATA: Década de 80 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 57 anos + ESCOLARIDADE: 7 anos + PROFISSÃO: Costureira + + + + + +- e escuta, os pais da senhora, eles faziam o quê? + +-> meu pai é funcionário público. + +- hum. + +-> era, era. agora é apo[...], aposentado, não é, e minha mãe era doméstica, trabalhava em casa. + +- nunca trabalhou fora também, não? + +-> não, minha mãe nunca trabalhou fora. minha mãe nem não ia na rua fazer compra. + +- é?! + +-> meu pai que fazia tudinho. meu pai que ia na, no açougue, na quitanda, antigamente era quitanda, não é, + +- é. + +-> hoje, hoje é supermercado, não é, antigamente era na venda, não é, + +- na venda. + +-> é. antigamente, era venda, não era supermercado. meu pai que fazia tudo. + +- [...] + +-> minha mãe não ia na rua comprar uma verdura. depois nós fomos crescendo, ela mandava "vai ali na quitanda comprar uma couve. vai na horta." tinha, tinha horta aqui em Inhaúma, não é, minha mãe nunca [...] minha mãe não atendia telefone! + +- ah não? + +-> ai, mandavam, quando mandavam chamar no telefone, ela não ia. ela não falava em telefone. + +- não gostava? + +- meu Deus! + +-> não. + +- bem do... + +-> é. mas, se você olhasse assim, não dizia. minha mãe era uma mulher que se vestia direitinho, assim, na moda. + +- hum. + +-> entende, cortava cabelo, na moda também. mas não atendia o telefone. + +- certo! hum, hum. e escuta, dona Nadir, depois que o, que ma[...], daqui a alguns anos e tal, quando todos os filhos da senhora já estiverem casados e tal, a senhora, a senhora e o marido pretendem fazer o quê? + +-> bom, eu, é o que eu digo. eu... falo para você, queria morar num apartamento, mas já vi, mas pelo jeito, vou ficar é aqui mesmo. meu marido não vai sair daqui mesmo. porque eu gosto daqui onde eu moro, entende, assim, dos vizinho. são muito bons vizinho - acho que eu já falei isso, não é, mas não gravou. + +- não, tudo bem. não tem problema. + +-> são muito bons vizinho. são óptimo mesmo, sabe, são vizinho antigos. então, você, quando vai ficando numa certa idade, você tem que, você não depende de tudo, mas de um você depende. é ou não é? você não, não precisa depender de tudo que é vizinho, mas de um, você sempre, então é, aqui tem uma coisa, se eu passar mal, estiver sozinha, é só, tem vizinho de todo canto que vai me socorrer. porque eu já moro muito tempo aqui, meus vizinho também são antigo. tem gente aqui que é mais antiga do que eu. + +- hum, hum. + +-> então eu tenho vontade de sair daqui, porque a ca[...], já disse, que a casa é grande e tudo mais. mas um momento fico pensando. eu vou para um apartamento, no apartamento você não arranja amizade. você não conhece vizinho. eu sei, porque a minha irmã mora lá, eu vou, canso e não conhe[...], nem sei quem é os vizinhos da minha irmã. como ela também não sabe. + +- certo. + +-> e casa não. casa você faz amizade, porque você vai ali na frente, vai sempre varrer, limpar uma calçada. então, você faz amizade com vizinho, já apartamento, não. então, eu digo "meu fim vai ser eu aqui mesmo nessa casa." aí vem os neto passar dias. vem, não é, estão longe. "ah! vou passar as féria com a minha avó." aí vem. + +- hum, hum. + +- e casa grande de avó é bom! + +-> pois é. tem lugar para os neto, não é, + +-pois é. + +-> porque morar com filho, eu não quero não. só se for preciso, mas não quero não. + +- não, não é? + +-> não dá certo. dá? + +- é meio difícil, não? + +-> é meio difícil, não é, nora com sogra dar certo. é muito bom, você pode se dar muito bem, mas a nora lá e a sogra cá. juntou... + +- duas mulheres para cuidarem de uma casa... + +-> com filha, mãe e filha, às vezes, não dá certo, quando casa a filha não dá certo morar junto. você vê nora... + +- é, é verdade. + +-> não, eu me dou muito bem com a minha nora, entende, + +- hum, hum. + +-> gosto muito dela, passo tempo lá e tudo, mas eu estou visitando, não é, agora, morar mesmo, no fim não dá certo. se for preciso, entende, eu não sei o dia de amanhã, não é, aí eu moro, mas... por vontade não. + + + + + + + diff --git a/Brasil/Viver com os Outros.wav b/Brasil/Viver com os Outros.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..0bd150ce95e063676dd328619d2c63e37893983c --- /dev/null +++ b/Brasil/Viver com os Outros.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:120120b62952d2260420a2cd5b7cb511d91fddee8caef3efa3288cae05d3f7a5 +size 10701522 diff --git a/Cabo Verde/As Mornas.txt b/Cabo Verde/As Mornas.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f2d8ca32c0fcbb26219cf1589cebf1a8ea379e8c --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/As Mornas.txt @@ -0,0 +1,148 @@ +TÍTULO: As Mornas +LOCAL: Cabo Verde - S. Vicente +DATA: 1995 +INFIRMANTE: + SEXO: M + IDADE: 54 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Marinheiro + + + + + + + +- portanto, estava-me a dizer, eh, estávamos a falar sobre a origem da palavra "morna". + +-> sim. eh, dizem que a palavra "morna" nasceu de, do vocábulo "mourni[...]", "mourning", eh, quer dizer que as pessoas que, que cantavam não cantavam, quer dizer, eh, sabe que às vezes quando no[...], eh, [...], como se diz, na, quando, eh, aconteceu que morreu alguma pessoa + +- sim + +-> etc., então o inglês d[...], o inglês diz "they are mourning" + +- hum, hum. + +-> estão no sentimento do morto, etc. + +- hum, hum. + +-> e então dizem que o senti[...], o senti[...], o sentimento, o canto da morna + +- hum, hum + +-> saiu foi destas raízes. + +- hum, hum. + +-> eu não sei se é verdade ou se é mentira. mas, eu digo, eu posso reproduzir aquilo que os mais velhos + +- hum, hum. + +-> disseram. eu não sei se é verdade. mas, eh, eu acho, eu acho que até certo ponto pode ser isso + +- hum, hum. + +-> porque, eu não vejo nenhum, nenhum vocábulo ligado à morna. bom, mas o que eu posso dizer é que a morna é realmente cabo-verdiana + +- hum, hum. + +-> que, os mais velhos dizem que a morna nasceu na, na ilha da Boa Vista + +- hum, hum. + +-> depois passou para a Ilha Brava e depois São Vicente, porque essas três ilhas têm, têm um contexto muito diferente, eh, no ritmo e na melodia da morna. eh, é natural que, que essa ideia de que esta palavra "morna" tenha vindo + +- hum, hum. + +-> a sua origem da, da palavra "mourning" + +- a mim faz-me sempre uma certa confusão, eu sou dos Açores e nos Açores nós temos uma palavra "mornaça". e mornaça significa estar assim... a, a conversar assi[...], mas assim uma conversa mole, sem fazer nada. e eu + +-> sim + +- na minha cabeça f[...], estabeleço sempre uma certa ligação... a morna c[...], assim o ambiente, um ambiente... não é calmo, não sei... + +-> pode ser, mas, eh, eu não posso, quer dizer, eu não sei dizer directamente, porque, sabe que a nossa história tem muito para contar, não é, + +- hum, hum. + +-> nunca, a história nunca foi contada devidamente, porque... claro que não foi escrita muito bem claro e etc. + +- hum, hum. + +-> há coisas que ultrapassam. + +- claro! e qual é o interesse dos jovens actualmente por, por essas r[...], por essas raízes, ao fim e ao cabo? + +-> eu acho que estamos a regressar às raízes. + +- hum, hum. + +-> há algum tempo que eu estou notando se, que... a juventude está-se a interessar + +- hum, hum. + +-> pela, pela, pela nossa cultura. eh, havia alguns anos atrás que estavam, estavam, quer dizer, um bocadinho afastados, mas agora estão a regressar, porque, quer dizer, isso é um fenómeno mundial. isto há, isto é mundialmente, agora neste momento, neste preciso momento, quase todas as nações do mundo estão a regressar. pelo que eu tenho visto é assim. através de rádios e gravações que eu tenho, que eu tenho acompanhado, estou a ver que quase todas as nações do mundo estão a regressar às raízes. e Cabo Verde também está a regressar, muito embora que há uma certa margem de juventude que acho, eh, querem estar ligados a, a coisas modernas, que não nos pertence. pertence a ou[...], a outros povos, a outras, a outras nações, etc., mas felizmente que o que estou a ver que há, há pessoas aqui na juventude que estão interessados mesmo pela raiz da cultura cabo-verdiana. + +- hum, hum. e, e há, há, há estruturas para corresponderem a esse interesse dos jovens pelas raízes? + +-> essas estruturas estão um bocadinho fracas. + +- hum, hum. + +-> estão um bocadinho fracas. eu não sei se é por falta de finanças ou é, ou é, se é por falta de... cultura no seu eu ou se é, ou não sei p[...], o que é que é esse fenómeno. + +- hum, hum. + +-> mas, eh, temos muito que andar para chegar, para chegar até lá. porque... a nossa cultura aqui está um bocadinho enfraquecida mas, eu digo t[...], talvez por desinteresse ou talvez por falta de dinheiros. + +- hum, hum. + +-> eu continuo fazendo a minha parte + +- hum, hum. + +-> agora o resto eu não sei. + +- bom, cada um que faça a sua, não é, + +-> sim. + +- diga-me uma coisa: mas, por exemplo, no que toca às mornas, eh, isso exige uma aprendizagem, não é, não é de um dia para o outro que a pessoa diz "vou escrever uma morna" não há assim rapa[...], jovens à sua volta que tentem captar o espírito? + +- tem regras, não é, + +- tem as suas regras? + +-> sim, mas, eh, nem, nem, nem, eh, isto é, isto é mais, quer dizer, como posso dizer? eh, eh, eh, isto é mais autodidáctico. + +- hum, hum. + +-> eh, é u[...], é uma experiência autodidáctica, aqui + +- hum, hum. + +-> em Cabo Verde. alguns às vezes chegam, vão perguntar-me como é, como é que eu comecei a fazer mornas, como é... o meu interesse, etc. + +- hum, hum. + +-> eh, alguns têm interesse a aprender e outros não. mas, isso é, a maioria, a maioria aprende a fazer um mi menor ou um ré menor no violão, pronto, já sabe muito, e vai fazer, vai, vai compor e às vezes, vai escrever uma coisa que não está dentro de, da nossa tradição. por não ter aprendido, sabe, + +- hum, hum. + +-> quem não, não estudou não aprendeu. eh, eles têm boa vontade. + +- hum, hum. + +-> eles têm boa vontade. mas é que esta boa vontade não está bem dirigida. eu espero que no futuro as coisas tornam de uma maneira diferente para que eles cheguem onde querem. + + + + + + + + + + diff --git a/Cabo Verde/As Mornas.wav b/Cabo Verde/As Mornas.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..694f7837c0926ded47e9d65f14c7b87f0d57083b --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/As Mornas.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:647eedb24a8beb9e7d1693d1f1a303e374d81dcbaa8cd53222d1583429cc89e5 +size 15726728 diff --git a/Cabo Verde/Coleccionismo.txt b/Cabo Verde/Coleccionismo.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..0f43fe1075b083780707affa746af19d158fe999 --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Coleccionismo.txt @@ -0,0 +1,222 @@ +TÍTULO: Coleccionismo +LOCAL: Cabo Verde - S. Vicente +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 48 anos + ESCOLARIDADE: 6 anos + PROFISSÃO: Tipógrafo + +OBSERVAÇÕES: De identificação difícil, 'Danosso Crisupas' será o correspondente ao nome científico "Danaus Crysippus"; para 'Hipolimas Misupas' não se encontrou qualquer nome científico que lhe pudesse corresponder. + + + + + + +- estava-me a f[...], a falar então que prefere ver as borboletas em selos + +-> é. + +- do que mortas + +-> exactamente, sim. + +- em caixas, espetadas com um alfinete. + +-> é verdade, sim. porque, eh, o animal é tão bonito que é, dá pena vê-lo espetado com o alfinete. + +- pois. e... também me disse que costumava mandar vir um catálogo. + +-> ah, sim. eh, aqui orientamos pelo catálogo Donfil, é um catálogo que é editado em Espanha, eh, eh, is[...], isso sobre fauna. há muitas mais á[...], outros, eh, tipos, por exemplo, desporto, eh, plantas, etc. + +- hum, hum. e diga-me uma coisa: como é que, que ganhou essa ideia de coleccionar... selos, para começar? + +-> bem, eh, dizem que... nós todos temos um pouco de... coleccionistas + +- pois. + +-> n[...], coleccionei, com[...], comecei por... caixas de fósforos + +- sim. + +-> depois por cromos + +- ham, ham. + +-> até chegar então a uma colecção muito mais, eh, avançada + +- pois. + +-> eh, é d[...], de filatelia, de selos. + +- pois. + +-> e não estou arrependido. hoje tenho uma linda colecção que... é, faz a admiração dos meus amigos. + +- e que vale uma fortuna, não é, + +-> não! + +- quanto é que calcula que vale a sua colecção? + +-> bem, não sei dizer, é muito difícil. eh, nã[...], não há, neste momento não há em jo[...], não está em jogo o aspecto... monetário + +- sim. + +-> mas sim o da cultura. porque agora já sei... muitas coisas sobre borboletas, que fui obrigado a col[...], comprar livros + +- ham, ham. + +-> sobre o animal e... estudar algumas, eh, espécies, eh, os que havia aqui em Cabo Verde, etc. por isso que... é mais é, neste momento é com[...], mais como um passatempo do que... é fins, eh, monetários. + +- sim, sim. mas... as borboletas é um a[...], são um animal que vive muito pouco, não é, têm uma vida muito curta. + +-> sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras, dizem que, que, que s[...], que devem ser apanhadas logo ao, ao sair do casulo. porque senão perdem, eh, quebram as asas e então, eh, perdem qualidade. então, como no caso, por exemplo, dos que... coleccionam o animal vivo, então esse animal tem que ser apanhado logo... ao sair da, do casulo + +- sim. + +-> para ficar completo. + +- porque esses selos, para serem feitos, eles baseiam-se em fotografias, não é, + +-> exactamente, sim. mas é, hoje, por exemplo, eh, com a ciência avançada, como o senhor sabe, e, o animal pode ser filmado. e então é, é t[...], é toda essa maneira depois de reprodu[...], tentar reproduzir o animal. + +- quer dizer, o animal é filmado... sem, em liberdade? + +-> em liberdade, sim. mas ele é, é, no seu... habitat próprio, não é, + +- pois. + +-> por exemplo, sobre uma flor, sobre, assim mesmo, eh, em, em voo, é, é, é uma coisa interessante. + +- e depois então fazem a reprodução para o selo? + +-> exactamente, sim. depois agora, por exemplo, eh, o, mesmo o desenhador pode ag[...], eh, que alguns...trabalhos são feitos com desenhos, então agora o, o desenhador agora idealiza o animal. + +- ah, pois. e, e us[...], pois, idealiza-se, pois. + +-> sim. + +- e quando é, quando é desenhado, fica tão bonito como ando é, como quando é baseado sobre a fotografia? + +-> sim. m[...], eu, a[...], acho de que... em, em de[...], desenhado, quanto a mim é até m[...], melhor. + +- ah, é? + +-> sim! porque, por exemplo, eh, eh, não sei porquê, mas, eh, já com fotografia parece uma coisa, eh, como é que posso dizer? feito por máquina. + +- hum, hum. + +-> agora, já desenho, já é, já dá outra, outra... + +- outra dimensão. + +-> outra dimensão. é, é, é isso mesmo. sim. + +- hum, hum. e, portanto m[...], m[...], consegue-se ver da b[...], na borboleta, ah, que tod[...], as asas, as cores, isso tudo?! + +-> exactamente, sim. to[...], por exemplo, todos, tod[...], os desenhos que, que o animal apresenta... e, e as cores. + +- hum, hum + +-> é uma coisa fora de série! + +- portanto, o senhor Lourenço ao coleccionar borboletas, já me disse que aprende também coisas sobre a vida das próprias borboletas [...] + +-> exactamente, sim. + +- eh, as borboletas como, alimentam-se todas de... fl[...], plantas, flores, não é, + +-> é de néctar. néctar das plantas. + +- néctar. + +-> exactamente, sim. e, apesar de termos aqui poucas flores, como o senhor sabe, Cabo Verde é um país seco + +- pois. + +-> mas, eh, também é uma coisa: em cada quintal o senhor encontra... um... pequeno vaso... com uma pl[...], com uma planta. + +- hum, hum. + +-> por exemplo, no meu quintal, é frequente descer borboletas. + +- hum, hum. + +-> por exemplo, agora, por exemplo, na, Julho, Agosto, Setembro, como sabe, é a época das chuvas em Cabo Verde + +- hum. + +-> então, as borboletas começam a aparecer. e isso antes do início das chuvas, está a ver, que tem toda aquela coisa de... colocar ovos, e depois da chuva então para... eclodirem as lagartas... + +- hum, hum. + +-> então é, é, é, é frequente, nesta época do ano, ver borboletas no meu quintal + +- hum, hum. + +-> por exemplo a, a 'Hipolimas Misupas', é uma borboleta... que é vulgar em, em, também a 'Danosso Crisupas', também, é uma borboleta vulgar em Cabo Verde. + +- hum, hum. e... o, as crianças... também, esse gosto por colecção de, coleccionar selos, eh, vai-se transmitindo às crianças mais novas ou não? + +-> eh, bom, há um projecto para incentivar as crianças nesse capítulo. [...] e, então, nós, os mais velhos, estamos a j[...], fazer pacotes de selos usados, então para, justamente para... i[...], criar o... + +- o gosto. + +-> o gosto pela filatelia... na [...] + +- nas crianças. + +-> nas crianças. mas olhe, infelizmente na, na minha casa, nenhum dos meus filhos interessa pela filatelia. + +- engraçado. + +-> mas o mesmo acontece também com os, com os meus amigos. + +- sim? + +-> não há nenhum filho que... pode dizer nós vai continuar o meu trabalho. + +- [...]. pode ser que haja um neto! + +-> sim. quem sabe?! [...], talvez mais tarde. + +- pois. + +-> sim. + +- porque é uma pena, não acha que é uma pena perder-se tanto trabalho? + +-> [...] sim! se[...], por acaso seria uma pena, mas, olhe, por exemplo, é da terra, vai ficar aqui na terra. eu se, quando partir, pronto! adeus borboletas! e adeus colecção! se tiver, eh, alg[...], alguém da minha família que lhe dê continuidade é bom, senão, se [...] vai para o lixo. + +- pois. + +-> ou então se até vai ser vendida por tuta e meia. + +- pois. mas pode ser que algum dos seus filhos não se interesse agora e um dia mais tarde se interesse. + +-> sim. é [...], é natural, mas, eu vou tentar... incutir, eh, o gosto pela filatelia. + +- pois. + +-> aliás, por exemplo, quando chego em casa, com alguns envelopes com selos, eu... dou-lhes para... porem na água, e depois para descolar o selo d[...], mostrar-lhe a secagem, depois, como, como o selo é, é prensado para ficar, eh, bem... liso, não é, eu... tenho tentado de, isso, mas + +- hum + +-> o entusiasmo é, neste, até este m[...], até esta, esta data, é relativamente... pouco. + +- pode ser. também depende da idade deles, não é, + +-> sim. tenho um rapaz de onze anos, [...] pelo menos já devia ter, há coleccionado[...], há grandes coleccionadores que começaram... cedo. + +- sim. + +-> mas... isto tudo + +- [...] + +-> é tudo relativo. + + + diff --git a/Cabo Verde/Coleccionismo.wav b/Cabo Verde/Coleccionismo.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..2ffca3b3b18551602de9a480efa16e29234d1894 --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Coleccionismo.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:7152cd4145b1a087cd25cedb67bac6f1c0333ecca0ffb6713d667ff6cf2d7849 +size 17463864 diff --git a/Cabo Verde/Colher de Panela.txt b/Cabo Verde/Colher de Panela.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..6d9a95d94cba664d1ac7fd93555bf27b7f138b0e --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Colher de Panela.txt @@ -0,0 +1,258 @@ +TÍTULO: Colher de Panela +LOCAL: Cabo Verde - S. Vicente +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 55 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Comerciante +OBSERVAÇÕES: A informante utiliza a forma crioula 'intra', para mandar entrar alguém que está à porta. + + + +- mas olhe, desculpe voltar a incomodá-la por causa da, do tipo de prato... + +-> ah! + +- aquilo é + +-> por causa do prato. + +- portanto, serviam ali a cachupa, era? + +-> portanto, a cachupa, servia para cachupa e não só. + +- e não só. + +-> mas normalmente os trabalhadores, os lavradores das terras ou as, os trabalhadores necessariamente. + +- hum, hum. + +-> davam o dia de trabalho e... + +- comiam. + +-> e comiam. e se era para estar a, a dividir aos, aos pratinhos e, essa gamela era colocada ao centro da, da mesa. + +- e comiam todos dali? + +-> e a[...], não! + +- não. + +-> eh, tem a, a, há uma colher matriz, porque o prato é prato matriz. + +- sim, sim. + +-> e há uma colher de panela que também é matriz. quer dizer que essa, eh, que é matriz, quer dizer, a c[...], a colher de panela. + +- hum, hum. percebi. + +-> tam[...], ah, apanhava-se, servia-se então para os, para os pratos pequenos, aliás, eu tenho um prato pequeno. + +- e eram também... + +-> ó, ó Zizi dá-me aí o prato pequeno, faz favor, olha... + +- e[...], eram, todos os pratos pequenos eram assim, não era louça, era tudo madeira? + +-> não, era pratos que eu já venho mostrar. mas o mais interessante, de toda esta festa, esta questão, que eu vou contando, ah! também servia para quando, enfim, eh, se matava porcos... + +- hum, hum. + +-> salgar, e era muito bom, porque... esse líquido sa[...], essa água... salgada que... + +- hum, hum. + +-> ficava, era bom que ficasse aí na... + +- na... pois. [...] + +-> e comiam bem porque este prato leva muito. + +- pois leva. ah! leva, leva! + +-> já a gente, já se sabe que os trabalhadores trabalham mas também comem m[...], comem bem. + +- é uma verdadeira obra de arte. + +-> e... o mais interessante de tudo isso - a Isabel também vai ouvir essa história minha - ah, lá para a zona do norte, em que realmente, porque é tradição toda a gente... ter uma cama de ferro em casa. + +- hum! + +-> porque justamente para, e, e, quer dizer, isso é, é mesmo necessário ter, é uma exigência. é uma exigência em vez da madeira, ferro sim, por causa de, enfim, para o nascimento dos bebés. + +- hum, hum. + +-> porque a parturiente terá de dar dores, acho que, de, de ter contracções - a Isabel já deve ter lido isso. + +- tenho lido sim. + +-> nos meus contos. + +- hum, hum. + +-> que é gravi[...], parto, "Gravidez e Parto". + +- sim, sim. + +-> então, é para agarrar mesmo e para ter essa força. + +- pois. + +-> para ter melhores contracções. mas há aquelas pessoas que realmente não tinham condições nenhumas e que ao fim e ao cabo acabavam por ficar na esteira. esteira, não sabem o que é? + +- eu penso que sei. + +-> dá-me lá uma esteira, a esteira, faz favor, ah, está aí embrulhada. + +- [...] + +-> 'intra'! + +- só um momento, sim? + +- [...] + +-> ok. a esteira é esta. + +- hum, hum. + +- [...] + +-> isso é... feito, o material é de bananeira. + +- ah! + +-> é de, portanto, é a folha da bananeira, mas, aquela costura que fica aí ao meio, chamamos-lhe costura + +- sim, sim. + +-> esta parte aqui. + +- sim. + +-> então, é aberta, eh, as pessoas em vez de, não tinham colchão, por exemplo, cama, deitavam-se sobre a esteira. + +- mas aí não tinham onde se agarrar. + +-> mas essa esteira, justamente, ah, o problema é este. o problema é que era difícil esse parto, em relação às pessoas indigentes e que tinham de se deitar na esteira. e é nesta medida que içavam, no cume, tecto, cordas. + +- hum, hum. + +-> ou os cabos, cabos. + +- cabos. + +- exacto. + +-> cabos. e então, a pessoa dava mesmo, tinha mesmo fortes contracções. + +- hum, hum. + +-> incríveis contracções. e o bebé nascia à vontade e sem problema de rasgos. no entretanto estava aí a parteira, ou não, que normalmente não tinha parteira, diga-se em abono da verdade, mas o mais interessante desta festa é que as pessoas punham sal aí nisso. na[...], não tinha nada a ver com o sal, não é, + +- claro. + +-> ah! quer dizer, o bebé... nascia, era, portanto, caía... + +- hum, hum. + +- hum. + +-> na, o prato de figueira. + +- ah! + +-> mas as pessoas, eu não sei porquê iam deitando. + +- portanto, servia para aparar o bebé também. + +-> pois claro, iam deitando um, quer dizer, como se faz com as cabras, matar uma cabra, um cabrito, sei lá! + +- hum, hum. + +-> e normalmente deita-se esse, esse sal. e as pessoas... + +- no bebé mesmo? + +-> mas deitavam, sim senhora. + +- hum, hum. + +-> porquê não sei, mas se calhar pensavam que isso devia ser igual à matança de uma cabra, ou não sei quantos. + +- não, penso que o sal devia ser desinfectante, qualquer... + +- pois. é isso. + +-> será? + +- não sei. + +-> ah! pode ser que seja. + +- é isso que eu ia perguntar. no bebé mesmo ou, ou na mãe? + +-> pode ser que seja. não, no bebé, não, neste prato, que... + +- no prato. + +- no prato? + +-> que recebia o bebé. + +- o bebé. + +- está bem. + +-> ah, para amparar, caso houvesse, bem, isso não era preciso parteira, porque normalmente nem era preciso parteira. chegava uma pessoa... a ir com uma, uma rodilha. sabe o que é isso? + +- não. + +-> é, portanto, é um, um pano que até pode ser... um vestido ou uma peça velha que se recortasse + +- hum, hum. + +-> um lençol ou o quê. + +- sim. + +-> que é feito assim... + +- sim. + +- ham, ham. + +-> que é feito assim. + +- é enrolado. + +- hum. + +-> é enr[...], sim. é, até porque é mesmo em, em rodilha. + +- sim. + +- pois, pois. + +-> em roda. + +- [...] + +-> em rodilha. + +- em rodilha, pois [...]. + +-> para amparar, enfim, para que o bebé não nasça, não tenha de nascer, assim, a toda a velocidade, para, e evitando rasgos. + +- hum, hum. + +-> e então amparavam. e é nesta medida que os bebés vinham lentamente, fossem gordinhos, grandes, pesados, ou quê, e estava aí a parteira, à medida que, enfim, que o bebé vi[...], i[...], ia saindo, lentamente, rasgo nenhum, na medida em que eu, por exemplo, eh, lá em casa somos doze... filhos. a minha mãe nunca teve esse problema, como ninguém teve. há lá mães que têm dezasseis e, minha avó, por exemplo, teve dezasseis filhos. mas, eh, falando... sobre essa questão aqui da, da gamela. as pessoas saíam, [...] acabavam de ter o bebé, normal, sem problema de rasgos, sem, sem fortes contracções, e... iam para a cozinha fazer o... pequeno-almoço. + + + + + + + diff --git a/Cabo Verde/Colher de Panela.wav b/Cabo Verde/Colher de Panela.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..dfeaf68d1e92c7a79cefbf3bb9cdb3ac2e1d0905 --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Colher de Panela.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:a702e702b2be3329b25243f1a4716d45327a60e1dd511da5ab003b97818caf22 +size 15648190 diff --git a/Cabo Verde/Ilha do Fogo.txt b/Cabo Verde/Ilha do Fogo.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..cda7fb8b83ed45e3dc422535272d9acfc5ea05ae --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Ilha do Fogo.txt @@ -0,0 +1,273 @@ +TÍTULO: Ilha do Fogo +LOCAL: Cabo Verde - Santiago +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 25 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Estudante + +OBSERVAÇÕES: O informante produz 'fontenário' em vez de «fontanário». + + + + + +- qual é a regularidade dos vulcões no Fogo? + +-> em, regularidade em que...? + +- há, tempo, quantos anos, eh, de quantos em quantos anos aparece? + +-> não. eh, e temos um, segundo Orlando Ribeiro, já f[...], aconteceram cerca de... - menos esta erupção... da actualidade - já aconteceram vinte e um, vinte e uma erupção. + +- ui, muito! + +-> erupções, aliás. eh, a penúltima foi em mil novecentos cinquenta e um e, temos agora a de mil novecentos e noventa e cinco. + +- hum, hum. portanto, para si, esta foi a primeira? + +-> esta foi a primeira. + +- e não... + +-> mesmo tendo relatos dos outros + +- sim. + +-> mas esta foi a primeira. vivi, vi + +- sim. + +-> no terreno. tive oportunidade de estudar, de estudar e... + +- hum, hum. + +-> tenho vários dados. + +- e diga-me uma coisa: portanto nunca tinha vivido, eh, assim uma situação de vulcão, ouvia falar. s[...], tinha algum sentimento de medo, de perigo que acontecesse isto um dia, ou não? ou para si, nunca pensava neste assunto? + +-> ah, nunca. francamente nunca. + +- nunca. + +-> nós fomos para o Fogo para fazer uma visita de estudos cujo objectivo era ver os aspectos geomorfológicos, vulcanológicos e hidrogeológicos no terreno. + +- hum, hum. + +->e, eh, a parte, eh, isto é, impri[...], juntando a parte teórica + +- hum, hum + +-> que nós já tínhamos na escola com a parte prática, para se compreender + +- hum, hum. + +-> melhor a geologia propriamente dita. + +- hum, hum. + +-> logo fizemos, no primeiro dia fizemos a vi[...], uma visita, em termos geo[...], e... geográfico assim, tratando de geomorfologia + +- hum, hum. + +-> depois, no... dia seguinte fizemos uma palestra na Vila da Igreja, Mosteiros, sobre o vulcanismo. e logo, às... doze horas, aconteceu a erupção. e as gentes acharam que nós já sabíamos que ia acontecer + +- acontecer + +-> a erupção [...] até inclusive um, um indivíduo perguntou-me quando é que vai haver uma actividade vulcânica na ilha do Fogo. eu disse "o vulcão da ilha do Fogo, pelo que eu sei, é activo + +- hum. + +-> pode entrar em actividade a qualquer hora" + +- ham, ham. + +-> e à noite aconteceu e ele chegou-me, perguntou "tu já sabias mesmo?", "estás a brincar, não sabia nada" + +- olhe, e antes sentia-se assim alguma coisa, algum fenómeno especial, calor, um...? + +-> segundo o meu pa[...], eu não sen[...], porque na altura o tempo estava mesmo, estava a fazer um pouco de sol, mesmo. + +- hum, hum. + +-> eh, e na altura o meu pai - eu nem, nem liguei para ele, porque o calor já estava a se sentir + +- hum, hum + +-> na ilha - o meu pai disse que sentiu-se tremor de terra, à noite, mas também eu não, não liguei na conversa do meu [...] eu não senti nada, também os meus irmãos também não, pronto, e depois à n[...], quando era, por volta das duas, das duas da madrugada, a minha mãe foi-me acordar. foi acordar-me que o vulcão está com lume, entre aspas. + +- hum, hum, hum. + +-> eu nem, nem liguei também. depois quando o meu pai disse que ontem, por exemplo, no dia anterior sentiu-se tremor de terra logo levantei, porque relacionei as duas coisas. + +- hum, hum. + +-> mas no prin[...], a prin[...], a princípio tinha medo, eu tive medo + +- hum. + +-> eu tive medo + +- sim. + +-> de que... ia acontecer outras coisas, mortes, etc., não é, + +- não... + +-> é que, é, o vulcão muito raramente mata se + +- hum, hum, hum, hum. a pessoa tem + +-> se nós não nos acreditarmos nas, nos seus avisos, etc., claro, é o qu[...], é o que aconteceu com Plínio, não é, já ouviram falar dessa história? + +- não. + +-> Plínio, um... homem que an[...], andava a estudar o vulcanismo. + +- aqui em Cabo Verde? + +-> não. [...] não me lembro agora de aonde. + +- ham, ham. + +-> só que en[...], inclusive tem um tipo de, que se designa... erupção do tipo pliniano + +- ham, ham. + +-> em honra a, ao Plínio o Velho. + +- ham, ham. mas será o Plínio escritor ro[...], latino? há, eh + +-> não sei. + +- há dois mil anos atrás, não? + +-> não, não. não tenho a bibliografia + +- hum. + +-> desse... + +- hum, hum. + +-> dessa personalidade. + +- e ele morreu num, num vulcão? + +-> morreu sim. por os estudos. durante os estudos. + +- hum, hum. não teve cuidado? + +-> bem, é que, se calhar ele não acreditou no aviso. + +- ham, ham. + +-> e não ouviu aquelas... + +- e... quando o vulcão começou, quando começou a erupção, foi logo uma grande quantidade, ou foi pouquinho primeiro? + +-> eh, de fogo, ou...? + +- de fogo, sim. + +-> de fogo, primeiro começou com tremores + +- hum, hum. + +-> e... no primeiro dia... era intenso. + +- hum, hum. + +-> logo no segundo dia, no primeiro dia via-se sete focos emissores, eh, em dois alinhamentos diferentes. + +- hum, hum. + +-> tinha um, um alinhamento - deixa-me ver - nor[...], nordeste, sueste + +- hum, hum + +-> [...] e o outro já [...] no sentido contrário. + +- hum, hum. + +-> eh, tinha um, no primeiro havia, estava numerado de um a quatro + +- hum, hum. + +-> sendo um, dois, três emitia apenas fumarolas, eh, emitiam apenas fumarolas, o número quatro já era fogo principal. + +- hum, hum. + +-> emitia fumarolas, lavas, etc. no outro alinhamento, cinco, seis, sete e no, só apenas cinco e seis emitiam fumarolas, sete fumarolas, de vez em quando um, pequena, uma pequena quantidade de lava, seguido de um ruído + +- hum, hum. + +-> mais ou me[...], do tipo assobio. + +- hum, hum. e portanto as pessoas tiveram tempo de... fugir, levar as suas coi[...] + +-> ant[...], a[...], os, as pessoas não queriam fugir + +- hum, hum. + +-> bem, é que já é d[...], é muito difícil também porque já, como já se trata duma zona fértil, lá criaram... todo o processo de socialização, têm lá e... não queriam mesmo, mas depois que... começaram a acontecer os estragos, como... as casas que foram destruídas, o fontanário que abastecia a população, os terrenos cultiváveis que foram, em grande parte, dizimados pelas la[...], pela lava aliás, já... eles acharam por bem que o melhor destino era partir mesmo para as zonas menos afectada. + +- e agora recomeçam uma vida nova nessas zonas, ou como? + +-> não. já regressaram para Chã das Caldeiras, neste momento. + +- ah, sim?! + +-> é claro começaram no[...], por os que perderam a casa, os terrenos de cultivo, etc., já vão com ess[...], vão recomeçar a vir, digo assim, porque... + +- e como é que eles + +- [...] + +- economicamente, como vão fazer para recomeçar? o governo ajuda? + +-> pá, a p[...], houve, criaram um fundo, no município de São Filipe, eh - Chã das Caldeiras faz parte desse município - criaram estruturas que coordenassem o evacuamento das pessoas para zonas menos afectadas + +- hum, hum. hum. + +-> e, essas estruturas, para além do evacuamento das pessoas, eh, para as zonas baixas, eh, tinham também, eh, tinham que distribuir alimentos, vestuários, colchões, 'etcs', para essas pessoas. + +- hum, hum. + +-> e, segundo cálculos - deixa-me ver, tenho dados aqui - segundo cálculos, eh, ainda no mesmo relatório [...] "no que concerne a alimentação, no pressuposto do custo de duzentos escudo por dia, mantendo constante o número de pessoas nos respectivos centros de acolhimento, as despesa mensais elev[...], elevam-se a duzentos escudos vezes trinta escudos, vezes trinta mi[...], vezes trinta dias, vezes, ainda, o número de pessoas" + +- pessoas + +-> e, evacuados que eram, que era aliás, mil e trezentas e sessenta e nove. + +- ham, ham. + +-> que já dá no total oito milhões duzentos e catorze esc[...], mil escudos mensal. + +- é muito dinheiro. é um esforço grande, não é, + +-> é um grande esforço. + +- hum, hum. a sua família foi afectada, perdeu alguma coisa? não. + +-> não, não, não, nós estávamos muito longe. + +- muito longe. + +-> nós f[...], nós moramos nos Mosteiros, na Vila da Igreja. + +- ham, ham. portanto, lá não chegou nada? + +-> nada. + +- só um pouco de susto. + +-> só um pouco de susto, é claro. + + + + + + + diff --git a/Cabo Verde/Ilha do Fogo.wav b/Cabo Verde/Ilha do Fogo.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..0e3a31868bfff14ca27f135b6b2ce47e74f6a70f --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Ilha do Fogo.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:b53a1c825afb8b83f9c9d883df5f57a9067a3b846e9756d36bed82fb8d41d542 +size 21604032 diff --git a/Cabo Verde/Raparigas de Cabo Verde.txt b/Cabo Verde/Raparigas de Cabo Verde.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..00ed8837491107621c6dd3efd6a71884abde450d --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Raparigas de Cabo Verde.txt @@ -0,0 +1,144 @@ +TÍTULO: Raparigas de Cabo Verde +LOCAL: Cabo Verde - Cidade da Praia +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 41 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Inspectora do magistério primário + + + + + +-> [...] falar um pouco sobre o ensino em Cabo Verde, mesmo, ah, falando um pouco a nível dos in[...], do interesse que as mulheres cabo-verdianas ultimamente têm tido aqui em Cabo Verde. como sabe, em todos os países isso aconteceu, também Cabo Verde não podia fugir à regra, que é a questão das mulheres não, não estudavam. + +- hum, hum. + +-> ah, mais, eram mais os homens do que as mulheres. no entanto, ah, passado alguns anos, sobretudo após a independência, ah, muitas escolas foram abertas, já em sessenta e oito houve um... surto de sa[...], de escolas, que foram abertas, e assim, proporcionava às pessoas, não é, estudarem + +- mesmo as raparigas? + +-> tendo em conta que as escolas eram mais perto. sim. fica perto de casa e como... nós aqui temos um problema: as raparigas trabalham mais do que os homens, sobretudo na lida da casa... + +- como sempre, em todo o lado. + +-> sim, com certeza. e daí que, ah, as mulheres, as raparigas, não, nã[...], agora começaram a estudar. e, e daí que nós verificamos mesmo nas escolas de formação de professores, eh, um número maior de... raparigas na escola de formação de, de, do Instituto Pedagógico. + +- hum, hum. hum. + +-> e... também o, os pais, nas zonas piscatórias, as mulheres, mesmo os rapazes também não iam, as raparigas não iam muito, para, para a escola, porque diziam que, enfim, ah, "somos pescadores, sem escola, com escola". + +- pois. + +-> que seria nor[...], portanto era normal, que não valia a pena. + +- e nem apostavam em aprender mais. + +-> foi, sim, sim, não apostavam em aprender e nós tivemos todo um trabalho nesse sentido, de sensibilização, para ver se realmente os pais, ah, mandassem os filho às escolas. + +- pois. + +-> e, e isso, verificamos que, numa dada altura, que houve um aumento grande, mesmo a nível de, de, de, de raparigas, já os pais, e mesmo as, as raparigas já mais crescidas começam a interessar-se mais e pedem aos pais para deixarem ir à escola. e isso se, está-se a verificar cada vez com um maior número. + +- eh, em Portugal aconteceu uma coisa engraçada, quando... de facto as raparigas começaram a ir mais à escola, em zonas em que... também só os rapazes é que iam, zonas mais... + +-> hum, hum. + +- fora das grandes cidades, não é, que era... que as raparigas como tinham estado sempre, ah, afastadas disso, quando tinham a oportunidade de, de estudar, eram muito melhores alunas que eles, porque queriam mostrar a força nalg[...], de algum modo, uma vez que não têm... + +-> exacto. isso também acontece em Cabo Verde, porque, apesar de, de aqui, ah, as raparigas têm muito mais que fazer, como sabe, vão apanhar água, sobretudo se for numa zona rural, têm que apanhar lenha, ah, ajudam os pais com os... bebés, os irmãos mais pequeninos, às vezes há m[...], pais que saem de manhã e só regressam à tarde, são as meninas é que tomam conta dessas, de[...], dessas crianças, dos irmãos mais pequeninos. e, mesmo assim, com toda essas tarefas, às vezes os alunos, as alunas, ou... as raparigas, têm muito mais, ah, notas, ou estudam muito mais, esforçam-se muito mais. + +- pois. + +-> porque têm um adicional, que é, que é toda a tarefa caseira, não é, e que nos rapazes isso não se verifica em Cabo Verde. + +- os rapazes não, não fazem mais nada? ah... + +-> eu acho que não, a não ser no interior + +- pois, que ajudam... + +-> no interior, na zona rural, têm já, vão dar de beber às cabras, vão atirar palha para os animais, fazem mais uma coisinha. mas aqui, no Plateau, ou mesmo nos arredores da Cidade da Praia, os rapazes vão à escola, regressam e começam a passear... + +- hum, boa vida! + +-> para cima e para baixo. é verdade. + +- ah, nós reparámos há bocado num, já on[...], há bocado e ontem também, ah, vimos isso, eh, havia um grupo grande ali naquela praça, na esplanada... + +-> hum, hum. hum, hum. + +- em que eram vários rapazes e só uma rapariga. e a, a ra[...], e não era o mesmo grupo hoje e ontem... + +-> hum, hum. + +- eram dois grupos diferentes s[...], também... + +-> hum, hum. + +- ambos só com uma rapariga, e eles falavam, conversavam todos uns com os outros e a rapariga ficava muito caladinha... + +-> hum. + +- isso é costume? + +-> sim, sim é, e realmente, quer dizer, sobretudo, aqui agora verifica-se um pouco, mas no interior e noutras zonas, ah, periféricas da cidade, nós constatamos que as raparigas não saem, se sairem vão, saem com as amigas e regressam logo de saída, de, logo, ah, depois, porque os pais até dizem "tantas horas, vem para casa", e os rapazes estão sempre na rua, têm mais à vontade e assim. aparece uma rapariga, que por qualquer, ah, problema, ou qualquer coisa, ah, eh, vem para o grupo, logo, ficam, quer dizer, com uma certa inibição, tendo em conta que não estão habituadas a, a participarem em grupos grandes. mas isso def[...], eh, verifica-se, ou é def[...], diferencia de ilha para ilha. + +- sim. + +-> por exemplo, em S. Vicente, nós, isso já não, não acontece, dessa maneira. + +- as raparigas são mais abertas. + +-> as raparigas são mais abertas, estão sempre no grupo, dormem mais tarde, vão à boîte... + +- hum, hum. + +-> vão às festas. aqui já a Ilha de Santiago - não sei se é por sermos um, uma ilha de tradição camponesa, ou o que é - as raparigas são mais con[...], estão mais conservadas. + +- até é, eh, estranho, porque é a capital, não é, + +-> exacto, exacto, exa[...]... + +- devia... + +-> mas isso já vem, é uma história que vem de longe em termos de S. Vicente e Santiago. + +- hum, hum. + +-> mesmo a Praia, como capital, mas as raparigas, agora, ultimamente... estão saindo um bocadinho, mas mesmo assim com horas marcadas para virem para casa. + +- e não há nenhum movimento de... + +-> de raparigas? + +- sim, de, de, de, um movimento feminista ou uma coisa assim, que, que prepara as raparigas para lutar, eh... + +-> o problema que se põe é que se, existem algumas, algumas, eh, algum, alguns movimentos, ah, feministas, p[...] - eu digo de mulheres, não é, + +- sim. + +-> porque, eh, mas não incentivam essa prática, tendo em conta que... podem ser mal vistos. + +- hum. + +-> porque, ah, se di[...], dizem "ah! é uma organização da mulher, em vez de ensinar a fazer, sei lá, uma renda ou um bordado, vai man[...], eh, vai ensinar para saírem na rua ou participarem em outras actividades", não sei até que ponto ainda a sociedade está preparada para isso. + +- pois. + +-> de qualquer forma penso que hoje há o, há grande progresso neste momento e... há moças que saem e... algumas vão e voltam mais tarde mas isso foi ultimamente. + +- e em termos de, de planeamento familiar, há muito trabalho feito para preparar... + +-> sim, há algum trabalho e... têm a[...], têm feito, portanto, na, no, temos um projecto do PIMPF, que... faz esse trabalho, e... existem grupos de pessoas que, a nível de, do Instituto de Menores, de, ah, sobretudo a promoção social, tem vindo desencadeando uma, um mo[...], um, todo uma campanha de sensibilização, mesmo a nível de comunicação social, no sentido de ver, fazer com que, ah, as raparigas tomem consciência, e os rapazes também, dessa questão que aqui em Cabo Verde tem sido um, já quase um flagelo, que é o problema da gravidez, gravidez precoce. e temos ainda a nível do Ministério da Educação, inclusive, temos alguns projectos, como é o caso da... vida familiar, e que têm entrado com algumas, algumas informações também, não só na vertente escolar como também não-escolar, precisamente para... ajudar essas jovens, mas isso, se verifica sobretudo na cama[...], nas camadas mais pobres e com menos possibilidade. + +- sim. + + + + + + + + diff --git a/Cabo Verde/Raparigas de Cabo Verde.wav b/Cabo Verde/Raparigas de Cabo Verde.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e78602fd1affc692329234e4ad479388fa0c60e3 --- /dev/null +++ b/Cabo Verde/Raparigas de Cabo Verde.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:fc52d6dd4f092f90a401b907bf236fac2153e452d03dd16d120a4391c1ccd193 +size 20349386 diff --git a/Goa/Diversidade Religiosa.txt b/Goa/Diversidade Religiosa.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..95675e41ca8158e25527b27771f1892bd3a4e3f4 --- /dev/null +++ b/Goa/Diversidade Religiosa.txt @@ -0,0 +1,47 @@ +TÍTULO: Diversidade Religiosa +LOCAL: Goa +DATA: 2001 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 23 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: + + + +- fale-me um bocadinho de Goa +-> de Goa. ah, Goa é uma terra - terra, não - uma... terra. uma terra muito bonita, com gente simpática e, ah, clima também é agradável, é... monção e... as praias são muito giras. +- bem e que mais? [...] +-> e, ah, as pessoas aqui são maioria hindus e poucos católicos e aqui, ah, há muito, há muito, ah, muitas coisas para ver, como igrejas e templos e há praias e há bons hotéis também e, ah, temos um grande costa e, e, e há muita vegetação [...]. +- ah, os amigos que tem, ah, ou melhor, é hoje ainda muito importante, ou muito relevante, a diferença entre católico e hindu? entre os, entre os seus amigos como é que isso [...]? +-> não, eu tenho amigas e amigos que comem tudo, carne de vaca, carne de porco, tudo, tudo, que não são muito religiosos e que estão mais modernos, vão para a discoteca, vestem calças, e tudo, 'ista', esta diferença é na gente mais idosa, mais primitivas e... nos, ah, não, não é na cidade, ah, é muito na, nos, ah, 'villages', mas a nova geração estão mais saídas que católicas +- hum. +-> porque... estão, ah, são educados e têm uma, uma +- cabeça +-> cabeça mais aberta. +- ah, hum, hum, quando diz que comem tudo está-se a referir aos hindu? +-> sim. +- e os católicos, como é que são? +-> os católicos são, sempre foram mais saídos, sempre gostavam da folga e dança e... vinho e... [...] +- hum, hum. +-> e, ah, os católicos também são religiosos ainda, religião em Goa é muito importante entre os católicos, porque há muitas festas e igrejas e +- hum, hum. +-> mas... +- mas os, os jovens católicos vão muito à missa, por exemplo? +-> sim. +- e como é que, e os hindus como é que é? +-> com os hindus não sei, eles têm muitos diferentes problemas. +- [...] +-> mas eles não vão, eles não vão como nós, mas eles têm um, uns festivais em cada mês no Tivoli aonde eles celebram. mas como nós não, ah, ah, os católicos têm muito mais, ah, festas do que hindus e como nós vamos para a igreja, todos os domingos, ou quando há festas, ou qualquer coisa, eles não vão tão regu[...], ah, regularmente. +- vocês entre, en[...], mas, en[...], na juventude, vá lá, ou entre os jovens, ah, não há... conversas sobre religião? +-> não, nada. nunca. porque eu tenho amigas hindus, ah, ah, muslims e, ah, mas nunca, nunca, conversamos sobre reli[...], religião. +- hum. acha que deviam conversar? +-> não. +- não deviam? +-> não. religião é qualquer coisa pessoal, +- hum. +-> qualquer coisa que você julga e você acredita, não pode estar a conversar sobre, eu não gosto de conversar sobre a religião. + + diff --git a/Goa/Diversidade Religiosa.wav b/Goa/Diversidade Religiosa.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..c5c96a1f14df6945b3aa04b0b655ff2b68d0fff0 --- /dev/null +++ b/Goa/Diversidade Religiosa.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:5501f3e9dbe73acd0fed345782da60ac9c58ec21ef6e059f2a880d711816a25a +size 16265436 diff --git a/Goa/Estudante de Medicina.txt b/Goa/Estudante de Medicina.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b1c298f41e89a5f6d35a67bf4f7a6d360a65b234 --- /dev/null +++ b/Goa/Estudante de Medicina.txt @@ -0,0 +1,56 @@ +TÍTULO: Estudante de Medicina +LOCAL: Goa +DATA: 2001 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 22 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Estudante de medicina + +OBSERVAÇÕES: + + + + +- e... estudou em português? +-> não. eh, basicamente nós, nós aprendemos... três línguas. até à, da, da, da quinta classe até à oitava, depois temos opção para falar português. português, inglês e... é só isso, não é, e eu continuei a estudar português até ao décimo segundo. +- o Pedro estudou sempre português na escola também? +-> sim, não, da oitava até ao, ao sétimo ano. +- ah! +-> da oitava até à décima. +- hum, hum. +-> depois do, décimo primeiro e décimo segundo. então são cinco anos. +- e em casa fala português com os pais +-> com os pais e irmãos e s[...], e s[...] +- só? +-> e família, família. +- não tem amigos com quem fale em português? +-> não. quase ninguém, quase ninguém na minha idade fala português. +- hum. + + [...] + +- como é que é o seu dia-a-dia, e os seus amigos +-> não +- como é que é a vida em Pangim? em Goa? +-> basicamente o vida do estudante, eh, há, há dois tipos de estudantes, não é, os que estão a es[...], a estudar nos coisas, nos colégios profissionais, a medicina, a engenharia, a arquitectura, e há outros que, ah, out[...], ou[...], outros colégios onde, eh, não requer tanto estudo. não requer tanto esforço do aluno. e bá[...], e no, no meu caso, na m[...], a medicina acho que é, é, é um dos cursos mais puxados cá, não é, ah, p[...], por exemplo, ah, basicamente, eu acordava à volta das seis e meia, sete da manhã, estudava, por exemplo, meia hora e tal, depois ia ao colégio. aulas começam às oito. das oito até a, até às onze horas. das onze até uma hora nós estávamos no hospitais +- hum, hum +-> a, a examinar doentes, e depois apresentar casos. e depois disso nós temos um, um intervalo de uma hora e às duas começam as aulas. acabam às cinco. e voltamos e, e pronto, às seis horas temos que sentar a estudar, estuda-se até às oito e meia e depois janta-se e às nove e meia até à meia-noite e tal. é assim a vida diária. [...] +- durante quantos anos? +-> tem sido durante quatro anos e meio. ah, tem s[...], nós temos um ano e meio de, de três [...] e ao fim disso, eh, começamos o estágio, no internato e, isso, isso é, isso é de um ano, dois [...]. ali nós não temos que, não temos que estudar, quase nada, e, e depois em, em termos, em termos de serviço de, de, de trinta e seis horas, ah, duas vezes por semana. +- duas vezes por semana trinta e seis horas? +-> sim. +- seguidas? +-> seguidas e não temos, eh, não temos descanso depois disso, não é, e por isso entramos na, na manhã, passamos, ah, todo o dia, à noite e só saímos no dia seguinte à volta das quatro horas da tarde. e... +- e acabam, largam e depois no dia seguinte começam tudo outra vez? +-> sim, no dia seguinte entrámos ainda não era oito e meia da manhã. basicamente o, o, não é tão puxado, não é, porque não, não, não... +- é muito mais físico o cansaço, não é, +-> é fí[...], o, exactamente. o cansaço é mais físico do que, do, do que mental, não é, porque chegam a estar... fica-se saturado de estudar, de, de trabalhar muito +- pois. +-> e é só isso. e a, e a competição é, é tremenda. +- hum, hum. +-> porque entrámos só setenta alu[...], setenta alunos, e temos vagas para fazer pós-graduação só para vinte e tal, não é, e o resto tem que ir procurar para outro espaço, fora de Goa. +- hum, hum. +-> e é difícil, bastante difícil, porque, ah, nós temos que competir contra, contra ce[...], dezenas, ah, cen[...], centenas de médicos, ah, ah, nos, que estão a ser, estão-se pa[...], a formar em vários estados da Índia. +- hum, hum. +-> e nós todos só temos um exame para todos esses médicos, não é, diff --git a/Goa/Estudante de Medicina.wav b/Goa/Estudante de Medicina.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..861c3555fa58f16b1cb73aae176069e4ebaa0842 --- /dev/null +++ b/Goa/Estudante de Medicina.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:065134544e23adb1b53ac72ee6a9f7c4749842c543b0ca69e2ad99d2e24de582 +size 10439872 diff --git a/Goa/Vida Familiar.txt b/Goa/Vida Familiar.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..61bf28c8b429f907e1f2bc96228b79a3cb8587c0 --- /dev/null +++ b/Goa/Vida Familiar.txt @@ -0,0 +1,65 @@ +TÍTULO: Vida Familiar +LOCAL: Goa +DATA: 2001 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 54 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: + + + +-> tenho, tenho, tenho uma irmã em Portugal, por acaso sim, e tenho muitos parentes em Portugal, tenho, e agora o nosso bairro de Fontainhas +- hum. +-> já está quase, não temos nenhuns, eh, goeses, agora são todos de fora e que falam só esta coisa, e, ah, mas, ah, mas, eh, me[...], meu irmão, eu tenho um irmão que ainda vive na Fontainhas e passámos bons dias em Fontainhas, eh, portanto, todo aquele grupo, todo conhecido, todos estão em Lisboa agora +- hum, hum. +-> todos os amigos já estão em Lisboa. [...] +- estudou em português? +-> sim, no liceu. sim. e, eh, e, eh, e eu fiquei sati[...], fiquei satisfeita quando o senhor Tiago me disse que, que, que uma senhora queria vir aqui, eh, ouvir o nosso português, embora [...], não temos muita prática, agora só eu e o meu marido falamos português. +- com os filhos? +-> com os filhos, n[...], quan[...], eles eram pequenos falámos português, mas ma[...], d[...], no momento que eles começaram a ir para a escola e ap[...], começaram a aprender inglês, automaticamente começaram a falar em inglês. e agora eles, eh, falam, assim, ah, ah, compreendem, mesmo porque... +- quantos filhos é que tem? +-> eu tenho dois rapazes, duas meninas. um, um menino já está casado. e depois, eh, e, eh, de maneira que, e agora o português deles não é muito correcto, o das crianças. e, principalmente agora que o, a minha sogra e a minha mãe faleceram, elas falavam só português, não sabiam inglês, de maneira que as crianças eram obrigadas a falar português com elas. mas agora que já, elas morreram há alguns anos e agora, é só inglês, por acaso a minha filha, eh, de que, até, até dé[...], décimo segundo, a[...], aprendeu português +- hum. +-> na escola. e mas é a única cadeira e não é tanto a prática, sim. e outros falam, assim. [...] +- mas ho[...], hoje em dia fala inglês com os seus filhos ou fala em português? +-> eu falo em inglês. mas, eles sabem também português. por acaso agora o meu filho vai a Portugal. vai no, esteve o ano passado +- hum. +-> com a 'schoolarship', hum, e esteve por nove meses, scho[...], 'schoolarship' do, do, da fundação +- hum, hum. +-> e agora, e agora ele já conseguiu sua papelada em português, é, é, é esta coisa, não, do passaporte português +- hum, hum. +-> e ele vai agora no fim deste mês e, ah, e [...] +- vai, vai viver para lá? +-> sim. sim. qualquer parte na Europa, ele diz, vai ver onde é que é conveniente e onde é esta coisa +- o que é que ele está a fazer? +-> eh, ele, ele, ele fez o 'bcom', 'ncom', 'ncom' e também é, é bom na música, toca muito bem piano e tudo aquilo. e, e também fez o, todos os cursos de, na, na, nesta coisa de aérea, reconhecidos, na, [...]iata +- hum, hum. +-> e trabalha com o meu marido, o meu marido tem uma agência aérea +- ah! +-> e ele trabalha com o meu marido. +- então vai arriscar, ele não vai, +-> sim. +- e[...], ele vai sem emprego fixo lá. +-> sim, sem emprego fixo, é. ele diz se conseguir ali está bem, senão vai, vai para Londres. vai para Londres ou qualquer parte. vai arriscar +- hum. para os goeses emigrar é muito natural, não é, +-> é. e, ah, +- engraçado ele ir assim, a, à aventura! +-> sim +- não é, +-> mas tem muitos p[...], muitos pessoas que estão dispostos a ajudar. estão muitos pessoas conhecidos ali, em, em Portugal. muitos amig[...], ano passado, ah, foram dois amigos dele que conseguiram em li[...], em Londres. portanto ele diz que talvez, ah, seja melhor ele m[...], estabelecer-se em Londres, porque tem mais, tem pessoas conhecidas, embora eu também tenho, tenho tia, também tenho tia, tem primos, eh, tem muitas pessoas, mas, eh, também o português de lá é tão correcto, para ele trabalhar em +- pois. +-> em Portugal, sim. e até para escrever e tudo ele não é tão esta coisa, de maneira que, o mais certo ele há-de ir talvez para Londres, sim. +- sim, mas, eh, e as outras filhas? +-> eh, uma filha está, hum, ah, está a estu[...], está a trabalhar aqui, e a, e a, eh, um rapaz está em, em, em, em a Arábia. minha filha casada também está na Arábia. +- ah! +-> estão a trabalhar lá. +- então só, agora [...] +-> [...] +- uma filha. +-> sim. ela também está já justo aí, e, eh, em breve deve-se casar, lá até o princípio do outro ano +- [...] casar. +-> e depois ficamos [...] +- sozinhos. diff --git a/Goa/Vida Familiar.wav b/Goa/Vida Familiar.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..6c6a37d5c1aae4b3eb17054878a70f6a056f9b64 --- /dev/null +++ b/Goa/Vida Familiar.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:88f40a9438bfe02a43edfaa4bced1f0f67798b0b43fd9bce58587391849f2428 +size 10608678 diff --git a/Guine-Bissau/A Juventude Guineense.txt b/Guine-Bissau/A Juventude Guineense.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f90cdc13a3b85774782a66740639622ce4c45975 --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/A Juventude Guineense.txt @@ -0,0 +1,77 @@ +TÍTULO: A Juventude Guineense +LOCAL: Guiné-Bissau - Bissau +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 19 anos + ESCOLARIDADE: 10 anos + PROFISSÃO: Estudante + + + + + +-> penso que é importante, eu gosto mesmo. penso que, pronto, quando eu falo da cultura, quando eu escolhi esse tema cultura, eu refiro mais a cultura cá em Guiné. cá em Guiné é que ele não existe. eles dizem cultura mas não sabem bem a, a definição dessa palavra "cultura". + +- hum. + +-> penso que cá têm poucos meios, e nem só, não ajudam a ter um pouco disso também cá. penso que foi esse o motivo que eu escolhi. penso que devia haver mais cultura + +- hum. + +-> cá. + +- e quando diz-me haver mais cultura está a pensar, por exemplo, em quê? + +-> refiro-me a tudo - cinema, teatro, jogos - tudo, que faça parte da cultura. + +- hum. portanto, eu às vezes quando... vejo na televisão, vejo passar a música, que se calhar não faz parte da nossa cultura. o que é que me diz? + +-> eu percebi perfeitamente. + +- dá para, dá melhor cultura? + +-> está a referir-se, penso que a música também faz parte, mas as músicas por exemplo às vezes que passam na televisão penso não têm nada a ver. estão mais a imitar, a tentar a imitar a Europa e o resto do mundo, mas não a entrar mesmo em África, a ver que tem alguma coisa de bom. sempre música de África, penso que devia sair mais para fora, mas não, está muito dentro e não, não tem, não, assim não, não vão longe com aquilo ficar sempre cá dentro, as pessoas de fora têm que ouvir, saber que cá também existe ess[...], a, essa cultura, a música. + +- mas, se calhar o problema é dos meios. não te[...], não terem meios. + +-> às vezes é meios. mas às vezes também cá não tentam, não é, não, não tentam chegar. + +- ou se calhar a política. + +-> pois a política às vezes. pronto, sim, é mais a política mesmo, que é uma desorganização total. + +- hum. + +-> não tem uma organização cá em Guiné. + +- então, o que é que acha que se poderia fazer, ah, para o bem da cultura guineense? + +-> penso que devi[...], deveriam criar meios, tent[...], pronto, como eles não têm meios - escolas, essas coisas - para ensinar mais, há pessoas que por exemplo querem ser cantores e essas coisas. não conseguem ser porque, pronto, os pais em casa dizem "oh! tu vais ser aquilo cá, aquilo tu não ganhas nada, para quê queres aquilo? faça mais outra coisa". perguntas uma pessoa "o que é que tu queres fazer? qual é... a cultura, a tua cultura?" uma pessoa diz "ah! eu não, eu não sei te dizer a cultura propriamente". cá em Guiné aquela palavra.. + +- hum. + +-> não é exprimida publicamente, nem, nem se usa. + +- hum. + +-> às vezes nem as pessoas sa[...], sabem o que é que é a cultura. + +- hum. + +-> penso que é... + +- e [...] noutros tempos, se calhar ness[...], nessa altura a Berta não tinha ainda nascido, temos, eh, não tinha era nascido, falava-se de alienação, e tinha mais a ver com, já se calhar valores do colonizador em detrimento dos nossos valores, e acha que... também se coloca este problema actualmente? + +-> penso que sim. cultura, pronto, a cultura que existe cá, se, se chegar na Europa, por exemplo em Portugal - eu tomo mesmo um exemplo em Portugal, eu já estive lá - podes perguntar a um, a um estudante de qualquer lic[...], qualquer liceu, alguns... não sabem. perguntas "qual é que pensas que é a cultura mais utilizada em Guiné-Bissau?" até te podem dizer onde é que fica a Guiné-Bissau. não sabem, muito menos a cultura que lá se exprime e se usa. + +- hum. está bem. então temos muita coisa para fazer. mas o que é que vamos fazer para, para o bem da nossa cultura? + +-> penso que o Estado devia pensar numa parte também nesse, nesse termo, na cultura e não pensar só na entrada de, pronto, mercadorias, que devia produzir e tentar criar... lugares para fazer essa cultura ir mais à frente, porque assim, oh! penso que não vamos a nenhum fit[...], sítio. Guiné nem vai para a frente, nem vai para trás, está intacto; está no sítio. + +- [...] + + + + + diff --git a/Guine-Bissau/A Juventude Guineense.wav b/Guine-Bissau/A Juventude Guineense.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..0379c48135eff0f0b4bbea4a217558178071baab --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/A Juventude Guineense.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:af11ca1a681c945b5214809f5cbff2fb32f13de332568803171a65a24a6f5735 +size 11915050 diff --git a/Guine-Bissau/A Mulher Africana.txt b/Guine-Bissau/A Mulher Africana.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9eda61e685c213dabe2fdf29f823b39d722c00e0 --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/A Mulher Africana.txt @@ -0,0 +1,54 @@ +TÍTULO: A Mulher Africana +LOCAL: Guiné-Bissau - Bissau +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 45 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Jornalista + + + + + + +-> portanto, eu... sou da opinião de que devemos reflectir e é o momento para se reflectir de facto um pouco sobre a situação da mulher + +- hum. + +-> ah, particular, bom, bem, particularmente da mulher guineense, se bem que ela se, portanto, a situação da mulher guineense não é distinta universalmente da mulheres, das mulheres do terceiro mundo, dos países em desenvolvimento + +- hum. + +-> em que o que se constata é que há uma, há uma pouca preocupação acerca da distinção do gé[...], ah, entre os géneros, portanto, masculino feminino + +- hum. + +-> em que à mulher africana cabe grande, um grande quinhão de responsabilidade. quinhão de responsabilidade que se prende com o seu papel como produtora; efectivamente a mulher africana, se quisermos e, portanto, olharmos, aos estudos e aos levantamentos que foram, que têm sido feitos, constata-se que oitenta por cento de, da mulher e do seu tempo é ocupado com preocupações, portanto, ah, no que respeita, primeiro, ao seu papel como reprodutora. + +- hum. + +-> portanto, ela que gera, portanto, a força do trabalho + +- hum. + +-> cuida dela, ah, portanto, dessa força do trabalho de tenra idade até de facto pô-la em condições de reproduzir. e quando vai-se reproduzir nas sociedades africanas, é à mulher que cabe o maior, uma maior responsabilidade. + +- hum. + +-> vamos encontrar, e hoje por exemplo, num contexto particular da África subsahariana, o que se constata é que, portanto, os estudos feitos dizem que dois terços de todo o trabalho humano produzido na África subsahariana é feito pela mulher, em que ela, eh, usufrui apenas de dez por cento dos rendimentos por ela gerados, e um por cento das riquezas de todo o universo, de todas as riquezas do universo à mulher cabe apenas um por cento. bom, vindo, voltando à África... subsahariana onde a Guiné-Bissau, portanto, se, geograficamente se enquadra, vemos que ela se ocupa da agricultura e de toda a produção, portanto, a produção subsaha[...], da África subsahariana é se[...], fundamentalmente, uma produção de subsistência, da base à agricultura, em que a mulher é ela a produtora. sendo ela produtora, detém uma responsabilidade que o, nós podemos dizer, e na expressão aqui da, da Guiné-Bissau, dizemos que ela é a nossa "bemba", que significa que ela é a reserva da nossa subsistência. é da produção das mulheres, principalmente produções agrícolas, desde, aqui na Guiné-Bissau, a produção fundamental que é o arroz, é o... alimento fundamental, é produzido pela mulher, e todos o, a maior parte dos legumes, portanto, consumidos, nós percorremos todo o país, encontramos nos campos apenas mulheres. praticamente só mulheres, algumas, não dizemos que os homens não, não se ocupem também da agricultura, mas por, normalmente para fazerem o trabalho de amanho, digamos, de preparação, apenas, pois o... resto, portanto, o segmento da produção, desde a, da se[...], da, da sementeira, de lançar as sementes, depois cuidar, ah, ah, portanto, evitar a, cuidar da, do combate às pragas que possam danificar a cultura, a colheita, a transformação, portanto, o, o amanho do, do arroz, por exemplo, que tem bastante trabalho, t[...], e um trabalho mesmo... pesado, portanto, no sentido em que é ela que vai pegar esse arroz e mó[...], e pila. pilar o arroz significa, portanto, qualquer coisa... comparável a um trabalho que normalmente com um equipamento simples que nós, portanto, vemos e que hoje poucos estão substituindo, mas que é um trabalho árduo também feito pela mulher. + +- hum. + +-> e as mulheres assumem diversos papéis nas so[...], nas sociedades africanas e na nossa, aqui na Guiné, deve ser ela, portanto, cria os filhos, educa os filhos, vai cuidar da alimentação dos filhos e, em geral, o mais, o mais, ah, digamos chocante, é que ela também, ah, b[...], tem que garantir a subsistência dos restantes membros da família. + +- hum. + +-> inclusivamente famílias alargadas em que temos, eh, portanto, desde sobrinhos, sogros, ele, dessa mulher, enfim, cunhados e familiares que, como sabemos, eh, as famílias africanas são bastante alargadas, essa responsabilidade cai sobre os ombros da mulher. + + + + + + + diff --git a/Guine-Bissau/A Mulher Africana.wav b/Guine-Bissau/A Mulher Africana.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..92b4e18f8fc0d2c069d7a92c6941657e64b4b0ca --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/A Mulher Africana.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:09604ad3239d7ba6e5766c6fc2da62c248f370550de8785b66d4d21f87c1197f +size 13291594 diff --git a/Guine-Bissau/A SIDA.txt b/Guine-Bissau/A SIDA.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..655b70635455de7d4157249f990b8bb6e27ed8fc --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/A SIDA.txt @@ -0,0 +1,112 @@ +TÍTULO: A SIDA +LOCAL: Guiné-Bissau - Bissau +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 17 anos + ESCOLARIDADE: 8 anos + PROFISSÃO: Estudante + + + + + + +-> estou a determinar doenças contagiosas e infecciosas. por exemplo, uma das preocupações dos povos em geral, dos povos em geral é a SIDA. a SIDA também fala-se aqui em Guiné-Bissau muito. bom, nem toda a gente ou - pesquisa que eu estive a fazer -, nem toda a população está, ah, informado sobre a doença, a SIDA. + +- hum. + +-> muitas pessoas ainda tem que ser informado... + +- hum. + +-> no âmbito de saber o que é que é a SIDA. + +- hum. + +-> a SIDA é uma doença, sabemos todos que é uma doença muito contagiosa... + +- hum. + +-> e perigosa, mas antes de começarmos a prevenir as pessoas contra um meio de transfusão da SIDA, devíamos fazer um largo conhecimento... + +- hum. + +-> no âmbito de... dizer às pessoas o que é que é a SIDA. porque cá na Guiné só existe diferentes etnia. + +- hum. + +-> então os, o pessoal de saúde, para chegar por exemplo num determinado etnia + +- hum. + +-> e dizer só a SIDA, eles não vão saber o que é que quer dizer com isso... + +- sim, a gente sabe. + +-> porque a maioria são os analfabetos, não sabem ler, então eles não vão fa[...], saber o que é que quer dizer a SIDA. então, antes de começar assim a falar de SIDA, devíamos fazer um tipo de, um tipo de ajuda. + +- dar informação? + +-> dar informação, exacto. informar a população + +- hum. + +-> não é, conhecer como é que eles vão entrar nesse meio + +- hum. + +-> para dizer o que é que quer dizer a SIDA, o que é que a SIDA faz. a SIDA é uma doença que ainda não tem cura. + +- hum. + +-> está a ver, por exemplo, as pessoas aqui em Guiné-Bissau, a pessoa do sector da Guiné-Bissau, estão mais informado sobre a SIDA + +- hum. + +-> do que por exemplo fora do país + +- hum. + +-> Bafatá, esses zonas + +- hum. + +-> do leste e... a pessoa cá do centro da Guiné-Bissau estão mais informado sobre o que é que quer dizer a SIDA. + +- hum. + +-> como é que se pode transmitir a SIDA. + +- hum. + +-> o que é que a SIDA pode fazer, como é que se pode prevenir a SIDA. + +- hum. + +-> a SIDA é uma doença ainda que não tem cura. + +- hum. + +-> embora estamos a fazer largos estudos para ver se consegue, mas ainda não tem cura, sabemos qual é o perigo. a principal causa da SIDA é a morte, infelizmente. então, temos, resolvemos fazer assim um, uma escala. muitas pessoas dizem que a SIDA pode-se transmitir através de beijo, não é verdade, através de trocar as roupas, se por exemplo tens SIDAs - Deus queira, hem? - tu tens SIDA, eu visto as tuas roupas eu vou também apanhar SIDA, através de colheres, comer, comer ou dormir na mesma cama. mas outras pessoas sabem que a SIDA não se transmite assim. a SIDA trans[...], transmite através de transfusões sanguínea, seringas, através de relações sexuais, ah, e através também de outra coisa, já não me lembro. + +- qualquer contacto com o sangue. + +-> quando, qualquer contacto, sim, com o sangue, pode-se transmitir a SIDA. isso que[...], isso quer dizer se o sangue tiver HIV1 + +- hum. + +-> ou HIV2 pode-se transmitir a SIDA. então muita das etnias, ah, existe aquele problema de rel[...], sexo, não se fala de sexo. isso quer dizer sexo é um tabu... + +- hum. + +-> não se deve falar. + +- hum. + +-> que é uma coisa sagrada e assim. então tu para chegares lá para informar a população que a SIDA é uma doença contagiosa, e pode-se transmitir através aquilo, tu não vais ter um meio de lhe explicares, se não saber a base, como entrar... + +- hum. + +-> aq[...], aquela etnia. + diff --git a/Guine-Bissau/A SIDA.wav b/Guine-Bissau/A SIDA.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..10de6c753a12214032e5f89487b0f1a6b2de3782 --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/A SIDA.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:f645798e62412e70cc328852394bdce9f6f4f0a579d23084f61868f31be2e979 +size 11090784 diff --git a/Guine-Bissau/Democracia.txt b/Guine-Bissau/Democracia.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..113cf00bebb648e5c591c57515961819bd05205c --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/Democracia.txt @@ -0,0 +1,89 @@ +TÍTULO: Democracia +LOCAL: Guiné-Bissau - Bissau +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 18 anos + ESCOLARIDADE: 10 anos + PROFISSÃO: Estudante + +OBSERVAÇÕES: 'conscienciar' significa «consciencializar». + + + + +-> bom, eu creio que os jovens agora... têm mais... acesso à informação e têm mais acesso a poderem, ah, que, ah - como é que se diz? - ah, se cultivarem... a eles próprios sobre... tal, eu penso que a nossa geração já tem, já, já vai crescer... + +- hum. + +-> com uma... mentalidade já mais forte + +- hum. + +-> mais, coiso, sobre aquilo que... pode se[...], pode, pode ser a democracia, não é, + +- hum. + +-> porque eu no, no meu ponto de vista, eu acho que a democracia na Guiné-Bissau não devia ser uma democracia importada... + +- hum. + +-> de modelos, coiso, tínhamos de fazer uma democracia que tem a ver com a nossa maneira de sermos como povo, não é, com a nossa maneira de vi[...], de, de, que cada povo tem as suas tradições, tem as suas, que tem só uma, só uma maneira de pensar, é caracterizado por um, sua maneira de comportar-se, ham? + +- hum. + +-> eu penso que isso é que devemos focar. ah, nós os jovens agora temos mais acesso ao ensino, temos mais acesso à informação. eu acho que estamos a levantar com uma nova mentalidade, não é, porque... já começamos a perceber coisas, já temos mais acesso, ah, pois enquanto que aquela geração dos nossos pais + +- hum. + +-> não, eles, eles que viveram... oprimidos, não é, não tinham aquela liberdade que nós temos hoje. nós hoje podemos dizer que vivemos felizes porque, graças a Deus, eles, vocês deram-nos a independência, não é, nós agora temos isso tudo devido a vocês. mas, ah, por enquanto n[...], nós todos estamos um bocado + +- desorientados. + +-> desorientados, não é, porque nós não conseguimos ainda nos situar bem, para definirmos comos um povo democrático. ok, eu... sinto-me bem quando dizem que as eleições correram bem, não houve isso, não houve aquilo, não é, agora o que eu acho é que o povo deve 'conscienciar' que nós devemos trabalhar para fortalecer essa democracia, para desenvolver o país. porque democracia também é, eu acho... que ao mesmo tempo é sinal de desenvolvimento. + +- hum. + +-> e... o nosso povo ainda não tem uma noção de que, de, do trabalho, porque... as pessoas aqui foram educadas trabalhar só um período, e depois à tarde vai-se embora, depois também o povo, o povo perdeu esperança no Estado, perdeu confiança do Estado porque trabalha um ano, dois, fica sem receber, e isso são problemas sérios que... o governo deve... debruçar-se. + +- e acha que num Estado... que deve, um Estado que deve aos trabalhadores um, o salário de... dois anos, acha que a democracia pode funcionar neste Estado? + +-> claro que não pode, porque... + +- e qual é a solução para, para esse problema? + +-> em primeiro lugar, eu acho que o Estado... que não paga o seu povo durante dois anos, perde a sua autorad[...], auto[...], autoridade perante o povo. porquê? porque... não vai ter direito de exigir nada ao povo. em primeiro lugar, porque... o povo trabalha, mata-se todos os dias a levantar para ir trabalhar para o Estado e o Estado não... dá nada em volta, em troca. o povo, quê, pode acontecer com uma pessoa, por exemplo, eu trabalho para o professor. + +- hum. + +-> trabalho um mês e o professor não dá o meu salário, trabalho dois, se não começo a reivindicar os meus direitos + +- hum. + +-> agora se, o professor não pode exigir nada porque o professor não me paga. nesse caso eu tenho o direito de fazer aquilo que me dá na cabeça. + +- hum. + +-> porque ninguém me pode exigir nada; isso é que acontece. + +- hum. + +-> o Estado, o esta[...], o Estado fica numa situação... de inferioridade perante o povo. + +- hum. + +-> porque não, não, não, não vai poder re[...], exigir nada ao povo. + +- hum, hum. + +-> porque se o Estado vem "ah! nós temos que fazer isso." o povo vai "não, não vamos passar a fazer nada porque vocês não nos pagam". + +- pois é! + +-> então aí tudo tem, tu[...], tu[...], tudo fica parado. nada... mexe. e ninguém, quê, o povo perde a confiança no Estado. + + + + + + diff --git a/Guine-Bissau/Democracia.wav b/Guine-Bissau/Democracia.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f0bb8a661d61cae534d1fc555af7631142fb3696 --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/Democracia.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:c1715c5a706fd465a330f8f92d5b007549114f1dfcbf5eae80d89eeabd4dc7f8 +size 9871602 diff --git a/Guine-Bissau/O Aborto Clandestino.txt b/Guine-Bissau/O Aborto Clandestino.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..27fca7024dcea827a44457d0fb213e04c536c851 --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/O Aborto Clandestino.txt @@ -0,0 +1,82 @@ +TÍTULO: O Aborto Clandestino +LOCAL: Guiné-Bissau - Bissau +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 16 anos + ESCOLARIDADE: 10 anos + PROFISSÃO: Estudante + + + + + +-> pratica-se com o consentimento do país se essa... pessoa que vai fazer é muito nova, como uma pessoa assim de dezasseis anos, se os pais acharem que ela é muito nova para dar luz àquele bebé, então vão a uma clínica, legalmente, ou hospital, fazer o aborto. + +- hum. + +-> mas fazem um aborto legal. há também quando uma pessoa fica grávida, e há qualquer distúrbio dentro de, dentro do útero, quer dizer, a criança pode nascer com qualquer anormalidade, ou a criança pode prejudicar a mãe durante o parto... + +- hum. + +-> aí o aborto também pode ser feito, mas legal. + +- hum. + +-> mas só que cá na Guiné os jovens praticam o aborto clandestino. esse aborto traz consequências graves ps[...], ah, para a pessoa, fisicamente e psicologicamente. + +- hum. + +-> a, a, a causa dos aborto clandestino, eu acho que... é, deriva dos pais, porque às vezes uma pessoa fica grávida dentro a casa dos pais e tem o medo de ficar com aquele gravidez... + +- hum. + +-> ah, para os, ah, para que os pais não possam descobrir e depois expulsarem a... pessoa para a rua. + +- hum. + +-> e a, e aí eles ficam com medo. recorrem ao aborto para os pais não de[...], descobrirem-nos, e expulsá-los da casa. + +- hum. + +-> há outra razão também que... fazem os jovens fazer um aborto que é - como é que eu posso dizer? - o medo ao, a, a, o pânico perante as dificuldades económicas + +- hum. + +-> e pelo, e o incómodo que a criança traz. + +- hum. + +-> ah, porque se a pessoa tiver as condições económicas suficientes, acho que nem era preci[...], é que não vai ser preciso fazer o aborto. + +- hum. + +-> porque vai ter tudo o que é possível, o que, tudo quanto mais para agradar àquele ser humano. e acho que a situação económica também influencia muito + +- hum. + +-> nos abortos. eh, há também, a, a juventude também posso dizer que influencia, porque uma pessoa achando que é jovem + +- hum. + +-> para ter filhos, ah, ao ficar grávida faz o aborto, com, fica com receio de estar com a gravidez perante os colegas den[...], dentro da sociedade. então, ah, é uma das razão que leva os jovens a fazer o aborto. eh, não pensam, ah, os jovens deviam pensar antes, ter uma consciência do que vão fazer. ah, antes de ter as relações sexuais, deviam pensar antes, porque quando uma pessoa está a praticar um, algo, deve esperar a consequência. + +- hum. + +-> eh, a pessoa também deve estar, ah, estar na altura de - como é que posso dizer? - estar na altura de... + +- assumir as responsabilidades. + +-> de assumir a responsabilidade. mas só que os jovens cá na Guiné não pensam no que vão fazer. e quando o fazem, a consequência aparece, então eles ficam assim, ficam sem saber o que fazerem. então eles não pensam que o, a, não sabem que um aborto traz consequências graves, porque uma pessoa fazer aborto clandestino, ah, pode aparecer a perfuração do útero, que a pessoa pode ficar estéril o resto da vida, não ter possibilidade de gerar os filhos e também, se o aborto não for feito, ah, não for feito duma maneira, duma ma[...], não for feito... + +- conveniente. + +-> conveniente, ah, aparece aquelas hemorragias grave que pode levar a pessoa à morte. + +- hum. + +-> também aparece a esterilidade. e isso são as coisas, são as coisas, ah, são as consequências drásticas, mas o jovem cá da Guiné não pensa nisso. + + + + diff --git a/Guine-Bissau/O Aborto Clandestino.wav b/Guine-Bissau/O Aborto Clandestino.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..30051f3f25db5b3ee9ecf675f3e9183906316a3f --- /dev/null +++ b/Guine-Bissau/O Aborto Clandestino.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:1d69d1859040cfe1f0daf957c7799b8db1def2c170e4f79b1ef7d406083d0b4f +size 10568986 diff --git a/Macau/Cantar num Coro.txt b/Macau/Cantar num Coro.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..8b1e29154a9c593e5840acdc685dccd9d793a1bd --- /dev/null +++ b/Macau/Cantar num Coro.txt @@ -0,0 +1,152 @@ +TÍTULO: Cantar num Coro +LOCAL: Macau +DATA: 1990 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 25 anos + ESCOLARIDADE: 12 anos + PROFISSÃO: Funcionário público + + + + + + + + + +- e... ouvi dizer que quando estu[...], quando estudou no Dom Bosco pertenceu aos Pequenos Cantores. + +-> sim, sim. eh, fiz... parte daquele coro por volta de seis a sete anos, eh, em mil novecentos setenta e oito. não, no ano lectivo de mil novecentos setenta e oito, setenta e nove, fui seleccionado para ir a Portugal, a cantar na Gulbenkian. uma digressão por Portugal e pela Itália. + +- hum, hum. eh, portanto, gosta de cantar, não é, + +-> sim, gosto da música. + +- e porque é que o Dom Bosco, porque é que acabaram os Pequenos Cantores? + +-> porque o nosso maestro morreu há uns anos atrás, e acabou o coro. + +- ah! eu lembro. + +-> um coro com vinte e tal anos de existência. + +- foi uma pena terem acabado. + +-> porque não há outro maestro melhor que ele. ele estagiou quatro anos lá na aus[...], na Áustria, na, no, junto aos coros de Viena. + +- hum, hum. + +-> estagiou quatro anos, tirou o curso, não é, de maestro de coros dos Pequenos Cantores, então veio cá formar uma c[...], um, um coro. + +- hum, hum. e agora não canta em sítio nenhum? + +-> acabou o coro já não cantamos em nenhum sítio já. + +- mas eu sei que o Dom Bosco tem um coro, não tem? + +-> eh, agora é de adultos, pá. eh... + +- pois, evidentemente. + +-> o presidente faz parte daquele coro também + +- exactamente. + +-> é de adultos. + +- e canta nesse coro agora? + +-> eh, eu já não canto, pá. eh, não tenho esse tempo todo porque, porque, para cantar é preciso treinar também, não é, + +- claro. + +-> é s[...], é só por muitos treinos é que consegue fazer alguma coisa. + +- ham, ham. e não acha que é uma pena ter deixado perder, eh... + +-> é que estou muito ocupado, pá. é desporto, faço parte da associação de badmington, depois tenho muitas coisas por trás a mexer, por isso tenho pouco tempo livre. + +- hum, hum. e agora, a, outro dia, a semana passada, estiveram aqui os Pequenos Cantores de Viena, foi + +-> sim, sim + +- foi ouvir? + +-> sim. fui lá ouvir, s[...], pois. eh... + +- o que é que achou? + +-> eh, muito bem trabalhado aquela equipa. eh, eu, mas sei que não é a melhor equipe de Viena. estavam lá... seis, sete elementos que puxavam... o resto da equipa + +- pois. + +-> eh, muito novos ainda, eh, com capacidade toráxica muito pequena ainda, com oito anos, pouco pode dar, via-se logo que era... uma, a primeira fase de, de cantores deles ainda. + +- hum, hum. + +-> não é da melhor selecção. mas, mesmo assim, muito bem trabalhado. + +- hum, hum. bom, eu não percebo nada desse assunto, por isso lhe faço estas perguntas + +-> ham, ham. + +- que podem parecer parvas, não é, na sua opinião, qual é a entã[...] - diz que eles são muito novos ainda, n[...] + +-> sim, sim, sim. + +- qual é a idade ideal para se pertencer a um coro + +-> eu, para mim + +- infantil? + +-> o melhor, a melhor idade é dos doze aos catorze. + +- ham, ham. + +-> alguns até vão a dezasseis. eh, porque aquelas, a, aquela equipa que veio, não é, eh, tinham miúdos de oito anos, até aos doze. é uma, é uma eq[...], ah, é uma idade muito, muito baixa ainda, para cantar nesses coros, ainda. + +- hum, hum. + +-> porque com vinte e cinco pessoas a cantar num palco daquele tamanho - ainda bem que é Cine-teatro de Macau, se fosse na Gulbenkian... não se ouvia nada. + +- sim. mesmo ali, houve alturas em que se ouvia mal. + +-> sim, certo. porque... com aquela idade, pouc[...], pouca voz pode dar ainda. + +- hum, hum. + +-> mas, mas vê-se muito bem que, eh, é uma selecção muito bem feita, não é, eh, os próprios miúdos percebem de música, lêem música, cantam bem, muito bem preparada, vê-se que houve um trabalho muito bem feito. são profissionais mesmo. + +- hum, hum. bom, e no seu caso, esse gosto, eh, é uma questão de família, na sua família há mais pessoas que gostam de cantar ou isso foi...? + +-> não, eh, quer dizer, o meu pai também era solista, não é, + +- ah! + +-> e também, bem, gostei da música porque, porque nasci para aquilo também, não é, + +- pois. + +-> cantei sempre nos coros de, da paróquia, essas coisas todas, não é, fiz sempre parte do, dos coros. + +- ham, ham. + +-> nunca perdi oportunidade para isto. + +- hum, hum. tem mais irmãos? + +-> tenho mais u[...], ah, tenho uma i[...], mais um irmão e duas irmãs. + +- e eles também gostam de cantar? + +-> o meu irmão também fez parte dos cantores, também. + +- hum! + + + + + + diff --git a/Macau/Cantar num Coro.wav b/Macau/Cantar num Coro.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..4c59a995f1c42e83edcd24d90ff1cd363b83d635 --- /dev/null +++ b/Macau/Cantar num Coro.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:d13f1430996f6a639725ac79fe0e082a7d9a2804be32e575b465788f0535e102 +size 10714564 diff --git a/Macau/Casos Policiais.txt b/Macau/Casos Policiais.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9ce8d68b32ade6ca720e8b64d823ea3b5a6a3715 --- /dev/null +++ b/Macau/Casos Policiais.txt @@ -0,0 +1,272 @@ +TÍTULO: Casos Policiais +LOCAL: Macau +DATA: 1984 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 23 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Contínuo + + + + + +- mas estava portan[...], estávamos portanto a falar, eh, sobre a possibilida[...], sobre ter ou não ter ido a, a Portugal. + +-> sim. + +- eh, você, não lhe diz nada Portugal, não gostava de ir lá? + +-> bem, não, não conheço nenhum tio nem nenhuma prima nem ninguém lá. nunca correspondi com eles nem nada. + +- nem tem curiosidade? + + -> não. + +- mas você há-de ter... + +-> daquilo que eu ouvi o meu pai falar + +- sim. + +-> acerca de, de, das pessoas lá de Portugal, bem, o meu pai é português, nasceu lá, é puro português, ele é de Santarém, freguesia de [...], Santarém de... Atalaia + +- não conheço, mas já ouvi falar + +-> e...é a família que el[...], que ele tem lá, quer dizer, bem, é, é difícil explicar, mas, quer dizer, são, são mais, como é que se diz, são incompreensíveis, é que o meu pai diz + +- pois. + +-> e s[...], como é que se diz, mordem-lhe na pele, é como ele diz. eh... + +- provavelmente não devem ter gostado + +-> pois. + +- que o seu pai ficasse cá em Macau. + +-> bem, não sei, eh, ele agora já, como já faleceu também... + +- pois. a sua mãe é chinesa, é? + +-> não, é mes[...], é macaense é [...] + +- macaense? + +-> é, é mestiça. + +- é por isso que você fala tão bem português, porque falavam os dois português em casa, o pai e a mãe. + +-> bem, eu já não falo bem português, eu já, eu quando estava a estudar ainda falava bem português, agora já perdi muito a prática. [...] + +- você fala perfeitamente português. + +-> não. + +- como qualquer português. + +-> não! + +- fala, fala. + +-> falo, mas gaguejo muito. tenho que pensar primeiro antes de falar. + + - ah, isso é porque não está habituado, porque normal[...] + +-> não tenho prática. + +- no seu dia-a-dia deve falar muito chinês também e... + +-> e... o português que eu falo, quer dizer, é... um português muita, muito grosseiro, quer dizer, se, se, se me disser para falar um português, assim, vá lá, como um, um português, falar assim um português da, da rua, como eu digo, assim um português, vá lá, carroceiro, como o meu pai diz, bem, eu consigo falar e falo rápido, sem gaguejar nem nada, quer dizer, é um português com palavrões misturados e continuando a ir, sempre a andar para a frente, mas se falar assim, sem palavrões nem nada, devagarinho, assim já custa, já gaguejo um bocadinho, estou habituado é ao português, sei lá, é ao Clube Militar, eh, nesse estilo. + +- você costuma frequentar o Clube Militar? + +-> costumava. ia lá, s[...], quase sempre. tem lá bom café. + +- hum, hum. + +-> café... + +- mas o Clube Militar não é aberto ao público... em geral!? + +-> não, é, tem, sendo sócio. + +- você é sócio de lá? + +-> era. agora + +- hum. + +-> parei de ir lá. parei, paguei, parei de pagar a quota, parei de ir lá. + +- é cara, a quota? + +-> não, é coisa de cinquenta patacas por mês. + +- mas você já v[...], não é de Macau, você é de Macau, nunca foi a Portugal, mas já viajou aqui à volta, não? + +-> estive na Tailândia, estive nas Filipinas. + +- e gostou dessas viagens? + +-> bem, para turista, como turista gostei. aquilo é tudo barato. + +- as Filipinas também? + +-> é. as Filipinas ainda é mais barato. mais barato do que a, do que a Tailândia. + +- e há divertimentos, assim, por lá? + +-> há. há muitos. especialmente divertimentos que eu gosto. + +- como por exemplo? + +- lá há música. + +- há música? + +-> assim, sítios de música, nas Filipinas, se aqui têm músicos filipinos a pontapés, imagina lá! eles tocam mesmo, os bons nunca vêm para cá, não precisam. + +- pois. + +-> portanto, num clube qualquer, uma pessoa entra lá, está a ouvir uma música pare[...], quase igualzinha ao original, mas está a ouvir ao vivo. + +- pois. + +-> eles tem, imitam mesmo, quase igual. como músicas Trio Los Panchos, el[...], qualquer sítio encontra e são filipinos que tocam + +- pois. + +-> como o Trio Odemira, músicas do Trio Odemira eles também tocam, também é muito conhecido lá, nas Filipinas. + +- e você quando vai às Filipinas, não fala a língua local, pois não, [...]? + +-> não, falo inglês. falo inglês, quer dizer, mas é um inglês aldrabado, pontapés na gramática, mas lá, bem, eles também falam assim, o inglês deles também não é assim, não é assim mu[...] [...] + +- e todos se entendem, não é, todos acabam por se entender. e na Tailândia também [...] + +-> na Tailândia, eu, bem, já tive muitas facilidades. eu fui, não fui, não fui com, com, com guia turista. eu fui fui sozinho. com ele e um amigo, fomos lá, estivemos a passear de um lado para o outro. porque eu falo um bocadinho de tailandês. + +- ah, sim! como é que aprendeu isso? + +-> aprendi aqui. + +- aqui em Macau? nas saunas, está-se mesmo a ver! + +-> não, não foi nas saunas, quer dizer, eu, bem, não frequento saunas, mas, quer dizer, conheço-as + +- hum, hum. + +-> e, já há... muitos anos. desde os meus dezassete anos que eu ando sempre nos clubes nocturnos. gosto de cantar. então lá eu, tem lá, há sempre música, e eu lá, vou lá e eu pronto. + +- portanto você conhece bem Macau por dentro! + +-> oi, conheço todos os sítios. é por isso que na polícia não me aceitaram. nunca fui preso, nunca respondi em tribunal. portanto, o meu... registo criminal é limpo. concorri para a polícia. fui concorrer para a polícia, fazer os conformes e ir para a polícia. quê? informações. mas que raio de informações! o que interessa estava preto no branco, não é, + +- pois. + +-> nunca cometi nada assim de especial, mas não me aceitaram no, na polícia. fiq[...], fiquei aprovado em tudo. + +- e eles não... + +-> em todas as provas. + +- [...] + +-> tanto em português, em português, então, fui um dos melhores que estava ali. + +- pois, ah! faço ideia, pois. e eles não lhe explicaram porque era? + +-> não, só disse, ah, o ju[...], o júri achou que o senhor não estava interessado, quando eu fui perguntar e... eu, bem, eu pela primeira vez conco[...], que fui concorrer, não é, bem, lá engoli, mas pela segunda fui outra vez. bem, achou que eu não estava interessado?! bem, fui pela segunda, também não me aceitaram. bem, não aceitaram, eles sabem porquê. bem, entra um guarda... qualquer para lá, vá lá, por, como guarda de primeira, um guarda de segunda, um guarda de terceira ou coisa assim, do que, do que sabe, sabe tanto como um comissário, se calhar, e o que o comissário faz e o que os outros fazem, não é, negócio atrás da porta, como a gente diz aqui. + +- há muito disso? + +-> oi! ah, pois não! + +- e você conhe[...] + +-> os pequenos comem, quer dizer, se, quer dizer, se comem, não, quer dizer, se, se recebem disso, os grandes estão em cima, mas quando os grandes recebem, quem é que está em cima? não está ninguém. + +- e você está dentro desses meandros todos, nâo é, + +-> conheço! não estou dentro. conheço. + +- conheç[...], pois! eu digo, está dentro, no, no sentido de conhecer isso tudo. pois, então eles tiveram, tiveram medo. + +-> Macau é um paraíso para quem tem dinheiro. + +- hum, hum. + +-> em Hong Kong, antigamente era. anti[...], antes de, antes da ICAC... era, era tal e qual como Macau é agora. portanto os grandes podem comer à grande... que não tem problemas nenhuns. quem tem dinheiro nunca é preso. + +- pois, lá diz o ditado... + +-> aqui em Macau, houve algum, algum, alguma pessoa com dinheiro preso? + +- não sei + +-> é muito raro. só se for uma ordem lá de Portugal. como o caso dos passaportes e [...] + +- essa história dos passaportes o que é que foi? + +-> bem, também não sei, não, não estive muito a par mas... segundo o que ouvi falar foi... passaportes falsos. + +- e quem é que foi? + +-> dado às pessoas que nem eram residentes aqui em Macau. os chineses. bastavam pagar, ficavam com um passaporte. + +- e pagavam a quem? + +-> pag[...], bem, ao intermediário e não sei quantos, e não sei quantos, até ao chefe. o chefe é que organizava aquilo tudo. + +- e o que é que aconteceu a essa gente depois? + +-> bem, está a maio[...], bem, está, a maior parte ainda estão na cadeia. [...], o julgamento vai ser daqui a dias. daqui a m[...], poucos dias, não sei se é no dia vinte e seis se é no dia vinte e, vinte e oito. não sei, é num desses dias. já ouvi falar. + +- os intermediários... + +-> eu tenho, tenho um amigo que agora está nas Filipinas. ele conseguiu fugir. ele era... segundo oficial. segundo oficial ou o que é que era. ele está nas Filipinas. está em Kaison. eu fui lá e encontrei com ele. + +- portanto... + +-> ele diz que está à espera depois do julgamento, a ver como é que é. depois só volta depois do julgamento. quer dizer, depois + +- se não tiver prisão [...] + +-> se não tiver, se não tiver captura para ele + +- pois. mas e são os intermediários que vão ser julgados ou os... + +-> bem, um, o, os chefes, também, também, estão, estão agora, estão à rasca, também estão lá dentro, à espera, a aguardar o julgamento. + +- e os chineses que pagavam para ter o passaporte, o que é que lhes acontece? + +-> bem, esses já desapareceram todos. + +- pois + +-> esses se fo[...], mesmo se for caços, se foram caços, foram, foi um ou outro + +- pois + +-> a maior parte já fugiram. basta ter o passaporte na mão, tendo dinheiro, pschit... toca a ir embora. chegou a outro país, rasga o passaporte. + +- passaporte novo. + +-> pois é. chegou a outro país, não! não precisa. tenho um passaporte português, eu chego na América para que é que eu quero o passaporte português? + +- pois. + +-> rasga o passaporte, trabalha lá. arranja uma mulher americana, casou. pronto: cidadão americano. + +- os americanos estão a controlar bastante isso agora. + +-> pelo Canadá, então, entrar assim, vão daqui pelo c[...], entram pelo Canadá, para a América. houve um português que já me convidou, ele, ele também é músico, ele é pianista. ele, bem, ele até tem, tem, tem bilhete de identidade de cidadão americano. mas ele veio cá. bem, eu conheci-o, foi há dois anos, ele agora está cá outra vez, já me, já me disse, vem comigo para a América, vamos pelo lado do Canadá, a gente entra. a gente entra de carro, não tem problemas nenhuns. + + + + + + + + diff --git a/Macau/Casos Policiais.wav b/Macau/Casos Policiais.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..34cc75cd7326b785c14e9f0ff44d63e37c7124fc --- /dev/null +++ b/Macau/Casos Policiais.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:7300aaa01f9d9f126fcad29057272b8935d687b174d2dde5a96216a5d4211a7f +size 25099042 diff --git a/Macau/Os Filhos e o Futuro.txt b/Macau/Os Filhos e o Futuro.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e09880d2e950112739ea075975c258c93166f757 --- /dev/null +++ b/Macau/Os Filhos e o Futuro.txt @@ -0,0 +1,148 @@ +TÍTULO: Os Filhos e o Futuro +LOCAL: Macau +DATA: 1990 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 40 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Funcionário público + + + + +- o senhor Silvério tem filhos? + +-> tenho, tenho dois filhos. + +- e que futuro é que, é que deseja para eles? + +-> bem, espero que eles tenham um, um futuro, eh, eh, risonho, espero que ele tenha um s[...], um futuro mais promissor, espero que eles tenham um futuro... mais seguro, em termos de datas para eles programar a vida deles, espero que eles tenham um futuro para estacionar um local, sem ter a preocupação de fazer as malas e arrancar, espero que o futuro dele seja um, que possam abraçar uma profissão, eh, uma profissão... ligado a... actividades técnicas, eh, espero que o futuro dele seja, ah, dum, de homens assim normais, isto quer dizer que constituam a sua própria família, tenha a sua própria independência, criem também filhos, como... os antepassados deles criaram. pronto, espero que eles, eh, tenham uma vida e um futuro tudo para o normal. + + - hum, hum. bom, eu referia-me, isto de se, gostaria que eles fossem funcionários públicos ou se entrassem na outra via? + +-> depende. para, para, para qual, pronto, entre comas, o patrão que eles vão ter. se é para o Estado, se é o Estado português, da república, ou, ou se é a administração de Macau. empresa pública, também é claro, aí têm vários tipos de patrões, não é, + +- hum, hum. + +-> eh, eu, à partida, eh, diz[...], diria que... qualquer emprego que eles sintam bem está tudo bem. se é para a função pública ou não, eh, não importa. e principalmente estamos a entrar nos anos noventa, não é, + +- hum, hum. + +-> eh, é difícil fazer certas previsões, se o Estado é melhor, se a privada é melhor. + +- pois. + +-> se a engenharia é melhor ou a medicina é melhor. enfim, o fu[...], o futuro dirá, ou eles próprio, eu penso que eles próprios saberão escolher. porque neste momento, felizmente, eh, os miúdos neste momento têm um vasto mercado de escolha, quer para os seus passatempos, quer para os seus estudos, não é, que nós antigamente não tivemos todas essas oportunidades, daí que eu digo é difícil nós actualmente, os pais dos anos noventa, pensar ou imaginar, pronto, eu quero que o meu filho seja esse tipo de pessoas na comunidade, quando ele crescer. é difícil. + +- pois. + +-> é difícil preparar. é difícil imaginar, como é difícil, já não é possível, nós pais, impor s[...], profissões para os nossos filhos. + +- antigamente era diferente, não era? + +-> sim. antigamente era, era diferente. tanto que é diferente que antigamente os próprios pais podiam, eh, impor ou podiam, eh, forçar que os filhos entrassem no seminário. quando os filhos não tinham vocação para ser padre. + +- hum, hum. + +-> não é? + +- pois. + +-> é. mas neste momento já não é possível o i[...], ah, nós, pais, ter essa, essa força, não é, essa força que, é claro, eh, eu acho que, pronto, Macau, Macau, por estar talvez e situada na China, e muitas vezes também sofremos umas certas influências da China, não é, porque... os chineses, os pais, os chefes de famílias, tiveram sempre, pronto, o poder na mão, não é, é a pessoa que dita as regras, eh, dentro... de qualquer família. por isso, pronto, nós aqui, macaenses, também tivemos uma certa influência. depois misturado um bocado com a cultura portuguesa, não é, que... s[...], criou-se uma maneira de pensar, eh, muito, muito peculiar aqui da, da, da nossa terra. pronto, realmente, a história diz-nos e, como aliás muitos dos nossos, eh, eh, vá, muitas das pessoas mais a[...], a[...], adultas nos contam o poder que eles então tinha. e neste mom[...], momento, comparando com actualmente o que se, o que se vê +diariamente, os pais praticamente são os subordinados dos filhos, não é, porque tudo isto, quer dizer, tudo isto está a evoluir, já evoluiu, ainda continua, continuará a evoluir para mais ainda. penso eu. + +- hum, hum + +-> penso eu. + +- acha que é pena os pais perderem essa autoridade que tinham antigamente, ou acha bem? + +-> bem, eu acho que neste momento eu estou inclinado, sessenta por cento, que eu aceito, para o bem + +- hum, hum. + +-> quarenta por cento, não. + +- hum, hum. + +-> eh, sessenta por cento, digo, eu apoio porque acho que... assim podíamos dar uma formação, eh, aos nossos filhos mais para o natural. de acordo com as suas, eh, vocações, de acordo com as suas inclinações e, e habilidades pessoais, não é, eh, quarenta por cento não. por isso, esses quarenta por cento quer dizer que realmente estou numa, numa zona cinzenta. nem é carne nem é peixe. eu lá tenho a minha razão. porque, realmente, como pai, que neste momento já sou, eh, quer dizer, também vou sentir um bocado, eh, porque também passei por aqueles momentos em que eu assisti que os pais tinham muita força. e neste momento, que eu sou pai, vi que eu perdi esse a[...], essa força. por isso é que eu digo - é claro, com uma certa pena - que eu vejo que neste momento os pais estão a perder terreno. estão a perder terreno. + +- eh, e daqui para o futuro ninguém sabe como é que vai ser, não é, + +-> é verdade. é verdade. + +- o futuro pode ser ainda muito pior. os seus filhos são pequenos ainda, não é, + +-> ah, os meus filhos têm sete e dez anos, set[...] + +- ah, já são grandinhos! + +-> é, sete e dez anos. e agora com... a ajuda e, com, vá lá, c[...], a formação que eles estão a ter, com o apoio dos computadores, dos programas televisivos, educativos ou não, que eles assistem diariamente, com tantos jogos assim tão sofisticados, eles praticamente, a toda a hora, eles estão a ser treinados para os futuros homens. + +- pois. + +-> que, todo esse envolvimento, tudo o que neste momento os nossos filhos têm, nós antigamente nem, nem era bom pensar nessas coisas. quer dizer, termos triós para jogar já era muita sorte! + +- pois. + +-> não é, + +- ter o quê? + +-> os triós. + +- triós! + +-> os triós. que os triós que são, eh, berlindes! + +- ah! + +-> que nós chamamos que são triós, não é, + +- ah! não sabia que se chamava aqui em Macau assim! + +-> os triós, pronto, é mais uma influência inglesa, não é, o triol deu o triolas. + +- ah! ah! não sabia disso! + +-> hum. + +- pois. eu também, eu nasci nos Açores + +-> hum, hum + +- de maneira que, eh, também era a mesma coisa. eu só vi televisão aos vinte anos! até lá, era um livro para ler e era muito bom. + +-> então tive mais sorte que a si. + +- pois. + +-> vi a televisão, bem, eu também vi, vi a televisão a bra[...], a branco e preto, de Hong-Kong, não é, + +- hum, hum. + +-> quando estava ainda... n[...], no secundário. eh, eh, daí que eu digo que os nossos filhos têm muita e... muita sorte. + +- pois têm. + +-> muita sorte. mas oxalá que eles continue a ter essa sorte. ter sorte é agora, na infância. e depois quando chegar à adolescência, a situação inverter, aí é numa situação que, em que eles não podem usufruir + +- hum, hum. + +-> desses, desses benefícios, então que vai ser a, a desgraça. + +- sei. + +-> porque assim os miúdos vão sentir muito, não é, + +- hum, hum. + +-> por isso, neste momento, enquanto, nós os pais, enquanto Macau proporcionar, eh, esse tipo de educação ou esse tipo de entretenimento aos nossos filhos se, realmente eles têm, têm sorte. + + + + + + + + diff --git a/Macau/Os Filhos e o Futuro.wav b/Macau/Os Filhos e o Futuro.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..df43dfd26d2a9016768593e7e3f2e2324223432d --- /dev/null +++ b/Macau/Os Filhos e o Futuro.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:393769b23b52c56362ccb6bf26ab7d8856061038f46c56838705ce59459a1d60 +size 23635698 diff --git a/Macau/Trabalhar para o Estado.txt b/Macau/Trabalhar para o Estado.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9780b5c0420cc3a8986df52c08793511c87121a9 --- /dev/null +++ b/Macau/Trabalhar para o Estado.txt @@ -0,0 +1,213 @@ +TÍTULO: Trabalhar para o Estado +LOCAL: Macau +DATA: 1990 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 38 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Funcionária pública + + + + + + + + +- nessa altura que entrou para a função pública, era fácil o acesso, ou era mais difícil do que agora? + +-> difícil! + +- difícil? + +-> mais difícil. concorri para escriturária-dactilógrafa. quando entrei po[...], por baixo. + +- hum, hum. + +-> eh, eram muitos candidatos, vinte e tal, e eram só três vagas. + +- ui! + +-> hoje em dia não, não é, aparece três vagas, aparecem v[...], cinco concorrentes, seis concorrentes para [...], para a área administrativa, digo. + +- porque será essa diferença? + +-> não sei. não sei. será porque a, dantes os chineses não, não se interessavam tanto pelo português, não estudavam português, estudavam + +- hum, hum. + +-> estudavam chinês. agora, os chineses já, há dez anos para trás, põe os filhos a estudar português, porque é gratuito, tem as cantinas, eh, pois é, é tudo mais barato. + +- hum, hum. + +-> e depois, com uma intenção de conseguir, de que os filhos consigam um emprego do governo. + +- hum, hum. eh, acha que a função pública é um trabalho interessante para uma mulher? + +-> é. + +- concretamente, o seu trabalho aqui, o que é? + +-> neste momento, estou, estou a chefiar a divisão administrativa e financeira. + +- hum! portanto, quer, digamos + +-> quer dizer, a área de gestão de pessoal e gestão da, do dis[...], dos dinheiros. + +- hum, hum. o que é que acha mais fácil fazer, gestão do pessoal ou gestão dos dinheiros? + +-> é, é mais ou menos a mesma coisa. + +- a mesma coisa. + +-> a mesma coisa. é diferente. mas, as contas nós temos os números de zero a nove + +- hum, hum. + +-> mas do pessoal temos as regras dos, que o Estado impõe. + +- hum, hum. + +-> para a gestão do pessoal, quer dizer, trabalhar para o Estado é regulamentado, nós seguimos regras, regulamentos. quer dizer, há sempre uma ou outra... dúvida, mas depois resolve-se as dúvidas. antes de trabalhar para o Estado trabalhava para a empresa... privada. as ordens eram ditadas na altura. + +- hum, hum. + +-> quer dizer, ora é assim, ora é assado. são os patrões que mandam, não está nada escrito nem regulamentado. + +- pois, digamos que é menos objectivo, não é, + +-> é menos objectivo. + +- e na sua opinião, gosta mais de trabalhar obedecendo a regras fixas, que conhece de antemão, ou, eh, no tipo da empresa privada, cujas regras são ditadas naquele momento? + +-> eh, nas empresas privadas, quer dizer, ma[...], obrigam uma pessoa a... trabalhar mais + +- hum, hum. + +-> mas não a trabalhar melhor. + +- hum, hum + +-> eu, para mim a função pública, uma pessoa pode... mostrar e tender a seguir os regulamentos e as regras e mostrar melhor trabalho. + +- hum, hum. + +-> apresentar um melhor trabalho. ao passo que nas empresas, o patrão hoje diz que é assim, amanhã diz "ah, eu já não quero isto assim porque isto e tal" e vá fazer de outra forma. + +- hum, hum. bom, trabalha com a gestão de pessoal, e ainda há poucos dias alguém tinha uma conversa comigo que era que preferia empregar homens a empregar mulheres + +-> é-me indiferente. + +- é indiferente. + +-> é-me indiferente. + +- porque, dizia ele que "ah, porque as mulheres têm... crianças, porque faltam muito" + +-> aqui, aqui no, nos desportos, não tem acontecido isto. + +- hum. + +-> pelo contrário. + +- os homens faltam mais. + +-> porque são jovens. + +- pois. + +-> passam uma noitada, no dia seguinte chegam tarde, depois pedem ao chefe para salvar a falta. + +- e geralmente, nesses casos, o que é que faz? + +-> eh, depende! depende. se for dez minutos + +- hum. + +-> não há problemas. se for muito tenho que chamar a atenção e da próxima vez já não pode. + +- hum, hum. + +-> não volta a acontecer a mesma coisa. + +- olhe, e então tem aqui muitas senhoras a trabalhar consigo. + +-> eu tenho, espere, sete senhoras. + +- sete senhoras. todas naturais de Macau? + +-> não. são naturais de Macau, mas não são todas portuguesas + +- hum, hum. são... + +-> são chinesas. + +- são chinesas. + +-> tenho três que são chinesas + +- hum, hum. + +-> de etnia chinesa. + +- hum, hum. e, eh, acha que há diferença na maneira de trabalhar, entre uma natural de Macau e uma rapariga de etnia chinesa? + +-> eh, eu penso que não. não tenho notado muito. mas, todos trabalham. + +- hum, hum. + +-> trabalham, dentro das suas funções. + +- hum, hum. bom, agora queria-lhe fazer uma pergunta que também, eh, que discuti aqui há dias com um amigo chinês, com um amigo macaense. eh, ele achava que as raparigas, eh, de Macau que andam sempre mais bem arranjadas do que a, do que as portuguesas. mais bem arranjadas, quer dizer, mais cuidadas no seu aspecto. o que é que acha a esse respeito? + +-> também há macaenses que andam, andam de qualquer forma, não é, + +- claro. + +-> mas, quer dizer, nota-se mais, talvez p[...], as pessoas, eh, de Macau estão, portanto estão mais ligado à, à, aos costumes chineses, por assim dizer + +- hum, hum. + +-> aos costumes da terra e gostam de estar apresentáveis. + +- hum, hum. + +-> ao passo que as pessoas euro[...], eu[...], da Europa, as, os, os portugueses da Europa estão habituados a outro nível, vêm cá têm um, uma outra maneira de vestir, não quer que se dizer que vestem pior. é outra maneira de vestir [...] + +- ah sim. + +-> que talvez para os portugueses são os que são os mais arranjados. + +- não, pessoalmente, não acho isso, não é, + +-> não. não costumo... + +- mas... + +-> notar muito. + +- sim. acho que as pessoas de cá andam de facto mais cuidadas, unhas mais tratadas, vão mais ao cabeleireiro talvez. + +-> até ent[...], até então, até agora talvez. + +- sim. + +-> agora, com as empregadas a saírem da, das casas, com o trabalho doméstico + +- hum, hum. + +-> depois do serviço, já não têm tanto tempo para isso. eu penso que sim. + +- mas, porque é que refere isso das empregadas saírem das casas? + +-> pois. até então empregavam as tais que não, indocumentadas + +- ah! + +-> e, quer dizer, pagavam m[...], pagavam um vencimento de oitocentas a mil. agora que elas pedem duas mil ou... não conseguem pagar, porque a maioria da população, digo, macaense, eh, são da classe média. + +- pois. + + + + diff --git a/Macau/Trabalhar para o Estado.wav b/Macau/Trabalhar para o Estado.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9d4a9c4cd6571d7e74b57fe72552796eeff623a8 --- /dev/null +++ b/Macau/Trabalhar para o Estado.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:d6ba4ed1b778318820ed64da3b8566b78a1eb39678935c76f17bfa2c93a21269 +size 16840750 diff --git a/Macau/Vida Social Macaense.txt b/Macau/Vida Social Macaense.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e889bb70486180533bb4a187e19e24544073f17b --- /dev/null +++ b/Macau/Vida Social Macaense.txt @@ -0,0 +1,344 @@ +TÍTULO: Vida Social Macaense +LOCAL: Macau +DATA: 1990 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 46 anos + ESCOLARIDADE: 11 anos + PROFISSÃO: Gerente do Clube de Macau + + +OBSERVAÇÕES: A informante nasceu em Moçambique, filha de pais macaenses. Foi para Macau aos 12 anos, e ali reside desde então. + + + + +- e nunca pensou fazer um livro com as suas receitas? + +-> não, senhor doutor, porque já há aí muitos e além disso as comidas macaenses variam muito de pessoa para pessoa, quem as faz, porque uns metem is[...], metem este tempero, outros metem outro e como sei que em Macau gostam muito de criticar, não, não, não pensei fazer. + +- mas é uma pena. + +-> é uma pena mas já há muitos! já há muitos livros com receitas macaenses. + +- sim, mas... + +-> já! + +- mas cada cozinheira tem a sua maneira especial de... + +-> isso é verdade. mas não tenho assim também receitas tão especiais para fazer um livro. quer dizer, iam, íamos repetir o que os outros livros também têm + +- pois + +-> é. + +- mas deve ter alguns pratos que são só seus, com certeza. + +-> não, doutor, não temos nada + +- não. + +-> assim, porque a comida macaense também não é muito vasta. + +- pois. + +-> é uma mistura + +- pois, pois. + +-> de, de comida portuguesa, comida indiana, comida de m[...], mala[...], da Malaca e de, des[...], desta parte aqui, é uma mistura. + +- pois, eu lembro-me + +-> é. + +- que esta galinha à portuguesa, por exemplo, em Portugal nunca vi este prato. + +-> tanto assim que nós quando abrimos o Riquexó nunca pusemos comida, eh, galinha à portuguesa, pusemos sempre galinha à Macau. + +- à Macau. + +-> porque co[...], galinha à portuguesa não há, não é dé[...], não é assim feita. + +- pois, pois, pois, pois. + +-> pois claro, nunca pusemos. + +- e portanto, ao longo deste tempo todo tem preparado muitas festas, não é, + +-> sim, nós estamos, olhe, no Riquexó abrimos em mil novecentos e setenta e oito, já ali fazíamos festas de aniversário e tudo, mas claro, o, ah, o Riquexó é um sítio assim mais pequeno, não dá para muita gente e tudo. agora aqui no Clube de Macau que já é tradicional para festas macaenses de casamentos e tudo + +- pois. + +-> temos já feito muitos, desde mil novecentos e oitenta e dois, o Clube de Macau. + +- hum, hum. + +-> é. + +- e por falar em festas, eu gostava de lhe perguntar uma coisa: diz-se que há uns anos atrás havia muitas festas aqui no Clube de Macau... + +-> havia, havia... muitas festas, porque antigamente talvez, bem, isso eu agora não posso falar porque eu nasci em Lourenço Marques. + +- ah! + +-> eu nasci em Lourenço Marques. + +- ah! nasceu em Lourenço... + +-> só vim com doze anos para Macau. + +- para Macau. + +-> de forma que também já não apanhei essa época das festas que cá havia porque isso, tenho a impressão que foi, era na altura em que o meu pai e a minha mãe eram j[...], eram jovens. + +- pois. + +-> só nessa altura, eles é que casaram, foram para Lourenço Marques. eu quando vim já estava bastante, bastante morto essa, essas festas. não, não havia assim muitas. e com a vinda do meu pai de Lourenço Marques começou-se a reviver os Carnavais, as peças de teatro em patois. + +- pois. + +-> em mil novecentos e cinquenta e cinco, começaram-se a fazer festas em casas particulares, de Carnaval, com cortejo na rua e tudo, em mil novecentos e noventa e cinco e depois + +- em cinquenta e cinco. + +-> até sessenta, até sessenta, sessenta e tal ainda hou[...], ainda continuaram com estas festas. depois foram morrendo, pouco a pouco. + +- porque será que isso aconteceu? + +-> acho que falta de pessoas que quisessem até porque, eles representavam, faziam uma peça de teatro com o senhor, ah, ah, ah, Santos Ferreira + +- hum, hum. + +-> José Santos Ferreira, faziam peças de teatro e... acho que depois as pessoas não, não, não, não queriam, não, não s[...], não queriam representar ou coisa assim, quer dizer, aquela, aquela, aqueles que, que se prestavam a isso, como o meu pai e várias pessoas da, da, da idade dele, digamos + +- pois. + +-> ainda e[...], faziam essas, essas peças. depois as outras pessoas mais jovem, já ninguém... se prestava a isso + +- pois. + +-> e depois também não sabem falar já o patois. + +- pois. + +-> porque depois, quer dizer, ah, o patois é aquel[...], é a tal, é a língua macaense antiga. depois vieram, começaram aqui os liceus e tudo, começam a falar português ou o chinês e depois fazem uma mistura + +- pois. + +-> de português e chinês que nem sequer é o patois. + +- pois. portanto + +-> pois é. + +- o patois hoje em dia já ninguém percebe. + +-> não. perceber, percebe-se, porque eu acho que o patois é uma língua que se percebe mas já ninguém fala. + +- pois. + +-> já ninguém fala... esse. + +- portanto essas festas acabaram e então os macaenses o que é que têm em substituição dessas festas antigas, o que é que fazem agora como passatempo? + +-> ah, eu não faço ideia, mas acho que a televisão absorve agora as pessoas. + +- pois. + +-> tenho a impressão que sim porque antigamente o Clube de Macau, além das festas tinha jogos, vinham para cá todos os fins-de-semana, ou mesmo depois da, das cinco, depois da repartição, vinham para cá jogar, eh, majongue, jogar... cartas, havia muito convívio, no Clube, agora não, o Clube está morto. + +- pois. + +-> está morto. + +- eh, o facto de deixarem de estar cá os militares não terá tido também alguma influência nessa...? + +-> acho que não, acho que a vida também mudou, a vida em si mudou. tanto assim que mesmo acho que em Portugal também... + +- pois. + +-> devido aos modernismos + +- é. + +-> à televisão e depois pode-se alugar um vídeo e pode-se, quer dizer, isto tudo acho que contribuiu + +- pois. + +-> para as pessoas não se darem assim, não conviverem tanto assim num clube ou coisa assim. + +- pois, pois, pois. bom, como disse, [...], a vida transformou-se muito em Macau, em Portugal, em toda a parte. eh, na sua opinião, esta transformação de Macau tem sido para melhor ou para pior? + +-> eu acho que pelo menos levamos uma vida mais independente, agora. + +- sim. + +-> levamos uma vida mais independente. eh, acho, que eu também não posso falar assim muito, porque não era do meu tempo + +- pois. + +-> o vir jogar a canasta, o vir jogar o majongue e vir isso, mas acho que nessa altura há mais fofoquices, não é, junta-se muita gente + +- pois. + +-> e depois falam disto e falam di[...], agora as pessoas nem têm tempo para isso. a meu ver eu acho que já não há tempo para isso. cada um tem a sua vida, vai para o trabalho, vai para casa, é uma vida mais independente. é diferente. + +- pois. ah, a canasta, a canasta é uma coisa que eu agora [...] + +-> que veio de Portugal. + +- que veio de Portugal? + +-> veio um jo[...], é um jogo que veio de Portugal. + +- mas agora não se ouve se[...], esse nome sequer. + +-> é assim, é. já ninguém joga, já ninguém joga quase, e pouca, pouca gente. + +- hum, hum. + +-> as pessoas jovens de hoje em dia já têm outro, outra vida que, que nem dá para aprender para jogar canasta, não têm tempo para jogar à canasta. + +- hum, hum. + +-> mas isso é dos tempos ainda da minha mãe e tudo, porque eu, eu própria também já não jogo, nem sei jogar. + +- não sabe jogar canasta? + +-> não sei jogar canasta e majongue... mal e porcamente. + +- bem, mas as pessoas de cá geralmente gostam muito, não é, + +-> mas não, eu nunca me entusiasmei assim para jogos, de forma que é mais, e acho que foi a época dos meus pais. + +- hum, hum. + +-> é que, nessa altura é que jogavam. + +- agora uma coisa que acontece, eh, hoje, o Hotel Bela Vista também fecha as suas portas definitivamente. + +-> é verdade fech[...], fechou + +- fechou. + +-> ou fecha hoje. fecha hoje. + +- acho que f[...], hoje ainda há um jantar... + +-> ah, então fecha hoje. + +- pois. + +-> exactamente. + +- mas penso que o jantar hoje é por convites. já não é... propriamente... + +-> tenho a impressão que sim. + +- pois. é também mais uma etapa de Macau que, que acaba. + +-> mas vai ser renovado, não é, + +- hum, hum. + +-> vai ser todo restaurado. + +- pois, vai ser restaurado, mas isso implica, ah, tornar-se inacessível ao público que lá ia, de um certo modo. + +-> não sei porquê, porquê? + +- eu ouvi dizer que se vai transformar no hotel mais caro de Macau. + +-> ah! bem, em questão de preço, mas eu tenho a impressão + +- pois. + +-> que eles vão, ah, tentar ficar a traça antiga. + +- hum. + +-> não é? + +- ouvi dizer que sim. + +-> pois é. + +- não percebi. + +-> bem, sendo o mais caro... + +- pois. + +-> pois é. + +- porque é um sítio onde, eu pessoalmente, de vez em quando ia lá tomar um café, assim nesta altura que o tempo é bom [...] mas agora... + +-> pois, pois, que é fresquinho... + +- na varanda. + +-> na varanda. + +- ah, quando se transformar numa coisa de luxo, é diferente, não é, + +-> vai ser mais difícil, não é, + +- não é só a questão do preço + +-> pois. + +- é que a pessoa já não vai de qualquer maneira, não é, + +-> pois é. exactamente. + +- tem que se vestir. + +-> mas eu tenho a impressão que, isso não sei, sabe que os ou[...], todos os hotéis ao fim e ao cabo também são caros cá em Macau. + +- pois são. + +-> são. para tomar um café + +- sim. + +-> são logo dezoito patacas + +- patacas. + +-> ou coisa assim. + +- ou mais. + +-> deve ser assim mais ou menos. e de vestir, eu tenho a impressão que não deve haver assim tanto rigor. + +- pois, cá em Macau nunca se formaliza tanto. + +-> não. + +- não é, + +-> exactamente, como em qualquer outra parte do mundo. + +- pois. + +-> quando é um bom hotel, a pessoa tem que ir vestida, mas cá em Macau e Hong Kong mesmo também não... + +- pois, a pessoa pode ir ou bem ou mal... + +-> é verdade, é. + +- ninguém presta muita atenção. + +-> é sim senhora. + + + + + + + + + + diff --git a/Macau/Vida Social Macaense.wav b/Macau/Vida Social Macaense.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..8bf36cbf20d5a808202b705e9528833c29a077ab --- /dev/null +++ b/Macau/Vida Social Macaense.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:b3d2b3a36473f02027520f9b1c2c737a859b099599550360b5dadb3c746013bc +size 23268386 diff --git a/Mocambique/A Chuva.txt b/Mocambique/A Chuva.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b3372358680c5778678140d289a89fb6a904ff17 --- /dev/null +++ b/Mocambique/A Chuva.txt @@ -0,0 +1,94 @@ +TÍTULO: A Chuva +LOCAL: Moçambique +DATA: 1986 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 32 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Professor + + + + +-> bem, voltando um pouco atrás + +- hum. + +-> voltando um pouco atrás, queria-me referir lá a certos aspectos, eh, da minha vida... lá no campo. + +- hum. + +-> precisamente quando, eh, vivia... com a minha mãe, bom, conjuntamente estavam, estavam dois irmãos, um mais velho, que eu sigo a ele, e outro segue-me a mim, eh, [...] a vida no campo, o, a base económica é a agricultura! + +- hum. + +-> que a minha mãe tinha que logo de manhã muito cedo sair para a machamba e muitas vezes eu ficava sozinho + +- hum, hum. + +-> e isto criou em mim uma... situação, quer dizer, vou dizer, acabei por ganhar timidez! + +- hum. + +-> e isso está-se a reflectir mesmo até, eh, estes dias + +- hum, hum. hum. + +-> da minha vida. sou um bocado tímido + +- hum. + +-> mas eu penso que consigo ultrapassar esta situação porque, eh, como professor, muitas vezes nós, eh, somos obrigado a falar, falar, e... falamos muito. mas, em certos casos tem-se verificado, muito, essa situação, portanto, timidez. eu sou tímido por natureza + +- hum, hum. + +-> eh, eh, durante esse período, julgo que já tinha quatro anos, eh, aconteceu-me algo de muito engraçado. eu gosto até agora, como sempre gostei, eh, de ver cair a chuva. + +- hum, hum. + +-> é muito engraçado. + +- hum, hum. + +-> eh, recordo-me de... ter uma vez, na ausência de... toda a gente em casa, estava eu sozinho, devia ser período da manhã, minha mãe estava na machamba, o meu irmão mais velho não me recordo onde é que estaria, mas o mais novo, esse estava sempre com, com a mãe. + +- hum, hum. + +-> eu sozinho em casa, começou a relampejar, a trovejar, e pouco tempo depois choveu. e... em nossa casa havia, eh, uma de alvenaria, uma casa de alvenaria e outra uma palhota. eh, e eu preferi ficar, eh, na palhota. mas não dentro da palhota, entre, le[...], a cobertura das palhotas deixa um certo + +- hum. + +-> espaço. e, e mesmo chovendo, a pessoa não apanha + +- hum. + +-> estando de fora da casa. fiquei ali, a ver... o, o engraçado para mim era ver as águas a cair daquele capim para o chão! + +- pois. + +-> fiquei ali durante... todo o tempo que pude, a assistir àquele espectáculo de água que caía, depois acabei por apanhar sono, e eu estava um pouco deslocado, eh, em relação à porta. portanto, como aquilo é redondo, a minha mãe quando chegou não foi capaz de me localizar! é engraçado que ela aflita + +- ih! + +-> eh, nunca se lembrou de dar a volta à casa. + +- hum, hum. + +-> teve que me procurar na vizinhança, que também não podia sega[...], ah, seguir a pegada, porque, como choveu, todas elas desapareceram! + +- [...] + +-> eh, eu continuava ali a dormir, eh, e ela também aflita, só muito mais tarde, quando ela já estava a pensar que devia fazer uma distância de quase dois ou três quilómetros, para casa dos meus avós maternos para ver se eu teria ido para lá + +- hum. + +-> é que, quando ia a sair, em vez de utilizar o caminho que dava saída, portanto, de casa, eh, quis cortar. portanto, então viu que eu que estava ali, sentado, mas adormecido. eh, é um facto que eu nunca mais esqueci na minha vida e, bom! isto aconteceu porque eu gosto de ver chover e mesmo agora que sou adulto, quando começa a chuviscar, é à noite, de dia, prefiro ficar na janela ou saio mesmo para ver... + +- hum. + +-> as águas a cair. + +- hum. + +-> é engraçado mas... eu gosto da chuva. + diff --git a/Mocambique/A Chuva.wav b/Mocambique/A Chuva.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..bf7c6dcad289a2a54cec1fffdd45be439d357549 --- /dev/null +++ b/Mocambique/A Chuva.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:c9f8973a6468afb603ff4cc7d511fa236c7b9721217095bd0e12065612378051 +size 13071116 diff --git a/Mocambique/Cantar e Pintar.txt b/Mocambique/Cantar e Pintar.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9733160ac0bc56e67482ad27dc1ed1cf44de9a76 --- /dev/null +++ b/Mocambique/Cantar e Pintar.txt @@ -0,0 +1,36 @@ +TÍTULO: Cantar e Pintar +LOCAL: Moçambique - Maputo +DATA: 1983 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: Estão presentes vários amigos do entrevistado, que conversam entre si. O informante produz 'realdade' por «realidade». + + + +-> eu irei portanto falar um bocadinho da arte, quer dizer, a arte, vou falar muito concretamente no ramo da pintura, música, aliás nos ramos de pintura e música. se for falar, começar a falar de música, tenho principalmente a afirmar que os primeiros passos dei em mil novecentos e setenta e nove quando um alto sócio meu inspirou, inspirou uma coi[...], não esteja a rir-se, é, é uma realidade, 'jô', + +- iá. + +-> inspirou-me por concre[...], quer dizer, eu ia lá em casa dele, tocava aquelas músicas profundas com notas tão complicadas, eh pá, eu ficava totalmente impressionado. a única solução era pedir o homem i[...], a ensinar algumas músicas. e ele disse "olha, a única coisa que posso te dar agora [...] estudar, não sei quantos". eu fiz o mesmo. porque, quer dizer, antes disso eu andava lá a tocar [...] sem regras sem nada, sabes, hoje, com o andar dos tempos, devido à, às aulas que o meu sócio me deu felizmente já toco alguma coisa. e felizmente posso me or[...], quer dizer, não é orgulho mas é uma realidade que re[...], que surge, que acontece, verídica, que posso mostrar. agora tenho feito várias músicas, feitas por mim, portanto, com várias letras. ah, tenho muitas músicas, não sei se posso mostrar uma delas por exemplo. uma delas é esta. portanto, se for a cantar a letra é assim + +- por exemplo, essa letra foste tu a fazer, não é, + +-> fui eu. est[...], é de começar a cantar, não é, um momento, tem que sair uma pequena introdução. "não foi preciso olhar-te duas vezes para me lembrar daquela paisagem. não foi preciso olhar-te duas vezes para me lembrar daquela paisagem, aquela paisagem que me impressionou e desejei tranquilidade. aquela paisagem que", portanto, esta é uma das música que tenho feito e, quer dizer, neste momento eu já nem sei como agradecer ao amigo que me, que me ensinou a tocar a, a viola. por isso co[...], quer dizer, acerca da música não tenho mais nada a dizer senão, irei já saltar um bocadinho no, no ramo de pintura. a pintura, quer dizer, foi uma coisa que já vinha desde criança, gostei de, gostei de desenho desde talvez a infância porque lembro muito bem que quando era garoto andava a esboçar no chão, pá, com o dedo e tal. mais tarde comecei a fazer, quer dizer, desenhos assim de criancice, sabes, nos cadernos de escola primária e lembro-me que em mil novecentos e oitenta tive um primo que estava a tirar o curso por correspondência de desenho e pintura, Alberto Torrão, quer dizer, ele foi a pessoa que me deu mais força e infelizmente quando estava para me inscrever o curso já estava encerrado mas nem com isso fiquei parado. pedi ao mesmo primo para ver se me dava alguns, alguns tópicos deste ramo, mas, eh pá, não sei o que é que se passou com ele, pá, talvez por causa do tempo, ele disse que não podia. mas mesmo assim também não fiquei parado. a única coisa que tinha a fazer era só investigar assim sozinho através de, eh pá, material que eu tinha, não é, lápis de carvão e tal. mais tarde dediquei-me, comecei a dedicar-me na pintura. comecei a pintar, pá, principalmente foi com aguarela, e vi que, que estava subdesen[...], não sei, quer dizer, como eu estava a treinar sozinho, para mim aquilo era um pouco difícil. comecei a pintar com guache também, também não resultou muito bem, mas afinal era, mais tarde notei que era falta de táctica, sabes, porque se, eh pá, se tivesse aqueles conhecimentos básicos, não haveria nenhuma, nenhuma dificuldade. por isso, pá, quer dizer, agora tenho um pouco de jeito mas que não é aquele jeito que se diz... jeito. + + + + + + + + + + + + + + diff --git a/Mocambique/Cantar e Pintar.wav b/Mocambique/Cantar e Pintar.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..0ab9a38e4bf04024cb2a83c67689d3205d4cf03e --- /dev/null +++ b/Mocambique/Cantar e Pintar.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:e426ee0b2792c17a5cb5ac64cf7a0e83146485d276c286be2a87b02290fad5de +size 12419056 diff --git a/Mocambique/Maternidade.txt b/Mocambique/Maternidade.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..71acd2f5fe1f99ee63e85b0c44761d5fadff6b7a --- /dev/null +++ b/Mocambique/Maternidade.txt @@ -0,0 +1,56 @@ +TÍTULO: Maternidade +LOCAL: Moçambique - Maputo +DATA: 1997 +INFORMANTES + SEXO: 1 M e 1 F + IDADE: + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: O texto consta de um programa de rádio em que participam uma ouvinte, o apresentador e o então Ministro da Saúde, todos de Moçambique. Uma vez que os informantes não intervêm ao mesmo tempo, não é necessário destinguí-los e a fala de cada um aparece a seguir a ->; a fala da responsável pelo programa aparece a seguir a -. + + + +-> está? + +- bom dia. + +-> está sim? + +- estou sim, bom dia. + +-> bom dia. + +- por favor, o seu nome? + +- está, bom dia! + +-> bom dia. + +-> Neli Elias. + +- senhora Neli Elias, já está a participar no programa, estamos a debater o projecto de lei da, da revisão da lei do trabalho. + + [...] + +-> em princípio parece que algumas empresas aí não concediam licença de parto quando se tratasse, por exemplo, de nado morto. mas que... parece que esse problema foi ultrapassado + + [...] + +-> nesse novo, ou nessa nova lei que está-se aí em, em estudo. é o seguinte: claro, neste momento vamos por partes, porque tenho na mente que não estará aí nenhum médico, ou nenhuma médica aqui da ginecologia. porque, tenho a máxima certeza de que ao conceder licença do parto, não concedem licença de parto porque... nós temos o bebé. não é só isso, em primeiro lugar, temos que ter em conta que uma mãe, desde o primeiro m[...], dia da sua gravidez, até o último mês que é o nono mês em que a senhora tem lá o seu bebé, terá sofrido tantos, tantos gastos a nível... físico, a nível... de saúde e não sei quê, e tenho a máxima certeza de que também os médicos de facto, se dão, claro, estão aí de acordo com o próprio governo que concede essa licença, não sei quantos. tenho a máxima certeza de que não dão só por causa do bebé. primeiro porque a própria senhora tem que se reconstruir fisicamente, a nível de saúde, que é para poder entretanto retomar o seu trabalho. imaginemos então para uma senhora que tem licença de parto, eu vou falar mesmo do meu caso concreto, que eu tive uma miúda... pela cesariana. dentro de dois meses eu tinha que retomar serviços. eu onde trabalho subo lá escadas. sinceramente que eu sofri tanto que até hoje em dia ressinto esse sofrimento de dois meses só que me concederam e que eu tinha que retomar o, o meu trabalho. porque, se eu for a ver uma senhora que tem parto por cesariana, uma senhora que tem parto normal, há uma grande diferença. agora, gostaria de saber se está se estudar essas duas discrepâncias. entretanto dizia assim, digamos, entre aspas, duas diferenças de parto, se haverá licença de parto para aquelas que têm cesariana, porque o sofrimento não é o mesmo logicamente para curar a ferida às três carnes, assim digamos, às três carnes que eu sofri de corte para eu poder tirar a minha criança. se essas, esse sofrimento dos parto, passa essas cicatriz todas só por dois meses. + + [...] + +-> e em segundo, se de facto, efectivamente, o governo, quando faz essas leis, tem mesmo na mente que também, hum, essas crianças que a gente tem, ao ficarem em casa só por dois meses, conseguem mesmo efectivamente ter o afecto próprio, hum, se é possível mesmo isso. em terceiro lugar, o aspecto que eu desejava de colocar é o seguinte: se não é possível, na mesma lei que está em discussão, quando pelo menos as senhoras tiverem, ou no oitavo mês eu sei que há uma dispensa antecipada de alguns meses, conheço algumas partes do estatuto, um poucochinho. dá uns vinte dias ou o quê antes da pessoa requerer e não sei quê, para ver se pode descansar em casa. mas sinceramente, se eu gasto esses dez dias, então quantos é que eu vou ficar com eles, para depois do parto recuperar um bocadinho o meu estado físico? porque o que está em causa aqui não é o facto de eu ficar com criança em casa. é a mim própria, a ter que recup[...], recuperar o meu estado físico, o meu estado de saúde, que eu sofri durante os nove meses e que sofri durante o parto. ainda [...] a cesariana, não é só o bebé que eu tenho que ver o bebé crescer [...] se for para ver o bebé crescer dois meses não é nada, isso. não é nada, praticamente. penso que aí a maioria dos senhores que estão aí a participar são todos casados, têm assistido muito bem a, as suas... senhoras em casa, com as suas bebés. não é só os dois meses em que a gente deve acompanhar e dar afecto aos nossos bebés em casa. é um problema destes: imagine que eu tive uma colega há pouco tempo, hum, quase que dava parto nas escadas. quase que dava parto nas escadas. porque é que então não pode entrar nesse estudo? + + [...] + +-> por isso que eu estava a pedir a todos os intervenientes que sentissem este problema de maternidade, não ver isso como uma coisa assim de brincadeirinha, de facto, isso dói muito para nós, dói muito para nós, as senhoras. dói mesmo. + + [...] + +- muito obrigado por esta sua intervenção, eh, neste programa "Linha Directa". senhor ministro, queria dar alguma achega a isto, ou, ou o so[...], o Sembé pediu há muito tempo para usar da palavra. mas, por favor, senhor ministro. + +-> bom, eh, podemos todos falar sobre isto, porque, eh, é justamente esta a composição agora completa, que tratou de fazer o debate daquilo que é o projecto que vamos levar à assembleia da república. eh, aos empregadores interessa esta matéria, portanto, se o representante dos empregadores que aqui está quer falar, penso que é justo. mas dizer o seguinte: que de facto a proposta procura clarificar uma série de aspectos que, eh, a ouvinte colocou. e, e outros, porque, enfim, não temos ainda a, a, as condições materiais para poder introduzir aqui, não estão cá. relativamente a esta questão do, o nado ser vivo ou morto, o projecto, no seu artigo setenta e quatro, eh, preconiza que a licença de sessenta dias, referida na alínea "e" de, desta disposição, aplica-se igualmente aos casos de parto a termo ou prematuro. independentemente de ter sido um nado vivo ou um nado morto. portanto, eh, se há parto, há licença. não, não, não tem nada a ver se o nado foi vivo ou morto. houve parto, é aquilo que ela referiu. eh, foram nove meses de gravidez, portanto a licença visa a, a recuperação da parturiente e não do, do, do, do, do filho, e em relação ao filho, ou à filha, o, o, o, a lei preconiza o, o, um outro benefício, que é um intervalo, eh, para in[...], fazer a interrupção da jornada, para ir amamentar o bebé. dizer também que esta questão que nos coloca, de o parto ter sido a cesariana ou um parto normal, eh, eventualmente teremos de encontrar, eh, tratamento, eh, da situação do parto da cesariana como um caso de doença. portanto o, o, já não é porque a ferida ou ferimento que, que se deu p[...], para poder, eh, enfim, eh, remover o bebé, eh, esse ferimento já não é o, o, digamos, o parto. é, é um caso de doença. e, e aí, eh, penso que encontramos, eh, eh, cobertura noutras disposições do, do projecto. o artigo quarenta e dois, eh, preconiza, por exemplo, que as faltas que sejam dadas por causa, eh, eh, dessa situação, eh, possam, eh, eh, ser consideradas justificadas. + + diff --git a/Mocambique/Maternidade.wav b/Mocambique/Maternidade.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9ca862db53ba3a196a3b69cee7653f65460d0490 --- /dev/null +++ b/Mocambique/Maternidade.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:524e69e696ce2a659de47864025a4ed5be51613a92dd0ef6b11b36cd159fd8ee +size 20412212 diff --git a/Mocambique/Meninice na Machamba.txt b/Mocambique/Meninice na Machamba.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..7ece27e108536ea9ffb0adb9c0fb22c7855d4843 --- /dev/null +++ b/Mocambique/Meninice na Machamba.txt @@ -0,0 +1,96 @@ +TÍTULO: Meninice na Machamba +LOCAL: Moçambique - Maputo +DATA: 1986 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 21 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: + + + + +-> eh, durante a infância, eh, portanto, que passei, eh, eh, no Xai-Xai, eh, ainda com, mais ou menos, cinco... a seis anos, já, já apascentava gado em casa dos meus pais, eh, enquanto ia, [...], enquanto fre[...], e frequentava o, a, portanto, a, a pré-primária + +- hum, hum. + +-> e, o que não deixei de fazer mesmo... quando já estava a, a, a fazer a segunda e as outras classes seguintes. portanto, só deixei de, de f[...], de apa[...], apascentar gado quando, quando... fiz a, a terceira classe. + +- hum. + +-> porque já estava... a estudar numa outra escola que ficava... mais distante da, da, da casa. então ali tinha que, era obrigado a... fazer m[...], longos percursos e... era... mais difícil então tratar do gado e ir para a escola. eh, mais tarde, eh, gostava também de, além, portanto, de, de, de apascentar gado e, bom, as minhas tardes, eh, brincando com as outras crianças do, do meu, da minha zona, ah, fazendo alguns jogos, ah, que cha[...], que, que chamávamos, eh, aliás que se chama, um jogo que se chama "tchuva"... + +- hum, hum. + +-> um jogo que a gente gostava, eh, gostava mais de praticar, ah, outro ti[...], outro tipo de jogo era, eh, um out[...], um, um jogo, eh, quase semelhante à "tchuva", que se chama "murravarrava". + +- hum, hum. + +-> eh, jogávamos a bola, eh, e à noite, à, à, à, portanto, em redor da, da fogueira, em minha casa costumávamos, eh, escutar, portanto, a, a avó a contar histórias. eh, histórias + +- hum. + +-> eh, lá dos tempos de, de Ngungunhana, eh, que eram muito, a gente gostava muito de, de, de, de acompanhar essas histórias. eh, eh, portanto é mais ou menos isto quanto foi a minha infância. + +- mas eu, desculpa, ainda queria mais pormenores. + +-> sim. + +- como é que é apascentar o gado? dá lá assim uma ideia de como é que é o dia de uma criança que apascenta o gado, está bem? + +-> hum. hum. portanto apascentar gado é mais ou menos isto. então, de manhãzinha, eh, a gente a[...], abre, ah, abre o curral, as portas do curral, eh, eh, e enxotamos o gado para a, para fora, eh, hum, levando-o, levando-o para a, para a, para a, para a pastagem. eh, e chegado na, na, na, na, na, na pastagem, de[...], deixamos... o, o gado à vontade! + +- hum, hum. + +-> hum, deixamos o gado à vontade e, e não, e pomo-nos a brincar. eh, o gado vai, portanto, eh, apastando. e... por todo o tempo que, que lá, lá, lá, lá estiver, e, portanto, mas temos que, sempre faz-se um, um controle para que o gado não, não, não, não estrague, portanto, eh, as machambas que existam em redor do, do, lá do sítio onde for a, a pastagem. e, para isso, portanto, como somos, geralmente são muitas crianças... + +- hum. + +-> cada uma vinda da sua casa. eh, então, de cada vez fa[...], fazemos uma escala, para que de cada vez... [...] ca[...], uma criança, eh, vá, vá, portanto, eh, mandar voltar o, o gado, quando está, já está quase a, a, a entrar num, numa, [...], numa das machambas que, que lá existam. e assim a escala é rotativa! + +- hum. + +-> vai esta criança, volta, fica a descansar, vai a outra, assim sucessivamente até que... se complete, depois re[...], recomeça-se e... + +- hum, hum. + +-> até à hora do, do, portanto, da, da despegada. eh... + +- e comer? + +-> sim, dá [...] + +- não! vocês comem lá? + +-> no[...], normalmente não, não. sim! o que acontece é que a gente sai com, com marmitas... + +- hum. + +-> eh, de casa, não é, quando... se prevê levar muito tempo lá na, na coisa, pastagem. mas para o nosso c[...], no meu caso não, não, não costumava, não levava nada, porque não ficava lá m[...], por muito tempo... + +- hum. + +-> uma vez que tinha que, eh, largar o, esse trabalho às, sensivelmente quando fossem onze horas. então não era, não, não havia grande necessidade para levar m[...], marmitas para lá. + +- hum. + +-> e... acontece que as outras crianças tinham que levar sempre, porque ficavam todo, todo o dia... + +- hum. + +-> todo o dia. ao passo que eu tinha quem me rendesse para, para, para eu poder fazer outra coisa, ir à escola. + +- hum, hum. + +-> e... é mais ou menos isto, eh... + +- hum. + +-> a, a pastagem... + +- hum. + +-> sim. + + + diff --git a/Mocambique/Meninice na Machamba.wav b/Mocambique/Meninice na Machamba.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..bd795a2d2fa7b92ca5ea4fd657f40342eb4a748d --- /dev/null +++ b/Mocambique/Meninice na Machamba.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:0fe2bb3c42985b9ce8a6fc17467b30f4c7c48d67db15eecd3ab4dabcf887d5a5 +size 17312596 diff --git a/Mocambique/Sentimento e Desporto.txt b/Mocambique/Sentimento e Desporto.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..aaa8c20034c96ab4dfab5de1aa13d2169638a653 --- /dev/null +++ b/Mocambique/Sentimento e Desporto.txt @@ -0,0 +1,86 @@ +TÍTULO: Sentimento e Desporto +LOCAL: Moçambique - Maputo +DATA: 1997 +INFORMANTES + SEXO: 2 F + IDADE: 25 e 26 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Professora estudante e estudante + +OBSERVAÇÕES: Trata-se de um diálogo entre duas amigas, ambas de Moçambique e com a voz muito parecida; a seta indica a primeira interveniente no diálogo. + + +-> bom, falando de desporto, eh pá, o desporto em Moçambique... s[...], eh, depois da independência, nós víamos que as pessoas, eh, praticavam desporto + +- hum, hum. + +-> praticavam desporto por amor à camisola. porquê? porque ganhava-se muito pouco. mas também pelas condições de vida, nunca foram assim muito coiso, [...] ain[...], ainda não eram assim muito complicadas, como agora, depois do coiso, eh, do plano de reabilitação económica. porque depois do plano de reabilitação económica o que é que aconteceu? os jogadores começaram a passar muito mal. + +- porquê? + +-> os subsídios que eram dados nos, nos clubes não eram suficientes para a sobrevivência. então é daí que o nosso desporto começou a, a quebrar-se. mas olhando para esse momento em que, as pessoas já estão a despertar a atenção nisso, nós vemos que há de novo uma participação na área desportiva. + +- iá. também a, a Lurdes é que nos abriu a porta. nós começámos a ver que afinal a, o, a mulher também é capaz de chegar muito longe. eh, ant[...], era muito raro ouvirmos, até parece que ela foi a primeira a participar num campeonato mundial. + +-> não parece... + +- é, foi a primeira, não é, + +-> [...] entre os moçambicanos, ela é a primeira, claro! + +- hum, hum. iá. então ela abriu-nos a porta. agora, acho que hão-de surgir mais. só que, por exemplo, no atletismo, parece que é a única, a, a, a [...], como? a Argentina já não se faz falar muito, não se fala tanto dela. então até dá a impressão de que basta a Lurdes envelhecer, já o, o atletismo, eh, vai a, é, atletas n[...], não há, não, não vai-se falar mais de atletas moçambicanos. + +-> mas falando do desp[...], do, do enquadramento da mulher, no desporto + +- hum. + +-> nós já tivemos, eh, eh, atletas de renome, no básquete, hum, quando falamos + +- hum, hum. + +-> da... Esperança Sambo, hum, foi uma pessoa de renome, era uma boa basquetista, que se tivesse tido oportunidade naquela altura de ir para o exterior, talvez também tivesse chegado ao extremo talvez da Lurdes. quem sabe? + +- iá. eu acho que o nosso problema aqui é, é financeiro, não é, porque as pessoas só se fazem ouvir quando saem para fora. aqui em Moçambique nós ficamos, é muito ra[...], pouca gente conhece, por exemplo, eh, eh, a Marta, Marta de, de Maxaquene, pouca gente conhece, mas a Lurdes, como está fora, todos nós passamos a conhecer a, a, a outra, a, a, a Clarisse, também como está fora, nós passamos a conhecer. eh, mudando de assunto, falando da, da derrota da Lurdes Mutola nos oitocentos metros, deu impressão de que ela desleixou-se no fim, não é, + +-> ó pá, aquilo nem foi bem desleixo. ela tinha aquela impressão de ganhar, hum, impressão não! ela fez todo o esforço para ganhar, eu acho que ela até teria conseguido a medalha de prata! + +- sim, é por isso que eu acho que ela desleixou-se. porque já no fim, é quando ela, acho que parece que ela só estava a correr para o primeiro lugar, a pensar só no primeiro. mas quando viu que estava no segundo, ela deixou a outra pessoa ultrapassar. + +-> ah, para ficar no pró[...], para ficar no terceiro. + +- sim. + +-> quando falas em desleixar-se, falas... em raza[...], em, em, em, em relação a estar em terceiro lugar + +- [...] sim. + +-> porque ela podia ter ganho o segundo. + +- sim. + +-> porque, em termos de vitória, de cortar a meta, ela ser a primeira, ó pá, aquilo depende das técnicas: ela puxou tanto no princípio, desde o princípio que quando já estavam quase para cortar a meta, ela já estava cansada, e a Ana recuperou, como vinha lá de trás, ela tinha mais energia, foi por isso que conseguiu ultrapassar. não porque ela desleixou-se para ela poder ultrap[...], para a, para a Ana poder ultrapassar. + +- iá, depois, no fim, ah, depois do, do jogo, não é, a, de, da corrida, muita gente começou a criticar a ela. é, eu acho que se nós estivéssemos perto dela talvez nós nem teríamos dado apoio. ela deve-se sentir marginalizada. acho que no fundo, nós devíamos dar um apoi[...], um apoio moral. até foi bom quando vi, aliás, a men[...], a mensagem que o presidente mandou, a mensagem do, do ministro Cadufa, iá, eu gostei porque eu comecei a pensar: ela deve es[...], deve estar a sentir-se já, deve, porque, é um peso para ela, perder. ela começa a pensar: todos os moçambicanos estão à espera dela. se ela perde, ela sente-se em baixo, mas como as pessoas, algumas pessoas, não é, tentaram dar-lhe força, eh, não, não lhe puseram em baixo, claro, só se estivesse cá em Moçambique ela havia de sentir. + +-> ó pá, sobre essa questão de dar força ou não dar força, é claro que n[...], é, é de direito dos moçambicanos de darem força, mas... nós temos, somos, acho que somos m[...], exigentes demais. recordas-te do último jogo dos Mambas no Estádio da Machava? + +- hum, hum. + +-> o que é que aconteceu? aos cinco minutos, quando Moçambique marca, muita gente já estava fora do estádio, estás a ver, + +- iá, iá. + +-> então, nós somos pessoas que não conseguimos, quer dizer, + +- a nossa [...] + +-> até porque, naquela altura, nós podemos aceitar mais tarde, mas naquela altura é difícil as pessoas aceitarem. quer dizer, toda a gente saiu de casa para o estádio, tinha na cabeça que Moçambique ia ganhar. + +- então dá a impressão de que esse é o pensamento moçambicano. é, a Lurdes também fez o mesmo: viu que não, que não, não ia conseguir o primeiro lugar, [...], preferiu ficar perdendo, não é, um terceiro, até ao terceiro, se tivesse aparecido mais um, acho que ela havia de ficar longe no quarto lugar. acho que é o pensamento moçambicano. não aceitamos a derrota. + +-> não vamos dizer que é o pensamento moçambicano. é um sentimento de desportista. porque toda a pessoa que vai para o campo espera ganhar. + +- sim, mas eu acho que noutros países, por mais que os jogadores percam, mas são recebidos com um pouco de, de carinho, não é, quando chegam. mas nós já rece[...], às vezes recebemos com, des[...], desprezamos. mesmo quando os Mambas foram perder na África do Sul. toda a gente, "esses, quando chegarem cá, vão passar mal connosco", "eles foram brincar, não jogaram bem". temos sempre essa tendência. sem querermos entender que eles também podem ganhar ou perder. é difícil o moçambicano meter na cabeça que ele pode ganhar ou perder. + + + diff --git a/Mocambique/Sentimento e Desporto.wav b/Mocambique/Sentimento e Desporto.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..bf64cd6ab5c30af17eec4daa4e0a31c4e95630e3 --- /dev/null +++ b/Mocambique/Sentimento e Desporto.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:47051c2c39ad9d0bbdd2bc58b3542c7ee3729fd8069e0245844335bf0045a277 +size 16597308 diff --git a/Portugal/Anos 70/Ao Volante.txt b/Portugal/Anos 70/Ao Volante.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b2fd2590d360f95c2a8b4fc993156584880863d9 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Ao Volante.txt @@ -0,0 +1,105 @@ +TÍTULO: Ao Volante +LOCAL: Portugal - Faro +DATA: 1972 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 25 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Guia/intérprete + + + + +- e qual é o seu trabalho, já agora, aqui assim? [...] + +-> praticamente é mais serviço de escritório, embora às vezes também vá para a rua entregar carros. + +- ah, sim? + +-> é verdade. + +- também tem carta, também tem... + +-> também tenho carta, já há seis aninhos. + +- ah, há seis aninhos! e que tal se dá com a condução? + +-> olhe, dou-me bastante bem. nunca bati, já me bateram duas vezes, mas... + +- [...] + +-> mas nada de grande, nada de grave. + +- não? ainda bem. + +-> não. podia ter sido... + +- como é que foi? conte lá como é que foram essas, olhe, esses choques. + +-> uma vez ia... devagarinho, ali... perto dum cruzamento, veio um biciclista - oxalá não vão pôr isto no computador, não deve haver muitos q[...], a dizer biciclista - veio um ciclista, o homenzinho vinha em sentido contrário, estava a dar-lhe o sol nos olhos, despistou-se e veio-me cair em cima do capot. + +- ah, ah! + +-> ficou todo aconchegadinho! + +- apanhou um susto, não? + +-> sim, eu apanhei! fiquei a tremer, nunca mais conseguia pôr o pezinho no acelerador; mas foi coisa pequena. outra vez em Albufeira - não sei se conhece + +- conheço. + + +-> conhece Albufeira? sabe onde é o cemitério? + +- ai, não! + +-> aquilo faz ali uma curva muito grande, tem assim um, um parquezinho de estacionamento, que tem uma vista bonita, vem de lá um, na, na mecha com um NSUTP que aquilo anda que se farta, eu ia muito devagarinho no meu Morrizinho todo engalinhado, ia dizendo para a minha mãe "olhe isto aqui tem uma vista linda!" bom, quando olho para o lado dou por mim já tinha o NSU em cima. + +- ah, que horror! + +-> limpou-me o lado todo, o lado em que eu vinha conduzindo, bateu de lado um... no outro, depois foi um problema, queria-se chamar a polícia, não havia, como sempre nestas terrazinhas não há nada! + +- [...] + +-> havia a guarda, a guarda não quis saber de nada, ah, "olhe, há d[...], acidentes pessoais?" "não, não." "ah, então resolvam lá isso entre vocês, que é para não haver problemas." claro que foi um problema gravíssimo, tive que lá voltar três vezes... + +- ai, que horror! + +-> para reconstituir o crime, dizendo foi assim, foi assado, como não havia testemunhas, o moço dizia ao contrário, não queria também ser culpado; ah, lá chegámos depois a um acordo, ele lá pagou aquilo. + +- ai sim? + +-> já não foi mau. + +- vá lá. + +- já não tiveram que, que recorrer a seguros, nem nada disso? + +-> não, ah, quer dizer, é porque a companhia de seguros era precisamente, a minha era precisamente a dele. + +- ah, pois. + +-> e então o, o homem tinha aquele problema terrível. "agora vou, não posso ir nem por, pelo que um diz, nem pelo que o outro diz." + +- [...] + +-> e para já o outro era muito melhor cliente que eu, porque tinha lá uma série de carros segurados e o restaurante do pai e era seguro contra todos os riscos e tudo, mas o moço era mocito novo, percebe, ainda por cima o pai era o presidente da Câmara de Albufeira, era uma pessoa assim mais considerada do que eu, e então, ah, foi um problema, mas depois lá aquilo se acalmou. + +- e o que é que, e o, e o carro ? foi portanto para aí o guarda-lamas... + +-> ficou todo raspado, do, do meu lado, do lado que eu conduzia com o lado em que ele conduzia, tiveram que tirar portas, foi um friso todo novo, aquilo ficou tudo bonito! quase que valeu a pena! depois de tantos problemas; mas enfim... + +- e, e tirando isso não tem havido mais problemas com o carro? + +-> ah, de carro não, que eu me lembre não, assim coisa... grave, não, não tenho tido nada. os carros são todos tão ruins que nem, nem dão para as pessoas bater. + +- [...] + +-> felizmente que também já tenho andado com carros bons aqui na casa, Mercedes e coisas no género, mas também ainda não bati. o diabo seja surdo, cego e mudo. isso diz-se muito cá para baixo, não é, + +- é, é. + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 70/Ao Volante.wav b/Portugal/Anos 70/Ao Volante.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..efff08314a525a84e5be16af403853557e5df092 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Ao Volante.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:02bc01a66199897c7050fa759a2f818ce34afa29544b14cabb6d63053b98e039 +size 8782006 diff --git a/Portugal/Anos 70/Bavaroise.txt b/Portugal/Anos 70/Bavaroise.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..c41ca4d527351b411bc29f8fa4fcecbaca990ac2 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Bavaroise.txt @@ -0,0 +1,118 @@ +TÍTULO: Bavaroise +LOCAL: Portugal - Lisboa +DATA: Década de 70 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 51 anos + ESCOLARIDADE: 6 anos + PROFISSÃO: Doméstica + + + + + +-> bem... deixa-me cá lembrar. chama-se bavaroise de ananás. leva... seis fo[...], oito folhas de gelatina desfeitas numa pequena porção de água, seis ovos, duzen[...], eh, ovos, uma lata de... ananás, em conserva ou um ananás natural, ao natural. + +- inteiro. + +-> mas eu faço sempre com a lata de ananás. e... agora de repente sem, sem estar assim a, com a receita ao pé, bem, e chantilly. + +- hum. + +-> para depois enfeitar. agora queres a receita + +- isso. + +-> a maneira de fazer? + +- isso. + +-> que é para render mais. olha, ah! duzentas e cinquenta de açúcar. + +- hum. + +-> leva-se o açúcar ao lume com um bocadinho de água muito pouco e o su[...], e o... sumo do ananás da lata, o su[...], o suco. + +- pois. + +-> e vai a ferver um bocado para tomar um bocadinho de ponto. depois tira-se, deixa-se arrefecer. deitam-se seis gemas de ovos batidas, depois desse açúcar já estar arrefecido, e as... oito folhas de gelatina que já, entretanto já estiveram um bocado de molho dentro da água; mexe-se bem e volta ao lume... a tomar uma pe[...], pequena fervura. tira-se, deixa-se arrefecer e... juntam-se seis claras batidas em castelo. + +- hum. + +-> mexe-se... e deita-se dentro duma forma que est[...], que foi molhada com água fria, e vai para o frigorífico. ah, esqueci-me de dizer que se mistura também bocadinhos de ananás partidos muito miudinho, mas não todo, não todo o... da lata. depois no dia seguinte desenforma-se. enfeita-se com o resto do ananás, como se quiser, com as rodelas partidas em meia-lua, é como eu faço, ou em bocadinhos, como se quiser, e com a, o chantilly. + +- quer dizer que tem que se fazer sempre de véspera... + +-> ah, sempre de véspera. ou de manhã, de Inverno pode-se fazer de manhã para servir à noite. + +- hum, hum. + +-> mas eu faço sempre de véspera porque simpifli[...], simplifica até. + +- pois. + +-> e, e pronto. e come-se e é bom. + +- e tira-se. tem que se estar mesmo gelado para se comer? + +-> ah sim. ah! depois para desenformar mete-se a forma dentro de água a ferver, isso é a técnica de todos os pudins, não é, + +- hum. + +-> para sair bem, mas desenforma sempre bem. e depois de se pôr o chantilly e enfeitar, volta novamente para o frigorífico, até à hora de servir. + +- ah pois. + +-> deve ser servido bem fresco. + +- hum. + +-> é como é bom. + +- é um doce que eu gosto muito. + +-> como vês a receita, então quando voltares cá a jantar faço esse. + +- ai, que bom! + +-> faço a bavaroise de ananás. + +- [...] + +- a tia, a tia go[...], a tia gos[...], não gosta muito de cozinhar, mas gosta de fazer doces, não é, + +-> não gosto nada de cozinhar. + +- mas de fazer doces [...] + +-> mas gosto de fazer doces. + +- ah!... mas e agora como é que faz, sem criada? + +-> faço os possíveis... + +- mas cozinha muito, faz coisas muito elaboradas? + +-> n[...], não, tudo à base do simples, do muito simples, e... procuro uns menus, umas ementas já minhas esp[...], enfim, escolhidas a dedo para essas circunstâncias porque detesto cozinhar. e procuro coisas que se façam rapidamente. + +- e o tio é muito exigente? + +-> não! quando há pessoal é um bocadinho, mas quando não há não é. e... aliás até gostam todos muito de, das minhas ementas quando não há pessoal porque é à base de bifes, costeletas... + +- é bom! + +-> e essas coisas que é o que eles preferem e é o que se faz mais rapidamente. mas... materialmente é o que sai mais caro. + +- ah pois é, isso é verdade. + +-> peixe nunca entra cá, claro, porque eu abomino arranjar peixe, nem sei, para minha vergonha, e... faço frango, faço alguns pratos de bacalhau, que às vezes, mesmo embora sejam um bocadinho trabalhosos, ah, gosto de fazer e... no fim de contas é mais prático. + +- hum, hum. + +-> à hora da refeição já está pronto... + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 70/Bavaroise.wav b/Portugal/Anos 70/Bavaroise.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..760c97617c072742d278fcc9ccbb83a9961d8a19 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Bavaroise.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:e308e739a4c1f6e5f0c9bc10d1cb0e27a4c75109593b3a9762a908c451cb61fa +size 12496394 diff --git a/Portugal/Anos 70/Homens e Bichos.txt b/Portugal/Anos 70/Homens e Bichos.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..c86e3fc78888b610ef2c6d155a1a220d7be22820 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Homens e Bichos.txt @@ -0,0 +1,68 @@ +TÍTULO: Homens e Bichos +LOCAL: Portugal - Castro Verde, Beja +DATA: Década de 70 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 59 anos + ESCOLARIDADE: Analfabeto + PROFISSÃO: Trabalhador rural + + + + + +- ora, o senhor não é caçador? + +-> não, não sou. sou caçador é... de arma branca, com um cachorrozinho... + +- como é? + +-> chama-se um podengo. + +- e como é esse... caçador de arma branca? + +-> caçador de arma branca é a gente, por exemplo, ir a pé por o meio dum campo e encontrar uma lebre, possuir um galgo, e, por exemplo, dar força ao cão, dar força, isto é, açodá-lo, para esse cão ser útil, apanhar a lebre para a gente trazer para casa para comer; para comer ou para vender a qualquer pessoa que, que seja preciso comprá-la. é isso. há caçadores também, por exemplo, de arma branca que não caça só coelhos nem lebres, caça, por exemplo, um ouriço que é um animal que tem o pêlo bicudo e tem, e focinho de porco e a gente apanha aquele animal e traze-o para a nossa casa, serve até para, para apanhar os ratos em casa... que onde há um ouriço, os ratos não entram. e mesmo para, para se entreter, às vezes, brincadeiras, de, para um, um miúdo de dois ou três anos ou de quatro ou cinco entretém-se a brincar com aqueles animais. e há então a perdiz e há a codorniz que a gente apanha com facilidade e às vezes agachadas; há outros bichos mas isso não são bichos de caça, por exemplo, uma cobra, um lagarto, um rato, isso é tudo animais do campo que se pode utilizar, não para comer, para, para se matar para não, não des[...], não desdenharem por exemplo os ninhos dos outros animais que podem prejudicar, por exemplo, a morte a qualquer pessoa. por exemplo o lagarto não faz mal, isso até é amigo do homem, pode uma pessoa estar a dormir muito descansado no campo, passa um lagarto por a cara ou por as mãos, a gente acorda, sabe que está o inimigo ao pé, pode ser uma cobra para nos fazer mal, e a gente nessa altura com um pauzito, ou, pauzito que tem ao pé, que chama-se-lhe a arma branca, mata-o. + +- ah, quer dizer, ele avisa, o lagarto. + +-> o lagarto avisa, o lagarto é amigo da pessoa. e é contra a mulher. ah, o lagarto é contra a mulher e a favor do homem. e a cobra... é... contra o homem e a favor da mulher. + +-> ah sim? porquê? diga lá. isso nunca tinha ouvido. + +-> ah, porque a mulher... geralmente tem muito medo das cobras, e a cobra quanto mais medo sente à pessoa mais, mais a ataca, e ao passo que o homem... não faz mal... + +- e o lagarto? + +-> o lagarto é que não faz mal ao homem. + +- e à mulher faz? + +-> à mulher faz. e a... + +- então a cobra e o lagarto gostam mais dos homens que das mulheres. + +-> gostam. não, a cobra é contra a mulher e o lagarto é, o lagarto é contra a mulher e o, e a favor do homem. são esses bichos que os podem atacar, por exemplo, a mulher é o lagarto, e a cobra pode atacar o homem quando está a dormir mas tem o lagarto que é a favor dele; se é que está próximo. e há então é o, o tal pato-bravo que é criado nas lagoas que a gente também pode utilizar para comer. o galo, o galo-de-campo, galinha-de-mato que é a galinha-da-índia que a senhora já há-de ter visto nesses montes, não é, em casas assim de lavradores onde há grandes habitações, e então tem essas coisas: galinhas-da-índia, têm patos-da-índia, isso é tudo, hum, sim, é criado no campo, à vontade. e então são estes animais que, que se podem caçar à arma branca... também se podem caçar com arma de chumbo, pois claro. + +- mas... + +-> há a rola, a rola que é, ah, caçada no, por exemplo no dia quinze de, de quem? de Agosto, é que começa a caçada às rolas. também é um animalzinho que é parecido a um pombo que se pode utilizar para comer, faz até por acaso um belo arroz, + +- hum! + +-> isso faz. + +- então, mas diga-me uma coisa, mas a arma branca, então, portanto, quem apanha é o cão. + +-> pois, a arma branca é para uma defesa da gente, a arma branca só, a gente pode encarar com um bicho desses se estiver deitado dá-lhe uma pancada e matá-lo, ah, caso contrário não o mato com uma pancada, está o cão que o apanha. chama-se uma arma branca que é cão + +- pois. + +-> é o, é o pau. + +- é o pau. + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 70/Homens e Bichos.wav b/Portugal/Anos 70/Homens e Bichos.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..11216a53b2cdd192e71d4f88cc0b9930275c05da --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Homens e Bichos.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:97b80ea55e6eda4992e10eff04cab4d302062cdfa1b222febbdfd9c78bf883b3 +size 11200150 diff --git a/Portugal/Anos 70/Jornalismo em Directo.txt b/Portugal/Anos 70/Jornalismo em Directo.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..4088f5cb63110488d3b40f4993572e8fa2563a2e --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Jornalismo em Directo.txt @@ -0,0 +1,84 @@ +TÍTULO: Jornalismo em Directo +LOCAL: Portugal - Lisboa +DATA: 1973 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 62 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Jornalista + + + + + +- faz-me uma, uma certa confusão. como é que pode funcionar uma agência? as, as notícias são monopólio de determinada agência, ou não? através de quê? + +-> não. + +- de redes de informação, ou de... + +-> não! + +- quer dizer, há uma corrida grande, não é? + +-> exactamente. é uma corrida contra o tempo. + +- pois. + +-> e contra a informação. no caso específico da ANI, que é aquele que eu conheço, a ANI tem um contrato com a United Press International, que é uma grande agência americana e que tem os seus correspondentes em todos os pontos possíveis do mundo. tão depressa tem conhecimento de uma notícia, imediatamente por telex + +- hum, hum. + +-> a envia para o centro, que era em Londres e agora foi desviado para, foi desdobrado antes, para Bruxelas. e dali fazem a selecção das notícias e põem-nas nos circuitos europeus, no circuito africano, ou no circuito do extremo oriente, conforme são notícias que interessam a todos os... ramos, a todos os pontos do mundo, ou especificamente a um determinado. nós, nas agências que recebem as notícias das a[...], da United Press, estamos junto do, do telex a receber aquilo que eles estão a saber momentos antes. + +- queres-te sentar? + +- não. + +-> não, deixe. momentos antes. de maneira que... não pode imaginar, eu acho, para mim que é o, a, a forma de jornalismo mais interessante. + +- hum, hum. + +-> porque este jornalismo de andar a correr na rua a saber as coisas, a ver, a ver às vezes incorrectamente, e a vir para o jornal a correr e dar a notícia e tudo isso, eu acho uma coisa tremenda + +- pois. + +-> e fatigante. ao passo, você não pode imaginar o que foi, por exemplo, o levantamento da Hungria. em mil novecentos e cinquenta e seis ou cinquenta e sete, não me lembro bem, houve um levantamento nacional da, na Hungria contra os russos. a população veio toda para a rua, libertou o Cardeal Mitzenti, ah, proclamou a sua independência dos russos e os russos, perante a violência... da, do levantamento, disseram que... aceitavam a vontade do povo, retiraram e foram-se embora. e eu, e estavam tudo, estava tudo muito silencioso, toda a gente à espera do que acontecia. numa noite, eram umas quatro da manhã, eu ia a sair daqui e veio-me um rapazinho a correr com a, a fitinha em que dizia "os russos começaram o ataque." eu voltei para trás e às oito da manhã ainda estava a dar, notícias do que se estava a da[...], a passar. porque, por uma casualidade muito feliz, a United Press tinha as suas janelas sobre a praça onde estava o centro da revolta. de maneira que o homem, da janela dele, estava a ver tudo quanto se passava, e a mandar-nos. e nós estávamos a viver aquilo como se estivéssemos também nós à janela! ora bem, depois, a certa altura, ele manda dizer "estão a arrombar as portas lá em baixo." no prédio! eles mor[...], ele, a United Press estava instalada no segundo andar, "estão a arrombar as portas no rés-do-chão. sinto-os subir a escada." a electricidade estava fechada, é claro, não havia... elevadores. ele ouvia o tropel das pessoas pela escada acima - "vêm pelo corredor!" e depois, sabe o que é estar diante do telex a ou[...], a ver o homem a dizer "estão a arrombar a porta do meu escritório. rezem pela minha alma!" e parar repentinamente a, a transmissão? deu-nos nitidamente a impressão que tínhamos ouvido o tiro! nunca mais se soube desse homem. + +- [...] + +-> é uma coisa! nós aqui nas agências estamos a acompanhar o acontecimento em cima dele! + +- hum, hum. + +-> no momento em que está a dar-se! + +- hum, hum. + +-> não é como nos jornais que recebem aquela papelada + +- pois é. + +-> toda e depois põem títulos e depois + +- pois. + +-> ou, ou, têm que fazer uma triagem, enfim... + +- pois. + +-> para mim, um trabalho muito mais maçador. aqui não! nós vamos vivendo momento a momento! + +- hum, hum. + +-> instante a instante aquilo que está a acontecer no mundo inteiro! não pode imaginar a impressão de antiquado, de velho, de ultrapassado que eu tenho quando todas as manhãs vejo chegar o Diário de Notícias à minha casa! são todas notícias que eu dei na véspera. + + - pois. + +-> de maneira que já sei; são tudo coisas que eu já sabia desde ontem. é formidável o serviço aqui! não pode imaginar, é verdadeiramente apaixonante! + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 70/Jornalismo em Directo.wav b/Portugal/Anos 70/Jornalismo em Directo.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..5e53da3cf43706f9a7eb5709f9529996a97e20b5 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Jornalismo em Directo.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:0e7db494c9160f317236598652c8689486e4b04b1739bdbd143bb2d5ad3aca39 +size 12271790 diff --git a/Portugal/Anos 70/Um Culto Tradicional.txt b/Portugal/Anos 70/Um Culto Tradicional.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..5c03527885d4d6bd4f93d3f30debffe4d58ede9a --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Um Culto Tradicional.txt @@ -0,0 +1,181 @@ +TÍTULO: Um Culto Tradicional +LOCAL: Portugal - Ribeira Grande, Açores +DATA: 1973 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 47 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Sacerdote + + + + + +- e vão donde até onde? e como? o que é que fazem? + +-> ai, vão levar aquela coroa pronto, porque aquilo que se tem é um mordomo, chamam-lhe um mordomo + +- ah, [...] + +-> durante o ano, que ele fica responsável durante aquele ano, por que o Espírito Santo fique na casa dele. + +- sim. + +-> e, e ele vai recebendo de, de pessoas, voluntariamente que queiram dar dinheiro + +- sim. + +-> e esse dinheiro no fim eles compram bezerros ou queijos + +- hum. + +-> matam e a carne depois, como eles chamam pensões + +- ah. + +-> aquele... bocado de carne, chamam aquilo uma pensão. + +- hum. + +-> juntamente com um pão de trigo, com uma garrafa de vinho, aquilo é oferecido, é uma retribuição à pessoa que deu o dinheiro + +- ah!... + +- ah!... + +-> mas isto é agora actualmente, mas o espírito não era este + +- pois, pois. + +-> antes davam e aquilo era distribuído aos pobres + +- pelos pobres, hum... + +-> agora já não fazem isso. + +- mas é uma pena! que isso é que estava certo [...] + +-> é pena, é pena. sempre dão aos pobres, mas já não é aquela quantia + +- pois. + +-> nem com aquele espírito + +- hum, hum. + +-> que se dava naquele tempo. + +- e acha [...] + +- e o que eu achei interessante é que as pes[...], as pessoas que acompanhavam e[...], esse estandarte eram só jovens. + +- eram. [...] + +-> sim, é só jovens. + +- crianças e raparigas e rapazes. só, só. + +-> é, é. + +- porquê ? + +-> é um costume aqui. na Ilha Terceira já vão senhoras, já crescidas e... + +- eu achei piada. porque vimos duas, na estrada, + +- e eram assim... + +- e eram só jovens. achei piada. + +- [...] + +-> esta, esta mudança, é a mudança do antigo para o novo mordomo. + +- ah. + +- pois, pois. + +-> eles vão levar, umas vezes faz-se de noite, quase sempre faz-se de noite, outras vezes faz-se de dia, e fica então no, no, depois no ano seguinte fica na outra casa. e então ao Domingo, cada, cada coroa, aquilo é assim, cada coroa tem o seu Domingo: a dominga tal, é conhecido então ou pela rua, ou pelo nome dum santo. [...] tem, tem a dominga da, da pombinha, como eles chamam, tem, aqui tem a dominga da, de Trás-do-Mosteiro, é, é uma r[...], uma rua que há ali para cima e fazem o império. o império também nas ilhas também se faz + +- [...] + +-> é uma espécie dum, dum, onde toca as bandas de música, dum coreto + +- sim. + +-> em madeira, que é armado num canto da rua a que pertence + +- ah!... + +-> aquela irmandade do Espírito Santo [...] deve ser assim + +- hum. + +-> a irmandade, e no Domingo que há a coroação, quando a coroa, depois de passar pelas ruas, sai da igreja. + +- sim. + +-> de manhã naquele dia, a missa, na missa, ah, vai uma pessoa ser coroada com aquela coroa + +- ah!... + +- ah!... + +-> geralmente são crianças + +- hum. + +-> mas também há adultos que são então ou fruto de promessas, da família, ou por uma doença + +- sim. + +-> ou qualquer outra circunstância, ou então pelo gosto + +- hum. + +-> de ter a sua filhinha ou o seu filhinho que coroaram imperador ou imperatriz em Espírito Santo. + +- ah! que piada. + +- eu já tinha, a Rosa Maria já [...] isso tudo. + +-> ou então, a pessoa não, outra pessoa qualquer pede ao mordomo, "eu gostava que minha filha ou o meu filho fosse... coroado", e a coro[...], e a coroa, a coroação, então sai o cortejo, aquelas meninas, aqueles rapazes, vestidas de branco, as meninas + +-hum. + +-> e tudo, e levam ofertas, doces, geralmente, ou fruta, vão pelas ruas, vão acompanhados de música; a que foi... coroada vai rodeada de, digamos, de damas de honor ou de + +- hum, hum. + +-> de, [...], aios, não é, e tem o senhor que leva a coroa, ge[...], geralmente é o dono da casa, ou um convidado, ou então uma senhora, ou uma menina que leva a coroa + +- pois. + +- [...] + +-> e vão dois ou três ali ao lado a fazer de, de guarda de honra; depois então vai o cortejo para esse império + +- hum. + +-> que é uma espécie de coreto em que a coroa está ali e depois começa a haver ah, as ofertas que, que as crianças levaram + +- sim. + +- hum, hum. + +-> vão ser rematadas... + +- ah!... + +- ah! pois, já tinha ouvido dizer isso, sim, sim. + +-> rematadas e depois a música toca, há o entretimento durante a tarde, para aquela, para aquela gente. dan[...], aqui não se dança, aqui o, o micaelense não é muito amigo... + +- não? + +-> não. + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 70/Um Culto Tradicional.wav b/Portugal/Anos 70/Um Culto Tradicional.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..d0eb8d3a7facfb832676053ee5fdf9b123765022 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 70/Um Culto Tradicional.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:259113f86a0e28b36e95840a635bd427ced2bd7bfbb03e02220f8b5df0a022dd +size 11135556 diff --git a/Portugal/Anos 80/Cartografia Portuguesa.txt b/Portugal/Anos 80/Cartografia Portuguesa.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..c9e3914f9b5f9703ec84c54615e62016016e8c0b --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/Cartografia Portuguesa.txt @@ -0,0 +1,23 @@ +TÍTULO: Cartografia Portuguesa +LOCAL: Portugal - Lisboa +DATA: 1989 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Oficial da Marinha + +OBSERVAÇÕES: O texto faz parte de uma conferência proferida na Academia da Ciências de Lisboa. + + + + + +-> o Visconde de Santarém foi o primeiro fogacho, no sé[...], há mais de um século, como acabo de dizer, e no início desse século, ou melhor, no final da segunda década deste século, aparece Armando Cortesão. Armando Cortesão é o grande entusiasta, foi membro, desta academia, sócio desta academia, e até ao final da vida aqui veio com muita frequência, dar conta dos seus trabalhos... de investigação. Armando Cortesão publicou, interessou-se, pelo estudo da cartografia... e, portuguesa, do tempo dos descobrimentos, e começou por publicar uma monografia. era a ideia dele, primeiro há que classificar as coisas, juntá-las, saber onde é que estão os mapas, estudá-los, ver como são. ele começou por fazer um trabalho, eh, sobre... os homens, que eram cartógrafos, do século... dezasseis, de meados do século dezasseis, aproximadamente, segunda metade do século dezasseis, um pai e dois filhos. afinal eles são irmãos, hoje sabe-se isso, embora, inicialmente, tivesse havido du[...], dúvidas, sobre as relações entre eles. Armando Cortesão publicou esse trabalho, se não erro, eu estou a citar de cor, em mil novecentos e vinte e oito, mas já acalentava a ideia de percorrer todos os cartógrafos possíveis, portugueses e do século dezasseis, o que veio a dar lugar a um... livro, dois volumes publicados inicialmente pela Seara Nova, quando ele já estava exilado, em Madrid. pode dizer-se que foi um bom exílio, porque deu essa obra, eh, um livro que se intitula, "Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos Quinze e Dezasseis". obra bem conhecida, que ainda hoje é uma fonte de... informação... segura; os lapsos que há nessa obra são pequeníssimos, são... pouco numerosos, Cortesão era um homem... cuidadoso, pelo menos nesse tempo era muito cuidadoso com o que dizia, e essa obra é realmente o que vai lançar, a obra que vai lançar, outras pessoas no mesmo caminho. lança, por exemplo Teixeira da Mota, que também foi, eh, membro, nosso... companheiro nesta casa; lança, António Barbosa; lança Abel Fontoura da Costa, que também passou por esta casa. todos estes homens trabalharam na cartografia, com aspectos diferentes, porque além da classificação e do estudo dos cartógrafos que elaboraram essa, ah, da vida desses cartógrafos, a biografia desses cartógrafos que elaboraram tais cartas, há que saber também como é que as faziam, e aí, os cartógrafos começaram, os historiadores da cartografia começaram a ficar em desacordo. eu penso, há, houve discussões variadas e até acesas, entre estes homens, de, para se chegar a uma conclusão, de como é que se fazia, uma carta, no século dezasseis. não há motivo para discussões, penso eu, por uma razão muito simples: é que nós temos um documento, um texto, dum padre, o padre Francisco da Costa, que estava em inédito mas foi publicado há relativamente pouco tempo, que indica como é que se fazia uma carta. como há outros textos que dizem como é que se faz um globo. bom, em todo o caso, hav[...], houve especulações acerca do sistema de projecção, a meu ver não há nenhum sistema de projecção, houve especulações acerca duma chamada carta plana-quadrada, que teria sido até inventada segundo alguns pelo Infante Dom Henrique, a carta plana-quadrada é um perfeito equívoco, e o António, e o António mac[...], e o António Barbosa mostrou-o, num livro que publicou, e que teve reedição, aliás publicou também, e a reedição, foi paga exactamente pelo Instituto de Alta Cultura, foi há pouco aqui falado, não foi pelo Senhor Professor Abreu Faro, mas foi por um dos seus antecessores, que publicou, a reedição do António Barbosa, que tem o se[...], tem um título muito comprido "Subsídios, eh, para a História da Cartografia Portuguesa", é um título muito comprido que eu agora não sei reproduzir, eh, textualmente. mas aí ele prova duma maneira muito f[...], muito... clara, a meu ver, que não há lugar para tais discussões; e por uma razão, ele diz o seguinte: de facto, nas cartas portuguesas, a partir de determinado momento, como se começaram a observar, no mar, latitudes, nas cartas portuguesas foi inserida uma escala de latitudes, embora as cartas não estivessem preparadas para isso. foi abusivamente, podemos dizer, inserida uma escala de latitudes e mais tarde alguém teve a ideia de transferir a mesma escala de latitudes para o equador, o que deu como resultado que a carta está, não expressamente mas implicitamente, dividida em pequenas quadrículas. é uma quadrícula. e então nasceu a tal célebre carta plana-quadrada, que efectivamente não foi com esse intuito que o cartógrafo desenhou a carta, foi um acaso de sucessivas, foi uma consequência de sucessivas... abusos, porque se é, se já a escala de latitudes era um abuso, porque a carta tinha sido desenhada por [...] magnéticos e por distâncias estimadas, em que, a, em, a passagem dessa escala para o equador foi outro abuso. bom, esses eram os problemas da cartografia que estavam em suspensos, mas em mil novecentos e sessenta deu-se um grande passo. deu-se um grande passo quando se publicou a "Portugalia Monumenta Cartographica". + + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 80/Cartografia Portuguesa.wav b/Portugal/Anos 80/Cartografia Portuguesa.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..a3452e42fc5673aff1daebcb9a9c13d865b2c840 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/Cartografia Portuguesa.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:e1464c0ab1e3aa38f943b6e98bf7dbecaf3b3c62be9cd5250f576ba0616b9c2a +size 12861926 diff --git a/Portugal/Anos 80/O Leiloeiro.txt b/Portugal/Anos 80/O Leiloeiro.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..4bacd068e08447a66da527aa287a4ac9df93a3b0 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/O Leiloeiro.txt @@ -0,0 +1,79 @@ +TÍTULO: O Leiloeiro +LOCAL: Portugal - Porto +DATA: 1989 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Leiloeiro + +OBSERVAÇÕES: Este texto foi extraído de uma gravação do programa de televisão "Às dez" da RTP - Porto + + + + + +- vamos agora falar da sua actividade de leiloeiro. ah, já há muitos anos que é leiloeiro. + +-> há vinte e cinco. + +- o que é que é necessário para ser um bom leiloeiro? claro que tem que se conhecer as peças + +-> é... + +- tem que se, tem-se um trabalho de bastidores, digamos assim. + +-> é um ba[...], um trabalho de bastidores muito intenso. é preciso uma pessoa ter uma preparação, como antiquário, bastante grande, ler diariamente, estudar diariamente, estar a par dos valores que se praticam no estrangeiro pelas várias peças, porque não há dúvida nenhuma que há muitas pessoas e eu estou-me a referir, por exemplo, às pesso[...], aos directores de museus, sabem muito bem, conhecem todas as peças, mas os valores comerciais das peças são praticamente os lei[...], os leiloeiros que as conhecem, porque é com esses valores que se trabalham, todos os dias, não é, eh, pois, eh, eu realmente até para vários museus e para companhias de seguro, enfim, sou procurado para dar valores, ah, para efeitos de seguro, de certas e determinadas peças, porque, na verdade, nós, os leiloeiros e antiquários, é que estamos realmente preparados para comercialmente dizermos o valor de determinada peça. + +- é ao leiloeiro que compete avaliar a peça + +-> sim. + +- ou ela já vai para leilão avaliada? + +-> não, a peça, eh, quanto a mim, deve ser lei[...], deve ser avaliada pelo leiloeiro, e a base de licitação deve ser imposta pelo leiloeiro. às vezes as pessoas vão entregar uma peça e dizem "ai eu vendo esta peça mas não vendo por menos de xis". o leiloeiro pode concordar ou não com a proposta da pessoa. eu, no meu caso, devo dizer, eu, no meu caso, tinha e tenho este princípio: as peças que vão ser licitadas, debaixo da nossa inteira responsabilidade, ou, a avaliação é nossa. a partir daí é com o público: quem mais der. + +- senhor Acácio Luz + +-> [...] + +- uma questão que me surge, ah, quando um leiloeiro está a fazer a avaliação de uma peça tem que saber que ela é, eh, fidedigna. + +-> ah! pois. tem que fazer, tem que ir peritar e especialmente na pintura. hoje há inúmeras vigarices, quem, desculpe-me o termo, mas é mesmo isto, e... que é preciso detectar, pois há, pintor morre, passado... uns dias aparece logo obra bastante desse pintor, não é, e, e claro, como [...] + +- significa que nem sempre são autênticas. + +-> não são autênticas. há realmente um mercado de, de falsidades, falsificações bastante grande, mas eu também lhe vou dizer que nós não somos os melhores e os maiores falsários do mundo, pois os outros países, ah, já andam nisto há muito mais anos e as falsificações lá fora são dum volume extraordinário, não é, aqui ainda estamos a dar os primeiros passos mas mesmo assim é preciso cuidado, não é, + +- que tipos de leilões é que faz? de todas as peças? + +-> sim, faço leilões de tudo. praticamente de antiguidades e também fazia leilões judiciários. o leilão judicial é um leilão, é um leilão com outras características, ah, porque, enfim, são peças, eh, industriais, são, eh, peças que foram apreendidas por qualquer motivo ou por falências, mas eu nunca gostei muito dessa faceta. + +- prefere os outros. + +-> eu prefiro, e gostei sempre das coisas mais difíceis, e, e realmente tenho este princípio, eu... continuo a estudar, gosto da mi[...], muito da minha profissão e, e cada vez que estudo, mais, mais me convenço que sei pouco. + +- porque é que... + +-> isto é uma profissão tão difícil, tão difícil... + +- não é fácil ser leiloeiro em Portugal? + +-> hum, ah, para mim um leiloeiro com, dos pés à cabeça, é muito difícil. é muito difícil porque em Portugal nós temos que saber de louças, temos que saber de pratas, temos que saber de jóias, temos que saber de quadros, temos que saber de móveis, enquanto, por exemplo, as grandes empresas mundiais dos leilões têm técnicos, por exemplo, na pintura, do século dezoito, do século dezanove + +- especializado. + +-> cada um exclusivo, especializado nas várias, eh, técnicas e nos, várias p[...], espécies + +- [...] + +-> nós aqui temos que fazer tudo. + + + + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 80/O Leiloeiro.wav b/Portugal/Anos 80/O Leiloeiro.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e8958317da4e2966bd3e0b20db5a2ea7b8081ead --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/O Leiloeiro.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:436d2107a9a7000da6ddb0d8cac55500df0ca1a2f3482e07df4b93f4a4c83dfb +size 11584232 diff --git a/Portugal/Anos 80/O Pai da Medicina.txt b/Portugal/Anos 80/O Pai da Medicina.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..3642a973b39408de5f5eed13da832872d9a2b735 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/O Pai da Medicina.txt @@ -0,0 +1,21 @@ +TÍTULO: O Pai da Medicina +LOCAL: Portugal - Lisboa +DATA: 1989 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 56 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Médico + +OBSERVAÇÕES: Este texto faz parte de uma entrevista realizada na RTP. + + + + +-> para nós o pai da medicina tem sido Hipócrates, cujo juramento ainda continua a estar actualizado. viveu quatrocentos e sessenta anos antes de Cristo e Hipócrates dizia sobre a alimentação que, ah, o estômago é uma espécie de panela de guisar, onde os alimentos são cozidos no calor do próprio corpo. é uma, uma, uma noção extraordinária. duzentos anos antes de Cristo, Galeno, um outro médico, ah, grego, conseguiu demonstrar que o que circula nos nossos vasos não é ar mas sim sangue. isto, isto fo[...], teve realmente muita importância. contudo nós entrámos num período de trevas durante a idade média, em que praticamente, ah, não houve conhecimentos acerca de nada ou pelo menos o conhecimento estava estagnado. e, ah, ao ler a, a história de tudo isto, ah, é com uma certa pena que vejo por exemplo o relato de um, um médico italiano, Santoris, que no fim do século dezasseis concebeu uma balança onde num dos pratos tinha uma cadeira onde ele passou grande parte de trinta anos, muitas vezes até dormia nela, e pesava tudo o que comia e bebia e pesava tudo o que excretava, ah, ah, quer fezes e urina e via que havia uma diferença de pesos. ah, ele notou sempre essa diferença de pesos e nunca encontrou uma resposta para, para esta questão. o, no século, ah, dezasseis, no, perdão, no dezasseis já falámos, no século dezassete, com a invenção do microscópio, já começou a, uma investigação e, mas o grande pulo vai no, já no século dezoito, ah, com um francês a estudar o que é que acontecia aos alimentos na, no estômago; um italiano também que, ah, se, fez estudos sobre a, o, a, as transformações dos alimentos, ah, que ao passarem pelo, pelo estômago e até, ah, qual era a função do suco gástrico; e um inglês, Boyle, que é considerado o pai da química, vem, acaba por referir que há qualquer coisa no ar, eh, sem a, a, a qual nós não podemos viver; e Maillon continuou, ah, esses estudos, até dizia que essa qualquer coisa que existe no ar entra nos nossos pulmões, é transportado pelo, pelo s[...], ah, pelo, pelo sangue e chega a todas as partes do corpo. contudo estas considerações que são tão válidas e s[...], tão verdadeiras só cem anos mais tarde é que foram aceites. e por quem? quem é que vai realizar esses estudos? ah, Lavoisier, de quem já vos falei, o francês que foi considerado o, o pai da, da nutrição, e que morreu na revolução francesa... + +- nada se perde, nada se cria, tudo se transforma... + +-> exactamente, foi o que, ah, morreu decapitado na, na revolução francesa. e, é, f[...], é Lavoisier que vai descobrir que esse algo que está no ar é o oxigénio. e oxigénio quer dizer no latim, ah, um gerador de ácidos. no século seguinte é o século da, da grande investigação. é o pulo para a investigação. o século dezanove... dá classificação dos alimentos de origem animal, de origem vegetal e o grupo dos gorduras e óleos. depois vêm todos, ah, ah, franceses e ingleses a, a fazerem experiências. é interessante que, por exemplo, um francês, Magendie, ah, ah, fez a experiência com cães, que, se não tivessem alimentos com nitrogénio, morriam. depois, alguém foi ver que alimentos eram esses e esse foi Müller, que, eh, chamou a esses alimentos com nitrogénio proteína, que quer dizer a primeira coisa, a primeira vida, como também já aqui vos referi. e finalmente Hopkins vem pela primeira vez falar de substâncias acessórias dos alimentos, abrindo caminho para, para as vitaminas, que só vêm a ser descobertas neste século, como eu já vos falei, por Funk, em mil novecentos e onze. + + diff --git a/Portugal/Anos 80/O Pai da Medicina.wav b/Portugal/Anos 80/O Pai da Medicina.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..3bbcfe0beec9f019bdcc82fa06a96d17d9175e16 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/O Pai da Medicina.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:05037efa75bd850e43715b3bf881f522b6eacde7df3140e4f6f08ae15344f68b +size 10396420 diff --git a/Portugal/Anos 80/O Quotidiano e a Lei.txt b/Portugal/Anos 80/O Quotidiano e a Lei.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..50fc254b9c0e5eb8559cd8403ab6e62cdcde303c --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/O Quotidiano e a Lei.txt @@ -0,0 +1,25 @@ +TÍTULO: O Quotidiano e a Lei +LOCAL: Portugal - Porto +DATA: 1989 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 45 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Advogado + +OBSERVAÇÕES: Este texto foi estraído de uma gravação do programa de televisão "Às dez" da RTP - Porto. + + + +- chega-nos agora uma carta de uma telespectadora do Porto; «vivo maritalmente com um senhor há dezoito anos numa casa arrendada a ele. pergunto: se o meu companheiro morrer, tenho ou não direito à casa?» + +-> chegou-nos problemas do, da transmissão do direito ao arrendamento que tanto temos falado. ora bem, a nossa telespectadora não nos esclarece se o seu companheiro é uma pessoa casada ou não. isso é importante. porquê? porque ela terá direito a que se lhe transmita o direito ao arrendamento desde que o seu com[...], companheiro não seja casado, portanto, seja solteiro, viúvo ou divorciado ou desde que, sendo casado, esteja separado judicialmente da mulher. portanto, nesta situação - no fundo, duma pessoa que não está já ligado verdadeiramente à mulher por laços legais - eh, nesta situação o companheiro vivendo há mais de cinco anos em comunhão de vida idêntica à dos cônjuges, que é o caso da nossa telespectadora, tem o direito a que se lhe transmita o arrendamento. evidentemente - e suponho que será a situação - desde que no prédio não vivam pessoas com um grau de parentesco ou de afinidade em relação ao arrendatário, ao companheiro da nossa telespectadora, que, para as quais se transmita o direito ao arrendamento. já aqui tenho dito portanto que o companheiro está em último lugar na situação de transmissão do contrato de arrendamento. neste caso presumo que a senhora viverá sozinha com o companheiro e transmite-se-lhe o direito ao arrendamento nas condições que referi. + +- surge agora uma carta dum telespectador de Portalegre. diz o seguinte: «sou casado mas estou separado da minha mulher há doze anos. pergunto: que passos hei-de dar para ela não ter nada a ver comigo nem eu com ela?» + +-> bom, a respunta, a resposta é... óbvia embora careça de algumas explicações. é óbvia porque o passo que tem que dar é tentar divorciar-se da mulher. é a única forma de não ter nada a ver com ela e de ela não ter nada a ver com o nosso telespectador. ah, poderemos adiantar mais alguma coisa que ajude o nosso telespectador a resolver o assunto, uma vez que pelos vistos, eh, ignora totalmente - o que é compreensível - ignora totalmente estas situações. ah, o primeiro aspecto é que, se o conseguir, deverá tentar resolver a dissolução do casamento através do divórcio por mútuo acordo. será aconselhável, será preferível. para isso terá que resolver fundamentalmente três problemas, se é que eles existem todos. havendo filhos menores terá que resolver o problema dos filhos menores, entrar em consenso com a mulher sobre... chamada regulação do poder paternal dos filhos menores. concretamente em três aspectos: primeiro lugar, saber a quem ficam confiados os filhos menores; em segundo lugar saber o direito de visita do outro progenitor com quem os filhos não ficam; e em terceiro lugar, a pensão que ficará a pagar aquele dos progenitores que não fica com os menores à sua guarda e cuidados. depois haverá que se ver resolvido o problema do direito à habitação da casa de morada de família; saber quem fica com o direito de habitar na casa de família, ao menos até à partilha do, dessa casa, se ela for comum, ou saber para quem fica o direito ao respectivo arrendamento, se se tratar duma casa arrendada. também tem que haver acordo quanto a isto. finalmente tem que haver acordo quanto à pensão a pagar por um, por o cônjuge que careça dela ao outro cônjuge. isto é fundamental, a verificação destes acordos. por último tem que ser apresentada uma relação dos bens comuns do casal e, preenchidos esses requisitos, é possível requerer o divórcio por mútuo consentimento. se por ventura a mulher do nosso telespectador não estiver disposta a acordar com ele neste divórcio por mútuo consentimento, ele tem pelo menos um fundamento evidente que a carta revela: está separado dela há doze anos. a separação por mais de seis anos, separação de facto por mais de seis anos consecutivos constitui fundamento de divórcio. para isso é necessário propor uma acção em que se tem que alegar e provar essa mesma separação e alegar e provar também que existe da parte do nosso telespectador o intuito de se divorciar da sua mulher. + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 80/O Quotidiano e a Lei.wav b/Portugal/Anos 80/O Quotidiano e a Lei.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..2c2cd616584e211a0b6d5a92c80cbff65b34636b --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/O Quotidiano e a Lei.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:88f9f31d23b2cad841cde790241ed57a676710b91f06076901d3bcb6506fd49b +size 12607960 diff --git a/Portugal/Anos 80/Os Poderes do Chefe de Estado.txt b/Portugal/Anos 80/Os Poderes do Chefe de Estado.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..fcce2696d3db026e9440604bcdbbd75c1dab62db --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/Os Poderes do Chefe de Estado.txt @@ -0,0 +1,70 @@ +TÍTULO: Os Poderes do Chefe de Estado +LOCAL: Portugal - Lisboa +DATA: 1990 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 65 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Presidente da República + +OBSERVAÇÕES: Este texto foi retirado de uma entrevista da Rádio. + + + + +- [...] + +-> porque eu estou a falar em questões que vêm muito de trás, nós não podemos esquecer que o nosso país esteve parado no tempo durante cinquenta anos, e depois destes cinquenta anos em que esteve parado no tempo e apesar dos progressos imensos que fez a demo[...], a democracia ao país, a democracia, o hábito da democracia por um lado, por outro lado, ah, a nossa adesão à Comunidade Europeia, representaram um choque e uma grande, uma grande modificação, uma grande mudança em Portugal, como eu também reconheço + +- exacto + +-> no país, mas nós gostaríamos que... tivesse sido erradicada completamente a miséria, e sabemos que nos meios urbanos continua a existir, eh, muitas barracas e que as condições de habitação para muitos portugueses são ultra-deficientes, eh, sabemos que existem carências muito grandes na nossa sociedade a vários níveis que gostaríamos de ver naturalmente modificadas. pode isso tudo ser modificável de um dia para o outro? naturalmente que não! isso não vem muito de trás? pois vem. eu estou a chamar a atenção para uma situação e porquê? poque nós estamos numa fase de grande desenvolvimento. indiscutivelmente, e eu digo, nos últimos anos o país deu grandes saltos, quer no aspecto da melhoria do nível de vida dos portugueses e quer no aspecto de certas infra-estruturas, eh, como também na própria mentalidade dos portugueses porque a, a própria mentalidade dos portugueses está a ser modificada e desenvolvida. isso eu reconheço. mas em relação àquilo que nós precisamos e em relação aos nossos parceiros comunitários nós estamos de facto em atraso + +- [...] + +-> e temos que ter a consciência desse atraso para andar mais depressa e o que e[...], e o que eu quero é que se ande mais depressa. + +- exactamente. o senhor presidente lamenta nessa, nessa ordem de ideias que de facto, por exemplo, a, a máquina entorpecedora da burocracia não tenha sido movida de outra maneira, não... + +-> exacto, exacto, eu penso que a sociedade civil... + +- que a reforma do estado não tenha ido mais longe, não é, + +-> exacto. eu penso que a sociedade civil, e penso que sobre isso não haverá dúvidas nem polémicas políticas à volta disso, eu penso que a sociedade civil está a andar mais depressa que o Estado e que os corpos, e que os diferentes corpos do Estado. mas não quer dizer que esse seja uma responsabilidade do governo ou uma responsabilidade d[...], da oposição ou deste governo ou daqueles que foram o governo no passado. não é nessa matéria que eu estou a entrar. + +- justamente eu gostaria... + +-> estou a fazer uma constatação de facto. + +- justamente eu perguntava-lhe era se, se o senhor presidente em vez de ter sido o presidente consensual que torna de si hoje, ah, o presidente que sete de cada dez portugueses quereriam comprar segundo uma sondagem recentemente publicada, se tivesse assumido um protagonismo mais activo... + +-> apesar de os presidentes não se comprarem. + +- apesar de os presidentes não se comprarem. + +-> nem em s[...], nem em sentido literário. + +- tem to[...], tem toda a razão, mas enfim é uma liberdade de expressão dessa sondagem. se tivesse assumido um protagonismo mais activo não poderia, embora com evid[...], com, talvez com um desgaste maior da sua popularidade que é neste momento enorme, não poderia ter ajudado a avançar essa reforma do Estado de que, que enfim, que considera tão necessária? + +-> penso que não, penso que não. porque, justamente isso é um dos aspectos que eu trato neste prefácio e que é um dos aspectos interessantes, acho eu, porque põe um problema de... sistema, de sistema político e de funcionamento desse mesmo sistema. o presidente da república não tem no nosso sistema funções executivas. quem tem as funções executivas é o governo. na medida em que o presidente da república queira avançar mais do que deve, cai numa área de conflitualidade. e então é pior a emenda do que o soneto, desculpe-se-me a expressão, porque pode querer agir com as melhores intenções mas o que provoca são as maiores pertubações. e eu tive a prudência de não cair nesse aspecto. não por razões eleitorais que nunca estiveram no meu espírito e por i[...], porque eu tenho como sempre, como sabe e sempre dito que não desejo recandidatar-me. não por razões portanto eleitorais que nunca estiveram no meu espírito mas por leitura que faço da constituição e coerência. eu há muito tempo que digo que o presidente não deve intervir. o presidente não tem que intervir na área do, do executivo, tem que respeitar o executivo e tem que ter solidariedade institucional em relação ao executivo. + +- em todo o caso, senhor presidente, o que está em jogo nesta globalidade das questões europeias, eh, que se nos apresentam, não justificava, com todos os riscos que acaba de, de anunciar ou, enfim, de, de relembrar, uma intervenção mais dinâmica da sua parte? + +-> poderia eventualmente justificar se ela me fosse solicitada, mas só nesse sentido, porque como quem orienta a política externa do país é o governo, obviamente que eu não podia nunca, ah, permitir-me tomar iniciativas em matéria de política internacional, nesse aspecto ou noutros, sem estar em concordância com o governo. + +- tem sido solicitada, essa intervenção? + +-> nalguma medida tem, noutra medida não. + +- isso, entende isso como uma queixa ou, ou um reparo ou... + +-> não. naturalmente que não é uma queixa + +-> visto que eu não, não tenho idade nem posição para me pôr em bicos dos pés e estar a dizer "aqui estou eu, aproveitem-me". + +- claro, claro. + +-> se entendem que me devem aproveitar, pois que me aproveitem e eu naturalmente estou ao serviço do país. agora não posso é eu tomar iniciativas numa área que não é da minha competência. + + + diff --git a/Portugal/Anos 80/Os Poderes do Chefe de Estado.wav b/Portugal/Anos 80/Os Poderes do Chefe de Estado.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..c5da417aba8ed13a2cf357cbd89a6828ddad7fbe --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 80/Os Poderes do Chefe de Estado.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:422aa03fa66c4a18de8ef19a219f79dbd62f487817f35db6685a65186e3de1c2 +size 14076696 diff --git a/Portugal/Anos 90/A Juventude Ontem e Hoje.txt b/Portugal/Anos 90/A Juventude Ontem e Hoje.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..56eba2622053c73c5b5fd2feadd47ca271f51216 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/A Juventude Ontem e Hoje.txt @@ -0,0 +1,154 @@ +TÍTULO: A Juventude Ontem e Hoje +LOCAL: Portugal - Braga +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 82 anos + ESCOLARIDADE: 11 anos + PROFISSÃO: Professora Primária reformada + + +OBSERVAÇÕES: A filha da informante está presente durante a conversa. + + +-> naquele tempo não, não, não se andava muito ah, ah, sozinho, era, tinha de ser. isto, já está a ver, há sessenta e tal anos. eu estou com oitenta e quatro, faz favor de ver. + + +- eh, eh, disse que naquele tempo não se andava muito sozinho + +-> não. + +- ao contrário do que se passa hoje, não é, + +-> oh, oh, hoje é uma desgraça. só, as, os pequenas - tenho uma sobrinha-neta que aos catorze ou quinze anos já queria, sei lá, andar sozinha, não queria n[...], era de noite e de dia, tudo mais, já sabe como é. elas agora entendem que a, que a liberdade e a felicidade que se constrói assim mas... está bem. + +- e acha que os pais actualmente podem fazer alguma coisa? + +-> não podem, porque q[...], se quiserem prender em casa, estragam tudo. porque eles vão, encontram-se uns com os outros "ou o teu velho faz assim, o teu velho faz assado, eu não ad[...], eu não admitia isso, eu fugia", até a[...], aconselham isto. portanto, os de fora, se todos se, se reunissem e fossem homoge[...], uma, uma educação homogénea, não! mas não é. porque cada um o que se quer é ver livre dos filhos. não se preocupam com o futuro deles. preocupam-se com o bem-estar deles e que tem a sua fa[...], eu bem sei que agora a, a altura também não é para brincadeiras. o pai trabalha, a mãe trabalha, os filhos ficam abandonados, não é, eles lá já se habituam a preparar os seus alimentos, etc., etc., tudo coisas que no meu tempo nunca acontecia, não é, e enfim, a, a, a mentalidade agora é diferente porque também a vida é completamente diferente da que eu fui criada. + +- claro. + +-> completamente diferente. de maneira que, olhe, temos de s[...], de andar com os tempos, mas olhe que escandaliza muito. esc[...], é verdade. + +- faço ideia. faço ideia. + +-> escandaliza, escandaliza. lá, olhe, na, na, no meu tempo, Deus me livre. então! nós, as festas do Carnaval e tudo o mais fazíamo-las no colégio. de maneira que vestiam-se umas de rapaz, outras de raparigas e faziam os bailes, etc, etc, as que fossem mais magrinhas era, eram rapazes, as que fossem mais rechonchudinhas eram meninas, olhe, e nós éramos felizes, no meio daquilo tudo éramos felizes. mas... enfim. não tínhamos as aspirações que agora têm estas meninas agora, não, não. + +- e na sua opinião, como é que isto vai evoluir para o futuro? + +-> eu, eu não sei. olhe que, preocupa-me muito isto. porque daqui, mas também digo: as telenovelas brasileiras têm tido grande influência nisto. eu acho que, ou, eu não sei, o senhor doutor não se perde com as telenovelas mas, nós agora, entretemo-nos. eu vejo que não há rapariguinha nenhuma de treze, catorze anos que sim, que seja enfim uma, uma, uma rapariguinha s[...], s[...], s[...], direita, séria. e estão mortinhas por, por conhecer toda a vida etc, etc. ora isto, as de cá também vêem isto + +- claro. + +-> e acham que é tudo muito natural. e é porque é natural mesmo. agora nas nossas universidades é, é, é, é o que, é o que se sabe, não é, + +- pois é. + +-> tem grande influência, também, isso tem, porque se a, se o, se as... telenovelas tivessem um, enfim, um, antes de serem exibidas, se, se as fiscalizassem e etc, etc, ajudavam muito a modificar isto. assim não. vamos cada vez para pior. + +- para pior. + +-> vamos cada vez para pior. infelizmente, mas, mas vamos, vamos. + +- mas eu estou convencido que... nem sequer no Brasil a vida é como as telenovelas mostram. + +-> ora é isso. eu também estou convencida. mas fazem muito mal. + +- pois. + +-> fazem mal. porque eu quantas e quantas vezes eu digo ao meu marido "é impossível que seja tudo assim, porque isto, isto é uma pouca vergonha. tanto faz casados como solteiros, como miúdas, como miúdos tud[...], tudo aquilo, tu[...], tudo, é mesmo, só, só pensam em, em sexo e porcarias e... é só na te[...], naquilo. aquilo é, tem de ser. porque se não, pronto. + +- este hábito que as, que, que a juventude tem de tratar os pais por os velhos... + +-> pelos velhos, os meus velh[...] + +- concorda com essa maneira de tratar os pais? + +-> mas isso é brasileiro. isso é brasileiro. + +- acha que sim? + +-> os velhos. é, é. eles t[...], na, na televisão cá vem ele "ai o meu velho faz assim, o meu velh[...], o meu coroa, o meu velho", é tudo isto assim. + +- acha bem essa maneira + +-> não! + +- dos filhos se dirigirem aos pais? + +-> não. e tratá-los por tu, ainda menos! esta trata. os outros dois não. esta é mais atrevida. mas, mas a, mas os outros dois não. e eu nunca lhe dei licença de tratar por tu. até o neto agora também que a mãe na[...], trata, o neto também trata, o filho dela. mas não gosto porque perdem um bocado do respeito. não gosto não, não gosto. + +- portanto acha que os seus outros filhos r[...], a respeitam mais que a s[...]? + +-> muito mais, muito mais. nunca, nunca nos tra[...], nem um nem outro. sentem muito, muito medo. + +- sim. mas... + +-> é, é. + +- se calhar, isso, não é isso o mais importante, não é... + +-> não é o mais importante mas olhe que tem influência. tem, tem. os outros dois são mais respeitadores do que esta. estou pro[...], pr[...], dá o sermão no[...], logo aos pais c[...], por menos de nada. e, e os outros não fazem isso. + +- é a mais nova? + +-> é, é, é, é por isso, é. é a mais nova, é a única rapariga e, e, pois o pai... tinha sempre um fraco pelas meninas, depois sempre nasceu esta e... enfim. foi, foi mais... mal educada. + +- acha que as meninas dão mais trabalho a educar do que os rapazes? + +-> eu hoje dizia que antes queria três, três filhos do que um fi[...], dois filhos e uma rapariga. a rapariga dá sempre mais canseira. mais canseira. é mais difícil. mas... também há, há ca[...], há alguns casais, também já tenho encontrado alguns casais que dizem que são mais felizes com as raparigas, principalmente no estudo. + +- hum, hum. + +-> que são mais cuidadosas que o rapaz, que os rapazes. esta não foi. esta não foi assim muito, não. aquilo foi mais obrigada senão... + +- [...] + +-> Deus me livre! mas o, o, os rapazes também lá deram conta de si, vamos, mas, mas est[...], mas esta também deu, mas, mas foi mais um, à força. mas, ah, mas eu, nesse ponto não tive essa sorte. mas, há, há pessoas, há casais que nos têm dito "ai, as meninas são mais cuidadosas, são mais aplicadas, são assim, são assado", está bem, pronto. que seja assim mas eu p[...], por mim não reparei assim muito lá, cá, comigo. + +- mas não acha que agora dá mais apoio, se calhar, que os irmãos, não? + +-> sim! agora está aqui + +- ah! + +-> na, mora aqui pegado mesmo + +- hum, hum. + +-> e assim. agora está bem. bem, mas, eu digo no, no tempo em, de meninas, dos meninos. + +- claro. + +-> era muito refilona, muito refilona. + +- a quem terá saído? + +-> não sei. a mim não. ai, não, não, não, não. não, não, não! [...] já viu, a força dela?! + +- [...] + +-> é, é, a mim não saíu não, que eu, eu, eu tratava a minha mãe - ai meu Deus - se a minha mãe me ch[...], quando a minha mãe me cha[...], chamava "ó dona Adília" eu já não sabia de, "que virá por aí?" e nunca a tratei por tu, nunca na vida. e d[...], quando ela me chamasse com aquelas senhorias todas eu desconfiava logo que havia mouro na costa. mas... não, não. nós também estávamos pouco tempo com ela. mas mesmo assim. + +- a sua mãe era professora? + +-> não, não era. + +- ah, desculpe. + +-> era doméstica. era doméstica. + +- era doméstica. + +-> o meu pai é que era + +- [...] + +-> tesoureiro da câmara, n[...], em Lourenço Marques. + + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/A Juventude Ontem e Hoje.wav b/Portugal/Anos 90/A Juventude Ontem e Hoje.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..a3c04874ab75272881c05e5c43688084722cb9c7 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/A Juventude Ontem e Hoje.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:7368e8454a8df2b128888a778ac88c890da5fb8bac67b4ad64d1bbe0e2b0291e +size 19756388 diff --git a/Portugal/Anos 90/Amassar e Cozer.txt b/Portugal/Anos 90/Amassar e Cozer.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..749cb74c0d3203f5d83779fe112f5d3494408628 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Amassar e Cozer.txt @@ -0,0 +1,237 @@ +TÍTULO: Amassar e Cozer +LOCAL: Portugal - Camacha, Porto Santo, Madeira +DATA: 1994 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 62 anos + ESCOLARIDADE: Analfabeta + PROFISSÃO: Trabalhadora do campo e bordadeira + + + + +- pois é. então como é que se fazia o pão, senhora Maria? + +-> ora fazia-se o pão; quando era de trigo da terra, peneirava-se a farinha duas vezes e ao depois é que se deitava dentro da vasilha. era um [...], podia ser uma vasilha de pau e podia ser uma vasilha de barro e agora praticamente é nestas, eh, banheiras plásticas. tenho a minha banheira que é mesmo só daquele... serviço. + +- então e as vasilhas de pau eram, como é que lhe chamavam, a essas vasilhas? como é que se chamavam? + +-> eram uma celha. + +- uma celha. + +-> uma celha ou um alguidar. quando era redondo, quer dizer [...], dum, dum tronco de madeira + +- hum. + +-> fazi[...], primeiro faziam, daquele tronco grande cortavam um pedaço, tiravam-lhe aquela... parte toda + +- o meio + +-> e ficava... inteiro. + +- hum, hum + +-> era o alguidar, mas... + +- a esse chamava-se o alguidar? + +-> chamava-se o alguidar. e havia outros que eram com as tabuinhas postas, tal e qual como as cartolas. + +- hum, hum, hum. + +-> é como as cartolas + +- pois. + +-> eram mais... + +- já estou a ver como é que é. com arcos de ferro e tudo. + +-> sim senhora. minha mãe + +- sim senhor. + +-> chegou a amassar bastantes vezes numa dessas. e agora praticamente isso acabaram e é... nestas p[...], banheira pla[...] + +- portanto + +-> numa banheira + +- e... + +-> plástica + +- e peneiravam aí para dentro. + +-> peneirava-se. + +-> peneirava-se duas vezes. tirava-se, a gente dizia, tirava-se o farelo e ao depois coava-se para, para tirar o rolão. desse mesmo rolão havia gente que fazia o pão. fazia o pão de rolão para... torrar ou comer mesmo assim. ficava gostoso. do trigo da terra. esta farinha da padaria cá não tem rolão + +- pois. + +-> e a outra amassava-se, já sabe, amassava-se o pão, depois acendia-se o forno. quando a gente via que o forno estava muitos dias... sem cozer pão, dava-se-lhe mais uma coisinha de lenha para, para fazer o desconto. e quando a gente amassava de oito em oito dias, já se sabia mais ou menos o forno, que a temperatura que andava quente, e o pão... deixava-se a levedar na, na banhe[...], no alguidar. + +- mas como é que fazia? o que é, tinha que misturar outras coisas no... portanto... + +-> não! fermento + +- peneirava + +-> o fermento e o sal! + +- já pode entrar. está aqui filha, [...] + +- ah, é v[...], é para entrar para aqui. + +- é a sua filha? + +- chega-te + + [...] + +-> deitava-se o fermento e o sal. + +- e como é que, como é que fazi[...], como é que arranjava o fermento? + +-> a gente tinha o nosso fermentinho sempre de casa, a gente chamava só o crescente. deixava-se... + +- chamavam-lhe o crescente ou... + +-> o crescente. tinha aquilo b[...], ou deitado numa tacinha, e tapado e à no[...], na Sexta-Feira à noite, a gente deitava uma coisinha de água quente + +- [...] + +-> deitava-se uma coisinha de água quente, aquilo amolecia mais... da[...], uma coisinha de farinha que a gente via mais ou menos que dava para o pão... deitava-se aquele pedacinho de fermento, no outro dia amanhecia lêvedo, aquele fermentinho que a gente tinha feito. abafava-se bem abafado e no outro dia... + +- pois. + +-> com licença! no outro dia estava lêvedo, deitava-se naquele pão. depois fazia-se-lhe a, acabava-se de, de amassar. fazia-se assim, dava-se uma coisinha de farinha por cima, uma cruz, as toalhas por cima. quando a gente via que estava bom de tender para cima da mesa, tendia-se, ao passo que o forno ia aquecendo e ao depois estava o pão... quente, o forno estava quente, deitava-se, fazia-se uma rosquilhinha, faz-se uma rosquilhinha para experimentar mais ou menos o calor do forno. quando a gente via que abrasa, deixa-se ficar mais um pedacinho. mas ali uns cinco minutos, seis minutos que a gente vê que a rosquilhinha que não, não tostava de calor, deitava-se o pão, pois... + +- pois. + +-> quando, às vezes t[...], às vezes tirava-se um pão, dois, experimentava-se, batia-se [...] ainda está pesadinho, cozia mais um bocadinho e assim ia... + +- batia-se por baixo? + +-> batia-se por baixo, fazia-se assim, aquela coisa e sentia-se mesmo o, o peso de, do pão e quando estava cozido tirava-se e abafava-se. partia-se para o almoço ou com peixe ou com carne, ah, o que nosso senhor deparava. + +- hum. + +-> sim! eu, faz do[...], Sábado quinze dias eu amassei. faz agora Sábado quinze dias eu amassei. + +- e portanto, cá nunca se misturava... batata... doce no...? + +-> onde é que está minha querida? + +- não há? + +-> não havia. há batata doce mas está quase a quatrocentos escudos. + +- não, mas antigamente, não se costumava misturar? + +-> antigamente quem tinha de casa... misturava. amassava, cozia-se a batata, pela[...], descascava-se, e ao depois ama[...], amassava-se separado e ao depois é que se deitava no pão. limpava-se bem limpinho para não levar... + +- mas ficava o pão melhor, era, com a batata? + +-> ficava! é du[...], é, dura mais dias, eh, o pão mais fofo + +- hum, hum. + +- hum, hum, + +-> e a [...] a maior parte do tempo, era sem batata, minha filha, porque não havia batata + +- no continente nunca se pôs batata. + +- nunca! pois. + +- nunca se pôs batata no, batata doce no pão. + +-> ah, não põem?! + +- nunca! nunca! + +- não, não. + +-> ah, nem no Funchal, aquela [...], aquela parte + +- sim, sim. + +-> mais das freguesias + +- fazem. + +- é, é. + +-> acho que estão mais [...], mais costumadas à coisa + +- sim, sim foi aí que eu aprendi que se punha... + +-> mas eu já tenho visto pão das freguesias, ou é nã[...], não lhe dão o fermento que deve de ser, ou eu não sei + +- mas portanto o fermento é o crescente, é? + +-> é o crescente para... + +- chama-se crescente? + +-> é o crescentinho que fica sempre. e quando a gente quer deitar um pedacinho de fermento inglês, nunca se deita no crescente, o fermento inglês. + +- então? à parte... + +-> é... à parte, junto com a farinha, porque o fermento inglês, indo para o crescente, apodrece mais o pão mais depressa. + +- hum. + +- hum! + +-> aquele crescentezinho que a gente temos, tem que se ir sempre, sempre, sempre do nosso de casa. não le[...], não tem que levar fermento nenhum. agora a farinha cá pode-se-lhe deitar fermento inglês, porque... + +- pois, pois. + +- pois. + +-> antes de, de, de, de amassar o pão, tira-se outra vez o crescentezinho, do fermento que se fez à noite + +- para ficar para a outra... + +-> se, para guardar. é assim. + +- pois. + +- sim senhor. enta[...] e, eh, e que, que é, de que é que se fazia pão? de que farinha é que se fazia pão? + +-> era far[...] de, era + +- só + +-> de trigo, é de trigo ou de cevada, minha mãe chegou a amassar pão de cevada. + +- de cevada. + +-> e o pão de cevada... + +- e mais nada? + +-> e bolo de centeio. cá que havia pouco centeio. mas havia gente que mesmo não fazia. dizem que... o centeio, que o, que a cevada, que ficava o pão melhor. mas o meu pai nunca fazia assim grandes porção de centeio que chegasse a debulhar para fazer centeio para mandar moer. havia gente que fazia, aqui no nosso, porque isto aqui a parte onde o campo de aviação comeu, isto era um sítio, que era o sítio das areias, que era onde a minha mãe morava. + + + + + + + + + + + + + + + + +3 + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Amassar e Cozer.wav b/Portugal/Anos 90/Amassar e Cozer.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f1a17a8b18290e58aa6964fc0ded66c9429f253c --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Amassar e Cozer.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:4d82aab46e2a4e32d59b8c4f31d47c0842d2ded303789a19c7fef2b98a9feab1 +size 17674764 diff --git a/Portugal/Anos 90/As Grandes Cidades.txt b/Portugal/Anos 90/As Grandes Cidades.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e6ddf381eb6cfde6bc35fff19ca08ce67af39a69 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/As Grandes Cidades.txt @@ -0,0 +1,189 @@ +TÍTULO: As Grandes Cidades +LOCAL: Portugal - Porto +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 42 anos + ESCOLARIDADE: 10 anos + PROFISSÃO: Secretário + + + + +- eu acho que as pessoas do Porto têm uma maneira muito especial de viver, não é, + +-> eh, sim, eh, não sei, eh, eu, como sou daqui, sempre fui, nascido e criado aqui, não sei. não posso muito falar, acho. de facto, sei lá, não gosto de Lisboa, por exemplo. + +- não gosta? + +-> vou a Lisboa e venho-me embora. + +- porquê? + +-> porque não me sinto bem, porque, e já tive lá amigos, mas, não, eh, sei lá, eu acho que é diferente das pessoas aqui do norte. são mais individuais, mais fechadas no, e, não é o ser mais fechadas, mais, tudo mais isolado. + +- pois. + +-> já está muito mais... metrópole. Lisboa é mais parecido com uma metrópole. o Porto ainda tem espírito de aldeia, do, da, do bairro. da, as pessoas, eh, preocupam-se mais, são mais solidárias. Lisboa já é mais... + +- pois. + +-> anónima. + +- pois é + +-> [...] é isso + +- eu penso que de facto as pessoas são mais próximas aqui. + +-> é. aqui as pessoas são, estão mais próximas. é. isso se calha[...], isso, para mim, por exemplo, prontos! não, é uma coisa que me afecta logo de imediato. não, não me sinto bem em Lisboa. + +- hum, hum. + +-> começo por chegar lá e... diz-me pouco. + +- pois. + +-> não é, eh, a[...], até mesmo, ah, sei lá!, das vezes que lá estive e que até fui um bocado forçado a "fica e tal, fica mais uns dias", não sei quê. e eu achava que havia um certo vazio, que as pessoas que, que era assim um bocado falso, coisa muito plástica. não, o norte não. as pessoas são mais, têm outra comunicação, outro... + +- eh, eu penso + +-> mais interessadas no humano + +- pois. + +-> Lisboa, vá, mais, eh + +- eu penso que isso também em Lisboa é quando a gente olha assim de fora, não é, porque depois também há os grupos que em relação + +-> claro, também há os grupos, exacto. mas pareceu-me um bocado diferente daqui do Porto. é evidente que as pessoas de Lisboa também chegam aqui, e, e também têm essa sensação, não é, um bocado. + +- não, mas eu noto + +-> embora reconheçam mais que há mais + +- hum, hum. + +-> eh, que há o, um, digamos, há outro calor humano. + +- é, é. + +-> muito diferente. e eles gostam muito. eu notava que as pessoas quando eu ia a Lisboa queriam que eu ficasse, porque gostavam do tripeiro, do + +- pois. + +-> dos gajos do p[...], do norte, eh, era uma coisa que eles não tinham, um bocado, aliás eles chegavam-me a dizer, algumas pessoas, que era isso, que... + +- sim. eu pessoalmente penso que as pessoas do norte são mais comunicativas + +-> é. + +- têm um espírito diferente. + +-> sim, sim. têm um espírito diferente. + +- e quanto mais para o su[...], para mim Lisboa ainda não é o pior + +-> ainda, eh, pois. + +- quando se chega ao, a Faro, por exemplo, eu acho que é muito pior do que Lisboa. + +-> Lisboa. eu por acaso nunca fui lá para baixo, para o Algarve. + +- não?! + +-> é que depois também nunca gostei muito de ir para o sul. + +- pois. + +-> e nunca fui ao Algarve, tem piada, nunca me interessou + +- pois. + +-> muito ir. primeiro achava que aquilo que de facto seria interessante de Verão mas depois... é montes de gente, a coisa é assim, uma coisa que, prontos, já não me, não, não estaria interessado. para fazer umas férias, de facto, não era... o ideal. + +- hum, hum. + +-> a confusão, a turbulência, a agitação do... consumista e tal, não, dizia-me muito pouco. + +- é + +-> depois, de Inverno também não se propiciava + +- pois. + +-> e acabei por não, e também de facto noto que, quanto mais se vai para sul, prontos, mais há esse tipo de problemas, mais, e nós sentimos um bocado isso, não é, eu, por exemplo, gostei muito de Paris por ver muitos portugueses, por encontrar portugueses + +- hum, hum. + +-> e o português no estrangeiro é muito diferente, quer ele seja do norte ou do sul. é sempre... + +- é português! + +-> comunicativo, pois, é português! é isso. se calhar isso acontece com toda a gente, não é, não, mas nota-se que são mais comunicativos, não há, não se nota tanto essa diferença. + +- hum, hum. + +-> talvez pelas pessoas estarem fora do seu país, não é, + +- pois. + +-> mas, há... mais interesse, eh, mais, eh, são mais solidárias + +- pois. + +-> interessam-se mais pelo, pelo outro. hum. + +- talvez. + +-> porque, estão, também estão um bocado mais indefesos, não é, + +- pois. + +-> mas, gostei por causa disso, por exemplo. eh, hum, era uma coisa que me levava a sentir bem, embora eu, nesse aspecto Paris achasse que também fosse muito anónimo. muito mais anónimo do que Lisboa. + +- pois, ainda é maior, não é, + +-> ainda é muito maior, não é, de facto, as grandes cidades parece-me que criam uma situação de anonimato, de isolamento, de + +- mas se calhar, as f[...], há, eh, penso que + +-> inclui a realização, não é, + +- pois. se calhar, actualmente há muita gente que procura, eh, justamente esse anonimato, vá para as grandes cidades para ter esse anonimato. não lhe parece? + +-> eh, não. eu acho que as pessoas que estão a ir para as cidades, para mim, primeiro porque parece que aqui se trata de uma questão de so[...], de sobrevivência. o campo não tem condições para as pessoas viverem e... tudo o que é progresso, evolução, quer dizer, pode ser para o bem ou para o mal, não sei + +- hum, hum. + +-> eh, não chega ao campo. e, por outro lado, é que as pessoas vêm para a cidade um bocado para procurar isso, e uma melhor qualidade de vida, porque de facto está na cidade, não é, qualidade, se calhar no sentido errado, não é, porque, eh, tenho certas dúvidas se de facto se vive melhor na cidade do que no campo, não é, mas prontos, eh, por outro, as pessoas é o isolamento, é, é estarem mais em comunicação com o mundo. coisa que, eh, o campo não possibilita, não é, + +- pois. + +-> e... + +- pois. se calhar é isso. mas... + +-> e é um bocado isso. depois claro que se criou o anonimato porque... se começa a misturar gente de muitos lados, não é, e as pessoas também, prontos, a, a cidade já por si está a impor, de certo modo uma tendência para o ano[...], anonimato, para o desconhecido, para, pessoa, prontos, só está relacionada com um número e mais nada, não é, porque, não sei se interessará ao poder, de certo modo [...] + +- acha que o poder + +-> está interessado um bocado no anonimato, não é, + +- em que aspecto? + +-> em todo. até para sua própria defesa, não é, se as pessoas de facto não se comunicam entre si, eh, não podem ser solidárias, não é, + +- pois + +-> e estão cada vez mais afastadas de um problema, que pode ser colectivo e, e também individual, não é, eh, um problema qualquer que surja, não é, eh, as pessoas aí, eh, não estão, não estão, eh, preparadas para se defenderem colectivamente, por exemplo + +- hum, hum. + +-> não é, vê-se isso no mundo industrial, não é, em que se criam diferenças entre as pessoas que trabalham e... se procura que hajam interesses pessoais para que, eh, cada um tenha qualquer coisa a defender e não haja espírito de que há... uma coisa colectiva a defender, não é, isso vem do poder e vem + +- hum, hum. + +-> prontos. e depois, eh, de certo modo o anoni[...], o, o isolamento e o anonimato, não é, a, a individualização, eh, acho que é uma maneira muito inteligente de, eh, de acabar um bocado com lutas colectivas, a nível do, da discussão política, da, da coisa política em si, não é, + +- hum, hum. diff --git a/Portugal/Anos 90/As Grandes Cidades.wav b/Portugal/Anos 90/As Grandes Cidades.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..ddb8b2a239f6b8e0be3a1236e9da2e56b2367e6d --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/As Grandes Cidades.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:61cf2c6692b14b7cc70d852c219553c9f15398a507effb95f7b600765a73ddf4 +size 19069090 diff --git a/Portugal/Anos 90/Boa Pontaria.txt b/Portugal/Anos 90/Boa Pontaria.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..8620851bb5d509d9b95bd2a23e47489600f57d5a --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Boa Pontaria.txt @@ -0,0 +1,141 @@ +TÍTULO: Boa Pontaria +LOCAL: Portugal - Beja +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 35 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Funcionário de seguros + +OBSERVAÇÕES: Participam na conversa alguns interlocutores naturais de Beja. + + + + + +-> eh pá, eu tenho várias histórias, tenho várias histórias de caça. concretamente agora dessa, não estou a ver exactamente qual é que a história... + +- histórias de caçadores. + +-> ai tu estás a referir, eh, há umas que são brincadeiras, há outras que são, que são... + +- reais! + +-> que são verdade. eu não sei exactamente se tu queres uma dessas de... + +- que tu foste buscar o pato dentro de água, a nadar. + +-> ah! já sei! já sei! essa já sei qual é que é. mas essa, por acaso, foi de Inverno. mas essa, por acaso, foi de Inverno. + +- verídica? + +-> foi. essa foi verídica. essa foi verídica. + +- então conte-nos lá isso, já agora. + +- está tudo excitadíssimo! + +-> não, essa, eh, foi... durante o mês de, de Dezembro. eu estava, tinha ido sozinho, e tinha ido aos tordos. ali estive, ali estive, mas não havia meio de aparecer nada. de maneira que, às tantas, quando já estava exactamente para vir embora, comecei a ver um grande bando de patos. e comecei a ver que se estavam a querer fazer exactamente àquela albufeira onde eu estava. e disse "eh pá", fiquei logo todo entusiamado, procurei esconder-me e colocar-me... num sítio onde lhes pudesse chegar. às tantas eles realmente lá vieram e eu derrubei um ou dois patos. só que um apanhei-o, só que o outro caiu dentro de água. "ora que grande azar" [...] mas isto dos caçadores, quando deixam a caça entrar [...] não gostam de a perder, de maneira nenhuma; eu cão não tinha - ele estava a falar no cão mas eu nessa altura não tinha cão - antes tivesse! antes tivesse! de maneira que, eh! [...] como é que eu agora o, o apanho? ah! eu bem que jogava pedras, mas não ia lá. digo eu assim: "bom! isto só há uma maneira". fui, tinha o carro próximo, liguei o carro, liguei a chaufagem, liguei tudo, despi-me, pus-me em pêlo, e enchi-me de coragem, lá fui, trouxe-o, mas vinha a tinir com frio. e imediatamente me meti dentro do carro, eh, com o chaufagem ligado e lá me vesti então. era essa que ele estava, era essa, João, que estavas a querer referir? + +- pois, esta podia também, também, essa é uma entre muitas. + +- m[...], mas + +-> mas há muitas + +- sim? + +-> há muitas histórias e há, há muitas delas em que... se contam até por graça. + +- hum, hum. + +-> e posso-lhe contar uma - esta é por graça e, e claro que mete muito exageros. mas isto era do... velhote, lá da Amareleja, que, pronto, caçava com uma daquelas espingardas muito velhas, já toda muito velha e toda muito presa com arames, e só dava um tiro. e era daquelas de atacar pela boca. então, quando estão lá, o pessoal da Amareleja, que ele caçava, com uma manta às costas, então, sai daí uma lebre, ele estendia a manta, "pum!" atirava e depois ia apanhar as peças que caíam da espingarda. bom, mas depois começa a haver aquelas espingardas de cinco tiros. "cin[...], cinco tiros! cinco, então mas a minha também dá cinco tiros! a minha também dá cinco tiros". e então o que é que o [...] resolve? meter cinco cargas. e vai então, vai com o filho, iam os dois passando em linha, às tantas saiu uma lebre. saiu uma lebre, ele puxa da espingarda, "pum!" ele vai para um lado, fica com um bocado da coronha na mão, cai, o resto vai para o outro lado. e o filho: "eh pai, eh pai, eh pai, o que é que, eh pai", "foge filho, foge, que ainda faltam quatro" + +- essa é uma maravilha. + +-> claro que esta é exagerada. + +- sim. essa para ser verdadeira era um bocado, mas isso deve ser preciso uma paciência de Job para estar ali parado numa porta à espera que o pato passe. + +-> não. depende, há alturas em que é preciso esperar, esperar, esperar. mas, eh, é uma questão de gostar. + +- não se pode fazer barulho nem nada, não é, + +-> não é conveniente. quando muito... tentar imitá-los ou com a voz ou então com um aparelho qualquer. + +- e eles deixam-se enganar? + +-> d[...], deixam. + +- ah, é? + +-> em certas situações. depende. há alturas, não, não nos podem é ver. + +- ham, ham. + +-> não nos podem é ver de maneira nenhuma. se nos vêem, está tudo estragado. aí já lá não, já não aparecem. porque de uma forma geral, e à tarde, eles têm... determinado tipo de hábitos. + +- [...] + +-> então vêm sempre um ou dois, que passa, gira, vem, baixa e depois vai-se embora. + +- para fazer o reconhecimento, não é, + +-> é. tipo reconhecimento. eh, não há nada, normalmente quando vem zzz, vem tudo. vem tudo de uma vez. + +- isso é o pato? + +-> sim, sim. os patos. + +- então, e com as lebres e as maganas das lebres e... + +-> eh pá, a, a lebre tem uma caça diferente. a lebre tem uma caça, da maneira como n[...], como aqui se caça no Alentejo, é sa[...], é caç[...], caça de salto. é o nome... do tipo de caça que se dá, à lebre e à perdiz. + +- hum, hum. + +-> caça de salto, há caça de batida, há diversas maneiras de caçar. mas à lebre, de uma forma geral, é de salto que se caça aqui no Alentejo. + +- e chama-se de salto porquê? + +-> de salto, talvez por... se andar sempre de um lado para o outro. + +- ah! + +-> não parar. eh, organiza-se, à lebre pode-se caçar sozinho, com um cão... + +- hum. + +-> lá... com o cão à procura. mas utiliza-se, normalmente chama-se caça de salto quando é à lebre e à perdiz. há uma linha... de caçadores, que se organizam e combinam as posições de cada um e, eh, e é u[...], e uma c[...], e de uma certa forma a táctica, hum... + +- hum, hum. + +-> utilizada, não é, e [...], porque, e é necessário também conhecer os terrenos, para se saber as crenças da, da caça. aquele, pronto, normalmente quando fogem de um lado, se fugiram daqui vão para ali, se fugiram dali vão para a[...], vão para outro lado. e depois caçar de uma certa forma. de uma certa forma é, é, é chamada asa de caldeirão, que as car[...], as pon[...], as pontas + +- hum, hum. + +-> vão bastante mais adiantadas do que o, o miolo. + +- hum, hum. + +-> eh, começam a andar, é necessário conhecer o terreno, e aí anda-se bastante. aí anda-se bastante e a caça sai muitas vezes inesperadamente. e aí sim, aí anda-se bastante. + +- isso aí é um verdadeiro desporto. + +-> aí sim. aí é, aí é que se anda. aí é que sim. aí não há... + +- em compensação tens a caça ao javali em que podes fi[...], tens que ficar ali... quietinho, não é, + +-> depende. depende da maneira como, como, justamente como se caça. aí sim. aí é que se puxa... realmente... + +- a caça ao javali é, é uma coisa séria. + +-> é. é diferente. é outra coisa. é completamente... diferente. + +- não é perigoso, o javali? + +-> ah! coitado dos bichos! perigosos somos nós! + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Boa Pontaria.wav b/Portugal/Anos 90/Boa Pontaria.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..8695f45a35da48714dbf79987bc885d00f749e96 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Boa Pontaria.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:9c20f8f3af76830f800391d8dafce09077a61d177bd632c2ec55934877701a1f +size 19633646 diff --git a/Portugal/Anos 90/Bom Senso e Bom Rosto.txt b/Portugal/Anos 90/Bom Senso e Bom Rosto.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..bdc0f7d4b6f2ddae0616d83382a079cf13e37e64 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Bom Senso e Bom Rosto.txt @@ -0,0 +1,138 @@ +TÍTULO: Bom Senso e Bom Rosto +LOCAL: Portugal - Lisboa +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 55 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Vendedora de cosméticos + + + + +- e é, é sobretudo uma clientela feminina, isso nem é preciso perguntar?! + +-> sim. não, sim, nós temos uma gama também para, para homem. eh, e já tivemos essa gama, portanto muito mais completa. mas, de qualquer das maneiras, temos uma gama, pronto, de creme hidratante para a pele, uma opção after-shave, eh, águas-de-colónia, after-shaves, mousses de barbear também, temos, embora, claro, que os produtos abundem, mais, em quantidade para, para a mulher, não é, + +- hum, hum. eh, na sua opinião, os, os homens não necessitam de usar produtos de beleza, como é que...? + +-> bem, eu acho que sim. todos os homens, o, a, a pele é igual. precisamente. eu os ho[...], acho que os homens devem-se tratar. o que é, é que não está muito nos hábitos dos nossos... homens portugueses, não é, + +- hum, hum. + +-> porque em França, quando eu entrei na firma, havia uma linha bastante completa de homem, onde tinham um peeling, que é um esfoliante para limpar a pele em profundidade, para retirar as células mortas, eh, pronto, pontinhos negros e depois uma máscara. e de facto era óptima. é, é, era ópti[...], eram óptimos esses produtos. só que não tinham aquela venda, pronto + +- hum, hum. + +-> enfim, que a, que a Yves en[...], entendia que havia de, de ter, e eles acabaram por tirar cá no nosso país, em Portugal retiraram + +- hum, hum. + +-> e em França continua a haver, é evidente, já estão mais mentalizados. isto passa por uma preparação também. que é necessária, não é, + +- a máscara, é de facto, é um creme + +-> é u[...] + +- que se aplica, não é, + +-> po[...], é um creme. sim. o que é, é que tem outra... função. uma máscara, pronto, é um creme mai[...], eh, eh, a máscara deve ser utilizada, tanto um peeling como uma máscara é um tratamento extra, que se deve fazer no final de semana, portanto, de oito em oito dias, para fazer uma limpeza mais em profundidade, pronto. + +- hum, hum. + +-> e, e pronto. e é muito boa [...], deixa a pele muito macia, especialmente o peeling, deixa a pele muito macia, limpa os poros, vai dar origem a uma renovação celular muito mais rápida e depois a, a máscara vai dar todos aqueles elementos que são necessários à pele. + +- hum, hum. eh, o que é que terá feito com que os homens portugueses não se interessassem por esse...? + +-> eh, não sei. isso há muitos factores. olhe, o, tenho a impressão que o primeiro é o factor económico, também + +- hum, hum. + +-> e depois cla[...], não sei eh, eh, eu não, não sei muito bem, mas, ah...! + +- o factor cultural, não acha? + +-> cultural também. sim. também o factor cultural, acho que sim, também, isso também, pois, os, eh, certos hábitos que não foi, não foi adquirindo ao longo da história, não é, + +- hum, hum. + +-> os portugueses... + +- não, não se costuma dizer que os homens querem-se feios, como é que é? + +-> não, isso, o homem não se quer bonito, para não ser ... + +- sim. mas que se querem feios, sujos e não sei quê. + +-> ah, eu não sei. não, eu na[...], pronto, a mulher evidentemente está sempre com medo de perder o seu homem, não é, + +- hum, hum. + +-> e então também não o, não o, não, não lhe interessa muito estar a embonecá-lo, não é, talvez com m[...], com, com m[...], com medo, enfim, mas penso que não. eu acho que, que isso já não tem razão de ser nos nos[...], no nosso tempo. acho que não. + +- com medo que ele seja catrapiscado + +-> eh... + +- por outra... + +-> exacto. exacto. então! depois, dizem, segundo diz a lenda que cabe a cada homem sete mulheres, não é, veja a posição da mulher, não é verdade? não gosta de repartir, não é, isso não... sei. + +- e o próprio homem não sentirá que perde a sua virilidade? + +-> não. isso acho que não tem razão de ser. acho que não. então porque é que há-de perder? pelo contrário, se ele se, se vai usar coisas que ele possa se sentir melhor, muito ma[...], enfim, eu acho que não. qual é, perde a virilidade porquê? acho que isso não faz r[...], sentido. + +- não. claro! eu não digo que, que f[...], que perca a virilidade + +-> exacto. + +- por isso. o que eu digo é que alguns podem pensar que perdem. + +-> é, pronto. eles podem pensar porque, pronto, ah, na cabeça deles, eh, não estão mentalizados, pronto, não estão muito mentalizados para isso, não é, eh, é tudo uma questão de educação, acho eu, e de princípios. + +- pois. + +-> leva o seu tempo. + +- e acha que [...] + +-> o homem hoje está muito mais aberto já, enfim, a certas mudanças, não é, que não estavam os nossos avós e... + +- claro! + +-> eh, e pronto, enfim, as gerações muito anteriores. hoje o homem está muito mais aberto. + +- hum, hum. e acha que com o tempo essa, essa evolução... + +-> sim, sim. eu penso que sim. eu acho que sim, que com o tempo que o homem vai... criando hábitos e vai mudando. acho que sim. mesmo hoje um homem já se interessa bastante por usar um after-shave, portanto a seguir à barba, eh, pôr uma água-de-colónia, enfim já acha es[...], que isso é um produto necessário, não é, e já por norma o homem, isso usa. agora um creme hidratante ou, enfim, fazer um, um tratamento especial à, à cara é natural, pronto, que a maior parte não estejam de facto mentalizados. eh, pronto, eh, enfim, ainda perdura assim uma mentalidade um bocadinho antiquada. mas eu penso que os nossos jovens que já estão noutra direcção. + +- hum, hum. e... + +-> isso seria os, os homens antigos, enfim + +- hum, hum. + +-> mais antigos, vá! + +- eh, talvez também porque são coisas minuciosas, estar a fazer uma máscara demora tempo. + +-> não é, não demora nada. a máscara, eh, isso era antigamente, quando fazia-se aquelas máscaras, eh, pronto, em casa, caseiras, isso é que, pronto, a preparar, e tudo isso. hoje não! hoje está tudo, o campo está todo facilitado. é um creme como outro qualquer, que se põe na, na pele. e depois fica. a maior parte, eh, das máscaras é para ficar, nem é preciso retirar. a menos uma máscara de firmeza. essa normalmente é necessário, porque ta[...], forma uma pasta e, portanto, e estica a pele e é necessário depois, eh, nós lavarmos a cara. mas há máscaras já com as duas propriedades: de firmeza e de... hidratação que são utilizadas como um creme. não é necessário depois retirar. eh, eh, ah, a não ser que a pessoa, pronto, sinta que está um bocadinho engordurada, ou assim, pode passar um lencinho para tirar o + +- hum, hum. + +-> o excesso. mas não, não há necessidade. portanto isso, não é d[...], nem absorve muito tempo. é uma questão de hábito. + +- hum, hum. + +-> não é, a pessoa todos os dias lava os dentes, toma o seu duche e tudo isso. se o homem também se mentalizar que todos os dias tem que pôr um cremezinho na cara para amaciar, é uma questão de, de há[...], de um hábito adquirido + +- hum, hum. + +-> hoje, que a mulher hoje já tem esse hábito, não é, sente essa necessidade. portanto, em pôr o seu baton, ou em pôr um bocadinho de base na, na cara, pôr um pó-de-arroz, pintar os olhos, hoje em dia a maior parte das mulheres já sentem essa necessidade. pronto! e, porque adquiriram esse hábito ao longo dos anos. e os homens também, acho que, com o tempo, lá chegarão. a, não, enfim, não pintarem-se, mas pelo menos a porem o seu creme. não pintarem, é como quem diz, porque enfim, os a[...], artistas pintam-se e não há mal nenhum nisso, não é, + +- claro. para actuarem. + +-> sim, homens. e até mesmo os jornalistas vão para a televisão e tudo isso e a gente vê que eles estão maquiados. + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Bom Senso e Bom Rosto.wav b/Portugal/Anos 90/Bom Senso e Bom Rosto.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..5bb535d4eec535df14f5834cc4072839f17f8775 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Bom Senso e Bom Rosto.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:2f471cf0badcc8838c78ed278c6ecc0debb9ef486a5c667fb5c3cc9402e41878 +size 15656964 diff --git a/Portugal/Anos 90/Bruxedos.txt b/Portugal/Anos 90/Bruxedos.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e0fc82e76ccf4ed1746a0741a70aeb1f15c07bd5 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Bruxedos.txt @@ -0,0 +1,97 @@ +TÍTULO: Bruxedos +LOCAL: Portugal - Roalde, Sabrosa, Vila Real +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 60 anos + ESCOLARIDADE: Analfabeto + PROFISSÃO: Agricultor + +OBSERVAÇÕES: O informante produz por vezes a forma arcaica do pronome indefinido "uma", com queda da consoante nasal e vogal inicial nasalizada; "chocolateira" é um recipiente para fazer chocolate, onde também se faziam feitiços. + + +- ela, ela diz que gosta disto, das bruxas + +- é. + +- então não gosta + +-> u[...], uma ocasião... saí daqui de casa eram onze para meia noite. foi, foi em Junho. aos tantos não sei, mas isto já lá vai, ai, eu estava solteiro ainda. já lá vai há + +- hum. pois. + +-> sei lá! tinha para aí alguns dezoito anos, ou dezanove + +- há cinquenta anos, pronto. + +-> ainda não tinha ido para a tropa e, e eu tinha deixado os bois lá em baixo ao pé do Pinhão. e depois, ali para lá de Vilela eu, há ali, havia ali um atalho para baixo que ia, ia, chamavam-lhe os Muros, quando foi às tantas, aparece-me uma cabra a berrar. e eu digo assim "ah! que grande cabra ali anda. os pastores madrugaram hoje". como os pastores de Verão levavam a fouce e iam, ah, que estavam os pastos secos, iam cortar, eh, folhas aos castanheiros, aquelas pernadas, que era para o gado comer. ora bem, aquilo foi-se amarrando, amarrando, amarrando e eu... digo assim "ai! que cabra tão, tão bonita, se a agarrasse tenho lá em baixo a camboada, prendia-a lá e já, e já tinha uma, uma, uma cabra", eu assim. ora bem + +- [...] + +-> quando, quando ela foi-se amarrando a mim, amarrando a mim e eu olhava para trás, olhava para trás. quando está[...], está[...], havia ali uma fraga muito com[...], muito ao fundo e, e eu olhei para a frente, para descer a fraga, para chegar ao caminho largo, e olhava para trás. ela vai de trás, pimba! prega-me uma turra. e eu conforme pregou a turra viro-me para trás [...] não era nada, ela fugiu, olhe, quantos pinheiros, quantos castanheiros havia [...] baixo caiu tudo abaixo. era uma fim do mundo. caía t[...] abaixo tudo rrr, digo assim "ih Jesus, Maria". + +- caía porquê? + +-> não caiu nada. era o barulho + +- ah! + +-> era o, era o barulho que aquilo fazia. quando foi + +- [...] + +-> quando foi... + +- muito obrigada. + +- [...] + +-> quando foi que cheguei + +- muito obrigada, Deus lhe pague. + +-> quando cheguei à quinta, o caseiro, à noite cozía-me lá as batatas, fa[...], dava-me a sopa, eu andava lá a acartar so[...], solipas, travessas para as linhas do comboio - não sabe onde, q[...], onde a + +- sim, sim, sim. + +-> as linhas do, do + +- assentar. + +-> aquelas coisas de pau que se assentá[...], que, onde assentam na, as linhas, eu, a[...], eu acartei muito disso. à noite, quando foi à ceia, digo assim "ó tio Afonso, carambas, hoje, hoje é que vi uma cabra, tão linda, lá em cima, no, no atalho do cemitério de Vilela". e diz ele "era uma tal cabra!". "então, e então ela berrava, ti[...], tinha os chifres como uma cabra, e tudo, aí, ah, ainda me pregou uma turra" "e não tremeste? foi, foi o que, o que te valeu". pronto! era o diabo, sei lá. sei lá se era o diabo. bem, quando venho para cima estava tudo de pé na mesma. não, não caiu nada abaixo. + +- sim. + +-> mas eu f[...], eu fui logo para trás com uma pedra na mão, eh, ela botava para aí alguns cinco quilos, a pedra. e levava uma vara dos bois, des[...], destas varas enferradas como já, como já mostrei há b[...], bocado + +- sim. + +-> mas a vara parecia-me tão leve! peguei numa pedra, fui logo para trás, logo para trás, e aí eu depois fui-me embora. nunca, nunca mais vi nada. quando era que, hav[...], tínhamos aqui umas encruzilhadas, eh, uns caminhos que uns davam para São Martinho, outros davam Sorados, davam para aqui, e depois, de Verão íamos carregar de madrugada o, pinheiros ou cavacos ou rama ou estrume. os meus irmãos iam no carro, e não viam nada e eu adiante dos bois via a, via as bruxas, de branco a, a dançarem o fado, para aqui, para ali, e para além e, e eles não as viam e eu, e eu via-as. deixá[...] + +- [...] + +-> deixavam aos molhinhos de palha assim, no, nos caminhos com uma, com umas chocolateiras que a gente diz que era feitiços, sei lá! hav[...], havia, havia muito... + +- mas como é que eram? + +-> muito disso. eram, eram, aquilo nem que a gente, se quisesse amarrar aquilo, aquilo, desfazia-se. diz que eram, diz que eram as bruxas, sei lá! eu, eu, eu, aquilo nunca, aquilo não fazia mal nenhum a ninguém. o que é, se pudesse enganar a gente, enganava. duma vez, saí daqui com os bois e mais um irmão meu aí de cima, desse portão, e quando chegámos ali a uma mata, os bois desapareceram e nunca mais os vimos. e levavam a chocalhada. e a chocalhada parou de tocar e, e viemos a casa buscar os fachoqueiros, corremos aquela mata toda - era uma mata aí adiante, basta - e não se viam os bois. quando, quando depois tant[...], tanto andámos, tanto andámos, lá fo[...], fomos dar com os bois em cima ao, ao caminho e depois elas começavam-se a rir. riam-se, mas a gente só ouvia rir e fu[...], e iam-se embora, não se via era mais nada. e não faziam mal nenhum a ninguém. lá agarrámos os bois, apusemos ao carro e fomos, e fomos embora. doutra vez, ia a chegar ao Pinhão, com um carro de, de, de feno, e um irmão meu ia em cima, deitado. e elas soltaram-me um boi, ficaram as sog[...], as, as bolsas da soga na molhelha e caiu a molhelha ao chão e, e ia as sogas às voltas, conforme o meu irmão [...] assim, assim estavam. elas faziam qualquer coisa. quando foi co[...] + +- espantoso! + +-> a, a molhelha ficou debaixo do carro e ia o, e ia o, o carro parou. diz o meu irmão "o que é que foi?" "eu sei lá! o boi está solto". ele desceu para baixo, começou às carvalhadas, saiu de lá um melro do, duma, dumas, dumas silvas "tutchu, tutchu, tutchu". era, eram, eram elas. elas faziam coisas que era uma coisa por demais. + +- aí transformou-se em melro. + +-> [...] era um melro! mas o meu irmão depois dizia carvalhadas para lá a torto e a direito. assim, ai embora, mas a mim, a mim aconteceu-me muito disto. muito, muito, muito. + +- engraçado! + +- engraçado! + +-> diz que, diziam que quem, quem encontrasse as bruxas que lhe faltava a palavra do baptismo. + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Bruxedos.wav b/Portugal/Anos 90/Bruxedos.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..31a2337080763ffd10d7b79e38c5cb28d35a78c8 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Bruxedos.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:2c15ec4f114d82ab1065f1dabd998a33a77c865d42f6ca6388e0762b06b73018 +size 14409584 diff --git a/Portugal/Anos 90/Desporto e Dinheiro.txt b/Portugal/Anos 90/Desporto e Dinheiro.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..a1135fde5145cbc1b51b007d5ab122f37aeed754 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Desporto e Dinheiro.txt @@ -0,0 +1,113 @@ +TÍTULO: Desporto e Dinheiro +LOCAL: Portugal - Famalicão +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 68 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Reformado de hotelaria + + + + +- sabe que eu ainda lhe queria perguntar uma coisa. disse-me que, portanto, que praticou desporto + +-> sim senhora. + +- durante anos, não foi? + +-> sim. + +- eh, nessa altura, o desporto era encarado de uma maneira muito diferente + +-> era encara[...] + +- relativamente, não é, + +-> não ganhávamos nada. + +- não se ganhava nada. + +-> jogávamos de graça e tínhamos isto: não havia iluminação nos estádios, como há agora + +- hum, hum. + +-> íamos treinar sem relva, e como trabalhávamos, às sete e meia da manhã estávamos equipados no campo. no Verão, ainda é fácil + +- claro! + +-> mas no Inverno, com aquelas camadas de neve e, como vinha a lama, e depois vinha a neve, nós a andar parecíamos que estávamos a andar em cima de cascalho. ficava vidrado. custava muito. mas tínhamos amor à camisola. + +- pois. era verdadeiro + +-> mas era isto mesmo. + +- espírito desportivo, não é, + +-> é. conheci grandes treinadores, Roberto Kell, que foi o famoso treinador dos violinos do Sporting, o doutor Eduardo Lemos, foi jogador da Académica, Cesário, que por acaso também no fim da vida dele, depois de abandonar mas que a gente de Famalicão nunca o abandonou, foi um treinador que f[...], esteve, esteve rico, mas dava tudo. e na hora que ele precisava nunca foi abandonado. e nós, os amigos de Famalicão, pusemo-lo aqui, quase de graça, vá, que ele tinha uma reformazita pequena, e depois conseguimos-lhe um lugar no lar. e foi lá onde ele faleceu. hoje tem, no cemitério, que é aqui em Santiago de Antas, que é esta freguesia, e ele está lá com um jazigo digno + +- hum. + +-> de, daquilo que ele foi. + +- sim senhor. portanto, era o verdadeiro espírito desportivo nessa altura! + +-> foi des[...], desportivo. quantas vezes, que, aquilo havia muita falha de dinheiro. iam os jogadores, claro que tivémos que ter um, jogadores, já naquela altura começou-se a fazer contratos, de argentinos, de espanhóis, + +- hum, hum. + +-> mas, jogadores baratos. mas chegava-se ali perto do Natal, já não havia dinheiro para lhes pagar. e então como nós tínhamos um restaurante, fome eles nunca passaram. porque nós davamos sempre de comer. + +- hum, hum, hum. + +-> além de jogarmos de graça, ainda alimentávamos os jogadores. + +- hum. + +-> porque havia, havia muito gosto, muito, havia muita amizade, muito, eles nunca foram abandonados. e mesmo depois de irem embora, tinham sempre dinheiro, nunca ficaram ao abandono. + +- não acha que o, agora, o desporto é mais um negócio do que outra coisa? + +-> isso é, é, eu para mim é pior que um negócio. é uma máfia. + +- ham, ham. + +-> não há honestidade, e está provado e mais que provado que os árbitros que se vendem, porque eu sei de casos, é verdade, os árbitros vendem-se, os jogadores vendem-se, e não há aquela... espírito desportivo que devia haver. embora eles ganhassem, que eu sou de acordo que deviam ganhar. + +- claro. + +-> ganham demais, é um erro. e quando eles dizem que o período de, de, que estão no auge e para ganhar dinheiro que é curto, mas esse, com essa, essa passagem que eles têm, só num ano que eles estivessem a ganhar, há operários que não ganham em toda a vida. + +- exactamente. + +-> portanto, eles que não venham com essas desculpas. agora o que eles deviam era sabê-lo poupar, que eles esbanjam o dinheiro. o dinheiro é lançado fora. e eles só têm vícios e... isso é que está mal. porque m[...], há, há atletas que estão muito bem na vida, e mesmo aqui em Famalicão, aqui não conheço nenhum que esteja mal, que aqui as pessoas conseguiam sempre dar-lhes emprego, tinha, todos bem. não conheço nenhum que acabasse aqui na miséria. também as pessoas não deixavam. há um caso em Famalicão, foi dum jogador que foi irradiado, era o Francisco Pires, que veio do Benfica. foi um grande atleta, um jogador famoso. e há um suborno aqui no Famalicão, que é com o Oriental, que no jogo que vem aqui fazer + +- hum. + +-> foram ter com ele e deram-lhe cinco mil escudos para ele se vender. e ele chegou ao presidente e, e foi-lhe contar. e o presidente disse "olha, guarda o dinheiro e vai para o campo e joga". o que é que acontece? ele foi para o campo e por acaso não conseguiu brilhar, porque estava com aquela, a pensar no, no que se passou, não é, e como não conseguiu jogar. o presidente, o Famalicão nessa altura perde o jogo e o presidente... divulgou o caso porque desconfiou que havia outro jogador que também estava vendido, mas que não sabia. a judiciária veio cá, irradiou logo o Francisco Pires, foi irradiado, que era - para mim era o melhor jogador português naquele tempo - foi irradiado, e mesmo assim as pessoas de Famalicão, dele irradiado, deram, arranjaram aqui uma pensão, pagavam-lhe - era o presidente o doutor Eduardo Lemos - dava-lhe os medicamentos, que ele depois adoeceu do, dos pulmões, e ele, como era assim meio, um pouco, um pouco da vida nocturna, casado, foi para Lisboa, para jogar nos Corporativo dos Correios, CTT + + [...] + + +- há um maior espírito de ligação entre as pessoas. + +-> há. há aqui um senhor, que foi das f[...], maiores fortunas que temos aqui em Famalicão. o pai dele deixou-lhe uma fortuna. era fornecedor, era, tinha... carnes de porco, e ele fornecia o exército - isto já há quarenta anos - e o pai faleceu e os filhos ficaram todos ricos. mas j[...], eles julgavam que o dinheiro que nunca acabava. + +- pois é. + +-> iam ao casino todos os dias, e eram naquela altura três irmãos, levavam dez contos por dia, cada um para jogar. isto há quarenta anos, veja o que isto era. e eles julgavam que nunca mais se acabava. abandonaram o serviço. o que é que acontece? empregados deles, que naquela altura andavam ali de socos e... hoje têm aqui uma fortuna doida, no mesmo isto a que se estabeleciam, lindamente, e conseguiram fazer fortuna. e eles, estão todos aí abandonados, a viver de esmolas. mas mesmo assim, e esse... - que é solteiro, deve ter agora sessenta e oito anos - está no lar dos idosos, porque as pessoas que o conheceram meteram-no lá - no melhor que há é ali - não lhe falta nada. e quando há festas, os amigos lá o vão buscar, quando é o dia dos amigos de Famalicão e isso - e ele vive como um senhor, embora não fosse aquele senhor onde ele chegasse - que ele já nessa altura não deixava ninguém pagar nada. nós íamos com ele fosse para onde fosse - hoje há pessoas aí com fortunas doidas que, à beira deles não eram nada. e todos viveram à custa dele. alguns reconheceram-no. há que, sempre aquele que... vai dando, ainda podia dar uma esmola grande mas vai dando p[...], lentamente, pouco. + +- pois. + +-> é por isso que as pessoas não olhando por a[...], por aquilo que os outros lhe deixaram, podem acabar mal, é sempre por causa deles + +- ah, pois. + + + + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Desporto e Dinheiro.wav b/Portugal/Anos 90/Desporto e Dinheiro.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..5c00f46b338696abb4f94ef0f8d3e926ed791551 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Desporto e Dinheiro.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:635f92031696c323e62af1cebad60a138d59cbb21a9b00f7eed575440122d831 +size 15954642 diff --git a/Portugal/Anos 90/Jogar Futebol.txt b/Portugal/Anos 90/Jogar Futebol.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..5cb71fc9de33a4517d927529dfb44d940be7a95d --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Jogar Futebol.txt @@ -0,0 +1,151 @@ +TÍTULO: Jogar Futebol +LOCAL: Portugal - Faro +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 20 anos + ESCOLARIDADE: Bacharelato + PROFISSÃO: Técnico agrícola + + + + +- portanto, pertences a um... grupo de futebol, tens os treinos mais ou menos diários, é? + +-> sim. normalmente. depende de, vá, da qualidade do clube, do cal[...], da qualidade do campeonato que está a disputar. + +- hum, hum. hum, hum. e esse treino, portanto há uma parte que é mesmo igual para todos, então, não é? + +-> é. há o treino conjunto, que é + +- ah, pois. [...] + +-> pois, futebol. e há o treino técnico específico, que é jogadas ensaiadas, tipo livres, directos, cantos, e depois há outro treino técnico mas... de, da própria técnica em si, tipo, aquilo que eu lhe disse há bocado + +- sim + +-> fintar + +- hum, hum. + +-> receber a bola, rematar. + +- normalmente, eh, quantas horas treina por dia um jogador? + +-> profissional? da primeira divisão? + +- ao nível a que tu jogavas? + +-> ah, p[...], a nível a que eu jogava, pouco. uma vez, du[...], de dois em dois dias, para aí, duas horas. + +- duas horas de dois em dois + +-> mas um jogador do Benfica ou um jogador profissional + +- hum, hum. + +-> da primeira divisão treina quatro horas por dia, ou cinco mesmo. duas e meia de manhã, duas e meia à tarde. + +- é duro! + +-> é duro. + +- e chato também, com certeza, não? + +-> sim, não, um gajo faz o que gosta, é sempre bom. + +- eu penso que, ah! mesmo fazendo o que se gosta há partes que são chatas. + +-> ah, claro! eu, por exemplo, gostava muito de jogar futebol, mas, se jogava ao Domingo à noite, [...] ao Domingo de manhã aliás, Sábado à noite não ia sair. prontos, é logo aquela, mas pronto, não ia sair. e depois há os esfolões, as feridas, eh, aquelas coisas todas. mas prontos isso... a gente está no chão todo esfolado, vê a bola a passar, levanta-se logo e pronto. passa logo tudo. + +- mas, portanto essa história de, de, de mu[...], de na véspera de jogar não poder sair é chato, não é, + +-> é um bocado. + +- e es[...], e a juventude mesmo assim reage... e ultrapassa... + +-> ah! depende, claro. isso só depende de cada um, não é, até há jogadores no Benfica e no Sporting que não, que não ultrapassam, e saem à noite, e vão às meninas, e... discotecas. mas prontos, nunca rendem o, não é, + +- estás a pensar na história recente + +-> do Sekouravi. + +- bom. pois. mas, no meio disso tudo, desse trabalho duro, creio que numa equipa, eh, e é isso que, que eu acho que é interessante, se desenvolve um espírito muito especial, não é, + +-> ah, claro. uma pessoa conviver, não é, todos os dias com o mesmo grupo, depois ainda por cima é tudo homens, não é, + +- hum, hum. + +-> aquilo é, prontos, mais ou menos um desporto de homem, prontos, eh, conversas de homem, aquelas coi[...], aquelas cumplicidades, e prontos, cria-se sempre bons ambientes, bem dispostos, normalmente. + +- bom, e aí há uma questão interessante, que é normalmente diz-se que o elemento feminino num grupo que, que equilibra. + +-> sim, se calhar sim. + +- mas, n[...], em contrapartida, eh, nesse, nessas situações em que só estão homens há um ambiente muito especial que se desenvolve. + +-> é, muito especial. claro. + +- e que não precisa de ser equilibrado, não é, + +-> pois, acho que não. pois, que cada um... é, é, é mais, é mais, são mais expansivos quando é só homens, não é, mas isso é normal. + +- portanto, no fundo não é preciso... o elemento feminino para equilibrar, como se diz então. + +-> sim, numa equipa de futebol, julgo que não será. não, mas há muitas mulheres que gostam de futebol e... + +- eu sei. eu sei que há muitas mulheres + +-> fanáticas [...] + +- mas normalmente as equipas não são mistas. + +-> não, não. não há equipas mistas. + +- pois. + +-> há futebol feminino, mas não há equipas mistas. + +- pois. penso que neste momento é um problema sério, que começa a... + +-> não mas, eh... + +- a levantar-se. + +-> devem ser poucas, prontos, mulheres atletas para jogar futebol de competição com, o futebol é um desporto rijo! + +- achas que as mulheres não... + +-> costuma-se dizer que não é para m[...], não é para mulheres o futebol. + +- é? + +-> o futebol não é para meninas. quando um jogador se queixa "ai, ai! e tal, ele bateu-me". "o futebol não é para meninas". mas, prontos, entretanto, é um jogo duro. + +- é um jogo duro. mas há mulheres que são muito resistentes. + +-> mas, acho que sim, está bem, mas um jogador sente sempre, não é, fazer uma falta a um gajo ou fazer uma falta a uma mulher é sempre, não se sente bem à vontade. ou se está uma mulher à baliza, não é, a gente não vai mandar um bojardão sabendo que pode acertar na cabeça da mulher [...] + +- olha, eh, numa equipa de futebol, eh, tu muitas vezes encontras ali jogadores que são... praticamente analfabetos, não é, + +-> sim. + +- como é que, que os teus, que as tua[...], os teus laços de camaradagem se vão desenvolver com um tipo que é completamente analfabeto? qual é a capacidade de diálogo que vocês têm? + +-> oh, prontos, bem, se vamos falar de cultura, claro que não é a mesma, não é, mas... os diálogos + +- eu estou apenas a fazer perguntas, não... + +-> pois. nos diálogos no futebol baseiam-se muito na, pois, conversa de homens, tipo de mulheres e "viste aquela", "é muito boa!" e tal, aquelas coisas, e depois conversa sobre o jogo e sobre o treino e "vê lá se jogas mais assim e mais assado", nunca entramos em discussões filosóficas, não é, sobre cultura geral porque normalmente não, os jogadores de futebol não são muito para aí virados. mas não digo que não haja. deve haver. + +- achas que... + +-> uns mais espertos que os outros, claro. há jogadores de futebol com, licenciados. + +- pois. normalmente têm-se a ideia que jogador de futebol igual a analfabeto, não é, + +-> sim. não é bem assim. um jogador de futebol para ser muito bom tem de ter... uma personalidade, prontos, não digo cultura, mas uma grande personalidade. + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Jogar Futebol.wav b/Portugal/Anos 90/Jogar Futebol.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9c74f4510b10b1c334e90042e8da2bc2924051ca --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Jogar Futebol.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:c3cc09a0e72eeaffcfb9fd7797d8e47980c35b02e399a565eab0c5657c388151 +size 13612806 diff --git a/Portugal/Anos 90/Na Base Militar de Beja.txt b/Portugal/Anos 90/Na Base Militar de Beja.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..11683fd9646e3a2d9c0bce44e4a1b35308812fca --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Na Base Militar de Beja.txt @@ -0,0 +1,257 @@ +TÍTULO: Na Base Militar de Beja +LOCAL: Portugal - Beja +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 56 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Contínua + + + + +- eh, havia aqui uma base... alemã, não era? + +->[...] sim, a base, eh, número onze. + +- hum, hum. + +-> agora + +- e acabou? + +-> acabou. agora é portuguesa. + +- hum, hum. + +-> é... sim. + +- e isso trouxe, acha que isso trouxe uma grande, o que é que essa base, dava alguma vida especial a Beja? + +-> sim, eh, dava. dava, sim, sim. e, a alemã, prontos, eles, eh, tinham, eh, uma parte aqui de, das... vivendas e assim, que eles eram muito cuidadosos. portanto, tinham tudo impecável. eles não se importavam de se levantar às oito, ou às, às sete da manhã, eles limpavam aquilo tudo, porque têm muito, muito verde, que é mesmo, aqui o bairro alemão. + +- hum, hum. pois. + +-> e agora não. os nossos estão ali, eles são um bocadito des[...], não + +- desleixados. + +-> sim. são. porque nota-se o verde, embora esteja... verdinho, mas, eh, não há aquele cuidado de limpeza, das árvores, eh, mesmo do chão, eles + +- hum, hum. + +-> varriam aquilo tudo, estava impecável. + +- e + +-> por acaso já, há montes de tempo saiu um artigo no jornal sobre isso. + +- sobre este assunto. + +-> sobre esse assunto. + +- e esses alemães que estavam cá, eles misturavam-se com a população local? + +-> sim. embora, prontos, não eram assim muito, mas sim. eh, eh, portanto, frequentavam bares, as discotecas, eh, a piscina, e assim. sim + +- sim. + +-> eles até eram simpáticos. + +- sim.e aprendiam o português, eles? + +-> pois. as pessoas que sabiam, não é, + +- ham, ham. + +->[...], bem, falar com eles transmitiam, portanto, o português bem e eles, eh, o alemão. + +- o alemão. + +-> exacto. + +- e, não chegou a haver casamentos mistos, assim, entre alemães e...? + +-> eu acho que ainda houve, sim, ainda houve para aí uns casamentos, que elas depois abalaram quando eles foram embora. + +- foram embora. + +-> sim. + +- [...] + +-> abalaram. eu, por acaso, conhecia uma rapariga que tinha casado com um alemão, mas nunca mais, eh, a vi, por cá. ela abalou então + +- pois, deve ter ido para a Alemanha. + +-> sim, eles depois venderam as mobílias, porque as mobílias deles não são tão bonitas como as nossas. + +- pois. + +-> e levaram, portanto, algumas coisas + +- de cá. + +-> de cá, de mobílias, porque as nossas mobílias são muito bonitas. as deles é aquele tipo liso + +- hum, hum. + +-> portanto, linhas direitas, uns móveis muito grandes, e eles + +- sólidos, não é? + +-> exacto. e eles acabaram depois por vender. e faziam aí uma venda, que era muito engraçada, de coisas já usadas deles. + +- hum, hum. + +-> e era uma feira que eles faziam. e as pessoas iam ali, compravam, porque eram roupas, eh, vendiam rebuçados, coisas assim. + +- hum, hum. + +-> e era muito engraçado. + +- pois. + +-> uma vez no ano. faziam eles ali. + +- e mesmo a nível do comércio, devia, deve + +-> sim, eles, eles da[...], portanto, davam muita vida à cidade. sim, isso é verdade. eh, compravam muita coisa e, eh, portanto, as pessoas diziam "é xis dinheiro", eles, era o dinheiro que eles davam. enquanto nós, parece que se + +- pois. + +-> que regateamos um bocadito. + +- um bocadinho, claro. + +-> é isso. + +- sim, mas na Alemanha não é hábito + +-> pois. + +- regatear. + +-> é isso. + +- é aquilo, é aquilo. + +-> é. exacto. + +- hum, hum. + +-> e, prontos, e as pessoas que se... aproveitavam, às vezes + +- claro. + +-> até eram um bocadinho mais... + +- pois. + +-> mais que aquilo que era. é assim. + +- pois. mas enfim. olhe, eles ainda estiveram cá muitos anos, não foi? + +-> ainda estiveram. eu não sei, prontos, mais ou menos, eh, mas ainda foram uns anos bons + +- hum, hum. + +-> que eles estiveram. tinham bons carros, boas caravanas... + +- pois. + +-> agora começava esta altura, assim, Maio, mais ou menos, eles lá iam, co[...], para a praia. + +- [...] + +-> gosta[...], adoravam + +- pois claro. + +-> a praia. + +- lá não há, não têm bom tempo como aqui. + +-> mas eu acho que ainda há pouquinhos ali, no bairro alemão, mas ainda há uns quantos, pouquinhos + +- hum. + +-> de alemães, mas ainda há. + +- ficaram. + +-> porque às vezes vejo-os de manhã, portanto, as senhoras ali a passearem com os cães + +- hum, hum. + +-> quando venho para a escola. e então penso que sim. + +- e, a nível de religião? eles normalmente não iam, com certeza, à igreja... católica. + +-> pois, isso não sei muito bem, prontos, que se eles... iam, porque eu sou católica mas... + +- pois. + +-> pelo pouco tempo que tenho + +- claro. + +-> não consigo, prontos. + +- hoje em dia... + +-> só... quando posso, ou quando alguém morre, e depois há a missa, portanto, por aquela pessoa + +- hum, hum. + +-> e, e uma pessoa conhece e assim + +- claro. + +-> pois. mas eu até penso que sim, que eles eram pessoas para, para irem assim também à missa, não sei, mas isso... + +- porque, normalmente eles são, têm, são c[...], são cristãos, mas não são católicos. + +-> pois. é isso. pois + +- pois. + +-> que eu tenho também ouvido... falar, sim. + +- têm... a sua própria, eu tenho, eu tenho uma prima que viveu aqui nessa altura, que era, o marido era militar - mas português, claro - + +-> português. + +- e ela era professora primária, e viveram aqui muitos anos, em Beja. + +-> ah, então foi ali no bairro alemão. + +- foi, foi. + +-> sim. acho que as casas que são muito boas. + +- são. ela tinha uma boa casa. + +-> acho que a construção, e tudo que é, prontos, que era muito boa mesmo. + +- [...] + +-> eu não cheguei ali a entrar, mas, agora, há uma senhora que eu conheço, que está na escola superior agrária, que mora ali, portanto, o marido é tropa + +- hum, hum. + +-> ali agora na base, e ela, eh, d[...], comenta isso. diz que as casas são muito boas. + +- hum, hum. + +-> uma boa construção. + +- portanto, fizeram boa vizinhança, os alemães! + +-> sim. sim, fizeram. [...], acho que nunca dei assim por conta de problemas com eles. + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Na Base Militar de Beja.wav b/Portugal/Anos 90/Na Base Militar de Beja.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9c2357fe851a2a549ebd2830c0231b0e6e7ebfe8 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Na Base Militar de Beja.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:4ed559ddffd8e9db79072c340f4d496ee89b2bd524fe525d78d4cc59c248920d +size 13971938 diff --git a/Portugal/Anos 90/O Linho.txt b/Portugal/Anos 90/O Linho.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..53debb93b7efc1523970b7d103d033490d1b5e67 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/O Linho.txt @@ -0,0 +1,89 @@ +TÍTULO: O Linho +LOCAL: Portugal - Ponta Garça, Vila Franca do Campo, Açores +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 62 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Agricultor + + +OBSERVAÇÕES: O informante produz 'currales' por "currais", fenómeno ainda frequente nas camadas mais idosas da região dos Açores. + + +-> semeava-se, eh, as senhoras co[...], conhecem a semente do linho, não conhecem? + +- sim. + +-> é uma sementinha muito miudinha, não é, + +- linhaça. + +-> é uma lia[...], tratam de linhaça, que é a semente, que até é muito, diz que é muito bom para deitar em vistas quando, quando está inflamado e que no tempo a gente deitava, na nossa casa deitava-se, se tinha alguma coisa dentro aquilo no out[...], a gente deitava um grãozinho daquilo e aquilo limpava a vista, tirava tudo para fora. aquilo semeava-se na terra, um bocadinho de terra daquilo, não é, aquilo crescia, não é, bom, quando estava assim grandinho, aquilo era mondado. tirar aquela erva que não e[...], que não era boa, para o li[...], para o linho crescer. as mulheres, raparigas iam mondar aquilo, nem sequer os homens mondavam. era, se tinham tempo os homens também ajudavam a mondar, mas quase sempre era raparigas que trabalhavam nisso. ele crescia mais um bocadinho, não é, crescia. é, o linho era, com rapazes outras vezes e as raparigas, era todo amassado, debulhado, todo, am[...], para ele amassar + +- [...] + +-> para ele tombar. para ele ficar tombado, a dormir para ali. ficava ali. e ele dali é que se punha em pé outra vez. chegava à fim de muito tempo ele ia-se pondo em pé. até ele espigar e dar a semente outra vez. chegava a altura da semente estar cheia, as pessoas arrancavam o linho e, ah, traziam-no para casa. havia um ripanço - a senhora, não sei se sabem o que é um ripanço + +- [...] + +-> com uns dentes assim de ferro, sim senhora. encostavam-lha, encostavam aquilo num banco + +- calça-se a uma pedra. + +-> calçavam duas pedras aqui que eram pesadas para aguentar o banco, calçavam o, o ripanço atrás com uma pedra, também pesada, não é, e as mulheres ripavam aquilo. para, para a semente cair toda, para, para tirar a semente, para o ano ter semente outra vez. depois do linho estar ripado, o linho era estendido em currais de reses, que havia muito curral de reses + +- [...] + +-> nout[...],num lugar duro, num lugar, não é, na, na terra. num lugar fir[...], num... chão duro. e aquilo estava para ali a secar. acabava de secar, estava ali uma temporada a secar, não é, acabava de secar, o linho ia para o forno. as mulheres coziam pão, e o linho entrava para o forno e coiso, depois de tirar o pão, o forno quente + +- pois, pois. + +-> aquilo estava tudo em manchinhos, para o forno a secar. acabava de, de secar bem. quando ele estava bem seco, havia aqui nesta casa de meu sobrinho, que é aqui, nessa entrada dessa canada havia ali um, umas pedras do mar, que era de amassar o linho. com a ajuda das mulheres todas ali, que aquilo e[...], estava sempre pedido, quando um acabava entrava outro, aqui essa casa, a minha madrinha tinha isso ali. era o lugar de, de ma[...], de amassar bem o linho. + +- com quê? + +-> com uma maça, com uma maça de madeira, eu te[...], ainda tenho lá uma em casa, também. as mulheres lá am[...], amassando aquilo bem amassado, acabavam de amassar o linho, o linho entrava outra vez para o forno. ia outra vez ao forno e do forno ia para as pastagens. se[...], ah, estendiam nas pastagens, depois do pasto est[...], ter, ta[...], estar comido, não é com erva grande, é quando, ah, as vacas acabavam de comer o pasto, as mulheres pediam aos lavradores "homem, tu podes-me deixar estender linho no teu pasto, e assim, assim", ele lá deixava. estendiam aquilo tudo. havia temporadas de vento, que às vezes enrolava aquilo tudo para os cômoros, para as barreiras, alarg[...], era só dizer a elas "o linho está para ir, vocês vão ver o linho que aquilo estava tudo lá pa[...]", lá as pobrezinhas, juntar aquilo outra vez, para deitar aquilo tudo. quando a erva pegava bem no linho, é que o vento nunca mais levantava. + +- pois. + +-> aquilo estava ali uns tempos outra vez em [...] e traziam o linho para baixo. ah, lá l[...], l[...], linho para baixo outra vez para as, havia outras mulheres que trabalhavam no linho, que era... gramar o linho. + +- [...] + +-> com a gramadeira, gramar o linho. depois do linho gramado ia pa[...], para as costas de uma cadeira, para a tasquinha, para tasquinhar o linho. + +- que era para tirar o quê? + +-> eh, para pôr o linho fino. + +- pois. + +-> a tasquinha é que tirava aquela folhada toda do linho, aquilo tudo que não prestava que ia fora. e ficava aqueles cabelos, f[...], aqueles cabelos fininhos, muito fininhos, bem tasquinhado, a mulher estava nas costas da cadeira e com uma tasquinha, que era como uma espada de, tudo em madeira + +- pois. + +-> sempre a dar-lhe e dava, viravam aquilo para um lado e para o outro, tasquinhavam aquilo muito bem tasquinhado. depois de ter bem tasqu[...], eh, tast[...], eh, eh... + +- tasquinhado. + +-> tasquinhado, ia para os teares, para, ah, ah! havia + +- [...] havia + +-> ainda havia uma roca. + +- as mulheres que fiavam... + +-> as mulheres que fiavam, com a, com saliva da boca e estavam com a roca fiando com um fuso. enrolavam aquilo, quando aquilo estava em fio + +- fazer linhas, para fazer linhas. + +-> fazer linha, é, é que aquilo ia fazer obra. + + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/O Linho.wav b/Portugal/Anos 90/O Linho.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..e5d6bfbc99179e247f6b4464adb9bd07c1d88adb --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/O Linho.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:090f9cacbc31cc804841bb98768f1ac8419081d9d875865716e34df28b451ac3 +size 11402734 diff --git a/Portugal/Anos 90/O Marido Ideal.txt b/Portugal/Anos 90/O Marido Ideal.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..eefea192a1060622e3514d4f6019596116b43231 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/O Marido Ideal.txt @@ -0,0 +1,154 @@ +TÍTULO: O Marido Ideal +LOCAL: Portugal - Faro +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 22 anos + ESCOLARIDADE: Bacharelato + PROFISSÃO: Estudante + + + + + +- mas, já pensou que é dif[...], não acha que é difícil, nos dias que correm, para uma mulher, ah, ser... profissional de uma coisa qualquer, e a sua vida de, pessoal? combinar as duas coisas. + +-> tem que começa[...], para já, hoje em dia já é bastante diferente do que era há uns anos atrás + +- hum, hum. + +-> e tem que ser mesmo assim porque acho que hoje em dia tanto as mulheres como os homens realizam-se profissionalmente + +- hum, hum. + +-> e a ligação das duas coisas, sei lá, é uma coisa que vem depois. primeiro vem a profissão, o emprego, o futuro. depois tem que vir o resto. + +- hum, hum. diz que tanto as mulheres como os homens realizam-se profissionalmente. no entanto, eh, para a mulher o realizar profissionalmente implica uma dupla... tarefa, não é, porque em casa normalmente é a mulher que trabalha... + +-> ah, mas isso não pode continuar assim, pelo menos no mes[...], no meu ponto de vista. porque, se ambos trabalham fora de casa também têm que trabalhar os dois dentro de casa. + +- hum, hum. + +-> por isso não pode ser só da parte de uma pessoa, o trabalhar em casa. + +- e está habituada a ver isso à sua volta, ver o homem trabalhar em casa? + +-> não. por v[...], por ver exactamente o contrário é que eu penso assim. + +- hum, hum. e acha que o homem pode facilmente - a mulher aprendeu a fazer tarefas que até aqui há uns anos atrás eram só do homem, não é, + +-> hum, hum. + +- acha que o homem facilmente pode entrar nas tarefas que eram, normalmente, d[...], especialidade da mulher? + +-> tem que se ir habituando aos poucos. porque há homens que quando querem fazem as mesmas coisas que uma mulher, em casa. quando eles não querem é que já é pior. mas acho que sim. acho que aos poucos conseguem. e mesmo, não digo, por exemplo, uma mulher pode cozinhar, não é, mas há outras coisas para além de cozinhar que se podem fazer em casa. e acho que é principalmente isso. + +- eh, na sua opinião, quais são essas tarefas, concretamente, que são... mais fáceis para o homem fazer? + +-> estar sentado a ler o jornal, não. + +- sim, mas isso não. + +-> não sei, mas, por exemplo, a partir do momento em que se constitui uma família + +- sim. + +-> em relação aos filhos + +- hum, hum. + +-> não é, por exemplo, uma mulher pode faze[...], pode fazer o jantar, o homem pode ir lavar a loiça, pode ir levar os filhos à escola, também pode vesti-los + +- hum, hum. + +-> pode, portanto, todos, as tarefas, não é, que podem ser a fu[...], a função duma mãe, podem ser função de um pai também. + +- acha que um homem, acha que um homem facilmente dá, eh, banho a um bebé recém-nascido, por exemplo + +-> não. + +- a escorregar por todos os lados? + +-> não, mas... acho que é uma coisa que... tem que se ultrapassar. por exemplo, eu conheço pesso[...], conheço homens que dizem que não, que não, que não, mas já os vi depois conseguirem fazer isso. + +- hum, hum + +-> têm é que ultrapassar a barreira. é preciso, eu acho que é... mais a questão... de força de vontade + +- hum, hum. + +-> do que, o acomodamento é que leva a que não façam nada. + +- hum, hum. por exemplo, pegar num ferro e engomar a roupa. acha que o homem facilmente consegue ter des[...], paciência, mentalidade para isso? + +-> nem por isso. nem por isso, mas... eu também não tenho + +- ah! bom... + +-> pois. não, acho que as coisas podem ser divididas. acho que há coisas que se calhar agradam mais a um e outras que agradam mais a outro. + +- hum, hum. + +-> e aí, depois tem que se resolver alguma coisa. comigo já é assim, quando vou para algum lado não, não dá hipótese, tem que ser. + +- pois. ma[...], mesmo na, nos casos em que as tarefas são compartilhadas + +-> hum, hum + +- eh, normalmente é a mulher que toma a, o leme da casa e é q[...], é a mulher que tem a preocupação, o que é que se vai fazer para o jantar, etc., não é, + +-> sim. muitas vezes é, mas, é o que eu digo, eu acho que isso se parte de um princípio, quando se, quando se toma a decisão de viver em, em conjunto, as coisas têm que tomar um rumo desde o primeiro dia, porque, se a mulher começa a tomar o rumo da casa e depois passado cinco ou, só, ou dez anos é que decide que o homem tem que trabalhar, aí... as coisas já vão um bocado mal. acho que é uma coisa que tem de partir do princípio. se não partir desde o princípio, não sei se dá muito resultado. + +- bom, isso que me está aí a dizer faz pensar que olha para... a relação do casal como uma coisa muito racional, muito programada, logo à partida. + +-> não. não, não é a questão de ser programada, só que, não, não acho bem que, prontos, quando o homem trabalhava só e a mulher estava em casa, aí até, até era justo que quando o homem chegasse a casa quisesse descansar mais. + +- hum, hum. + +-> agora, a partir do momento em que uma mulher trabalha tanto, mais ou menos, do que um homem, não vejo justificação nenhuma para um chegar a casa sentar-se e o outro trabalhar. + +- e tenciona definir assim as coisas com o seu namorado antes de casar? + +-> ele já sabe o que é que eu penso. + +- já sabe? + +-> já. + +- e, e imaginemos que ele lhe diz "ah, tem paciência, mas eu... lavar louça e, é coisa que eu não faço". + +-> ele já lava. já lava. + +- já lava. + +-> já. ele, por acaso, ele agora até, ele já dá aulas e, portanto está a morar sozinho e as vezes que eu tenho ido lá passar fim-de-semanas, faz o jantar, lava a loiça, arruma a casa, por isso está a ficar bem treinado. + +- portanto, acha que não vai haver... problema. + +-> penso que não. penso que não. mas também não sei se vou pensar casar com ele. ainda me falta tanto tempo. + +- ah, é? + +-> na[...], eu para mim + +- ainda falta tanto tempo para quê? + +-> porque... sem ter a minha vida profissional definida, sem, sem saber que me posso sustentar a mim própria, não é, na, na altura do casamento e se resolver, por exemplo, sei lá, pode acontecer tanta coisa, eu tenho que me sustentar a mim própria. não po[...], eu não entro num casamento a depender de outra pessoa. por isso, até chegar essa altura não. + +- estou a ver que é uma pessoa muito racional. + +-> um, nesse aspecto, um bocado. talvez por causa das coisas que eu já, já vejo à minha volta, não é, + +- hum, hum. + +-> tanto na minha família como em pessoas que conheço. e, prontos, é assim que eu quero, eu não posso dizer que não me pode acontecer outra coisa... + +- hum, hum. + +-> mas, é o que eu espero. + +- claro. mas a pessoa pode-se sempre enganar. mas não acha que, que na, na relação entre as pessoas deve haver também um certo romantismo? + +-> sim, mas uma coisa não exclui a outra. + + diff --git a/Portugal/Anos 90/O Marido Ideal.wav b/Portugal/Anos 90/O Marido Ideal.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..428737dd53b12b979f59b933b8025f24628ee2b3 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/O Marido Ideal.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:2ef89053c2e2a714c5d9f41e49c847ca19573f7193dd146d07fb5879ad41b193 +size 15210666 diff --git a/Portugal/Anos 90/O Trabalho e a Posse da Terra.txt b/Portugal/Anos 90/O Trabalho e a Posse da Terra.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f1f24f0852d3045bfeb4c5bfca3d1d03770cfbc3 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/O Trabalho e a Posse da Terra.txt @@ -0,0 +1,133 @@ +TÍTULO: O Trabalho e a Posse da Terra +LOCAL: Portugal - Beja +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 41 anos + ESCOLARIDADE: 11 anos + PROFISSÃO: Director do Instituto Politécnico + + +OBSERVAÇÕES: O texto inclui uma conversa telefónica, da qual só estão gravadas as intervenções do informante; a mudança de linha significa que o informante fez uma pausa para ouvir o interlocutor. + + +- quer dizer que o problema da reforma agrária deixou marcas profundas, no Alentejo. + +-> deixou, deixou. deixou, sim, sim, sim. deixou. deixou e, pronto, eh, hoje reconhece-se que... possivelmente o caminho que se seguiu não foi o melhor, porque, inclusivamente, os trabalhadores não foram os mais beneficiados. eh, a terra, pronto, em meu entender e daquilo que conheço, acabou por ter uma exploração mais activa, e racional, portanto, havia muita terra abandonada, começou a ser, eh, trabalhada, e havia um uso abusivo, com a plantação de cereais, que de algum modo também começou a ser... repensado, e começou a faz[...], começaram a fazer-se culturas de uma outra dimensão, não é, deixando os pousios, fazendo culturas rotativas, enfim, digamos que houve uma gestão mais racional da terra. de qualquer das formas, houve... aqui questões político-partidárias, eh, havia interesses por trás disso, os trabalhadores continuaram a trabalhar com investimento, com afinco, enfim, com, com dedicação à terra, que no fundo era isso que eles tinham + +- hum, hum. + +-> feito sempre e sabiam fazer. e até gostariam, e gostavam de fazer. eh, no entanto houve alguém que tirou daí dividendos, não é, e as coisas acabaram por, por dar dividendos a esses outros que estavam na rectaguarda, e aqueles que trabalhavam efectivamente a terra não melhoraram a sua... forma de estar na vida, a sua qualidade de vida. + +- o que me está a dizer implica que eles deixaram de ser explorados por uns para passarem a ser explorados por outros. + +-> é um bocado, é exactamente isso. acho que sim. acho que foi um bocado isso que aconteceu. + +- hum. hum. + +-> foi um bocado. sim, sim. aliás, depois quando foi, quando se procedeu à entrega das reservas, das reservas de terra + +- hum, hum. + +-> aos p[...], aos antigos proprietários, verificou-se que muitos trabalhadores se colocaram imediatamente do lado dos proprietários, porque... tinham pelo menos a garantia de ter o ordenado ao fim do mês, não é, cumpriam com um conjunto de determinações e, ao fim do mês, portanto, havia uma maior estabilidade no seu percurso de vida, e no seu trabalho. na situação anterior, portanto, era uma grande agitação, toda a gente, de algum modo, mandava e afinal ninguém mandava, eh, cometeram-se muitos erros por falta de, dum plano de organização, e, eh, naturalmente havia alguém que estava por trás a receber e que às vezes lhe falhava no final do mês, quando eles tinham que prestar contas no merceeiro e no padeiro e por aí fora. + +- hum, hum, hum. + +-> sim, sim. + +- e, e, e os antigos, eh, latifundiários, ao recuperarem a terra + +-> sim, sim. + +- eh, qual foi a reação deles em relação aos operários, aos trabalhadores que, que vinham de trás e...? + +-> sim. de um modo geral foram bem aceites. de um modo geral foram bem aceites. eh, eram pessoas que trabalhavam, portanto, eh, gerações sucessivas foram trabalhando nas mesmas fazendas. portanto, houve uns que foram herdando a propriedade e houve outros que foram herdando o trabalho. + +- hum, hum. + +-> hum? portanto, digamos que aquilo era, foi uma situação que passou de pais para filhos, e as relações que se estabeleciam já vinham, eh, de trás. portanto, havia, digamos que... implícito, no desempenho de uns e de outros, algum compromisso + +- hum. + +-> que tinha a ver com, com o estatuto da família. + +- hum, hum. + +-> portanto, havia, de algum modo, que dar, que dar resposta, em termos de respeito perante a situação, àquilo que a família anteriormente tinha... feito e tinha combinado e trabalhado. eh, cons[...], con[...], consta-se até que - isto é uma situação anedótica, não sei se a posso transmitir [...] se não... + +- com certeza. + +-> um sujeito que, um patrão aqui do Alentejo que, eh, portanto, logo a seguir ao Vinte e Cinco de Abril, as terras foram ocupadas e ele... foi embora. eh, foi para o Algarve. e... regressava de vez em quando à, à terra, eh, não conseguia falar... com muitas pessoas porque, pronto, não era bem aceite, e então, quando lhe foi entregue a reserva, ele, eh, um dia falou lá com um dos f[...], empregados, daqueles mais antigos na casa, e disse-lhe "ó senhor Manel, você, eh, devia de vir aí uns dias comigo para a praia, que era para saber o que a gente sofre na praia. porque esta gente daqui acusa-me toda de... passar dois meses na praia todos os anos. mas eles não imaginam o sofrimento que eu lá passo." e então, "oh, mas, mas venha lá então connosco, senhor Manel". então, leva o senhor Manuel para a praia, põe-no ali deitado na areia de manhã até à noite, o homem coitado, branco como a cal, ao fim de dois dias já estava todo empolado. e então ele manda-o para a terra e diz "olhe, agora vá lá dizer aos seus amigos o que é que eu me farto de gozar aqui todos os anos". [...] isto, de algum modo ilustra a forma como, eh, enfim, as pessoas se relacionaram após a entrega das reservas, não é, que, houve uma aceitação grande, houve. houve, e houve entendimento, as pessoas aqui no Alentejo têm uma particularidade, principalmente as pessoas ligadas à terra. são pessoas que são muito honestas, têm uma forma de estar muito... radical + +-> sim, sim + +-> eh, faz favor então. + +-> sim, sim. + +-> sim, sim. + +-> sim, sim. + +-> boa tarde. + +-> viva, dona Conceição. + +-> diga. + +-> sim, sim. já chegou aqui, eu já dei parecer favorável. portanto, eh, vai agora para o pessoal, é provável que... amanhã ou no outro dia receba a resposta. mas pronto, não há problema, em relação à troca. + +-> não, não, não. + +-> não, não. quem, quem va[...], quem, quando se ausenta deverá, eh, informar que... vai de férias nesse dia, não é, + +-> exactamente, sim, sim, sim, sim. + +-> pois. e é bom que isto conste no processo, não é, até para defesa das partes. + +-> está muito bem. + +-> não faz mal absolutamente nenhum. e pode preparar as suas coisas para essa data, as suas férias. + +-> muito obrigado então. boa tarde. adeus. + +-> pois, mas + +- mas + +-> ah! dizia eu que, que as pessoas aqui, principalmente as pessoas ligadas ao campo, têm uma mais-valia enorme, pelo menos naquilo que eu conheço e... tenho tido a oportunidade de viver, são pessoas que têm uma grande dimensão humana, não é, são pessoas, eh, com uma grande dignidade, que, quando dão a sua palavra, eh, pronto, não há, não é preciso ir ao notário, não há... outro tipo de, de meios a que recorrer, porque as coisas são exactamente como as pessoas dizem, não é, e... aqui em relação à, à recuperação das terras por parte dos agricultores aconteceu um bocado isso, não é, as pessoas estavam de algum modo comprometidas com uma situação, elas o que queriam, na sua esmagadora maioria, era trabalhar, não é, era garantir um posto de trabalho, era, pronto, de algum modo dar uma vida mais digna aos filhos, e a preocupação deles era um bocado... essa, não é, por, trabalhar e, e, e ter garantias de continuidade no trabalho. parece-me que nunca houve aqui grande preocupação por parte dos trabalhadores de se tornarem proprietários, ou de, bem, de terem terra para si próprios, um bocado assim. + +- até porque a terra não, não era, não ficou para eles, não é, aqui? + +-> sim, sim, sim, sim. pois. eh, pronto, hou[...], houve algun[...], houve zonas onde, onde a propriedade foi efectivamente... repartida + +- ham, ham. + +-> e distribuída às pessoas. + +- nominalmente, às pessoas? + +-> sim, sim, sim, sim. principalmente em zonas onde havia regadio + +- hum, hum. + +-> onde através de uma pequena parcela de terra as pessoas podiam tirar uma rentabilidade + +- hum, hum. + +-> maior. agora ao nível da grande propriedade, não. eh, e no geral, até, as pessoas não, não tiveram grande preocupação em + +- hum, hum. + +-> em, houve uma altura em que foi be[...], permitido, ou possibilitado às pessoas poderem pedir nas estações agrárias um, uma reserva de, de terra, para exploração directa. e poucas pessoas diligenciaram nesse sentido. foram mais os agricultores que fizeram es[...], que andaram à procura desse... + +- hum, hum. + +-> desse benesse, do que propriamente os trabalhadores. não houve assim uma grande... preocupação, nem anseio + +- hum. + +-> pela terra. + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/O Trabalho e a Posse da Terra.wav b/Portugal/Anos 90/O Trabalho e a Posse da Terra.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..bd4e524b4084be5af02ff4779edb4d6bcfd7558f --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/O Trabalho e a Posse da Terra.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:3a4818cb3f8be78085ae6d3ac3097bc800b5da20587b8b7bc5bc9fa5539dd521 +size 21005656 diff --git a/Portugal/Anos 90/Os Amores de Camilo.txt b/Portugal/Anos 90/Os Amores de Camilo.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..70e4f73a7813159d60abc81a3e35ff70d9cb5bbe --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Os Amores de Camilo.txt @@ -0,0 +1,196 @@ +TÍTULO: Os Amores de Camilo +LOCAL: Portugal - Landim, Famalicão +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 60 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Operário têxtil na reforma + + +OBSERVAÇÕES: O informante produz "la" por "a" em "la meteram nisso"; "presigar" é utilizado num sentido metafórico - literalmente significa "acompanhar com conduto, carne" + + + + + +-> [...] + +- bom, mas, eu, a gente podia passar aqui o resto da vida a conversar, senhor Avelino + +-> da vida, da v[...], a com[...], a conversação + +- mas há uma questão que eu gostava que o senhor Avelino me dissesse + +-> fizesse. + +- que é: nós comparámos Dom Afonso Henriques em relação à sua mãe + +-> isso. + +- de certo modo, ele violou um princípio que é o princípio da obediência e do amor filial. + +-> filial. + +- e não condenamos, apenas constatamos. + +-> pois. + +- bom. Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, de certo modo, há também ali uma violação de princípios estabelecidos. + +-> pois há. + +- como é que vamos olhar para eles? + +-> eu, o Camilo, admiro o Camilo e bato-lhe palmas, na parte literária. + +- na parte literária. + +-> na parte conjugal, marido e esposa, não gosto. não gosto, porque ele foi r[...], roubar uma mulher com quem vivia com outro marido. agora se a mulher fosse viúva, que ele esperasse que morresse o Manuel Pinheiro Alves como morreu muito cedo, e ele aguardasse - com certa incerteza, é claro - mas que aguardasse e que se unisse a ela, eu já não condenava. porque ela já era livre. agora ir buscar a mulher ao seio conjugal de outro homem que a amava, ou não saberia amar melhor, mas ele amava-a, já por isso casou com ela, eu acho que Camilo cometeu um grande erro. como ainda hoje muitos con[...], casais o fazem. casou a dona Ana Plácido com um homem que não, não tinha, eh, carinhos, que não sabia olhar para ela com olhos benévolos, olhos de, de, de amor, olhos de, de reverência até. mas, era o marido dela. ela tinha que ver isso antes de casar com ele. entrou na poça que gostava dele, então foi, gostou do dinheiro dele? + +- ninguém sabe como é que isso foi. + +-> ah, mas i[...], isso... é mau. + +- pode ter sido casada porque os pais a induziram a isso. + +-> sim. há casos desses. que é o, é o caso do "Amor de Perdição" com Teresa + +- hum, hum, hum. + +-> a Teresinha + +- a Teresa e s[...] + +-> com o primo + +- com o primo. + +-> com um primo. há casos desses, mas, se há casos desses ela tinha que reprovar os pais que a meteram nesse sarilho, e nunca o marido. o marido apenas foi saboreá-la porque gostava dela, dentro do matrimónio. eu penso assim. + +- hum, hum. + +-> portanto, o Camilo, para mim é um ho[...], um ser falhado, na parte do lar. é um grande homem na parte das letras, porque deu vida a muitas novelas, a muitos contos, a muitas histórias que andavam por aí, eh, apagadas, aqui no Minho, e não só, mas aqui sobretudo, na parte... minhota, e ele deu-lhe vida. com personagens, avivou, impregnou certos movimentos que a literatura alcançou outro tom que enriquece o património nacional das letras, suponho eu. + +- hum, hum. portanto, quer dizer o senhor Avelino então que acha que Camilo não inventou o que escreveu! + +-> podia ter inventado e, e, e a função do escritor também é um bocado essa. mas, foi sempre beber a uma fonte. + +- portanto, recriou. + +-> é. a uma fonte. e ele, ao, ao, ao escrever "A Brasileira de Prazins", que era uma casa abastada aqui de Landim, bastante gananciosa, que tinha muitas quintas, e o proprietário, que era um tal senhor Joaquim Araújo, eh, foi ao Brasil, e enriqueceu e veio para aqui, casou com a sobrinha, sobrinha dele mesmo, e essa sobrinha, eh, passado anos adoeceu. e ali havia uma doença implantada por ser tio com sobrinha, o sangue com sangue que não resulta muito bem. e Camilo, segundo dizem, que andava sempre a pedir dinheiro emprestado, bateu à porta dessa referida quinta, a ver se era atendido. essa quinta lá não o atendeu porque duvidava do porte dele, e ele lá não gostou porque sabia dinheiro que, que havia lá com certeza, procurou como historiador saber os motivos da família e onde lhe disseram que a fa[...], a fortuna foi adquirida no Brasil e que ele que era um homem bastante adinheirado, mas que era homem para ir ao Porto com umas côdeas de pão no bolso, para chegar a casa só comer à noite para não gastar dos grandes rendimentos que ia buscar das acções que tinha, de rendimentos através do banco... do Brasil. ele sabendo esses pormenores, viu que a mulher que passou a parte, a maior parte do tempo... adoentada, entrevada, no leito de sofrimento, começou então a desenvolver isso e escreveu a célebre "Brasileira de Prazins", que muitos dizem que até hoje até que será o melhor romance escrito por Camilo Castelo Branco, porque focou aquela parte dos liberais, desenvolveu, lá mostrou os que queria, e a ganância do povo. ah, entre eles, o, o José de Vilalva, que gostava muito, o José de Vilalva gostava muito da tal brasileira de Prazins, porque era um amor que, construído desde a adolescência, mas quando o, o, o irmão do, do, do, do pai da noiva resolveu vir para o bra[...], do Brasil para Portugal, o, o, o pai procurou desviar o coração da filha e entregá-lo ao tio, porque do José de Vilalva nunca viria os cobres tão largos para comprar quintas aqui à volta, como ele tinha. que ele tinha mais de oito quintas, naquele tempo. e portanto, houve aqui, digamos, uma ganância, hem! camuflada pelos interesses sentimentais dum lado e, eh, e impregnados do, do in[...], do, do, do, do, da mesquinhez do, do venha a nós do rendimento, e o amor deram-lhe um pontapé. de maneira que essa mulher tornou-se logo imediatamente uma infeliz porque quem ela amava a, ao fundo era o José de Vilalva. + +- bom, vamos voltar à dona Ana Plácido, porque é uma figura que... + +-> central. + +- por quem, é, ah, nós só temos uma vida + +-> isso. + +- e só, portanto, tudo o que podemos fazer é durante essa vida. se o Camilo foi o grande amor da vi[...], da dona Ana Plácido + +-> Ana Plácido. + +- ah, se apareceu depois dela ser casada + +-> sim. + +- mas se era a sua única oportunidade de viver esse grande amor, o que é que o homem que há e[...], dentro de si diz? + +-> ora bem + +- fora dos princípios e da moral + +-> sim, nós... + +- o que é que o seu sentimento pessoal lhe diz? + +-> a minha mãe dizia-me que todos os dias nasce e cresce quem melhor nos parece + +- hum, hum. + +-> uma frase que já ela ouvia quando era menina e por aí fora, não é, claro que todos os dias, ainda hoje nós mesmo, nós homens, já adultos, se formos por aí fora, com os olhos bem abertos, vemos belezas encantadoras, que nós até nem temos força de resistir. pois. mesmo hoje. nós, às vezes é muito comum dizer "um padre falhou acima, um padre fa[...]", pois ele ao ver tanta beleza, às vezes à volta dele, ele é um homem. tem um grande carácter, tem uma vocação, tem um, uma ordem religiosa, mas humanamente é um homem. + +- hum, hum. + +-> se ele começa a presigar, a saborear as belezas encantadoras que estão estampadas no rosto das jovens de dezasseis, dezassete, dezoito anos, que vêm para junto do harmónio, ou para junto do altar, adornar, decorar, cantar, dar, eh, vida ao acto do culto, ele tem que ser um homem muito seguro, senão ele estatela-se. como nós hoje, chefes de família, não sei se os senhores o são, mas sou eu + +- hum. + +-> mas nem que o sejam. ainda hoje, os senhores, nessas viagens que andam, de colheita + +- hum, hum. + +-> se realmente não for firmes interiormente o senhor estatela-se como se estatela qualquer um, porque a beleza humana está em toda a parte. se uma mulher é, é possuidora das belezas das estrelas, eh, dos cânticos dos anjos, que Deus adornou a mulher com um encanto infinito, ora nós, que se viemos ao mundo para as apreciar, temos de ser conduzidos por coisas muito mais firmes do que a beleza que nos es[...], eh, estampa logo aos olhares, senão perdemo-nos. + +- muito bem. + +-> mas nós não podemos andar atrás de coisas bonitas, só de exterioridade. nós também temos de fazer um caminho + +- hum, hum. + +-> e trilhá-lo. + +- sim senhor. senhor Avelino, mas o senhor mesmo disse que Deus adornou a mulher desses encantos e dessas belezas + +-> é verdade. + +- acha que Deus adornou a mulher desses encantos, e dessas belezas para nos tentar, para nos mandar para o inferno? + +-> não. também acho que não. + +- também não. + +-> não. deu-lhe essa beleza porque ele gostou de, de criar e de ter a criatura bela. uma flor, a humanidade, tudo belo, desde o pensar a, a, a, a tudo! quer dizer, no desejo, nos olhares, sabe que um olhar fascinante de uma mulher prende um homem. eu também fui rapaz novo e bem vi. eu às vezes era preso por um olhar e elas, até da inocência delas, mas eu, pronto, sabia, eh, colher. os senhores hoje andam a colher usos e costumes e eu também saberia colher um olhar, ou um sorriso que me... prendia. e ela sem saber estava a mandar em mim. o que eu tinha era de lá depois dar um pontapé e se quisesse seguir sempre, ou estatelar-me depois. + + [...] + +- não acha que, que devíamos ter, em relação a ela, a at[...], a atitude que Cristo teve em relação a Maria Madalena? + +-> sim, sim. pois. nós devemos perdoar à Ana Plácido. e eu perdoo-lhe, mas, eh, sei que ela que fez mal. + +- pois. + +-> não posso dizer que fez bem. + +- é que eu acho que, mais do que perdoar, devíamos compreendê-la. + +-> sim. mas que fez mal fez. que fez mal fez. e até, ela escrevia também bem. ela era, era uma mulher que também sabia escrever. + +- já imaginou o que seria a existência de Camilo Castelo Branco se não tivesse + +-> sim. + +- encontrado Ana Plácido? + +-> a Ana Plácido. bem... + +- acha que teria sido melhor ou pior? + +-> continuará a ser o grande boémio... citadino, como era até aí. + +- sim. + +-> pousa aqui, pousa acolá, um pouco dizia bem, um pouco dizia mal, ia aos saraus das freiras ao Convento da Avé-Maria quando a abadessa fazia anos, recitava, elas batiam palmas. no outro dia escrevia logo um romance a, a, a, "A Freira sub[...], no Subterrâneo", eh... + +- ham, ham. + +-> outras coisas, logo a picá-las. eh, eh! tinha esse dom, mas não deixava também, nos dias de festa atender aos convites, e como homem literário que era, ia abrilhantar os saraus literários. quer num convento, quer noutro. + +- sim. + +-> portanto era um homem que tanto cambava para um lado como descambava para outro, como seguia em frente. tinha os seus, a sua maneira de ser. não era um homem certo. + +- hum, hum. + +-> Camilo não era um homem certo. + +- sim. mas finalmente, então, Ana Plácido terá tido um papel positivo ou negativo na vida de Castelo Branco? + +-> ora bem + +- na sua vida pessoal, no seu equilíbrio. + +-> no seu equilíbrio de... ele rever-se no lar, o homem agasalhou-se. não há dúvida que manteve-se ali fiel ao, ao lar, lutando sempre com a pena para fazer sobreviver ao lar, porque não havia outro rendimento que não fosse a pena dele. eh, dona Ana era uma senhora da, eh, da alta sociedade que, eh, oferecia muitos banquetes, e sobretudo lanches ao, ao, ao Garrett, ao, ao Guerra Junqueiro, e... ao Dom António Feliciano de Castilho - que até está lá um par[...], um padrãozinho de mil oitocentos sessenta e seis, a atestar a visita dele a Seide - e etc. e então ela oferecia es[...], esses lanches, fumava charuto, oferecia uma caixa de charutos aos que fumavam, e tudo isso era uma despesa... fabulosa. ainda hoje, nas nossas casas, se nós metermos muito na sociedade a, a dar brindes de coisas, a, o, as nossa bolsa começa a esvaziar-se. ora na casa de Camilo era na mesma. eh, o Camilo tinha que sustentar isso e ela então com as suas fidalguias, com as suas burguesias, lá sustentava, ia-se polindo, não é, ia até escrevendo, que ela também, eh, tem um livro intitulado "Luz Coada por Ferros". + diff --git a/Portugal/Anos 90/Os Amores de Camilo.wav b/Portugal/Anos 90/Os Amores de Camilo.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..a46f2f84669e153a8175f1e7932b09d55a747adc --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Os Amores de Camilo.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:d568f9c6d5e1a897f90d2c01d7ea0a1f833f04186e972b286b07fd335176257e +size 32182470 diff --git a/Portugal/Anos 90/Saber Vender.txt b/Portugal/Anos 90/Saber Vender.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..71529b1ebed0c565bb9720e60033eb24aa9e388e --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Saber Vender.txt @@ -0,0 +1,245 @@ +TÍTULO: Saber Vender +LOCAL: Portugal - Porto +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 46 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Comerciante + + +OBSERVAÇÕES: A informante tem problemas na articulação da vibrante alveolar. + + + + + +- bom, diz que vende artigos de... + +-> decoração. + +- decoração. portanto esta época agora é uma época de grande ocupação para si, não é, + +-> imensa. não há horas, não, só há um Natal e... tem que se aproveitar esta altura do ano para... deitar cá para fora os produtos. + +- eh, é também cansativo, não é, + +-> bastante. em Janeiro descansa-se. + +- pois. eh, o que eu lhe ia perguntar era o seguinte: eh, portanto isto começa a preparar... muito, com muita antecedência, não é verdade? + +-> eh, nós começamos a apresentar... artigos de Natal em Setembro, princípios de Setembro. + +- e para isso teve que os adquirir ainda antes, não é, + +-> eh, pois. primeiro são importados, eh, e depois fazemos feiras a nível, no Porto e em Lisboa, apresentamos os produtos aos nossos clientes. clientes - só lojas. + +- ah!... + +-> que revendemos... para as lojas. + +- para as lojas. portanto não é uma coisa de, de venda directa ao público? + +-> não, e depois eu tenho as minhas lojas onde vendo directamente ao público. + +- sim, já estou a perceber. portanto isso acaba por ocupar o, de facto o... + +-> ocupa. + +- uma parte do ano. + +-> precisava de mais... umas horinhas além das vinte e quatro horas. + +- e portan[...] + +-> por vezes. + +- hum, hum. e agora, eh, po[...], eh, eh, disse-me que importava coisas, não é, + +-> hum, hum. não sou eu que importo directamente. + +- não? + +-> eu trabalho para uma pessoa que importa + +- que importa + +-> os artigos. + +- os artigos. + +-> Inglaterra, Alemanha. + +- hum. olhe, e os artigos de decoração, o que é que as pessoas mais compram, quando se trata de decorar uma casa? + +-> candeeiros. + +- candeeiros. + +-> muitos candeeiros. gostam de luz. eu acho. é, é, é, estão, há, há uma fa[...], eu acho que para tudo há fases. eu acho que neste momento as pessoas estão, estão numa de... dar cor à casa + +- hum, hum. + +-> dar luz. nós estamos a vender muito bem candeeiros. + +- e candeeiros de que tipo? + +-> eh, design diferentes, eh, são, são, eh, eh, candeeiros essencialmente diferentes. + +- hum, hum. + +-> e muito réplicas de anos cinquenta. + +- ah! quer dizer que não é só na música que há essa... + +-> não. eu acho que... mesmo a nível de moda... e de decoração as pessoas estão a voltar um bocado aos anos cinquenta. + +- porque será isso? + +-> eh, saudades. nostalgia dos anos cinquenta, não sei. porque a gente nova também está, está a voltar muito ao, a, a essa época. + +- pois. + +-> eu tenho dois filhos jovens e eles ouvem a música que nós ouvíamos. + +- pois. um certo romantismo, talvez + +-> romantismo também, sim. + +- em contraste com, com um certo, uma certa crueza que há agora. + +-> com a agressividade que há. sim. + +- pois. e então as pessoas voltam-se um pouco + +-> voltam mais para o... para o romântico. mais calma, mais tranquilidade. + +- então isso sugere que não devem ser aqueles grandes lustres de muita luz, não é, + +-> nada. nada. nada. nem, nem sequer... dão muita luz, esses candeeiros. + +- pois. + +-> eu acho que é mais por, por serem bonitos, por serem diferentes. + +- e... qual é o país que mais produz esse tipo de candeeiros? + +-> nós, neste momento estamos nós a produzi-los. + +- aqui em port[...] + +-> aqui em Portugal. e depois temos outros importados, Filipinas... + +- Filipinas?! + +-> Filipinas + +- quem diria! + +-> candeeiros com papel reciclado... + +- ah, ah. + +-> ferro forjado e papel reciclado. peças... bonitas. + +- interessante. bom, eu estive recentemente em Cabo Verde e vi que eles faziam coisas de ferro forjado muito bonito também. + +-> sim, sim. + +- lá. + +-> e está outra vez na moda. as pessoas estão, eu acho que as pessoas estão mesmo a voltar para coisas que nós já vimos os nossos pais terem e... + +- eh, a capacidade criativa também se vai esgotando, não é, + +-> pois. talvez seja isso também. já não há muito que inventar. + +- pois. e portanto as pessoas retomam o... + +-> retomam o, o de antigamente. + +- hum, hum. e à parte os candeeiros, há assim algum artigo em segundo lugar que as pessoas comprem muito? + +-> para casa? + +- para casa. + +-> para casa... gostam de mudar muitas vezes as peças que têm na cozinha, que eu noto isso, todos os dias se vendem peças para a cozinha. acho que cada vez mais, eh, se vê homens a comprar esse tipo de peças, que era uma coisa que não se via aqui há uns anos atrás. são eles que procuram os... talheres novos, que vieram e que são bonitos e vamos substituir pelos velhos que lá estão. eh, molduras, vendem-se imenso as molduras + +- espelhos. + +-> para pôr fotografias. + +- para pôr fotografias. + +-> molduras para... + +- hum. + +-> para fotos. papel reciclado. mas isso é mais a nível de, já de... papel de carta. + +- hum, hum. + +-> as pessoas estão já a começar... a achar que é melhor comprar papel reciclado. + +- melhor, porque mais bonito ou porque mais...? + +-> eh, hum, talvez não, não polua tanto o ambiente, pensam eles, eh, é mais bonito. quanto a mim é mais bonito. + +- também acho. eu também tenho, pessoalmente, também tenho. + +-> eu pessoalmente acho que é bonito. e talvez porque é moda, não sei. + +- pois. + +-> porque isto tudo é um bocado... por ondas. + +- e a nível de papel de embrulho, também usam papel reciclado? para isso? + +-> o nosso papel é todo reciclado, só usamos fio reciclado e usamos lacre em todas as prendas. + +- ah, mas isso é mesmo uma coisa... + +-> que é uma coisa que... ninguém usa quase. + +- é uma coisa ab[...] + +-> é. temos um ritual de embrulho, que agora nesta altura é um bocado complicado, mas nós continuamos a fazer. + +- e, portanto, o pessoal que trabalha consigo tem que ter uma preparação especial para... tudo is[...]. + +-> eh, é assim: eu é raro ter gente a trabalhar. tenho lá, está lá o meu marido, e depois nesta altura metemos sempre alguém. eh, tivemos muita sorte que metemos uma rapariga que viveu sempre em Inglaterra, eh, está cá há dois anos em Portugal, ela é do Sri Lanka, ela em dois dias estava a fazer os embrulhos. ficou assim, foi a única rapariga que entrou para lá e que realmente, em muito pouco tempo, aprendeu tudo, fala com os clientes, eh, teve uma adaptação óptima. porque é difícil. esteve lá uma que nem esteve oito dias. porque não sabia embrulhar, não, queimava-se, o lacre não dava, eh, é, tudo tem que ter uma aprendizagem. + +- claro. + +-> ela, realmente, olhou, viu, aprendeu. + +- é preciso ter uma sensibilidade + +-> e é muito sens[...], é sens[...], é mesmo muito sens[...], ela talvez do sangue indiano que tem + +- hum, hum. + +-> ela tem uma sensibilidade muito apurada. + +- pois. e portanto a clientela... adere a esse, bem, a esse tipo de coisas. + +-> gosta muito, é. sim, sim, gostam muito. somos bastante elogiados pelo embrulho, pela, pelo atendimento, eh, aqui há uns anos atrás, há dois ou três anos que começámos a fazer esses embrulhos, e havia gente que dizia "ai, olhe, isso é para prenda". porquê? porque levava um fio, eh, e não tinha ar de prenda. + +- pois. + +-> agora já não sentimos isso. mesmo a nível de... pessoas mais de idade, que gostava de ver os laçarotes, o brilho no papel, eh, já não se sente isso. por isso acho mesmo que as pessoas estão, estão-se a educar... para uma coisa mais natural. não tanto plástico, tão artificial. + +- não tanto fogo de vista. + +-> sim. porque às vezes é, é só mesmo... a embalagem, o interior... + +- não conta. + +-> não conta. + +- pois. é interessante. é, é, é agradável que isso aconteça, não é, + +-> é. + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Saber Vender.wav b/Portugal/Anos 90/Saber Vender.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..afce1fda14beec6ca326558f64bace57f84a56cf --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Saber Vender.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:a955d46bbc8160f36bdff193a95afdfc4c0b397d2b181a68ca5626736efc3195 +size 21509620 diff --git a/Portugal/Anos 90/Ser Pastor.txt b/Portugal/Anos 90/Ser Pastor.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..50789239e80df3680c60ff884a761575c822860d --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Ser Pastor.txt @@ -0,0 +1,235 @@ +TÍTULO: Ser Pastor +LOCAL: Portugal - Penedo Gordo, Beja +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 59 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Pastor + +OBSERVAÇÕES: Também participam na conversa os donos da casa onde foi feita a gravação, amigos do informante. + + +-> [...] + +- tem muitas ovelhas, é? + +-> setecentas. + +- ih! está sozinho a tomar conta de setecentas ovelhas? + +-> [...], sozinho, sozinho. então, para que é que eu quero mais gente? + +- então é [...] + +-> eu estou, as pessoas [...] ali para nada. + +- e se fugirem meia dúzia delas, como é que faz? + +-> não fogem que eu não deixo. + +- tem um cão? + +- [...] + +-> tenho o cão, que ajuda. + +- ah! + +-> é, é. + +- e as ovelhas, e aqui, eh, cria-se as ovelhas, e o leite delas, como é? + +-> o leite delas agora não temos disfrutado. + +- hum, hum. + +-> faz-se em... criaçãos. + +- sim. + +-> e a criação é, dá carne, e pronto. + +- pois. + +- então, mas eu já tirei o galheteiro ao senhor João? + +- mas há, quando chega + +-> está aqui um bocadinho. + +- ralha-lhe! + +-> o seu marido partiu-me um bocadinho, não vê? + +- ah! + +-> eu não tenho as mãos muito lavadas. + +- isso, nada faz mal, não é, ah! nem vale a pena... + +-> hum. + +- preocupar muito. + +-> pois é. + +- ah, e a lã das ovelhas, para tosquiar aquilo tudo, como é? + +-> há uns rapazes + +- hum, hum. + +-> à máquina, depressa as tosquiam. depois mete-se [...], aqui em Beja, não sei para onde é que ela vai, depois. + +- já não é como antigamente, que era à, à tesourada, não? + +-> é, à tesourada. lembra-se disso? + +- eu não me lembro, mas ou[...] + +-> que idade tem o senhor? + +- eu tenho cinquenta e três anos. + +-> cinquenta e três, é quase da minha idade. + +- no[...] + +-> eu tenho cinquenta e nove. + +- cinquenta e nove. [...] + +-> hum. + +- lá nos Açores há poucas ovelhas. + +-> sim, lá não tem assim muitos gados de ovelha. + +- não, têm muitas vacas. + +-> muitas vacas, nos Açores. + +- é. + +-> hum. + +- ovelhas há poucas. + +-> há poucas. não, aqui o, a nossa região de Alentejo, que é aqui Beja + +- hum, hum. + +-> havia muitas ovelhas. só que hoje estão muito reduzidas. têm reduzido muito, muito, muito. + +- hum, hum. + +-> dedicaram-se à, mais à seara, mais à seara, mais à seara, porque, as ovelhas têm que trazer pessoas atrás, ou adiante, e as searas é com tractores e a pessoa chega à tarde mete o tractor num casão e vai para casa e penteia-se e vê a televisão, e prontos, já está. + +- acabou. + +-> acabou. e então as ovelhas têm-se reduzido muito, muito, muito. mais, que temos tido bastante subsídios + +- hum, hum. + +-> para as ovelhas. mas não, mesmo assim. + +- hum. + +-> não há ninguém que queira + +- que queira. + +-> andar à par de ovelhas. + +- é uma vida muito sujeita, não é, + +-> vida sujenta, e além disso, presa e [...] + +- pois. aquilo é, de Verão é, enquanto há luz elas andam por aí, não é? + +-> sim, depende, da maneira que elas têm tratamento... que apanham no prado. + +- hum, hum. + +-> se tiver um tratamento bom no prado elas não andam muito tempo de noite. + +- não, deitam-se. + +-> ah! deitam-se + +- depois... + +-> pronto. mas se não houver o tratamento preciso, pois de noite também fazem um jeitinho. + +- hum, hum. + +-> mas só que a gente não tem tido Verão aqui. + +- este ano... + +-> no nosso Alentejo. + +- sim. + +-> que quando não chove faz frio. não temos tido aquele Verão. portanto, pouco se encostam durante o dia, mas quando vem ali à tarde, ainda com sol, já estão encostadas. eu até me aborreço da maneirada. ontem, por exemplo + +- hum, hum. + +-> aqui à tarde, ainda estava o sol alto, já elas estavam deitadas. digo "ó velhacas, venham para aí mais um pouco", qual quê. + +- já estavam jantadas, senhor José? + +-> estavam. + +- pois. [...] + +-> estavam fartas, vieram-se embora, deitaram-se. "olha, eu vou fazer também o comer, e como, e deito-me também". pronto. deitei-me ainda com ar de dia, ainda se via bem. + +- e de manhã, elas acordam + +- [...] + +-> de manhã, às seis horas, então marchámos. marchámos, levei-as a um sítio em que elas quando veio o fim de uma hora e pouco estavam cheias. "eh pá, então mas a gente agora, o que é que eu faço?" trouxe-as para cá, vieram, vieram, vieram, vieram-se deitar. o r[...], o resto, precisava, não beberam. aquilo, a comida era verde, não tiveram apetite da bebida. + +- [...] + +-> para, quando a gente come uma salada também não tem muito + +- pois é, também não tem muita sede. + +-> também não tem muita sede, é. + +- e nunca ninguém lhe rouba uma ovelha aí, nem, nem nada? + +-> que eu dê notícia, não tem acontecido. mas não diga que não aconteça amanhã ou depois. + +- pois. + +-> mas que as pessoas muita das vezes têm apetite de comer + +- claro. + +-> o que não querem é trabalhar + +- pois. + +-> isso é que aí acontece, há muita... + +- nem... pois é. pois é. + +-> assim, uma maneira de, dum borreguito, já me tem acontecido, de achar em falta. + +- ham, ham. + +-> ali ovelha não, não me tem acontecido. + +- ham, ham. + +-> hum, hum. + +- são suas mesmo, as ovelhas? + +-> n[...], são minhas umas, e outras são da dona aqui desta área toda. + +- ah! diff --git a/Portugal/Anos 90/Ser Pastor.wav b/Portugal/Anos 90/Ser Pastor.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..0bdec4ad5b6aa5185763585b8d72aac8b1cb019d --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Ser Pastor.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:1905e7cb7ed2c9a7a68af5c3644a6bb4a19484c7f012ac579746a783a8a9afe2 +size 10629098 diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Mal Desconhecido.txt b/Portugal/Anos 90/Um Mal Desconhecido.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..187915d6bdf36d306dde9c6cd468ed507308ecf5 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Mal Desconhecido.txt @@ -0,0 +1,130 @@ +TÍTULO: Um Mal Desconhecido +LOCAL: Portugal - Covilhã +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 22 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: Estudante + + + + +- olhe uma coisa, você disse que, eh, antes de entrar para a universidade - você entrou quando, o ano passado, então? + +-> sim, sim. entrei no ano de noventa e seis, noventa e sete. + +- ham, ham. e antes disso, disse que esteve três anos, eh, que não esteve a, a estudar. + +-> tive três anos que não estive a estudar, exactamente. + +- e o que é que esteve a fazer, nesses três anos? + +-> nesses três anos eu tive um problema de saúde, eh, relativo, relacionado com o sistema nervoso central. tive um problema de saúde que eu corri vários médicos no concelho da Covilhã e no distrito de Castelo Branco e fiz um montão de exames a tudo e mais alguma coisa e eles não descobriram absolutamente nada. faziam exames a tudo, estava tudo bem. eu perdia o equilíbrio e a minha, o meu ritmo cardíaco acelerava para a casa dos cento e setenta, parado. recorri várias vezes à urgência do Hospital da Covilhã, onde me administravam uma injecção intravenosa, para o coração voltar ao normal. através de uns conhecimentos com uns amigos - um deles já está a terminar o seu curso também em Direito, na universidade em Lisboa - eu consegui - porque ele tinha uma tia no Hospital de Santa Maria que era enfermeira + +- tem de ser assim. + +-> consegui ir ao Hospital de Santa Maria, fizeram-me uma carrada de exames, viram realmente que era o sistema nervoso, disseram-me logo "o senhor é um indivíduo nervoso, eh, não lhe acha[...], não lhe encontramos absolutamente mais nada" - fiz desde o coração à cabeça, até ressonância magnética fiz. e então chegaram à conclusão que era do sistema nervoso. eu andava a tomar três valium cincos por dia, o médico disse-me logo se eu andava a ser tratado por um veterinário cá da zona + +- ah! + +-> e então mandou-me aventar aquilo tudo para o lixo e disse-me "não, o senhor não precisa de tomar absolutamente nada. o senhor tem que se autocontrolar e autodominar. isto é apenas um problema de sistema nervoso. o senhor teve uma alteração muito grave no sistema nervoso, eh, que oscilou muito e agora até se recompor o senhor tem que se adaptar a esta situação. não tem absolutamente mais nada". até hoje. deixei de tomar aquela porcaria toda, comecei-me a sentir cada vez melhor, cada vez melhor, comecei mesmo a pensar "não, isto será, isto é mesmo sistema nervoso". pronto, acabou. até hoje, impecável. + +- que bom! ah, isso é bom. mas você deve ter sofrido imenso durante aquele, aquele tempo. + +-> um bom bocado. e o que é, é que foram, parecendo que não, foram três anos! três anos a sofrer! + +- três anos da sua vida. + +-> eu cheguei a recorrer - porque depois as vizinhas começaram a chatear a cabeça à minha mãe e nos meios pequenos há sempre aquela tendência "o seu, o seu Pedro anda embruxado". chegaram-me a levar à bruxa, a essas senhoras que dizem que fazem... magias negras e não sei quê, cheguei a recorrer a esse tipo de gente. levando só dinheiro possivelmente... inventaram para ali umas histórias quaisqueres para, para comer algum dinheiro, e eu... + +- pois. exacto. e isso durou três anos?! + +-> durou três anos. + +- fogo! essas coisas são complicadas. + +-> complicadíssimo, vi-me mesmo à rasca. + +- pois é. + +-> depois, nessa senhora diz que eu que tinha o espírito não sei quê, andei + +- ah! + +-> andei lá com um tratamento qualquer que at[...] - eu não me senti pior! mas, pronto, eu vim sempre a melhorar, não sei se também foi de ir lá se não. sinceramente se me disserem assim "se eu acredito em bruxas?" bem, eu acreditar, quer dizer, ele que as há, há, agora eu acreditar, isso para mim não, não me diz absolutamente nada. + +- pois, exacto. e você, nessa altura começou a tomar valiuns, para, para se acalmar? porque sentia-se muito a... + +-> sim, andava a, tomava três valiuns cincos por dia, um de manhã, outro ao meio-dia e um à noite. + +- e o médico é que lhe receitou? + +-> tinha sido um médico da região, um conceituado médico, conhecido, pelo menos em Tortosendo, que era o doutor Pitrez. + +- pois. é, os médicos de clínica geral não são os mais indicados para essas coisas + +-> pois, infelizmente por vezes... + +- não é, + +-> as pessoas receitam, isto é o tal problema: é que, em Portugal, recorrendo ao centro de saúde, o médico, ainda o doente está a entrar, olha para a ficha do doente, já está a escrever, a passar a receita, sem sequer auscultar o doente. eu tive bast[...], fui bastantes vezes ao médico sem sequer ser auscultado. eu entrava, eu dizia "senhor doutor + +- tinha... + +-> queixo-me disto, daquilo", e ele começava a escrever, a passar medicamentos. quer dizer, é impossível. como é que um médico olha para um doente e sabe aquilo que ele tem? é quase impossível. + +- pois é. ainda bem que você conseguiu esse conhecimento no Hospital de Santa Maria. + +-> foi muito bom, foi muito bom. fui muito bem recebido, visto por especialistas, indivíduos com, com um nível muito grande + +- hum. + +-> todos eles professores doutores, eh, chegaram a estar em volta de mim seis médicos, e tinham um anfiteatro, portanto aquilo foi feito num anfiteatro, os exames que me fizeram ao coração, prova de esforço, etc., tinham os alunos todos que estão a estudar Medicina na Universidade Nova estiveram a assistir àquele exame. + +- ah! porque você era um caso... bicudo, não é, + +-> sim, porque era, era um caso esquisito + +- esquisito. + +-> que eles também não achavam muita razão para aquilo, e então, também tive uma crise, mesmo dentro do hospital tive uma crise dessas do ritmo cardíaco me acelerar. aproveitaram, tinham os alunos na altura, foram chamar o professor que estava a dar aula, e eles vieram todos para ali. + +- pois. exacto. + +-> viram aquelas coisas todas. depois ficaram com aqueles exames para eles estudarem tudo. acabaram por chegar à conclusão que era mesmo o sistema nervoso. + +- e não lhe deram nenhum tratamento? + +-> nenhum tratamento. vim completamente sem nada. + +- ai que giro. + +-> antes pelo contrário, tiraram-me aquele que eu estava a tomar. + +- exacto. e depois pronto, você... pouco a pouco. + +-> sim, deixaram-me p[...], continuar a fazer uma vida perfeitamente normal. eh, se fumasse, continuasse a fumar, pronto, que não fumasse muito que o tabaco faz mal, mas, também me disseram, também é, o, terrível deixar-se bruscamente, quem fuma deixar bruscamente de fumar, também... pode afectar muito o sistema nervoso. "o senhor fuma uns cigarros, pode continuar a fumar". + +- exacto. ou seja, você, ah, que ficou pior primeiro da sua doença ao longo daqueles três anos por causa de não saber o que é que tinha e cada vez ficava mais nervoso + +-> exactamente. e eu + +- quando lhe disseram que não havia problema, foi + +-> acalmei muito mais, exactamente + +- foi acalmando e foi-se habituando a essa própria ideia. + +-> com certeza. e então a partir daí + +- isso é óptimo. + +-> até hoje, impecável. + +- ainda bem. pois, porque você agora está óptimo. + +-> sim, graças a Deus, d[...], ultimamente tenho andado perfeitamente bem. + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Mal Desconhecido.wav b/Portugal/Anos 90/Um Mal Desconhecido.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..119e9a7e9152cac9109d857af11ae6e251d2c5da --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Mal Desconhecido.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:c54c7deddcc397640865c5e64cf9edf56fe734f2e322f8d05eae41dad738e370 +size 13147278 diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Meio Pequeno.txt b/Portugal/Anos 90/Um Meio Pequeno.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..28ede369719ed867845804460a90033ad784f814 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Meio Pequeno.txt @@ -0,0 +1,141 @@ +TÍTULO: Um Meio Pequeno +LOCAL: Portugal - Angra do Heroísmo, Açores +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 28 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Jornalista + + + + + +- e, e portanto esses conjuntos que tu dizes conjuntos de baile significa que aí, por essas freguesias fora, as pessoas já não ouvem aquelas modinhas de antigamente, de... + +-> ah, já não, não querem e, pronto, os conjuntos que existem cá todos eles tentam estar sempre, eh, em cima do, do top e aprenderem a, os primeiros classificados, aprenderem da melhor maneira para agrad[...], para agradarem ao, aos jovens que vão ouvir, já também não se vê as, as senhoras velhotas a irem... a, ao, a, por exemplo, quase sempre os concer[...], os concertos é na Segunda-Feira à, à, à noite + +- hum, hum. + +-> já não são as senhoras que se vão sentar à frente da cadei[...], com a cadeira à frente do, do palanque, já é os jovens e, e pronto. + +- isso sugere que actualmente há uma diferença pequena entre a juventude de, de, digamos, do campo, das freguesias e a juventude da cidade, não é, + +-> há uma diferença muito pequena porque, pronto, a maioria qu[...], qu[...], quase, quase eles todos estão a estudar na cidade, passam praticamente o dia, vêm de manhã vão-se embora já por cinco, seis horas e pronto, o tempo que, que passam nas freguesias rurais é para dormir ou + +- hum, hum. + +-> ou, ou, ou estudar, estão fechados dentro de casa, pronto, a diferença é mínima. + +- pois, porque numa fre[...], freguesia rural, a um jovem que está a estudar, oferece poucas coisas, não é, + +-> pois. muitas poucas. não deve haver nada até s[...], não s[...], não sei, não estou a par disso mas suponho que o, a casa do povo não, o que é que a casa do povo deve ter? uma antena parabólica para se ver televisão... de fora e pouco mais, sim... + +- e achas que as pessoas nas freguesias vêem, eh, programas de televisão de f[...], eh, estrangeira? + +-> ah, como novidade, eu suponho, eu tenho passado, quando passo assim pelas freguesias e olho para as casas do povo vejo sempre uma antena parabólica, logo, suponho que + +- hum, hum. + +-> que eles tenham uma antena parabólica e ve[...], e, e devem ver, eh, eu suponho que, por uma questão de curiosidade, pelo menos, eh, mal se pôs a antena parabólica devem ter ido lá ver, não? + +- pois! porque as pessoas não percebem + +-> sim, sim. + +- depois, não é, + +-> às vezes também é um erro, não percebem, eh, algumas percebem, não é, + +- algumas... + +-> precisamente esses jovens que estão a estudar percebem, pois... + +- a estudar percebem. exactamente. e por outro lado também, desafios de futebol, não é, + +-> ah, sim, isso então enche tudo, que é casas do povo, cafés, bares... + +- hum, hum. + +-> é, é... + +- portanto, digamos que aquela diferença entre a cidade e o campo está-se a esbater... + +-> ah, absolutamente! acho que sim. ma[...], e mais a mais, pronto, jovens, eh, sabendo precisamente isso, os jovens do campo querem-se parecer mais com os jovens da cidade, apesar de isso não ser nenhuma vantagem, nem ser nada de... + +- hum, hum. + +-> de bom, mas, para não, para não se[...], precisamente para não serem apelidados de jovens do campo, então... + +- e... + +-> imitam os outros + +- hum, hum. + +-> o que também não é bom. + +- e também não é bom. e tu achas que actualmente, eh, continua a ser melhor morar em Angra de que no campo, visto que os do campo têm acesso a isso tudo, eh, morar no campo, morar na cidade, o que é que isto te diz, esta dicotomia? + +-> não. morar na cidade? morar na cidade é bom porque temos acesso a muitas mais coisas, basta sa[...], sai-se de casa e está-se em tudo onde se quer ir. agora, talvez seja mais calmo e, e mais repousante morar no camp[...], morar no campo, mas aí é que está, tem que se ter transportes também à mão, não é, + +- hum, hum. + +-> por exemplo, um jovem, o jovem que não conduza... tem que estar dependente de, de, de urbanas e + +- hum, hum. + +-> de camionetas, de carreiras. + +- eh, e agora uma questão bastante pessoal: eh, para uma jovem como tu, o que é que uma cidade como Angra pode oferecer? + +-> eu, eu, eu estive, eu estive na Bélgica há, em oitenta e seis, oitenta e sete, com dezoito, dez[...], dezoito, dezanove anos, quando vim para cá odiava isto. porque não tinha nada, não havia nada - apesar de eu na Bélgica estar numa aldeiazinha, coitadinha, de três mil habitantes, que também não tinha nada mas tinha tudo o resto ao pé - eh, então odiava Angra. "quero-me ir embora, não gosto", não sei quê. agora espanto-me a olhar para Angra e a gostar. às vezes saio e olho para as, ah, tão giro, tão bonito, uma cidade tão linda e, eh, por isso acho, precisamente que ela o[...], oferece-me tudo o que eu quero. pronto, em aspect[...], no aspecto de lojas, de s[...], no, negócios, de comércio, tem tudo. + +- hum, hum. + +-> agora não há nada que Angra não, não tenha. eh, em aspec[...], pronto, para se def[...], para divertimento, também tem tudo, tem, está bem que tenha pouco de cada coisa mas... tem discotecas, tem pubs, tem, eh, por isso, eh... + +- e profissionalmente falando, saídas profissionais? + +-> ah! profissionalmente falando! pois! no meu caso, que estou no jornal, claro, aí está! surgiu agora a hipótese de entrevistar os, os Extreme, mas isso é uma hipótese que surge... de cinco em cinco anos, se é que surgir! de vez em quando pela san[...], pelas sanjoaninas principalmente, vêm cá grupos de, mais grupos de fora + +- hum, hum. + +-> dois ou três. aí já há mais uma hipótese + +- hum, hum. + +-> de eu fazer umas entrevistas. durante o ano, claro que não há muito trabalho. e aí está: é uma das desvantagens, se eu por exemplo, se estivesse em Lisboa, já tinha entrevistas todas as semanas, não é, + +- hum, hum. + +-> aí, neste campo, nesta profissão, é, é pena, de facto! + +- e nos momentos em que tu tens poucas entrevistas a fazer então r[...], fazes trabalho... de gabinete... + +-> sim, sim, sim. pois, eu estou no jornal a trabalhar nos computadores também + +- hum, hum. + +-> precisamente por não haver material suficiente para me manter ocupada o ano todo. + +- hum, hum. e tu achas que é mais excitante fazer as entrevistas? + +-> ah, absolutamente, credo! claro, sem dúvida! dá mais trabalho mas, mas é muito melhor. + +- sim?! porque... aprendes coisas novas ou p[...] + +-> sim, porque olh[...], eu o que eu mais gosto é... c[...], música, cinema, literatura + +- hum, hum. + +-> e, eh, e pronto, faço também os, o cinema, a crítica de filmes e, eh, mas qual era a pergunta? eu entretanto esqueci-me. + +- não, porque é que tu achavas que fazer as entrevistas era mais excitante, se era por aprenderes coisas novas. + +-> ah sim! por aprender coisas novas, por contactar com, pronto, já não tenho idade para isso, mas com os meus ídolos, entre aspas. + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Meio Pequeno.wav b/Portugal/Anos 90/Um Meio Pequeno.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..594fc2ba9c16ff9fca33701d4105d10bf3b7eeb0 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Meio Pequeno.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:5595f22364d5dfec11f1469e4d88f9eb2c34d100dfbe337be08fa9e846fe6743 +size 14986122 diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Namoro de Outros Tempos.txt b/Portugal/Anos 90/Um Namoro de Outros Tempos.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..707f0b60c88b4764bace41f9b224f23fe258e9c1 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Namoro de Outros Tempos.txt @@ -0,0 +1,315 @@ +TÍTULO: Um Namoro de Outros Tempos +LOCAL: Portugal - Landim, Famalicão +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 73 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Doméstica + +OBSERVAÇÕES: Participam na conversa o marido da informante, uma irmã desta e um vizinho, todos da mesma região. + + +- o que eu gostava que me contasse era: como é que conheceu o seu marido? como é que isso aconteceu? + +-> ele é que me procurou. + +- mas como é que foi? conte-me tudo! + +-> ai não, ai nossa senhora, ai como é que hei-de contar? + +- ai não olhes para mim [...] + +- foi na romaria? + +- tu é que sabes. + +-> eu como é que hei-de contar? + +- ora... + +- não foi na romaria que o conheceu? + +-> olhe, foi à vinda da igreja + +- vinha da igreja + +-> dantes a gente ia ao terço, às ta[...] - agora não há + +- ham, ham. + +- e ele vinha do terço e, e s[...], perseguiu-me, pronto. + +- eu, [...] + +- mas ele já a co[...], já a conhecia antes? ele já a conhecia antes? + +-> não, isso não sei. a primeira vez foi à vinda do terço. + +- mas a, a senhora não o tin[...], nunca o tinha visto? + +-> não senhor. + +- ah, foi assim? + +-> podia até vê-lo, mas sabia lá. + +- não sabia quem era. + +- ia passear à montanha. + +-> [...] + +- e então quando viu que vinha aquele rapaz atrás de si, o que é que pensou? + +-> eu não pensei nada, ele é que veio falar para mim. + +- e o que é que ele lhe disse? + +-> ai eu agora sei lá! + +- mais ou menos. + +-> como ele entendeu. + +- a primeira vez não deu resultado. + +-> atrás de mim vinha o meu pai + +- ham, ham. + +-> do terço [...] + +- a primeira vez + +-> então contas tu [...] + +- foi no dia da inspecção. + +- espera, espera, espera, espera, espera, espera. + +-> prontos, vai lá então. + +- ela conta e depois o senhor conta a sua versão. + +- um de cada vez. + +- é uma versão de cada um. diga lá. + +-> atrás de mim, o nosso pai também ia ao terço e levava-nos, pronto, éramos católicos e somos, e depois ele levava uns socos, um tamancos, também não era como agora, eram tamancos e eu disse assim "ai, sai daqui que vem aí o meu pai" e ele nã[...], ainda não o conheceria, não é, e eu "não venhas para a minha beira", eu assim "que agora vem aí o meu pai, vem aí atrás de mim" e ele, pronto, retirou-se um bocado e eu vim para baixo. naquele dia não... me falou nada. depois tornou-me outra vez a perseguir, ah, outras vezes fui ao terço e ele foi também. foi também! ele vinha de Castelões, se ia ou não, não sei, ele andava por ali. + +- [...] para beber uma pinga. + +-> prontos. então, havia lá um tasco à beira + +- [...] + +-> e ele em vez de ir para o terço até eu sair da igreja, foi para o tasco. tornou-me a perseguir. pronto, e daí, começou depois + +- olhe, e quando viu que andava aquele rapaz a persegui-la, como é que o seu coração ficou? + +-> eh, ó meu Deus, ó senhor, desculpe, ele também tem de desculpar, eu antes destes vieram outros. + +- ai é?! + +-> eu tive muitos mais. + +- ai não foi o primeiro?! + +-> ah, pois não foi, ah! eu não estou a mentir! + +- ah! + +-> vieram outros. mas eu, prontos + +- não ligava. + +-> calhou, calhou de ser, não liguei a muitos, foi verdade. que até dois já estão viúvos e outros assim, pronto. e depois a, pronto, ali calhou de ligar a este, depois + +- está bem [...] + +-> depois eu disse-lhe "vai-te embora que...", eh, eh, desculpei-me + +- diz lá. + +-> "que a minha mãe não, não me deixa conversar. não me deixa, pronto, e eu não estou para andar por aí..." e ele depois, eh, esteve para aí dois meses ou três, depois tornou a vir. então depois tu[...], prontos, digo assim "bem! sei lá se é para, tem de ser ou não tem". foi assim. + +- portanto, gostou mais deste do que dos outros. + +-> mas tive mais, pulha. e ele também teria outras raparigas, pulha + +- sim. + +-> ele também diz que teve mais raparigas, mas pronto. + +- sim. mas porque é que gostou mais deste do que dos outros? + +-> ó senhor, calhou! pronto. [...] + +- devia haver alguma coisa de especial. + +-> eu não posso dizer, ah, então, não houve nada de novo, graças a Deus, não houve nada de especial, de novo + +- hum, hum. + +-> cá não houveram frocotiques. + +- muito bem. e depois então começaram a conversar. + +-> é, começámos a conversar. + +- sim. + +- mas é + +- e o seu pai teve que dizer que deixava. + +-> nós tínhamos de, não podia ir para longe de casa, que nossa mãe não nos dava essas rédeas. eu tinha de estar, a minha mãe dizia mesmo "tu tens de estar onde eu... chame e tu me fales logo". + +- hum, hum. + +-> e eu era assim. chamava e eu tinha de lhe falar logo. senão + +- então a senhora quê, ia só ali + +-> senão elas caíam + +- para baixo para a rua? + +-> como? não senhor. + +- ia, descia. + +-> não, não + +- ah. + +-> a, na, a casa dos meus falecidos pais é ali por trás. + +-ah. + +-> ele até se vê da, daqui do telhado. + +- hum, hum. + +-> e até tinha assim um, também assim, ainda é mais assim escondido que aqui, é um recanto [...] + +- ela vê-se daqui, destas pedrinhas, vê-se dali. + +-> ela vê-se. + +- hum, hum. + +-> pronto, e eu comecei, ele começou-me a perseguir, prontos, e eu... calhou assim. mas eu tinha de estar onde eu, eh, ela dizia-me "tens de estar onde eu te chame + +- [...] teve muita sede + +-> onde eu chame por ti e tu me fales". foi assim. + +- [...] + +-> e eu tinha de lhe falar. + +- e quanto tempo... + +-> só dez minutos. + +- ham, ham. + +- dez minutos, não havia mais? + +-> não me deixavam estar mais, pronto. + +- quanto tempo durou esse namoro? + +-> olhe, não foi muito. foi para aí, seria dois anos? + +- ah! + +-> seria dois anos, não, nem tanto. + +- que idade tinha a senhora, na altura? + +-> tinha vinte e sete anos quando casei. + +- então já... + +- [...] + +- [...] + +- já era crescida. + +-> já era crescida, criada, graças, tinha vinte sete anos. + +- olhe + +- hum. + +- e se comparasse + +-> e, e ele tinha vinte e oito. + +- ah, se a senhora comparasse o, a maneira de namorar dessa altura + +-> oh! + +- e a maneira de namorar de agora, acha que é muito diferente? + +-> oh, esteja, oh, esteja caladinho. + +- porquê? + +-> a maneira de namorar de agora é um nojo. + +- porquê? + +-> porque a gente vê as coisas. agora não, não ando, mas eu bem sei como é. até se vê nas televisões. + +- sim. + +-> eh, isto agora não é, dantes não era na[...], Deus me livre de dantes tocar... um, um, um rapaz numa rapariga. bem, não seria todos, vá. olhe que o nosso falecido pai, uma vez, - ele bem se ri - o nosso fal[...] - já lá está - deu com nós ali a conversar. ele ia com umas cordas na mão, ia buscar um molho de coroas, sabe como é, dos milhos + +- sei. + +- hum. + +-> cortar para o gado, aquelas coroas. + +- sim. + +-> e eu i[...], ia a, estava ali à beira de uma casa - os senhores não conhecem, não vale a pena dizer o nome da pessoa, não é, - e estava ali. e o meu falecido pai lá foi ver se + +- [...] + +-> se haveria alguma coisa de novo. os senhores querem saber eu digo, não é, + +- [...] + +-> e ele, e e[...], e eu estava desviada do meu homem + +- [...] + +-> por exemplo, o meu homem estava aqui e eu estava ali, assim, assim, é verdade, era assim. e ele foi, e eu assim que vi a sombra do meu pai - nós já falávamos há uns mesicos, porque ele depois deixou e tornou a vir. também foi contado esse tempo - eu assim que vi assim uma sombra, olhei para trás, o que vale, ele estava - ele bem sabe que é verdade - estava desviado e eu também, e assim que vem a sombra do meu pai eu tremia. parece que até, pus-me amarela. e eu então fiquei assim. e ele foi assim, saiu. deixou-me ficar. eu fiquei assim, fui para o lado de casa e ele, foi assim, pronto. e depois, eh, o meu pai dizia assim "eu, se tu deres, se tu c[...], entenderes que dás uma treta" - chamava-lhe ele assim - "a um amigalhote qualquer, tu tens de estar de longe, que se vos eu topo perto, mato-te". e então, disse-me isso algumas vezes. uma vez também nos topou assim desviado e foi ao, ao... ao penso para os animais - chamamos nós os pensos + +- o penso. + +-> cortar aquelas coroas que o milho puxa + +- ham, ham. + +- hum, hum. + +-> e o meu homem tinha falado comigo em falar o casamento e em vez de, seguiu o meu pai, seguiu o meu pai, prontos. [...] e pronto; e depois ele é que lá falou o casamento. não, não andei muito tempo na conversa, não. + +- hum. + +-> não, que a nossa mãe não queria. dizia assim "ou para uma banda ou para a outra". se quiseres casar, se quiseres um moço, casais, e se não quiseres, larga, eu não estou para andar a pa[...], a espreitar ninguém, nem, não ando agora atrás de ti." ó senhor, não era preciso andar atrás de mim, mas ela tinha a ideia que, que tinha de olhar por mim, pronto. + +- hum. + +-> mas já tinha de, já era de maior idade, não é, + +- pois, de facto. + +-> mas dantes não era assim, de como agora se vê, prontos. diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Namoro de Outros Tempos.wav b/Portugal/Anos 90/Um Namoro de Outros Tempos.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..7b508ab2458f65403fdb54fa91123a0df9d7412c --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Namoro de Outros Tempos.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:ce33944939750f46758eb8989f7024c253def98bc63858ca0db7e7cbaae32a01 +size 17405386 diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Sonho.txt b/Portugal/Anos 90/Um Sonho.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..45b9ce0173a1e7e502586d951e1fc17f1f1018ac --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Sonho.txt @@ -0,0 +1,97 @@ +TÍTULO: Um Sonho +LOCAL: Portugal - Lisboa +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 29 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Professora universitária + +OBSERVAÇÕES: A interlocutora da informante também é de Lisboa. + + + + +-> então o outro era o outro, que era: estávamos na praia e aquilo tudo cheio de areia e não sei quê, era um grupo de mulheres, assim, com fatos de banho antigos tipo [...]. + +- tipo quê? + +-> sei lá... + +- anos vinte? + +-> anos vinte, sim, tipo anos vinte. mas só que os fatos eram todos verdes-escuros e assim com uns folhinhos, depois tinham uns barretinhos na cabeça, também assim com os folhinhos, tudo verde-escuro. elas também tinham toalhas verdes-escuros. e então aquilo era um grupo de prisioneiras. + +- ah! + +-> era tudo prisionei[...], estavam todas na praia e eu era uma delas, percebes, era, só que não era eu, era uma pessoa que eu sei que era eu, porque eu falava através daquela pessoa e sentia o que aquela pessoa sentia mas ela não tinha a minha cara... + +- sei. + +-> nem o meu corpo, nem nada. e então, de repente, e havia assim uma rede verde, a separar a areia e de um lado estavam as prisioneiras, não é, e do outro lado eu pressuponho que eram as pessoas normais, que estavam ali, no resto da praia e depois para se sair dali tinha que se atravessar aquele bocado da areia e depois ia-se para a prisão... + +- sei. + +-> suponho eu. e, e de repente elas começaram-se a arranjar e já tinham saído muitas pessoas à nossa frente, e eu olhei e disse "então, então vocês vão para onde?" porque elas em vez de irem para o lado da rede, estavam a i[...], estavam a ir para o outro lado. e elas disseram "ah nós vamos fugir". e eu acho que estava um homem metido no meio delas mas é difícil de saber isto, eu tenho a impressão que estava lá um homem... + +- curioso. + +-> mas não, mas não tenho a certeza, porque eram m[...], mu[...], eram, eram mulheres só, eram para aí umas três mulheres e ela "nós vamos fugir" e eu fiquei assim a olhar e disse "pois é, é muito fácil fugir, por aqui, de facto, mas não adianta de nada, fugir, para que é que a gente vai fugir? depois apanham-nos". sabes, e eu achei que aquilo era tão natural, que nos iam apanhar a seguir, não valia a pena fugir. então muito naturalmente fui-me embora sozinha. + +- para a prisão? + +-> para a prisão. e virei para me ir embora para a prisão, só que quando cheguei à prisão, não era nada a prisão era a minha casa... + +- Paula! + +-> com o António, não é giro? e o António já estava a vestir-se, no quarto, e eu fui tomar banho. e depois, saí enrolada na toalha, espreitei, vi o António a vestir-se, voltei para a casa de banho. e quando voltei para a casa de banho, a água da banheira onde eu tinha estado a tomar banho, estava cheia de peixes, Helena! + + - incrível. + +-> peixes, peixes de todas as cores, de todos os feitios, lindos, uns pequenos, outros grandes, uma coisa enorme, olha, e ao mesmo tempo que aquilo era lindíssimo, era aflitivo, era um horror. eu comecei a gritar "António anda cá ver, António vem cá ver". e ele "o que é que foi, o que é que foi?" porque eu entretanto, tinha, tinha ido lá para tirar o, o ralo da banheira, percebes, + +- sei. + +-> e fiz aquilo na mesma, em vez de não tirar o ralo, tirei o ralo na mesma, então os peixes todos a irem pelo ralo abaixo e um tão grande e eu a pensar assim "este não vai s[...], caber no ralo". então aquilo já era nojento, estás a perceber, porque o peixe já era grande demais, para caber no ralo, e eu pensei "estes peixes vieram todos agarrados à minha pele"! + +- meu Deus, Paula, isso é + +-> estás a perceber, + +- Dali + +-> era isso que eu estava a pensar, era em larvas, vieram larvas ou ovos ou, ou qualquer coisa, vieram agarrados à minha pele, porque eles, depois quando eu me meti na banheira, na água, foi como se na água eles tivessem crescido. + +- incrível! + +-> estás a perceber, aqueles peixes tinham vindo todos colados a mim. + +- da praia, da pri[...], da, qu[...], daquele grupo de mulheres. + +-> da praia, daquele grupo das mulheres, da prisão, daquela coisa toda, estás a ver, e eu ali "António vem cá ver, vem cá ver" e ele a ver, e, e pronto, e, e o, e os peixes foram-se embora. e depois eu muito aflita, com aquilo, e quando chego ao quarto, havia peixes a voarem no, num, no quarto, assim era um peixe muito lindo, assim preto e cor-de-laranja, assim com riscas... + +- imagina. + +-> e eu a ver o peixe assim voar, no ar, a passar assim como se estivesse num aquário e eu, e eu a olhar, para aquilo, assim. + +- é bonito... até. + +-> não é? mas não é? + +- só a narrativa, já é... sugestiva + +-> pois, mas é muito estranho, não é, + +- é, é curioso. já falaste nisso assim? + +-> não, não, não falei com ninguém. não sei o que é que isto quer dizer... + +- mas deve ter aí, há cargas óbvias, não é, + +-> sim, pois, há coisas óbvias. + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Um Sonho.wav b/Portugal/Anos 90/Um Sonho.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..fede00fb1305c5c8ddd63f898bc51d91ea200c09 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Um Sonho.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:3786db056d03038a8a3d5561cad224cc893cae9119f1c969532cf4695da3ec53 +size 10939580 diff --git a/Portugal/Anos 90/Vida de Estudante.txt b/Portugal/Anos 90/Vida de Estudante.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..a313d026a2b825a579a3366cfac8e36f259cdb67 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Vida de Estudante.txt @@ -0,0 +1,143 @@ +TÍTULO: Vida de Estudante +LOCAL: Portugal - Porto +DATA: 1995 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 47 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Farmacêutica + + + + +- não acha que, de um modo geral, a miudagem já não est[...], eh, em todos os aspectos da vida, não, não quer grandes sacrifícios? não é só no estudo. são... + +-> mas exigem, exigem-se-lhes muitos sacrifícios, eu acho, hoje. + +- acha? + +-> acho, acho. então, eh, nos complementares, naquilo que se chamava complementares, e no décimo segundo ano sobretudo, eu acho que é uma exigência brutal, m[...], brutal. + +- em níve[...], a nível da matéria, dos programas? + +-> matérias, de, e falta de tempo, muita coisa para estudar, pouco tempo, e eles não têm, não conseguem viver nada que diga respeito à idade deles. eh, eu tenho uma filha, por exemplo, que está no décimo segundo ano, e que eu ontem fui almoçar a casa de uns amigos, e ela ficou aqui a estudar. e tem sido isto sistematicamente, todos os fins-de-semana. porque durante a semana não têm tempo para estudar, porque têm um currículo muito pesado, em termos de horas, e o que acontece é que durante a semana não têm suficiente tempo, depois têm testes, têm que estar preparados para os testes, acabam uns começam outros, e a verdade é que eles não têm tempo absolutamente nenhum. é uma adolescência estúpida, porque eles não vão ao, não podem ir a lado nenhum, não têm tempo para, para se dedicar a, à música - ela, por exemplo, andava em piano teve que deixar, andava em ginástica teve que deixar - não há tempo para nada. o que eu sinto é isso. + +- hum. + +-> que eles p[...], passam a, a sua juventude a estudar, agarrados aos livros, assim em cima de uma mesa, e não fazem mais nada. a[...], aqueles que se aplicam, claro. + +- claro. + +-> sorte a dos outros, se calhar, que não se aplicam. + +- pois. e quando é que eles vão viver a sua vida...? + +-> não sei. não sei. realmente acho... que está, está-se a exigir demasiado de, desta gente desta idade. + +- hum, hum. + +-> não se, se depois na, na universidade se as coisas continuam + +- ui! + +-> como no meu tempo, se pioraram, não sei. + +- penso que continua a ser [...]. + +-> eh, só sei é que realmente se está a estraga[...], e[...], eu olho para eles - claro que eu não vou dizer isto assim, à minha filha posso dizer, porque ela é muito responsável, mas a verdade é que não se pode dizer isto aos miúdos de quinze, dezasseis, dezassete anos - mas a verd[...], mas sinto que eles não vivem nada que diga respeito à adolescência. eles não podem ver televisão porque os pais mandam-nos para a cama, porque de manhã têm que se levantar às sete e um quarto, depois passam o dia inteiro nas aulas, chegam à noite, eh, não têm tempo, como digo, para fazer, ah, qualquer actividade extra-curricular. + +- nem sequer para conviverem + +-> é o que eu sinto + +- com os pais, não é, + +-> sim. eu cruzo-me poucas vezes até com a minha filha, a não ser à noite. + +- pois. + +-> é isso que eu sinto, que, que, acho que têm muitas disci[...], demasiadas disciplinas, penso eu. + +- e tudo isso em nome de, de se prepararem para vencer na vida, não é, + +-> é verdade. vencer na vida, ao fim e ao cabo é para, só para, para ter possibilidades de um dia vir a ganhar dinheiro, empata-se toda uma adolescência, toda uma ju[...], uma juventude, para se começar a trabalhar já tarde, não é, porque é + +- pois. + +-> já tarde, e se calhar nem sequer emprego ter. + +- pois. muitas vezes acontece isso também. + +-> então esta, esta geração agora vai ter muitos problemas, penso eu. + +- pois. só os muito bons é que vão... arranjar alguma coisa com mais facilidade, não é, + +-> se calhar. mas mesmo esses... depende dos cursos que também pretendem ir. + +- hum, hum. + +-> mesmo os muito, os chamados muito bons ainda depois terá que haver, eh, os ainda me[...], melhores, melhores que os bons. + +- pois é. e depois as entradas nas universidades são complicadas também. + +-> sim, e eu penso que aqui em Portugal, pelo menos - não sei se nos outros países sucede a mesma coisa - mas parece-me que é muito injusto, ah, algumas coisas que estão a suceder, que é o facto dos alunos que frequentam colégios particulares, eh, conse[...], conseguirem, eh, alcançar médias que nunca conseguiriam alcançar na, no ensino público. e isso faz com que eles ocupem, eh, primeiro, as vagas que deveriam ser ocupadas por efectivamente aqueles que se empenham mais. + +- pois. + +-> e isso verifica-se aqui, por exemplo, no Porto, eu tenho alunos que... são capazes no segundo período de estar chumbados a quase todas as disciplinas, vão para o colégio, na, matriculam-se portanto na Páscoa no colégio, passam e regressam às, ao liceu à, que não é liceu, não se chama liceu + +- pois. + +-> actualmente, aqui é + +- pois. + +-> aquilo é quase como se fosse um liceu + +- pois. + +-> à escola secundária. e regressam e, depois no ano seguinte é a mesma coisa, e chegam lá, voltam a passar, e, e depois no décimo segundo então frequentam mesmo o colégio, tiram as notas necessárias e suficientes para entrar num + +- pois. + +-> curso qualquer e, e realmente vão ocupando as vagas que os outros mereciam. + +- portanto isso leva-nos a um problema interessante, que é o problema da avaliação, que deveria ser, se calhar, de âmbito nacional, e não... + +-> eu acho, mas, mas o problema é que, dá-me, o facto de ser de âmbito nacional, quem é que corrige? + +- equipas nomeadas + +-> pois, não sei. porque também o facto do teste ser nacional não significa que depois eles sejam avaliados da mesma maneira. + +- pois. antigamente como é que se procedia, no caso dos colégios? iam fazer aos liceus, os exames, não é, + +-> iam, iam. + +- era isso que devia acontecer, não é, + +-> mas mesmo assim, como a classificação - que eu acho correcto que a classificação final entra com a média das frequências. + +- claro. + +-> mas a frequência, essa nota da frequência é dada p[...], na então, no sítio onde eles frequentaram. portanto automaticamente está viciada. + +- pois está. + +-> porque mesmo que haja um teste a nível nacional, eh, se cinquenta por cento da, da nota entrar com a frequência, automaticamente está outra vez viciada. + +- sim. mas se o aluno for realmente muito mau chumba e... portanto não serviu de nada a média que ele tinha do colégio, não é. se ele tem quatro ou cinco no exame de nível nacional, eh, bem pode ter catorze ou quinze de média, não é, porque chumba. + +-> bem, nã[...], eu, há uma, uma, uma... fórmula de avaliação final do décimo segundo ano, que neste momento não tenho presente, mas, eh, que, que realmente me parece que os alunos, eh, do ensino público estão sempre um bocado em desvantagem em relação aos do ensino privado. e a prova é que eles vão todos p[...], quando estão mal, vão para os colégios. por alguma razão é. + +- portanto, não é justo. + +-> por alguma razão é, não é. + + + + + + + + diff --git a/Portugal/Anos 90/Vida de Estudante.wav b/Portugal/Anos 90/Vida de Estudante.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..48c0fab4a79014a2aa98e8410a9a9693a70ea944 --- /dev/null +++ b/Portugal/Anos 90/Vida de Estudante.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:91fd4f73610b1f9db62ee0571745d105396c33fda9495e95357f9c5b2696c9c7 +size 14926668 diff --git a/README.md b/README.md new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..307c4dc9bd593f245b77575fb4f1850ccc5b7441 --- /dev/null +++ b/README.md @@ -0,0 +1,17 @@ +# Spoken Portuguese - Geographical and Social Varieties + +[dataset source: https://www.clul.ulisboa.pt](https://www.clul.ulisboa.pt/en/recurso/spoken-portuguese-geographical-and-social-varieties) + +(1995-1997 - European Commission DGXXII, Programme LINGUA/SOCRATES) + +The project is concluded and the materials are published in CD-ROM, with the exclusive publishing support of Instituto Camões, under the title Português Falado - Documentos Autênticos: Gravações áudio com transcrição alinhada. Its distribution outside of Portugal is ensured by Instituto Camões and in Portugal by CLUL. From the original project a corpus of samples of the Portuguese varieties spoken in Portugal, Brazil, the African countries with Portuguese as its official language and Macao was derived. The published materials also include samples of the Portuguese spoken in Goa and in East-Timor, collected later. These samples of oral speech, recorded in various places, situations and periods of time, go together with the correspondent aligned orthographic transcriptions. + +Finally, 94 speakers appear in the recordings; their characterizations (origin, sex, age, professional status, level of education) are visible on the header of each transcription, in which is also given information about the place, date and situation in which the recording was made, as well as other relevant types of information. + +# Main Goals of the Publishing + +The use of authentic spoken texts in the teaching of Portuguese as a foreign language is not a common practice; instead, written texts are often used to reproduce the spontaneous speech, without any success. In fact, these artificial representations do not contribute to improve the knowledge of the spoken language; in order to fill this gap, authentic texts, collected in real communication acts with various types of speakers, are now published in CD-ROM: all these texts are samples of existent varieties and uses of spoken Portuguese. +The user can read the orthographic transcription while he listens to the recording: the text becomes highlighted as the user is listening to its oral production. The user can listen to the all document or select some passages, as well as repeat or jump parts of the text whenever he wants. +The orthographic transcription, besides improving the understanding of spoken texts, constitutes a consistent basis for the study of morphophonological, lexical, syntactic and discursive aspects of contemporaneous spoken Portuguese. +The main goal of producing these CD-ROMs was to contribute to the improvement of the understanding (and production) skills in students of Portuguese as a second language of the advanced or superior learning levels. The materials are presented in a way that favors the use of self-learning processes. +It is still worth mentioning that, since this corpus was not collected having in mind a specific user profile, it will be useful not only for students and teachers but also for researchers, translators and interpreters, among others, which will be able to select and analyze the materials according to their own particular aims. \ No newline at end of file diff --git a/S. Tome e Principe/A Banda.txt b/S. Tome e Principe/A Banda.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f29228761c819c2e31bf9aa1c7622410bd5ee964 --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/A Banda.txt @@ -0,0 +1,78 @@ +TÍTULO: A Banda +LOCAL: S. Tomé e Príncipe - S. Tomé +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: Programa gravado na Rádio de S. Tomé + + + +- eh, agora eu pergunto: você é um jovem e está à frente da, da, da banda, ah, a banda tem mais jovens? + +-> sim, tem mais jovens. até que nesse momento somos cerca de treze ou catorze jovens, mas havia muito mais. mas segundo as possibilidades, o país, o próprio país também não nos ajuda, ah, há muitos que já estiveram cá, por eles tem uma banda mais ou menos já formada, pelo menos com trinta e tal jovens, mas muitos vêm [...] e passam directamente para a banda, depois dois três anos aprendem, começam a tocar mas são obrigados a deixar e ir procurar outro meio de vida porque o salário não dá. ah, não há mínimas condições, os músicos em São Tomé não tomam leite, sabe como a vida está, e então tudo isso é que originou... que, eh, essa quantidade tão pouca de jovens, agora, que, até porque eles estão cá po[...], estão a esforçar muito, estão a esforçar e os que estão [...] banda, gostam, gostam muito de música porque se não fosse o que eles gostam de música não estariam cá. até, quanto à minha parte, também eu gosto muito da música, e eu quero ver a música desenvolver em São Tomé. pelo contrário eu também não nem estaria aqui na banda. + +- exacto. + +-> ah, tenho estado a trabalhar, a sacrificar muito, mas não ganhar nada. o país pobre não facilita e nem nos apoia nada. + +- exacto. dantes a banda dava concerto, ah, você irá, irá continuar a promover esse concerto também? + +-> sim, eu penso que devo promover e tem, tem, pelo menos eu e o senhor Pinho temos organizado alguns concertos, juntamente com a senhora dona Maria do Carmo, ela programa e nós temos cumprido, ultimamente, seis de Setembro, demos um concerto da saudação ao dia das forças armadas. é. e o concerto também é muito bom, porque a nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está cá, muita gente pensa que a banda de música só está cá em São Tomé para acompanhar procissões, funerais e desfiles militares. não! há muitas outras coisas que a banda também poderá fazer. e então é nesse campo que nós queremos também começar até fazer um programa mesmo de dois em dois meses, ou três em três meses dar + + [...] + +-> (con)certos e para a população também o nosso povo habituá-lo com músicas clássicas. + +- exacto + +-> porque nós temos muitas músicas aqui paradas, sinfonias de Beethoven, Mozart, desses artistas grandes, falados, e nós queremos também meter a música deles em acção para que a nossa população comece a distinguir, e também o concerto da banda também serve de uma distracção grande para a população. + +- ah, vocês, ah, por acaso têm uma particularidade muito importante: vocês participam também em concer[...], ah, em procissões e, e, conforme, con[...], conforme foi dito aqui. mas vocês não, não pensam um dia também tocar para além de, de, de concerto, tocar também para o povo, ah, para alegrar o povo? + +-> quer dizer, pensamos. pensamos e temos essa vontade. temos essa vontade, mas, bom, nesse momento, as forças armadas estão na fase de es[...], estão, estão na fase de instrução, e depois da instrução, organização, o efectivo da banda quando aumentar nós temos muitos programas que queremos levar a cabo, mas tudo isso temos que fazer também proposta para o segundo comandante, ah, os chefes do governo, tudo isso, depois para nós entrarmos em acção porque a banda é uma banda militar. + +- exacto. + +-> embora que é de carácter nacional, porque ela é só uma, tem acompanhado trabalhos civis, e também militares, mas, ah, nós não podemos pensar só fazer, temos que, de estar autorizados para fazer isso mas, temos tudo isso + +- pronto. + +-> temos todas essas perspectivas, essas perspectiva, todos nós temos, todas, nós temos. + +- e em termos de instrumentos musicais? eles vão, eles respondem? + +-> quer dizer, até aqui não têm respondido nada, até aqui. que eu também o senhor Pinho temos feito muitos esforços. + +- exacto. + +-> que... eu tocava nos conjuntos, já toquei nos conjuntos musicais, então intercâmbio, e daqui, de lá e tal, consegui, conseguia dois ou três instrumentos, os instrumentos que nós tínhamos aqui são muito velhos, ultimamente conseguimos doze instrumentos, no palácio dos pioneiros, estava lá parado desde mil novecentos setenta e cinco, para organização, para formar banda de pioneiro, mas depois não foi possível, esses instrumentos ficaram lá, outros roubaram, outros ficaram danificados, então nós fomos buscar esse pouco para juntar com aqui, quer dizer, temos descola[...] [...] mas sempre que nós temos pedido apoio a organizações e tal, vamos a ver. ultimamente Portugal nos ofereceu um pouco de instrumento mas, só uma parte e principalmente instrumentos harmónicos e... esses instrumentos já não são, já não eram... logo à primeira mão, eram segunda, terceira, quarta mão. mas só que veio mesmo decente e tem-nos ajudado um pouco. e até aqui a nossa preocupação era os instrumento, porque um instrumento de sopro lá fora... é muito dinheiro. fala-se em oitocentos, novecentos mil escudos cada um instrumento, cada um material. + +- você praticamente é, você é especializado em quê, em termos de banda? de instrumentos. + +-> bom, eu sou especializado no [...].é, mas eu entendo também outros instrumentos, mas sou mais especializado na trompete. + +- trompete. + +-> eu sou mais especializado na trompete, mas depois entendo alguns instrumentos, tanto de corda como teclados, ah, mas aqui na banda a minha execução é trompete. + +- e assim consegue dirigir tudo? + +-> ham? + +- assim consegue dirigir tudo. + +-> quer dizer, mais ou menos. eu não vou dizer que eu consigo directamente dirigir, mas... mais ou menos. + + + + + + + + + + diff --git a/S. Tome e Principe/A Banda.wav b/S. Tome e Principe/A Banda.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9976a05419329898c0f94f8dee77fa94e967b54c --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/A Banda.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:799aa4f96e93c455a8551c029182bd834a290d7da688144c5697ac9a36d260c8 +size 15764950 diff --git a/S. Tome e Principe/Costureira de Sucesso.txt b/S. Tome e Principe/Costureira de Sucesso.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b6c1d01b06b39cb0c8372c60d629d8f4e508566e --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Costureira de Sucesso.txt @@ -0,0 +1,94 @@ +TÍTULO: Costureira de Sucesso +LOCAL: S.Tomé e Príncipe - S. Tomé +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 35 anos + ESCOLARIDADE: 9 anos + PROFISSÃO: Costureira + +OBSERVAÇÕES: 'environantes' será um estrangeirismo que significa «circundantes». + + + + +- onde é que aprendeu a coser? + +-> aprendi a coser cá em São Tomé, nas madres canossianas. + +- e... começou a coser e isso foi suficiente para fazer de si uma grande costureira? + +-> eh, bom, com a experiência do dia-a-dia, comecei fazendo qualquer coisinha depois da formação, mas aperfeiçoei-me mais em Libreville. + +- eh, quer contar-me como é que foi, como é que chegou a este ponto? ao ponto de ser uma grande costureira, considerada uma das grandes costureiras aqui de São Tomé, com um atelier montado, com aprendizes, com uma vertente de, de escola de costura. conte-me como é que chegou a este ponto. + +-> bom, em Libreville, comecei por trabalhar numa... fábrica de confecção industrial, e depois, dois anos depois, dei aulas de costura, e dois anos, os últimos anos que eu fiz em Libreville trabalhei num atelier público. portanto, esses seis anos de experiência foram suficientes para, eh, o, foram suficientes para aperfeiçoar bem na costura e... por causa disso explorar o pouco que eu... tive, decidi fazer qualquer coisa por conta própria e... + +- e... esteve oito anos em Libreville, eh, porque é que decidiu regressar a São Tomé? não estava bem, lá em Libreville? não gostou de Libreville? + +-> gostei, mas preferi voltar à minha terra, porque eu penso que na minha terra posso fazer qualquer coisa melhor para mim e também para o bem... do nosso povo. + +- só por essas razões é que voltou... ou porque a vida era muito dificil lá em Libreville? + +-> dificil é... para algumas pessoas, fácil para as outras, mas, eu penso que com a costura em qualquer parte do mundo não há assim tão dificuldade, desde que a pessoa é capaz de fazer trabalhos perfeitos, com a costura consegue-se sobreviver em toda a parte. + +- que tipo de clientes é que tem aqui em São Tomé? + +-> eh, tenho... várias categorias de cliente. tenho clientes das zonas... 'environantes', tenho clientes que vêm de fora, da classe média, da classe, bom, de todas as classes sociais. + +- já coseu assim para alguém, e cose para, mais para homens ou para senhoras, ou cose para toda a gente, para crianças? eh, o que, eh, qual é o grupo que constitui o grosso da sua clientela? + +-> o grupo que constitui o grosso da minha clientela s[...], é, é o grupo das senhoras, principalmente. + +- e já coseu assim para alguma individualidade, para, para uma pessoa, uma pessoa da, da alta sociedade, alguém, algum notável? + +-> bom, eu não posso dizer para algum notável, mas eu já cosi para pes[...], para grandes senhoras até, eu penso, já vieram cá ao meu atelier coser, eh, d[...], fazer os seus vestuários! + +- hum, e... a senhora disse que vem gente de todo o tipo. e... quais são as dificuldades, os principais problemas que enfrenta no seu dia-a-dia como costureira? ou é uma profissão fácil, que não tem problemas, porque cada ramo, cada profissão tem os seus problemas, e o seu ramo, como é que é? + +-> bom, normalmente quando a pessoa, eh, ama a sua profissão, tem probl[...], eh, tem problemas n[...], mas não são assim tão graves. bom, a gente trabalha com perfeição e quando se trabalha com perfeição não tem assim graves problemas. mas, em tudo na vida há, eh, decepções e, e, como dizer? + +- triunfos? + +-> triunfos. hum, por exemplo, pode haver casos de dece[...], decepções, por exemplo, uma falha em qualquer, ah, confecção e se o cliente reclamar é sem dúvida que o cliente tem toda a sua razão e a gente dá razão a quem tem razão. mas isso acontece muito poucas vezes comigo. + +- portanto, tem mais êxitos que + +-> sim, que decepções. + +- decepções. e, mas com que objectivo é que tem esse, esse... + +-> [...] + +- é que dá aulas de, de, de corte e costura? + +-> esta formação de corte e costura é com o objectivo de formar pessoas capazes de me ajudar não só a mim e também ajudar essas mesmas pessoas porque não vou, eh, me responsabilizar por todas as pessoas. por exemplo, as pessoas se formam, posso aproveitar algumas delas para... o meu bem-estar mas as outras também com o conhecimento que elas têm, também podem for[...], eh, sobreviver ou trabalhar noutras partes e ganhar o pão de cada dia. + +- quer dizer que também está a prestar um serviço à sociedade... + +-> sim, sim. é isso que eu disse em princípio, que eu voltei à minha terra não só para o meu bem-estar, também para o bem-estar dos outros... + +- hum. quer dizer, a senhora pode ser considerada uma pequena empresária. ah, e nós sabemos que aqui em São Tomé não é fácil, eh, sobretudo a uma mulher, eh, singrar no negócio, se[...], singrar como empresária. a senhora quer falar-me um pouco da sua experiência como empresária? como pequena empresária que é? + +-> bom, como pequena empresária que sou, eh, bom, é, eh, como dizer, em princípio, há dificuldades, mas também exige muita coragem. como mulher que sou, eh, ter essa decisão de, de formar essa pequena empresa e empregar pessoas e trabalhar ao público para pessoas e, mas se não eu, ah, o conselho que eu dou às senhoras como eu é que elas também possam fazer o mesmo, ter a coragem de, de procurar qualquer coisa para o bem delas e para o bem da nação, a fim de, como dizer, desenvolvermos a nossa, hum, capacidade, porque não, não só os homens têm, devem fazer qualquer coisa mas as mulheres também devem manifestar o, esse desejo de ajudar os seus maridos, eh, em determinadas coisas, porque não só homens, sabemos que a nossa sociedade hoje tudo está difícil, não só o homem ainda pode trabalhar mas a mulher também pode fazer qualquer coisa para ajudar a sua família e também a sociedade. + +- ouça, muita gente se queixa de que não consegue levar a cabo, ah, empresas desse género por não terem qualquer espécie de apoio por parte do Estado. a senhora também é dessa opinião? é de opinião que o Estado deve dar sempre apoio? + +-> bom, eu não sou da opinião que o Estado deve dar apoio. mas em princípio, se o Estado puder dar apoio pode muito bem dar! porque, bom, em princípio, quando não se tem nada, não se consegue nada de nada. é preciso ter alguma coisa para conseguir. eh, bom, em princípio, se alguém não tem nada e tem esse desejo de fazer qualquer coisa, se o es[...], se pode alcançar um apoio do Estado, muito bem! mas se não pode, pode fazer qualquer coisa. por exemplo, uma pessoa formada pode, com o pequeno que, no, no, qualquer soma que tiver, pode arranjar uma máquina, eu também comecei assim, em princípio com uma máquina, duas, três, quatro e cinco e pouco a pouco a pessoa se desenvolve, tendo vontade. + +- sim senhora. e... que perspectivas é que tem para o futuro? eh, a senhora ainda é jovem?! + +-> sou jovem. + +- tem trinta e cinco anos! + +-> tenho, sim. + +- pensa permanecer a vida inteira neste ramo ou pensa alargar o negócio, como é que é? + +-> bom, nesta ordem de ideia, por isso tenho f[...], formado pessoas. essa formação não é só, eh, para ter pessoas para trabalhar para mim, mas sim pessoas que me po[...], que me possam substituir para além, porque eu posso, por exemplo, estar cansada ou, hum, hum, necessitada de, de umas férias, e se tiver pessoas capazes para me, para me substituir, essas pessoas podem ficar no meu lugar e eu... posso-me repousar ou se deixarem as outras pessoas podem continuar. + +- mas isso é a m[...], a curto ou médio prazo. a longo prazo, o que eu gostaria de saber é, é se tem ideia de que vai ser o seu futuro. se vai continuar como costureira, se vai abrir outras filiais, que, que ideias é que tem de, que perspectivas de futuro é que tem? + +-> bom, ideias de futuro, eh, que tenho é de progredir. e se no caso conseguir progredir, arranjar outras filiais! não só no local onde estou mas noutras partes, fazer, por exemplo, fazendo pronto-a-vestir, eh, e, e como o pronto-a-vestir também que serve muito bem para o nosso país e com isso tudo não, eu sozinha não poderei, eh, trabalhar, mas é, é com, como disse atrás, que com a, com as outras pessoas podia dar a nossa contribuição. + diff --git a/S. Tome e Principe/Costureira de Sucesso.wav b/S. Tome e Principe/Costureira de Sucesso.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..ac34d323a21667c12e70f111140effd1797172b3 --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Costureira de Sucesso.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:3dd61fe908decf50946f651a1bea9c7cc120f58978b0f5ed32d2713151c005de +size 30814474 diff --git a/S. Tome e Principe/Pesca Arriscada.txt b/S. Tome e Principe/Pesca Arriscada.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..9bf2902c71789a7fd5ebaf97d6a246a0a8e294d7 --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Pesca Arriscada.txt @@ -0,0 +1,93 @@ +TÍTULO: Pesca Arriscada +LOCAL: S.Tomé e Príncipe - Praia Melão +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 41 anos + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Pescador + +OBSERVAÇÕES: «agulha-sombra» poderá corresponder a «espadarte»; «upar» significará «içar». + + +- e na pesca, no mar com, com peixes grandes, quando tem que enfrentar às vezes tubarões, já alguma vez apanhou algum tubarão? + +-> sim, apanhei muitos tubarão. + +- ou... + +-> ou agulha-sombra. + +- hum, hum. + +-> tubarão, antigamente, quando eu comecei a pescar com esse sujeito que me ens[...], aprendeu a pescar, nós levávamos machim para o mar. nós quando... pusemos dois fio na água, aqui a matar voador com outro fio, que o tubarão come sintético, nós seguramos, e aquele peso do tubarão quando ele vem, nós procura a maneira dar-lhe com um machim, cortar ossos e tal, upa, pôr na canoa. peixe mais, era no antigamente, agora não há tubarão, porque todo o tubarão que passa fora do mar para vir para a nossa baía, não vem já, não vem para a nossa baía mais. porque há os barcos aqui grande, com esses palanque grande. aqui no nosso mar, deita palanque desde aqui de Praia Melão até Neves. e todo o tubarão, qualquer tipo de peixe come esse palanque. e é por isso que o nosso mar já não tem... tubarão. e então, peixe que ficou hoje que o pescador luta com ele, mesmo que for um dia, dois, três dia é coiso, é agulha-sombra. porque a agulha-sombra... + +- luta dois, três dias? + +-> sim. a agulha-sombra, não for hoje, que apareceu motor da popa, eu posso lutar com uma agulha-sombra desde uma manhã, chamamos outra canoa a lutar com ele desde uma manhã até de tarde, essa, essa, volta das quatro e tal estou a lutar ainda, se esse, se chegar a matar essa agulha-sombra pelo menos meia-noite desse, meia-noite de hoje. não há vento para, para nos arrastar com canoa de vela para vir. a gente vai chegar de manhã. mas hoje não, nós lutamos, lutamos mesmo que for até qualquer hora, nós matamos esse peixe, agulha-sombra bem grande, for três ou quatro canoa + +- como é que o matam? + +-> quando, nós temos um tipo de isca chamado blindado + +-ah! + +-> então esse blindado, nós amarramos f[...], no fio, e amarramos ponta de fio no cabo, e quando esse peixe come, vem com esse chifre dele, encontra esse blindado tão branco, pensa que é isca, vem, bate ele, naquele blindado; e o blindado tem fibra, e então essa coisa agarra. então quando agarra, que nós já sabemos que é agulha-sombra, porque, cada um tem o seu peso, peixe-andala, a gente vai saber peso do peixe-andala. peixe de agu[... ], uma agulha-sombra, nós já saber que... esse peixe já não era peixe-andala porque estar a andar muito e está a pedir muito cabo. e então nós temos tendência a chamar duas, três canoa para lutar com esse peixe. e então, quando nós lutamos, lutamos, lutamos, lutamos com esse peixe, quando nós já matámos ele, e que não dá para upar, porque há peixe que não dá para upar no mar, nós amarramos esse peixe ao lado de canoa, saltamos para trás, arranca o motor de popa, mesmo que for qualquer lado do mar, mas nós também estamos a ver o risco, com ele amarrado + +- os outros vêm atrás. + +-> tubarão vem atrás para atacar. + +- hum, hum. + +-> e que se aparecer tubarão, nós se estamos com ele amarrado se não, não matamos esse tubarão, temos que largar esse peixe embora, porque ele, o estrago que ele faz aqui é... coisa de mil cabeça! ele pode comer esse peixe, comer canoa! porque há um tubarão no mar... que é rei do mar. é um tubarão que próprio, às vezes, pescador tem medo dele, chamado 'tubom-tunhá'. esse tubarão que tem dente em cima dente. esse tubarão é um peixe muito perigoso. + +- ataca? + +-> ataca. + +- ataca mesmo o pescador? + +-> ataca mesmo o pescador. há pescador que dá ele com anzol, sabendo que é... esse tubarão, corta fio, deixa ele embora. porque é um peixe muito malcriado. não custa ele vir, chegar aqui, ele pegar nessa coisa assim: bau! a gente mata ele aqui mesmo. é por isso quando nós vamos para o mar temos que... ter canoa com uma boa cinta ao lado, porque quando, qualquer coisa, quando ele pega essa cinta + +- é uma cinta, é metálica? + +-> eh, sim. de qualquer maneira tem que matar ele aqui. é muito malcriado, mas ele também não aguenta porrada. + +- ah! + +-> hum. uma pequena coisa assim ele morre. mas, é um peixe muito perigoso. + +- e, e há várias espécies de tubarão, não é, + +-> há, u[...], uma data. há... um tubarão com orelha assim como um avião. em nossa língua a gente chamamos, a gente chama ele 'toto'. e há um chamado 'tubon'. 'tubon' é tubarão peixe. + +- ah! + +-> depois há um tuba[...], esse tubarão mais especial. é tu[...], nós em no[...], nossa língua a gente chama ele 'tubon-tunhá'. é um tubarão que dá para qualquer comida, esse 'tubon-tunhá'. depois há tubarão do fundo, agora. há tubarão de areia, na nossa língua há um tubarão chamado 'qua-cotá', há um tubarão que mataram, os homens de Praia Gamboa mataram lá um que chamado 'má-pintá', há tubarão, hum, como é que se chama? hum, eh, nós temos um tipo de tubarão, a gente chama 'tubon-tunteiro'. 'tubon-tunteiro' é um tubarão que fica só atrás da rocha, a comer bonito, essas coisas, há muito tipo de tubarão. + +- qualquer deles pode ser pescado, e todos são... comestíveis, pode-se comer todos? + +-> pode tu[...], pode comer todo, toda a marca de tubarão... + +- aqui nós comemos todos. + +-> todos. todo o tubarão nós comemos. há tubarão que nós ainda não conhecemos. há tubarão + +- já ouviram falar só. + +-> esse tubarão que os homens de Praia Gamboa mataram, que saiu em televisão: estou a pescar tanto tempo, eu não conheço esse tubarão! mas é tubarão! há um tubarão que os homens de Neves matam no tempo da Gravana chamado 'labo-lungo', é tubarão, há muito tipo de tubarão. + +- muitas espécies... de tubarão. + +-> uma data espécie de tubarão. antigamente é que nós matávamos os tubarão na nossa água à vontade. mas hoje, tubarão já não passa para vir para a baía. porque nós vamos pa[...], nós não podemos ir aqui, pegar São Tomé, meter na água para não ver terra. nós temos que ir por São Tomé, porque nós vamos para muito, vamos para muito largo! + +- há um, há um ditado aqui em São Tomé que diz que... Deus fez o mar para todos os peixes, mas o tubarão que tem a fama é que se apossou do mar. tomou o mar só para ele. + +-> só para ele. + +- isso é, tem o sentimento que isto é verdade? é verdade que o tubarão é que reina no mar, aqui em São Tomé? + +-> em São Tomé, o tubarão reina aí no mar. + + diff --git a/S. Tome e Principe/Pesca Arriscada.wav b/S. Tome e Principe/Pesca Arriscada.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..10a530d32ef085edccdae6f7f5c6a63ad5ea017b --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Pesca Arriscada.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:5bfd277fe13983b1fbccc4051f2be4ba7f7bda14da52aed1b64b5fb082f7fe44 +size 16552286 diff --git a/S. Tome e Principe/Sabores.txt b/S. Tome e Principe/Sabores.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..1e84464adfb00c2923aca9df35ca9b8466289c22 --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Sabores.txt @@ -0,0 +1,78 @@ +TÍTULO: Sabores +LOCAL: S. Tomé e Príncipe - S. Tomé +DATA: 1997 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 20 anos + ESCOLARIDADE: 4 anos + PROFISSÃO: Empregada doméstica + +OBSERVAÇÕES: "larra" equivale a "rala", com metátese das consoantes; "passá-vique" equivale a "passe-vite"; "mosquito" é uma planta da Ilha de S. Tomé. + + +-> açucarinha, como é que se faz? eu vou dizer como é que se faz açucarinha: açucarinha, pega ao coco, quebra no meio, lava-se, muito bem lavado, depois 'larra', põe numa panela limpa com um pouco de água e casca de limão, com u[...], uma colherinhazinha de manteiga, depois... deixa ferver muito bem fervido até cozer o coco. depois ponho açúcar, ponho açúcar, deixa cozer até secar, depois de ter, ficar um pouco, quase a secar, põe, arranja, corta-se folha de banana, banana-pão ou prata, depois limpa-se muito bem limpado, depois espalha-se açucarinha. deixa secar, depois de ter apanhado a açucarinha, deixa secar; depois está a açucarinha. moda de São Tomé. + + [...] + +- então diga lá mais uma outra receita. + +-> qual é, qual é a receita que dona... Ceci quer? + +- por exemplo... izaquente. no outro dia, a Fati cozinhou izaquente de, de açúcar. + +-> de açúcar. + +- então diga lá como é que se faz. desde o início. + +-> escolher + +- desde, desde... + +-> [...] + +- do momento em que se, em que se vai comprar o izaquente à feira... + +-> compra é escolhida. + +- então diga. + +-> fui para a feira, comprei izaquente. trezentos e cinquenta cada caneca de izaquente. vim para casa, peguei izaquen[...], peguei a panela, lavei, para não cheirar nem ter gordura. pus água, pus no fogo com um bocado de sal, deixei a água ferver, lavei izaquente muito bem lavado, porque é izaquente que a gente compramos na feira, então lavei muito bem, pus na panela, deixei cozer, então quando estiver muito bem cozida, põe-se, ponho o quê? depois de estar muito bem cozida passa-se no 'passá-vique' ou, ou, quem não tem 'passá-vique' pega a colher de madeira reme[...], me[...], remexe muito bem remexido até apodrecer izaquente. depois de estar po[...], apodrecido, ponho casca de limão ou casca de ca[...], pau de canela, deixa ferver, pisa malagueta grande - só casca para não arder - vai ficar um bocado da cor e dá quente, ponho açúcar e folha [...], depois de estar bem cozido, com açúcar, prova-se. assim está izaquente de açúcar e de azeite. + +- quer também dizer como é que se faz izaquente de azeite? + +-> quero. + +- então diga. + +-> mas é mais um pouco difícil que, que izaquente de açúcar e izaquente de frigida. + +- e o que é isso de frigida? + +-> é quem não sabe fazer izaquente de azeite, então dizem, aqui em São Tomé dizem que izaquente de açúcar é izaquente de frigida, izaquente de azeite que é izaquente de quem sabe fazer... + +- então diga. + +-> de quem sabe cozinhar. + +- mas a Fati sabe! + +-> eu sei! + +- então diga como é que se faz, que é para, que é para, eu também quero aprender, porque parece que eu sou frigida. diga lá Fati. + +-> izaquente de azeite, moda de São Tomé: põe izaquente no fogo, deixa ferver, com pau de pimenta e ossami, folha de maquiquê, um bocado de maquiquê, deixa cozer muito bem cozida. depois de estar bem cozida, pega peixe, pica de espinha, tira a espinha, depois de ter tirado espinha, lava-se, põe na panela de izaquente com um bocado de azeite de palma. depois deixa-se, tapa com sal, deixa cozer. depois de estar muito bem cozida, vai mexendo também com colher de madeira muito bem mexido, até izaquente apodrecer. depois de estar apodrecido, pisa um bocado de tempero com malagueta também, ou casca de pau de pimenta, pisa muito bem pisado e põe izaquente. deixa ferver, mas não pode mexer porque tem tempero, para não cheirar... tempero. depois de... pôr malagueta e tempero, tapa-se, deixa ferver muito bem fervido, põe uma raminha de mosquito para dar cheiro, depois de estar, de, depois de pôr raminha de mosquito, deixa, depois vai só mexendo, mexendo, para não queimar em baixo na panela. e assim está izaquente. depois come-se com farinha mandioca ou mesmo assim seco. há quem gosta comer com farinha mandioca e há quem gosta comer seco. + +- e a Fati como é que gosta? + +-> eu? tanto faz para mim. + +- ok! eu já aprendi duas receitas. + + + + + + + + + diff --git a/S. Tome e Principe/Sabores.wav b/S. Tome e Principe/Sabores.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b91f36e51811a461bf6b68d11f842514e98e5414 --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Sabores.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:913e27191f666c4d621ca82b4fd590878510e5b3439867c20b19b1cccaf518be +size 15320936 diff --git a/S. Tome e Principe/Ser Professor.txt b/S. Tome e Principe/Ser Professor.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..31abf9a0f43ee02162faa2823c96dd31a8828cd6 --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Ser Professor.txt @@ -0,0 +1,81 @@ +TÍTULO: Ser Professor +LOCAL: S. Tomé e Príncipe - S. Tomé +DATA: 1996 +INFORMANTE + SEXO: F + IDADE: 39 anos + ESCOLARIDADE: Curso Superior + PROFISSÃO: Professora do ensino secundário + + + + +- olhe, eh, ao longo da sua experiência como directora de ensino secundário que... problemas é que tem enfrentado? + +-> alguns. sabe que a sociedade tem muitos problemas e o ensino não podia escapar, ah, à tentativa de se... obter resultados fáceis e... isso passa por, pelas pessoas quererem ver os seus filhos passarem de classe, isso passa pelas pessoas quererem que, dar aulas sem ter o mínimo... para que possam dar, isso passa pelos professores que querem deixar de dar aulas numa, numa escola longínqua para virem para escolas mais próxima e... professores que... não têm condições para poder garantir o seu sustento e que transportam esses problemas para o sistema, e... uma série de outros de ordem estrutural, como falta de, de, de meios + +- ah. + +-> de ensino que os professores não têm para poderem transmitir convenientemente os seus, os professores que não têm formação e por conseguinte não podem dar aquilo que não têm, são os problemas mais gritantes que neste momento nós temos no sistema. + +- hum. e... o que é que propõe? tem alguma ideia de como ultrapassar alguns desses problemas? + + +-> acho que passa por se definir se educação é ou não prioritária e todo o, toda a, toda a política que se fizer em relação a educação, saber-se o que é que se pretende, que metas é que se pretende atingir e traçar-se estratégias para que se possa atingir essas metas. + +- a quem é que atribui essa responsabilidade? + +-> todos nós. não é uma forma falaciosa de fa[...], é preciso que toda a gente, a todos os níveis, cada um a seu nível, efectivamente saiba aquilo que deve fazer e de que é que dispõe para fazê-lo. e acho que, neste momento, as pessoas estão fazendo um bocado só por rotina sem saber efectivamente o que é que deve fazer, o que é que pode fazer, o que é que não pode fazer, e, e que contornos dar para... poder resolver minimamente a situação. acho que é necessário pensar nisso, mas isso não se resolve só com o problema da educação, educação sistema em si. é necessário que todo o país esteja virado efectivamente, sinta que a educação é, é, é, é, é fundamental. mas enquanto isso não acontecer acho que... estaremos um bocado a lutar contra a maré. + +- olhe, ah, certamente que ao longo de todo esse tempo, quer como professora, quer como directora de ensino, ah, eh, deve ter passado por situações, ah, interessantes, mais interessantes, menos interessantes, mais dolorosas, menos dolorosas, eh, que, eh, a marcaram particularmente. ah, quer falar-me, ah, de algum episódio, facto, que a tenha particularmente marcado? + +-> eh, tive muitos. muitos. ah, eu acho que uma das coisas que me marcou bastante foi quando eu deixei o liceu. acho que... + +- quando deixou a direcção do liceu? + +-> a direcção do liceu. acho que foi uma [...] + +- pois é, foi directora do liceu. + +-> exacto. foi uma das coisas que mais me marcou. acho que... + +- porque é que gostou assim tanto? + +-> porque acho que... sentia-me no meu meio, com os meninos. e... essa, eu continuo a estar ligada a eles, de uma forma indirecta, mas esse contacto directo, esse convívio de... muita gente... + +- [...] dos corredores. + +-> exacto. faz-me falta, até hoje eu sinto a falta desse, desse ambiente. acho que foi uma das coisas que mais me marcou ao deixar a, a direcção do liceu. tive situações... muito... difíceis. hoje, acho que se, muitas coisas que eu fiz, talvez não fizesse, se voltasse ao ensino. + +- por exemplo? + +- acho que era muito... rígida. queria, bom, fui para a direcção do liceu numa altura em que as coisas pareciam que estavam num caos e queria endireitar tudo e não se pode fazer tudo ao mesmo tempo e acho que fui muito dura para com os meninos. até hoje, a imagem que eles têm, embora em conversa depois com eles, eles digam que faz falta alguém assim no liceu, mas sinto que eu fui um bocado dura. podia ter sido na mesma rigorosa sem ter sido tão dura. e... isso levou-me a ter algumas situações muito esquisitas, ao ponto de uma vez um menino ter a[...], me atirado com pedra no liceu, pelo facto de eu o ter... sancionado com [...], sancionado com a pena máxima que era de... + +- suspensão. + +-> suspensão de quinze dias, ele... atirou-me com uma pedra no, no liceu e por um triz a pedra me teria apanhado. e... pode ser que eu tivesse feito a mesma coisa, porque aquele menino tinha sido, mas... houve situações também gratificantes, os meninos hoje que me abordam na rua dizem que precisa hoje no liceu de, de, no liceu e algumas escolas, de algum pulso assim de ferro, mas não sei se... hoje conseguiria fazer a mesma coisa, se, se teria feito de outra forma, mas, o liceu é a coisa mais gratificante que apanhei aqui no [...]. acho que não hesitaria em... voltar a dar aulas, se eu... tiver oportunidade acho que... faz-me falta. não sei se as condições actuais serão as mesmas. + +- mas, no entanto, a vinda para a direcção de ensino constituiu uma promoção, não é, + +- é! + +- uma promoção pessoal, isso também é gratificante. + +-> sim, também é, mas pronto, em termos... profissionais é, mas em termos morais, talvez, a satisfação, porque a satisfação moral tem, tem, por vezes vai, vai usar riscos. + +- há menos realização pessoal talvez. + +-> pois, exacto. mas, pronto, há, há uma coisa que me ficou marcado bastante que é esse convívio com os meninos, enfrentar, conversar com eles, por vezes dar-lhes algum berro, mas... + +- fazer um bocado de mãe. + +-> é, é. é um bocado isso. pois. + + + + + + + + + diff --git a/S. Tome e Principe/Ser Professor.wav b/S. Tome e Principe/Ser Professor.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..f593289296f8051aa7c14fa920390b151fcf017d --- /dev/null +++ b/S. Tome e Principe/Ser Professor.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:42c99901cbd1015b69d14f302496b04635cb10325b898b355177cd00b02b1d13 +size 18076990 diff --git a/Timor/Identidade de um Povo.txt b/Timor/Identidade de um Povo.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..fa466297910cc5aabaafd7bc72b68da3baed46c1 --- /dev/null +++ b/Timor/Identidade de um Povo.txt @@ -0,0 +1,112 @@ +TÍTULO: Identidade de um Povo +LOCAL: Timor - Dili +DATA: 1999 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 33 anos + ESCOLARIDADE: 12 anos + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: o informante frequentou o 10º ano numa escola portuguesa em Dili e o 12º numa escola indonésia; entrevista gravada em Portugal, onde o informante se encontrava havia cerca de duas semanas. Produz 'estratesias' por «estratégias». + + +- e... os timorenses... claro que aqueles timorenses que nasceram já depois, bom, eu estou a fazer uma pergunta desnecessária, porque estes rapazes já nasceram depois da invasão e sentem-se sempre timorenses, não é, + +-> eh, eu admiro-me bastante. admiro-me bastante porque... foram educados nas escolas indonésias mas não perdem assim a sua identidade e o seu orgulho de ser timorense. portanto eu me admiro bastante. + +- hum, hum. + +-> é. + +- eh... + + -> isto demonstra de que... este jovem soube amar, e dar-se à sua pátria. + +- é verdade. os pais terão contribuído muito para isso, não acha? + +-> é. eu creio que sim. isto é o resultado da contribuição dos pais. os pais é que contribuiram tanto + +- hum. + +-> durante esta ocupação para que hoje em dia os filhos tornam assim. se não fosses os pais, pronto, não fossem os pais, os filhos nunca tiveram ou, não teriam que ser como agora + +- pois. + +-> são, não é, + +- pois. porque, porque já nasceram, já cresceram debaixo da influência da + +-> sim. + +- da Indonésia. + +-> é. + +- mas diz-se que, q[...], eh, os indonésios, por exemplo, dizem que fizeram mais, em vinte e poucos anos que fizeram mais por Timor do que os portugueses em quatro séculos e meio. + +-> eh, politicamente, a Indonésia tem sempre arranjado estratégias ou, diplomaticamente, ela tem que jogar assim. + +- hum, hum. + +-> mas a, nós não negamos, fez bastante. se bem que com este desenvolvimento poderá assim mudar ou transformar a identidade de um povo? a paz não é para ser vendida ou não é para ser comp[...]. não é uma, u[...], uma questão muito assim fundamental. e a independência também é uma questão muito fund[...], fundamental. portanto nós, mesmo que a Indonésia construísse em Timor prédios com, bom, de ouro, de platina, nós nunca que iríamos vender a nossa liberdade e a nossa independência. + +- pois. sabe uma coisa que eu acho curiosa, o, os indonésios viveram quatrocentos e cinquenta, os indonésios não, os timorenses + +-> os timorenses. + +- viveram quatrocentos e cinquenta anos + +-> sim. + +- colonizados pelos portugueses e sempre aceitaram essa colonização. e depois + +-> sim. + +- porque é que não aceitaram depois? + +-> a maneira muito diferente. os portugueses entraram em Timor com uma, uma cruz. + +- hum, hum. + +-> a cruz de Cristo. o objectivo era aquela, a evangelização, o cristianismo, expandir o ensinamento de Cristo + +- hum, hum. + +-> no sudoeste asiático. e os indonésios tomaram uma outra maneira muito assim diferente do que os portugueses. + +- hum, hum. + +-> foram, invadiram, mataram, massacraram e assassinaram aquele povo, portanto, sabemos, aquele povo também, o povo de Timor era um povo assim revoltoso, nunca queria que alguém lhe fizesse mal. foi daí é que este povo, e, por mais razão, muito assim fundamental era... a independência. + +- a independência. + +-> a liberdade. + +- hum, hum. disse-me que os portugueses entraram, eh, em Timor com uma cruz na mão, é verdade, eh, e a, a pergunta que eu lhe fazia era a seguinte: havia, eh, eh, religiões, eh, tradicionais, em Timor + +-> eh, exactamente. + +- eh, e, e depois entrou o cristianismo. essas religiões tradicionais desapareceram por completo ou mantêm-se de certo modo? + +-> eh, alguns mantêm-se clandestinamente. não todas. não todas as religiões desapareceram na altura. eh, os portugueses, conforme o que eu tinha ouvido, os pais me contaram de que conseguiram não fazer desaparecer a, a religião tradicional, mas a, conseguiram assim introduzir o cristianismo em Timor, utilizando assim a, um, uma, uma maneira muito, muito, muito suave, digamos assim, que, para aqueles que, na altura, queriam que os filhos fossem assim educados nas escolas, tinham que aceitar a ser baptizados. + +- hum. + +-> e daí mudaram-lhe o nome. o nome, nome assim, eh, natural é um nome muito... original, do povo, era, bom, Mau Lec ou Mau Be ou... um Mau qualquer. + +- "mau" quer dizer homem, não é, + +-> "mau" é homem, é grande. + +- hum, hum, bom. + +-> "mau" é homem, é grande, é senhor. + +- hum, hum. + +-> é. e depois, pronto, daí os portugueses introduziram, aplicaram aquele, aquele método, conseguiram mesmo introduzir a, o cristianismo e, abafaram, não é, posso dizer assim, o, a religião tradicional daquele povo. foi daí é que... a religião tradicional desapareceu, de pouco a pouco. + +- hum, hum. + +-> na, mas era um dos benefícios de Timor-Leste. + diff --git a/Timor/Identidade de um Povo.wav b/Timor/Identidade de um Povo.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..6280817e97a67dd4a16b34e1ee5aa8d14e4cf73c --- /dev/null +++ b/Timor/Identidade de um Povo.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:63b42337bb61e74777d275f05012cb857ff1da8b674bcc198ade62bfd8120a3f +size 14321852 diff --git a/Timor/Por Timor Independente.txt b/Timor/Por Timor Independente.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..40891029832c3b08e36cc298b337921a7ad80017 --- /dev/null +++ b/Timor/Por Timor Independente.txt @@ -0,0 +1,121 @@ +TÍTULO: Por Timor Independente +LOCAL: Timor - Baucau +DATA: 1999 +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: 25 anos + ESCOLARIDADE: Frequência de um curso superior + PROFISSÃO: + +OBSERVAÇÕES: O informante frequentou a universidade na Indonésia; está há pouco mais de dois anos em Portugal, lugar onde foi gravada a entrevista. + + +- costuma ouvir cá as notícias sobre Timor, aqui em Portugal? + +-> sim. + +- e + +-> todo o dia. + +- todo o dia. + +-> acompanha sempre + +- ham, ham. acha que, que eles dão bem as notícias ou... + +-> não, o nosso problema foi... precisamente isso, sobre... as imprensas. + +- hum, hum. + +-> são as imprensas e eles conseguem divulgar o nosso caso através dessa, dessas maneira. + +- hum, hum. + +-> também é uma parte da luta. + +- hum, hum. + +-> pois, nós conseguimos e, convencer os jornalistas para entrar lá dentro e divulgar o nosso, o nosso caso. se f[...], se fo[...], se não foram eles, o nosso caso foram, eh, foi abafado. + +- hum, hum. aqui, por exemplo, há cinco anos atrás, acreditava que o problema de Timor se ia resolver assim depressa? + +-> não. não acreditamos. + +- eu tam[...], eu também não pensava. + +-> mas é uma grande surpresa para nós, tudo isso, também o papel do juventude e... a nossa resistência, juntamente com a nossa resistência, a igreja + +- hum, hum. + +-> consolidar a área internacional e tudo isto, e também o esforço do governo português. + +- acha que, o, quando o prémio, o Prémio Nobel foi atribuído a dois timorenses, que isso foi um passo importante para, para o desenvolvimento, quando Ramos Horta + +-> s[...] + +- e Dom Ximenes Belo ganham o Prémio Nobel? + +-> sim, sim. é um passo importante porque, através desse nobe[...], Nobel e, conseguimos ganhar a opinião pública e, a opinião pública internacional e, por uma parte, e por a outra parte conseguimos ganhar a simpatia da comoda[...], comunidade internacional. + +- foi muito importante, não é, + +-> sim, foi muito importante. e ganhámos um grande passo. + +- pois. pois, eu penso s[...], penso que aí foi um primeiro... + +-> sim. + +- um primeiro passo importante. + +-> o primeiro passo que conseguiu, eh, conseguimos, eh, afectar toda a comunidade internacional foi o massacre de Santa Cruz. + +- hum, hum. + +-> o massacre foi... + +- estava lá nessa altura? + +-> eu não, não estive lá. + +- não. + +-> eu não participei. + +- não, mas eu digo, estava em ti[...], Macau, em + +-> sim, eu estive em Timor. + +- Timor, nessa altura. + +-> estive em Timor naquela altura, mas eu não participei. + +- claro. Baucau ainda é longe + +-> sim. + +- de Dili. pois. e, o facto da, dos problemas internos da Indonésia também deve ter ajudado... + +-> sim, deve ter. há muitas... grupos de opositores da, do Suarto neste momento estão a trabalhar juntamente connosco. e, através dessa, através do nosso... problema eles também aproveitaram para, eh, implantar a... democracia lá dentro do país deles, pronto, dentro do, da Indonésia. pro[...], porque eles, neste momento, estão a lutar para, ah, ganhar um passo da democracia dentro da Indonésia. + +- hum, hum. e, e penso que, eh, Timor também trouxe muitos problemas à Indonésia, não é, + +-> sim, sim. + +- em termos de... + +-> por exemplo, eh, neste momento há, há [...], há Atché e mais Molucas, Papua, neste momento elas estão a lutar para... o seu destino, mas pronto, os seus destinos. + +- claro. + +-> mas pronto, neste momento eles estão lutando, só que eles tem problema diferente com o nosso. o nosso é outra coisa. nós não, não, não so[...], não fomos colonizado pelo holandês. + +- pois. + +-> fomos colonizados pelo... português. e é, e é esta a diferença. + +- hum, hum. pois. + +-> geograficamente, pronto, a mesma, mas, historicamente é diferente. + + diff --git a/Timor/Por Timor Independente.wav b/Timor/Por Timor Independente.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..83a6b22ac86de29040878f8d70413638176839aa --- /dev/null +++ b/Timor/Por Timor Independente.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:6dbb6e9e145647f1d871cace32e91300e34da704a14fefeedd3acd4cea8a1be3 +size 11838056 diff --git a/Timor/Regras e Regras.txt b/Timor/Regras e Regras.txt new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..b879964622faa16d882a2afe262a08f21256170e --- /dev/null +++ b/Timor/Regras e Regras.txt @@ -0,0 +1,64 @@ +TÍTULO: Regras e Regras +LOCAL: Timor +ANO: +INFORMANTE + SEXO: M + IDADE: + ESCOLARIDADE: + PROFISSÃO: Padre + +OBSERVAÇÕES: Entrevista obtida num programa de rádio de Macau. + + +- depois destes anos de ocupação indonésia, a situação em Timor alterou-se, eh, nomeadamente a linguística. o padre Francisco Fernandes tem conhecimento de qual é a situação actual? + +-> de facto, como afirmou, eh, a situação política, eh, condicionou a situação linguística. antes o ensino do português era oficial, apoiado pela, governo e igreja, hoje está completamente banido. a situação actual, o aprendizagem do português foi ainda feito pela igreja, até mil novecentos noventa e dois, no Externato São José, que foi encerrado depois de doze de Novembro, do massacre de Santa Cruz. a partir daí, a língua portuguesa é aprendida, praticamente, nas famílias, as pessoas têm agora a tendência de se afirmar diferentemente dos indonésios. portanto, falam português, embora o português não seja correcto, mas tenta expressar-se em português, na situação actual, e até... há indonésios que aprendem português, neste momento. + +- eh, ó padre Francisco, há aí um, um ponto que de facto, eh, a mim surge-me, pessoalmente, algumas dúvidas: havia alguns casos em que a língua portuguesa era ensinada como língua materna? portanto, eu digo, antigamente, ou o português era aprendido mais tarde como língua estrangeira? + +-> eh, na, durante a administração portuguesa, o, os pais que sabiam português procuravam ensinar os seus filhos o português. e esse ensino depois é continuado nas escolas, sobretudo nas escolas das missões, eh, espalhadas pelo... território. portanto, é raro o aprender o ensino do português como língua estrangeira, mais tarde, a não ser os chineses. + +- hum, hum. + +-> os chineses e outros, ou... árabes que se encontram em Timor, aprendem a língua, eh, portuguesa como língua estrangeira, mas o timorense ataca logo, como língua materna. + +- hum, hum. eh, então pelo que vejo, portanto, digamos que Timor seria um mosaico linguístico, tinha-me falado inclusive dos dialectos, podia talvez explicar-nos um pouco isso. + +-> de facto, é um caso estranho, que uma ilha tão pequena com... vinte mil quilómetros quadrados, e é, e é bombardeada ou ex[...], eh, in[...], confrontada com diversidade de línguas, ou dialectos. vinte, pelo menos, oficialmente registados + +- hum, hum, hum. + +-> são vinte, em que a língua franca é o tétum. + +- hum, hum. + +-> por exemplo, só no meu caso, na, na minha terra, um posto com... uma superfície um pouco superior a Macau aí... vinte vezes, fala quatro línguas, ou quatro dialectos + +- hum, hum. + +-> para uma população de dez mil. falam quatro dialectos diferentes. mas todos eles compreendem, ouvem ou compreendem tétum. portanto, tétum é a língua franca para toda a, a ilha. + +- hum, hum, hum. + +-> para, depois do português ou do, é tétum primeiro, depois é português. depois, cada um na sua área fala o dialecto que entender. são, são logo vinte. por aquilo, aquilo é uma salada russa autêntica. é difícil de compreender uns aos outro, a não ser através do tétum. + +- hum, hum, hum. eh, eh, então mas diga-me, por exemplo, antigamente, naturalmente o português não seria falado por todos. eh, sendo assim, em que actividades é que era usada como língua de comunicação? + +-> exacto. português não era falado por todos, porque, havia pouca oferta. havia muita procura da parte dos timorenses em aprender o português, mas a oferta muito pouca. e então, a língua p[...], a... portuguesa limita-se às classes [...], funcionário público, ah, às missões, eh, às Forças Armadas, à classe comercial de Timor e... aqueles que estão nos centros urbanos, como Díli, Baucau, ou de centros de concelho, esses procuram falar português, mas a população timorense que está na montanha, eh, o portuguê[...], ele não tem muito acesso porque não há escolas, e além disso, eh, o acidentado do terreno não facilita mesmo, ah, a deslocação de pessoas para... escolas. porque as escolas são muito afastadas da zona. tens que caminhar aí quatro ou cinco dias para ir até uma escola. portanto a dificuldade está em, eh, oferecer o ensino ao povo que tem a s[...], fome de aprender português. + +- o, o padre Francisco lembra-se de como era ensinado o, a língua portuguesa? + +-> bem, eh, a língua portuguesa em Timor, eh, aquilo, aprendemos à martelada. porque o povo gosta de aprender e então, os professores aproveitam a oportunidade para fazer uma, uma aprendizagem muito acelerada. eu, o meu caso pessoal, eu estive num colégio de jesuítas, o colégio mais antigo de Timor. eh, já foi fundado do século passado pelo... bispo Medeiros. + +- hum, hum. + +-> está numa área completamente inacessível. só vai carro para lá uma vez por ano. ou o carro do governador, ou do pu[...], bispo, e é completamente isolado. mas, porque aquele colégio é um colégio pioneiro, e tem uma educação espartana, o ensino do português lá é muito proveitoso. toda a gente manda filhos para lá. chegamos lá, por exemplo, eh, o primeiro dia de aula é proibido falar, os alunos, cada um, é proibido falar a su[...], o seu dialecto. para quem sabe português, começa logo manejar o portug[...], quem não sabe tem que ficar em silêncio durante meses, porque havia réguas, eh, aquilo são quatro[...], ah, quinhentos alunos internos, organizados em castelos da Mocidade Portuguesa, havia réguas, que, ah, mais de vinte réguas a caçar quem fala dialectos. por forma que, através da régua, os alunos, ah, tinham que aprender à força, aprender à força. + +- é um método muito persuasivo, ó padre Francisco. + +-> é um método, mas muito deu resultado. e as pessoas depois de três ou quatro meses acabam por falar português, e no fim do ano, eh, dominam o português. em relação a outros colégios, esses falavam muito melhor. e eu estive nesse colégio quatro anos, eu sei como é que o método rendeu, e depois, mais tarde, fui como superior, director desse colégio, eu não mudei a regra. eu impus, eu continuei com a regra da régua. + + + + + diff --git a/Timor/Regras e Regras.wav b/Timor/Regras e Regras.wav new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..d418407b7bd30d227121a07e199b6b0fe96df303 --- /dev/null +++ b/Timor/Regras e Regras.wav @@ -0,0 +1,3 @@ +version https://git-lfs.github.com/spec/v1 +oid sha256:d8dc18d3acbc43e8c6d925d39763e12537e753ad262d9e098098c97c4c3c048e +size 19871626 diff --git a/meta.py b/meta.py new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..ea1e72a6d0289306554cb874d2c3f84ba19cb8a5 --- /dev/null +++ b/meta.py @@ -0,0 +1,34 @@ +import os + +METADAT = { + +} +CSV = "file_name,country,region,gender,age,date,text" +for root, folders, files in os.walk(os.path.dirname(__file__)): + if files: + r = root.split(os.path.dirname(__file__) + "/")[-1] + + country = r.split("/")[0] + wavs = [f for f in files if f.endswith(".wav")] + txt = [f for f in files if f.endswith(".txt")] + + for idx, t in enumerate(txt): + wav = f"{r}/" + t.replace(".txt", ".wav") + #print(wav) + METADAT[wav] = {"country": country} + #print(t) + with open(f"{root}/{t}") as f: + lines = f.read().split("\n") + keys = [l for l in lines if ":" in l] + txt[idx] = ". ".join([l.lstrip("-> ") for l in lines if l.startswith("-")]).replace('"',"'") + for k in keys: + k, v = k.split(":", 1) + k = k.lower().strip() + v = v.strip() + if v: + METADAT[wav][k] = v + CSV += f"\n{wav},{country},{METADAT[wav].get('local', '').split('-',1)[-1].replace(',', ' -').strip()},{METADAT[wav].get('sexo', '')},{METADAT[wav].get('idade', '').split('anos')[0].strip()},{METADAT[wav].get('data', '')},\"{txt[idx]}\"" + + #print(txt) +with open(f"{os.path.dirname(__file__)}/metadata.csv", "w") as f: + f.write(CSV) \ No newline at end of file diff --git a/metadata.csv b/metadata.csv new file mode 100644 index 0000000000000000000000000000000000000000..047d970b05dbd7b4d5608d7e755e64323c857021 --- /dev/null +++ b/metadata.csv @@ -0,0 +1,87 @@ +file_name,country,region,gender,age,date,text +Timor/Identidade de um Povo.wav,Timor,Dili,M,33,1999,"e... os timorenses... claro que aqueles timorenses que nasceram já depois, bom, eu estou a fazer uma pergunta desnecessária, porque estes rapazes já nasceram depois da invasão e sentem-se sempre timorenses, não é,. eh, eu admiro-me bastante. admiro-me bastante porque... foram educados nas escolas indonésias mas não perdem assim a sua identidade e o seu orgulho de ser timorense. portanto eu me admiro bastante.. hum, hum.. é.. eh.... é verdade. os pais terão contribuído muito para isso, não acha?. é. eu creio que sim. isto é o resultado da contribuição dos pais. os pais é que contribuiram tanto. hum.. durante esta ocupação para que hoje em dia os filhos tornam assim. se não fosses os pais, pronto, não fossem os pais, os filhos nunca tiveram ou, não teriam que ser como agora. pois.. são, não é,. pois. porque, porque já nasceram, já cresceram debaixo da influência da. sim.. da Indonésia.. é.. mas diz-se que, q[...], eh, os indonésios, por exemplo, dizem que fizeram mais, em vinte e poucos anos que fizeram mais por Timor do que os portugueses em quatro séculos e meio.. eh, politicamente, a Indonésia tem sempre arranjado estratégias ou, diplomaticamente, ela tem que jogar assim.. hum, hum.. mas a, nós não negamos, fez bastante. se bem que com este desenvolvimento poderá assim mudar ou transformar a identidade de um povo? a paz não é para ser vendida ou não é para ser comp[...]. não é uma, u[...], uma questão muito assim fundamental. e a independência também é uma questão muito fund[...], fundamental. portanto nós, mesmo que a Indonésia construísse em Timor prédios com, bom, de ouro, de platina, nós nunca que iríamos vender a nossa liberdade e a nossa independência.. pois. sabe uma coisa que eu acho curiosa, o, os indonésios viveram quatrocentos e cinquenta, os indonésios não, os timorenses. os timorenses.. viveram quatrocentos e cinquenta anos. sim.. colonizados pelos portugueses e sempre aceitaram essa colonização. e depois. sim.. porque é que não aceitaram depois?. a maneira muito diferente. os portugueses entraram em Timor com uma, uma cruz.. hum, hum.. a cruz de Cristo. o objectivo era aquela, a evangelização, o cristianismo, expandir o ensinamento de Cristo. hum, hum.. no sudoeste asiático. e os indonésios tomaram uma outra maneira muito assim diferente do que os portugueses.. hum, hum.. foram, invadiram, mataram, massacraram e assassinaram aquele povo, portanto, sabemos, aquele povo também, o povo de Timor era um povo assim revoltoso, nunca queria que alguém lhe fizesse mal. foi daí é que este povo, e, por mais razão, muito assim fundamental era... a independência.. a independência. . a liberdade.. hum, hum. disse-me que os portugueses entraram, eh, em Timor com uma cruz na mão, é verdade, eh, e a, a pergunta que eu lhe fazia era a seguinte: havia, eh, eh, religiões, eh, tradicionais, em Timor. eh, exactamente.. eh, e, e depois entrou o cristianismo. essas religiões tradicionais desapareceram por completo ou mantêm-se de certo modo?. eh, alguns mantêm-se clandestinamente. não todas. não todas as religiões desapareceram na altura. eh, os portugueses, conforme o que eu tinha ouvido, os pais me contaram de que conseguiram não fazer desaparecer a, a religião tradicional, mas a, conseguiram assim introduzir o cristianismo em Timor, utilizando assim a, um, uma, uma maneira muito, muito, muito suave, digamos assim, que, para aqueles que, na altura, queriam que os filhos fossem assim educados nas escolas, tinham que aceitar a ser baptizados.. hum.. e daí mudaram-lhe o nome. o nome, nome assim, eh, natural é um nome muito... original, do povo, era, bom, Mau Lec ou Mau Be ou... um Mau qualquer.. 'mau' quer dizer homem, não é,. 'mau' é homem, é grande.. hum, hum, bom.. 'mau' é homem, é grande, é senhor.. hum, hum.. é. e depois, pronto, daí os portugueses introduziram, aplicaram aquele, aquele método, conseguiram mesmo introduzir a, o cristianismo e, abafaram, não é, posso dizer assim, o, a religião tradicional daquele povo. foi daí é que... a religião tradicional desapareceu, de pouco a pouco.. hum, hum.. na, mas era um dos benefícios de Timor-Leste." +Timor/Por Timor Independente.wav,Timor,Baucau,M,25,1999,"costuma ouvir cá as notícias sobre Timor, aqui em Portugal?. sim.. e. todo o dia.. todo o dia. . acompanha sempre. ham, ham. acha que, que eles dão bem as notícias ou.... não, o nosso problema foi... precisamente isso, sobre... as imprensas.. hum, hum. . são as imprensas e eles conseguem divulgar o nosso caso através dessa, dessas maneira.. hum, hum.. também é uma parte da luta.. hum, hum.. pois, nós conseguimos e, convencer os jornalistas para entrar lá dentro e divulgar o nosso, o nosso caso. se f[...], se fo[...], se não foram eles, o nosso caso foram, eh, foi abafado.. hum, hum. aqui, por exemplo, há cinco anos atrás, acreditava que o problema de Timor se ia resolver assim depressa?. não. não acreditamos.. eu tam[...], eu também não pensava.. mas é uma grande surpresa para nós, tudo isso, também o papel do juventude e... a nossa resistência, juntamente com a nossa resistência, a igreja. hum, hum.. consolidar a área internacional e tudo isto, e também o esforço do governo português.. acha que, o, quando o prémio, o Prémio Nobel foi atribuído a dois timorenses, que isso foi um passo importante para, para o desenvolvimento, quando Ramos Horta. s[...]. e Dom Ximenes Belo ganham o Prémio Nobel?. sim, sim. é um passo importante porque, através desse nobe[...], Nobel e, conseguimos ganhar a opinião pública e, a opinião pública internacional e, por uma parte, e por a outra parte conseguimos ganhar a simpatia da comoda[...], comunidade internacional.. foi muito importante, não é,. sim, foi muito importante. e ganhámos um grande passo.. pois. pois, eu penso s[...], penso que aí foi um primeiro.... sim.. um primeiro passo importante.. o primeiro passo que conseguiu, eh, conseguimos, eh, afectar toda a comunidade internacional foi o massacre de Santa Cruz.. hum, hum.. o massacre foi.... estava lá nessa altura?. eu não, não estive lá.. não.. eu não participei.. não, mas eu digo, estava em ti[...], Macau, em. sim, eu estive em Timor.. Timor, nessa altura.. estive em Timor naquela altura, mas eu não participei.. claro. Baucau ainda é longe. sim.. de Dili. pois. e, o facto da, dos problemas internos da Indonésia também deve ter ajudado.... sim, deve ter. há muitas... grupos de opositores da, do Suarto neste momento estão a trabalhar juntamente connosco. e, através dessa, através do nosso... problema eles também aproveitaram para, eh, implantar a... democracia lá dentro do país deles, pronto, dentro do, da Indonésia. pro[...], porque eles, neste momento, estão a lutar para, ah, ganhar um passo da democracia dentro da Indonésia.. hum, hum. e, e penso que, eh, Timor também trouxe muitos problemas à Indonésia, não é,. sim, sim.. em termos de.... por exemplo, eh, neste momento há, há [...], há Atché e mais Molucas, Papua, neste momento elas estão a lutar para... o seu destino, mas pronto, os seus destinos.. claro.. mas pronto, neste momento eles estão lutando, só que eles tem problema diferente com o nosso. o nosso é outra coisa. nós não, não, não so[...], não fomos colonizado pelo holandês.. pois.. fomos colonizados pelo... português. e é, e é esta a diferença.. hum, hum. pois.. geograficamente, pronto, a mesma, mas, historicamente é diferente." +Timor/Regras e Regras.wav,Timor,Timor,M,,,"depois destes anos de ocupação indonésia, a situação em Timor alterou-se, eh, nomeadamente a linguística. o padre Francisco Fernandes tem conhecimento de qual é a situação actual?. de facto, como afirmou, eh, a situação política, eh, condicionou a situação linguística. antes o ensino do português era oficial, apoiado pela, governo e igreja, hoje está completamente banido. a situação actual, o aprendizagem do português foi ainda feito pela igreja, até mil novecentos noventa e dois, no Externato São José, que foi encerrado depois de doze de Novembro, do massacre de Santa Cruz. a partir daí, a língua portuguesa é aprendida, praticamente, nas famílias, as pessoas têm agora a tendência de se afirmar diferentemente dos indonésios. portanto, falam português, embora o português não seja correcto, mas tenta expressar-se em português, na situação actual, e até... há indonésios que aprendem português, neste momento.. eh, ó padre Francisco, há aí um, um ponto que de facto, eh, a mim surge-me, pessoalmente, algumas dúvidas: havia alguns casos em que a língua portuguesa era ensinada como língua materna? portanto, eu digo, antigamente, ou o português era aprendido mais tarde como língua estrangeira?. eh, na, durante a administração portuguesa, o, os pais que sabiam português procuravam ensinar os seus filhos o português. e esse ensino depois é continuado nas escolas, sobretudo nas escolas das missões, eh, espalhadas pelo... território. portanto, é raro o aprender o ensino do português como língua estrangeira, mais tarde, a não ser os chineses.. hum, hum.. os chineses e outros, ou... árabes que se encontram em Timor, aprendem a língua, eh, portuguesa como língua estrangeira, mas o timorense ataca logo, como língua materna.. hum, hum. eh, então pelo que vejo, portanto, digamos que Timor seria um mosaico linguístico, tinha-me falado inclusive dos dialectos, podia talvez explicar-nos um pouco isso.. de facto, é um caso estranho, que uma ilha tão pequena com... vinte mil quilómetros quadrados, e é, e é bombardeada ou ex[...], eh, in[...], confrontada com diversidade de línguas, ou dialectos. vinte, pelo menos, oficialmente registados. hum, hum, hum.. são vinte, em que a língua franca é o tétum.. hum, hum.. por exemplo, só no meu caso, na, na minha terra, um posto com... uma superfície um pouco superior a Macau aí... vinte vezes, fala quatro línguas, ou quatro dialectos. hum, hum.. para uma população de dez mil. falam quatro dialectos diferentes. mas todos eles compreendem, ouvem ou compreendem tétum. portanto, tétum é a língua franca para toda a, a ilha.. hum, hum, hum.. para, depois do português ou do, é tétum primeiro, depois é português. depois, cada um na sua área fala o dialecto que entender. são, são logo vinte. por aquilo, aquilo é uma salada russa autêntica. é difícil de compreender uns aos outro, a não ser através do tétum.. hum, hum, hum. eh, eh, então mas diga-me, por exemplo, antigamente, naturalmente o português não seria falado por todos. eh, sendo assim, em que actividades é que era usada como língua de comunicação?. exacto. português não era falado por todos, porque, havia pouca oferta. havia muita procura da parte dos timorenses em aprender o português, mas a oferta muito pouca. e então, a língua p[...], a... portuguesa limita-se às classes [...], funcionário público, ah, às missões, eh, às Forças Armadas, à classe comercial de Timor e... aqueles que estão nos centros urbanos, como Díli, Baucau, ou de centros de concelho, esses procuram falar português, mas a população timorense que está na montanha, eh, o portuguê[...], ele não tem muito acesso porque não há escolas, e além disso, eh, o acidentado do terreno não facilita mesmo, ah, a deslocação de pessoas para... escolas. porque as escolas são muito afastadas da zona. tens que caminhar aí quatro ou cinco dias para ir até uma escola. portanto a dificuldade está em, eh, oferecer o ensino ao povo que tem a s[...], fome de aprender português.. o, o padre Francisco lembra-se de como era ensinado o, a língua portuguesa?. bem, eh, a língua portuguesa em Timor, eh, aquilo, aprendemos à martelada. porque o povo gosta de aprender e então, os professores aproveitam a oportunidade para fazer uma, uma aprendizagem muito acelerada. eu, o meu caso pessoal, eu estive num colégio de jesuítas, o colégio mais antigo de Timor. eh, já foi fundado do século passado pelo... bispo Medeiros.. hum, hum.. está numa área completamente inacessível. só vai carro para lá uma vez por ano. ou o carro do governador, ou do pu[...], bispo, e é completamente isolado. mas, porque aquele colégio é um colégio pioneiro, e tem uma educação espartana, o ensino do português lá é muito proveitoso. toda a gente manda filhos para lá. chegamos lá, por exemplo, eh, o primeiro dia de aula é proibido falar, os alunos, cada um, é proibido falar a su[...], o seu dialecto. para quem sabe português, começa logo manejar o portug[...], quem não sabe tem que ficar em silêncio durante meses, porque havia réguas, eh, aquilo são quatro[...], ah, quinhentos alunos internos, organizados em castelos da Mocidade Portuguesa, havia réguas, que, ah, mais de vinte réguas a caçar quem fala dialectos. por forma que, através da régua, os alunos, ah, tinham que aprender à força, aprender à força.. é um método muito persuasivo, ó padre Francisco.. é um método, mas muito deu resultado. e as pessoas depois de três ou quatro meses acabam por falar português, e no fim do ano, eh, dominam o português. em relação a outros colégios, esses falavam muito melhor. e eu estive nesse colégio quatro anos, eu sei como é que o método rendeu, e depois, mais tarde, fui como superior, director desse colégio, eu não mudei a regra. eu impus, eu continuei com a regra da régua." +Guine-Bissau/Democracia.wav,Guine-Bissau,Bissau - Bissau,M,18,1995,"bom, eu creio que os jovens agora... têm mais... acesso à informação e têm mais acesso a poderem, ah, que, ah - como é que se diz? - ah, se cultivarem... a eles próprios sobre... tal, eu penso que a nossa geração já tem, já, já vai crescer.... hum.. com uma... mentalidade já mais forte. hum.. mais, coiso, sobre aquilo que... pode se[...], pode, pode ser a democracia, não é,. hum.. porque eu no, no meu ponto de vista, eu acho que a democracia na Guiné-Bissau não devia ser uma democracia importada.... hum.. de modelos, coiso, tínhamos de fazer uma democracia que tem a ver com a nossa maneira de sermos como povo, não é, com a nossa maneira de vi[...], de, de, que cada povo tem as suas tradições, tem as suas, que tem só uma, só uma maneira de pensar, é caracterizado por um, sua maneira de comportar-se, ham?. hum.. eu penso que isso é que devemos focar. ah, nós os jovens agora temos mais acesso ao ensino, temos mais acesso à informação. eu acho que estamos a levantar com uma nova mentalidade, não é, porque... já começamos a perceber coisas, já temos mais acesso, ah, pois enquanto que aquela geração dos nossos pais. hum.. não, eles, eles que viveram... oprimidos, não é, não tinham aquela liberdade que nós temos hoje. nós hoje podemos dizer que vivemos felizes porque, graças a Deus, eles, vocês deram-nos a independência, não é, nós agora temos isso tudo devido a vocês. mas, ah, por enquanto n[...], nós todos estamos um bocado. desorientados.. desorientados, não é, porque nós não conseguimos ainda nos situar bem, para definirmos comos um povo democrático. ok, eu... sinto-me bem quando dizem que as eleições correram bem, não houve isso, não houve aquilo, não é, agora o que eu acho é que o povo deve 'conscienciar' que nós devemos trabalhar para fortalecer essa democracia, para desenvolver o país. porque democracia também é, eu acho... que ao mesmo tempo é sinal de desenvolvimento.. hum.. e... o nosso povo ainda não tem uma noção de que, de, do trabalho, porque... as pessoas aqui foram educadas trabalhar só um período, e depois à tarde vai-se embora, depois também o povo, o povo perdeu esperança no Estado, perdeu confiança do Estado porque trabalha um ano, dois, fica sem receber, e isso são problemas sérios que... o governo deve... debruçar-se.. e acha que num Estado... que deve, um Estado que deve aos trabalhadores um, o salário de... dois anos, acha que a democracia pode funcionar neste Estado?. claro que não pode, porque.... e qual é a solução para, para esse problema?. em primeiro lugar, eu acho que o Estado... que não paga o seu povo durante dois anos, perde a sua autorad[...], auto[...], autoridade perante o povo. porquê? porque... não vai ter direito de exigir nada ao povo. em primeiro lugar, porque... o povo trabalha, mata-se todos os dias a levantar para ir trabalhar para o Estado e o Estado não... dá nada em volta, em troca. o povo, quê, pode acontecer com uma pessoa, por exemplo, eu trabalho para o professor.. hum.. trabalho um mês e o professor não dá o meu salário, trabalho dois, se não começo a reivindicar os meus direitos. hum.. agora se, o professor não pode exigir nada porque o professor não me paga. nesse caso eu tenho o direito de fazer aquilo que me dá na cabeça.. hum.. porque ninguém me pode exigir nada; isso é que acontece.. hum.. o Estado, o esta[...], o Estado fica numa situação... de inferioridade perante o povo.. hum.. porque não, não, não, não vai poder re[...], exigir nada ao povo.. hum, hum.. porque se o Estado vem 'ah! nós temos que fazer isso.' o povo vai 'não, não vamos passar a fazer nada porque vocês não nos pagam'.. pois é!. então aí tudo tem, tu[...], tu[...], tudo fica parado. nada... mexe. e ninguém, quê, o povo perde a confiança no Estado." +Guine-Bissau/O Aborto Clandestino.wav,Guine-Bissau,Bissau - Bissau,F,16,1995,"pratica-se com o consentimento do país se essa... pessoa que vai fazer é muito nova, como uma pessoa assim de dezasseis anos, se os pais acharem que ela é muito nova para dar luz àquele bebé, então vão a uma clínica, legalmente, ou hospital, fazer o aborto.. hum.. mas fazem um aborto legal. há também quando uma pessoa fica grávida, e há qualquer distúrbio dentro de, dentro do útero, quer dizer, a criança pode nascer com qualquer anormalidade, ou a criança pode prejudicar a mãe durante o parto.... hum.. aí o aborto também pode ser feito, mas legal.. hum.. mas só que cá na Guiné os jovens praticam o aborto clandestino. esse aborto traz consequências graves ps[...], ah, para a pessoa, fisicamente e psicologicamente.. hum.. a, a, a causa dos aborto clandestino, eu acho que... é, deriva dos pais, porque às vezes uma pessoa fica grávida dentro a casa dos pais e tem o medo de ficar com aquele gravidez.... hum.. ah, para os, ah, para que os pais não possam descobrir e depois expulsarem a... pessoa para a rua.. hum.. e a, e aí eles ficam com medo. recorrem ao aborto para os pais não de[...], descobrirem-nos, e expulsá-los da casa.. hum.. há outra razão também que... fazem os jovens fazer um aborto que é - como é que eu posso dizer? - o medo ao, a, a, o pânico perante as dificuldades económicas. hum.. e pelo, e o incómodo que a criança traz.. hum.. ah, porque se a pessoa tiver as condições económicas suficientes, acho que nem era preci[...], é que não vai ser preciso fazer o aborto.. hum.. porque vai ter tudo o que é possível, o que, tudo quanto mais para agradar àquele ser humano. e acho que a situação económica também influencia muito. hum.. nos abortos. eh, há também, a, a juventude também posso dizer que influencia, porque uma pessoa achando que é jovem. hum.. para ter filhos, ah, ao ficar grávida faz o aborto, com, fica com receio de estar com a gravidez perante os colegas den[...], dentro da sociedade. então, ah, é uma das razão que leva os jovens a fazer o aborto. eh, não pensam, ah, os jovens deviam pensar antes, ter uma consciência do que vão fazer. ah, antes de ter as relações sexuais, deviam pensar antes, porque quando uma pessoa está a praticar um, algo, deve esperar a consequência.. hum.. eh, a pessoa também deve estar, ah, estar na altura de - como é que posso dizer? - estar na altura de.... assumir as responsabilidades.. de assumir a responsabilidade. mas só que os jovens cá na Guiné não pensam no que vão fazer. e quando o fazem, a consequência aparece, então eles ficam assim, ficam sem saber o que fazerem. então eles não pensam que o, a, não sabem que um aborto traz consequências graves, porque uma pessoa fazer aborto clandestino, ah, pode aparecer a perfuração do útero, que a pessoa pode ficar estéril o resto da vida, não ter possibilidade de gerar os filhos e também, se o aborto não for feito, ah, não for feito duma maneira, duma ma[...], não for feito.... conveniente.. conveniente, ah, aparece aquelas hemorragias grave que pode levar a pessoa à morte.. hum.. também aparece a esterilidade. e isso são as coisas, são as coisas, ah, são as consequências drásticas, mas o jovem cá da Guiné não pensa nisso." +Guine-Bissau/A Mulher Africana.wav,Guine-Bissau,Bissau - Bissau,M,45,1995,"portanto, eu... sou da opinião de que devemos reflectir e é o momento para se reflectir de facto um pouco sobre a situação da mulher. hum.. ah, particular, bom, bem, particularmente da mulher guineense, se bem que ela se, portanto, a situação da mulher guineense não é distinta universalmente da mulheres, das mulheres do terceiro mundo, dos países em desenvolvimento. hum.. em que o que se constata é que há uma, há uma pouca preocupação acerca da distinção do gé[...], ah, entre os géneros, portanto, masculino feminino. hum.. em que à mulher africana cabe grande, um grande quinhão de responsabilidade. quinhão de responsabilidade que se prende com o seu papel como produtora; efectivamente a mulher africana, se quisermos e, portanto, olharmos, aos estudos e aos levantamentos que foram, que têm sido feitos, constata-se que oitenta por cento de, da mulher e do seu tempo é ocupado com preocupações, portanto, ah, no que respeita, primeiro, ao seu papel como reprodutora.. hum.. portanto, ela que gera, portanto, a força do trabalho. hum.. cuida dela, ah, portanto, dessa força do trabalho de tenra idade até de facto pô-la em condições de reproduzir. e quando vai-se reproduzir nas sociedades africanas, é à mulher que cabe o maior, uma maior responsabilidade.. hum.. vamos encontrar, e hoje por exemplo, num contexto particular da África subsahariana, o que se constata é que, portanto, os estudos feitos dizem que dois terços de todo o trabalho humano produzido na África subsahariana é feito pela mulher, em que ela, eh, usufrui apenas de dez por cento dos rendimentos por ela gerados, e um por cento das riquezas de todo o universo, de todas as riquezas do universo à mulher cabe apenas um por cento. bom, vindo, voltando à África... subsahariana onde a Guiné-Bissau, portanto, se, geograficamente se enquadra, vemos que ela se ocupa da agricultura e de toda a produção, portanto, a produção subsaha[...], da África subsahariana é se[...], fundamentalmente, uma produção de subsistência, da base à agricultura, em que a mulher é ela a produtora. sendo ela produtora, detém uma responsabilidade que o, nós podemos dizer, e na expressão aqui da, da Guiné-Bissau, dizemos que ela é a nossa 'bemba', que significa que ela é a reserva da nossa subsistência. é da produção das mulheres, principalmente produções agrícolas, desde, aqui na Guiné-Bissau, a produção fundamental que é o arroz, é o... alimento fundamental, é produzido pela mulher, e todos o, a maior parte dos legumes, portanto, consumidos, nós percorremos todo o país, encontramos nos campos apenas mulheres. praticamente só mulheres, algumas, não dizemos que os homens não, não se ocupem também da agricultura, mas por, normalmente para fazerem o trabalho de amanho, digamos, de preparação, apenas, pois o... resto, portanto, o segmento da produção, desde a, da se[...], da, da sementeira, de lançar as sementes, depois cuidar, ah, ah, portanto, evitar a, cuidar da, do combate às pragas que possam danificar a cultura, a colheita, a transformação, portanto, o, o amanho do, do arroz, por exemplo, que tem bastante trabalho, t[...], e um trabalho mesmo... pesado, portanto, no sentido em que é ela que vai pegar esse arroz e mó[...], e pila. pilar o arroz significa, portanto, qualquer coisa... comparável a um trabalho que normalmente com um equipamento simples que nós, portanto, vemos e que hoje poucos estão substituindo, mas que é um trabalho árduo também feito pela mulher.. hum.. e as mulheres assumem diversos papéis nas so[...], nas sociedades africanas e na nossa, aqui na Guiné, deve ser ela, portanto, cria os filhos, educa os filhos, vai cuidar da alimentação dos filhos e, em geral, o mais, o mais, ah, digamos chocante, é que ela também, ah, b[...], tem que garantir a subsistência dos restantes membros da família.. hum.. inclusivamente famílias alargadas em que temos, eh, portanto, desde sobrinhos, sogros, ele, dessa mulher, enfim, cunhados e familiares que, como sabemos, eh, as famílias africanas são bastante alargadas, essa responsabilidade cai sobre os ombros da mulher." +Guine-Bissau/A SIDA.wav,Guine-Bissau,Bissau - Bissau,F,17,1995,"estou a determinar doenças contagiosas e infecciosas. por exemplo, uma das preocupações dos povos em geral, dos povos em geral é a SIDA. a SIDA também fala-se aqui em Guiné-Bissau muito. bom, nem toda a gente ou - pesquisa que eu estive a fazer -, nem toda a população está, ah, informado sobre a doença, a SIDA.. hum.. muitas pessoas ainda tem que ser informado.... hum.. no âmbito de saber o que é que é a SIDA.. hum.. a SIDA é uma doença, sabemos todos que é uma doença muito contagiosa.... hum.. e perigosa, mas antes de começarmos a prevenir as pessoas contra um meio de transfusão da SIDA, devíamos fazer um largo conhecimento.... hum.. no âmbito de... dizer às pessoas o que é que é a SIDA. porque cá na Guiné só existe diferentes etnia.. hum.. então os, o pessoal de saúde, para chegar por exemplo num determinado etnia. hum.. e dizer só a SIDA, eles não vão saber o que é que quer dizer com isso.... sim, a gente sabe.. porque a maioria são os analfabetos, não sabem ler, então eles não vão fa[...], saber o que é que quer dizer a SIDA. então, antes de começar assim a falar de SIDA, devíamos fazer um tipo de, um tipo de ajuda.. dar informação?. dar informação, exacto. informar a população. hum.. não é, conhecer como é que eles vão entrar nesse meio. hum.. para dizer o que é que quer dizer a SIDA, o que é que a SIDA faz. a SIDA é uma doença que ainda não tem cura.. hum.. está a ver, por exemplo, as pessoas aqui em Guiné-Bissau, a pessoa do sector da Guiné-Bissau, estão mais informado sobre a SIDA. hum.. do que por exemplo fora do país. hum.. Bafatá, esses zonas. hum.. do leste e... a pessoa cá do centro da Guiné-Bissau estão mais informado sobre o que é que quer dizer a SIDA.. hum.. como é que se pode transmitir a SIDA.. hum.. o que é que a SIDA pode fazer, como é que se pode prevenir a SIDA.. hum.. a SIDA é uma doença ainda que não tem cura.. hum.. embora estamos a fazer largos estudos para ver se consegue, mas ainda não tem cura, sabemos qual é o perigo. a principal causa da SIDA é a morte, infelizmente. então, temos, resolvemos fazer assim um, uma escala. muitas pessoas dizem que a SIDA pode-se transmitir através de beijo, não é verdade, através de trocar as roupas, se por exemplo tens SIDAs - Deus queira, hem? - tu tens SIDA, eu visto as tuas roupas eu vou também apanhar SIDA, através de colheres, comer, comer ou dormir na mesma cama. mas outras pessoas sabem que a SIDA não se transmite assim. a SIDA trans[...], transmite através de transfusões sanguínea, seringas, através de relações sexuais, ah, e através também de outra coisa, já não me lembro.. qualquer contacto com o sangue.. quando, qualquer contacto, sim, com o sangue, pode-se transmitir a SIDA. isso que[...], isso quer dizer se o sangue tiver HIV1. hum.. ou HIV2 pode-se transmitir a SIDA. então muita das etnias, ah, existe aquele problema de rel[...], sexo, não se fala de sexo. isso quer dizer sexo é um tabu.... hum.. não se deve falar.. hum.. que é uma coisa sagrada e assim. então tu para chegares lá para informar a população que a SIDA é uma doença contagiosa, e pode-se transmitir através aquilo, tu não vais ter um meio de lhe explicares, se não saber a base, como entrar.... hum.. aq[...], aquela etnia." +Guine-Bissau/A Juventude Guineense.wav,Guine-Bissau,Bissau - Bissau,F,19,1995,"penso que é importante, eu gosto mesmo. penso que, pronto, quando eu falo da cultura, quando eu escolhi esse tema cultura, eu refiro mais a cultura cá em Guiné. cá em Guiné é que ele não existe. eles dizem cultura mas não sabem bem a, a definição dessa palavra 'cultura'.. hum.. penso que cá têm poucos meios, e nem só, não ajudam a ter um pouco disso também cá. penso que foi esse o motivo que eu escolhi. penso que devia haver mais cultura. hum.. cá.. e quando diz-me haver mais cultura está a pensar, por exemplo, em quê?. refiro-me a tudo - cinema, teatro, jogos - tudo, que faça parte da cultura.. hum. portanto, eu às vezes quando... vejo na televisão, vejo passar a música, que se calhar não faz parte da nossa cultura. o que é que me diz?. eu percebi perfeitamente.. dá para, dá melhor cultura?. está a referir-se, penso que a música também faz parte, mas as músicas por exemplo às vezes que passam na televisão penso não têm nada a ver. estão mais a imitar, a tentar a imitar a Europa e o resto do mundo, mas não a entrar mesmo em África, a ver que tem alguma coisa de bom. sempre música de África, penso que devia sair mais para fora, mas não, está muito dentro e não, não tem, não, assim não, não vão longe com aquilo ficar sempre cá dentro, as pessoas de fora têm que ouvir, saber que cá também existe ess[...], a, essa cultura, a música.. mas, se calhar o problema é dos meios. não te[...], não terem meios.. às vezes é meios. mas às vezes também cá não tentam, não é, não, não tentam chegar.. ou se calhar a política.. pois a política às vezes. pronto, sim, é mais a política mesmo, que é uma desorganização total.. hum.. não tem uma organização cá em Guiné.. então, o que é que acha que se poderia fazer, ah, para o bem da cultura guineense?. penso que devi[...], deveriam criar meios, tent[...], pronto, como eles não têm meios - escolas, essas coisas - para ensinar mais, há pessoas que por exemplo querem ser cantores e essas coisas. não conseguem ser porque, pronto, os pais em casa dizem 'oh! tu vais ser aquilo cá, aquilo tu não ganhas nada, para quê queres aquilo? faça mais outra coisa'. perguntas uma pessoa 'o que é que tu queres fazer? qual é... a cultura, a tua cultura?' uma pessoa diz 'ah! eu não, eu não sei te dizer a cultura propriamente'. cá em Guiné aquela palavra... hum.. não é exprimida publicamente, nem, nem se usa.. hum.. às vezes nem as pessoas sa[...], sabem o que é que é a cultura.. hum.. penso que é.... e [...] noutros tempos, se calhar ness[...], nessa altura a Berta não tinha ainda nascido, temos, eh, não tinha era nascido, falava-se de alienação, e tinha mais a ver com, já se calhar valores do colonizador em detrimento dos nossos valores, e acha que... também se coloca este problema actualmente?. penso que sim. cultura, pronto, a cultura que existe cá, se, se chegar na Europa, por exemplo em Portugal - eu tomo mesmo um exemplo em Portugal, eu já estive lá - podes perguntar a um, a um estudante de qualquer lic[...], qualquer liceu, alguns... não sabem. perguntas 'qual é que pensas que é a cultura mais utilizada em Guiné-Bissau?' até te podem dizer onde é que fica a Guiné-Bissau. não sabem, muito menos a cultura que lá se exprime e se usa.. hum. está bem. então temos muita coisa para fazer. mas o que é que vamos fazer para, para o bem da nossa cultura?. penso que o Estado devia pensar numa parte também nesse, nesse termo, na cultura e não pensar só na entrada de, pronto, mercadorias, que devia produzir e tentar criar... lugares para fazer essa cultura ir mais à frente, porque assim, oh! penso que não vamos a nenhum fit[...], sítio. Guiné nem vai para a frente, nem vai para trás, está intacto; está no sítio.. [...]" +Portugal/Anos 90/Na Base Militar de Beja.wav,Portugal,Beja,F,56,1997,"eh, havia aqui uma base... alemã, não era?. [...] sim, a base, eh, número onze.. hum, hum.. agora . e acabou?. acabou. agora é portuguesa.. hum, hum.. é... sim.. e isso trouxe, acha que isso trouxe uma grande, o que é que essa base, dava alguma vida especial a Beja?. sim, eh, dava. dava, sim, sim. e, a alemã, prontos, eles, eh, tinham, eh, uma parte aqui de, das... vivendas e assim, que eles eram muito cuidadosos. portanto, tinham tudo impecável. eles não se importavam de se levantar às oito, ou às, às sete da manhã, eles limpavam aquilo tudo, porque têm muito, muito verde, que é mesmo, aqui o bairro alemão.. hum, hum. pois.. e agora não. os nossos estão ali, eles são um bocadito des[...], não. desleixados.. sim. são. porque nota-se o verde, embora esteja... verdinho, mas, eh, não há aquele cuidado de limpeza, das árvores, eh, mesmo do chão, eles. hum, hum.. varriam aquilo tudo, estava impecável.. e. por acaso já, há montes de tempo saiu um artigo no jornal sobre isso.. sobre este assunto.. sobre esse assunto.. e esses alemães que estavam cá, eles misturavam-se com a população local?. sim. embora, prontos, não eram assim muito, mas sim. eh, eh, portanto, frequentavam bares, as discotecas, eh, a piscina, e assim. sim. sim.. eles até eram simpáticos.. sim.e aprendiam o português, eles?. pois. as pessoas que sabiam, não é, . ham, ham.. [...], bem, falar com eles transmitiam, portanto, o português bem e eles, eh, o alemão.. o alemão.. exacto.. e, não chegou a haver casamentos mistos, assim, entre alemães e...?. eu acho que ainda houve, sim, ainda houve para aí uns casamentos, que elas depois abalaram quando eles foram embora.. foram embora.. sim.. [...]. abalaram. eu, por acaso, conhecia uma rapariga que tinha casado com um alemão, mas nunca mais, eh, a vi, por cá. ela abalou então. pois, deve ter ido para a Alemanha.. sim, eles depois venderam as mobílias, porque as mobílias deles não são tão bonitas como as nossas.. pois.. e levaram, portanto, algumas coisas. de cá.. de cá, de mobílias, porque as nossas mobílias são muito bonitas. as deles é aquele tipo liso. hum, hum.. portanto, linhas direitas, uns móveis muito grandes, e eles. sólidos, não é?. exacto. e eles acabaram depois por vender. e faziam aí uma venda, que era muito engraçada, de coisas já usadas deles.. hum, hum.. e era uma feira que eles faziam. e as pessoas iam ali, compravam, porque eram roupas, eh, vendiam rebuçados, coisas assim.. hum, hum.. e era muito engraçado.. pois.. uma vez no ano. faziam eles ali.. e mesmo a nível do comércio, devia, deve. sim, eles, eles da[...], portanto, davam muita vida à cidade. sim, isso é verdade. eh, compravam muita coisa e, eh, portanto, as pessoas diziam 'é xis dinheiro', eles, era o dinheiro que eles davam. enquanto nós, parece que se. pois.. que regateamos um bocadito.. um bocadinho, claro.. é isso.. sim, mas na Alemanha não é hábito . pois. . regatear.. é isso.. é aquilo, é aquilo.. é. exacto. . hum, hum.. e, prontos, e as pessoas que se... aproveitavam, às vezes. claro.. até eram um bocadinho mais.... pois.. mais que aquilo que era. é assim.. pois. mas enfim. olhe, eles ainda estiveram cá muitos anos, não foi?. ainda estiveram. eu não sei, prontos, mais ou menos, eh, mas ainda foram uns anos bons. hum, hum.. que eles estiveram. tinham bons carros, boas caravanas.... pois.. agora começava esta altura, assim, Maio, mais ou menos, eles lá iam, co[...], para a praia.. [...]. gosta[...], adoravam. pois claro.. a praia.. lá não há, não têm bom tempo como aqui.. mas eu acho que ainda há pouquinhos ali, no bairro alemão, mas ainda há uns quantos, pouquinhos. hum.. de alemães, mas ainda há.. ficaram.. porque às vezes vejo-os de manhã, portanto, as senhoras ali a passearem com os cães. hum, hum.. quando venho para a escola. e então penso que sim.. e, a nível de religião? eles normalmente não iam, com certeza, à igreja... católica.. pois, isso não sei muito bem, prontos, que se eles... iam, porque eu sou católica mas.... pois.. pelo pouco tempo que tenho. claro.. não consigo, prontos.. hoje em dia.... só... quando posso, ou quando alguém morre, e depois há a missa, portanto, por aquela pessoa. hum, hum.. e, e uma pessoa conhece e assim. claro.. pois. mas eu até penso que sim, que eles eram pessoas para, para irem assim também à missa, não sei, mas isso.... porque, normalmente eles são, têm, são c[...], são cristãos, mas não são católicos.. pois. é isso. pois. pois.. que eu tenho também ouvido... falar, sim.. têm... a sua própria, eu tenho, eu tenho uma prima que viveu aqui nessa altura, que era, o marido era militar - mas português, claro -. português.. e ela era professora primária, e viveram aqui muitos anos, em Beja.. ah, então foi ali no bairro alemão.. foi, foi.. sim. acho que as casas que são muito boas.. são. ela tinha uma boa casa.. acho que a construção, e tudo que é, prontos, que era muito boa mesmo.. [...]. eu não cheguei ali a entrar, mas, agora, há uma senhora que eu conheço, que está na escola superior agrária, que mora ali, portanto, o marido é tropa. hum, hum.. ali agora na base, e ela, eh, d[...], comenta isso. diz que as casas são muito boas.. hum, hum.. uma boa construção.. portanto, fizeram boa vizinhança, os alemães!. sim. sim, fizeram. [...], acho que nunca dei assim por conta de problemas com eles. " +Portugal/Anos 90/Desporto e Dinheiro.wav,Portugal,Famalicão,M,68,1997,"sabe que eu ainda lhe queria perguntar uma coisa. disse-me que, portanto, que praticou desporto. sim senhora.. durante anos, não foi?. sim.. eh, nessa altura, o desporto era encarado de uma maneira muito diferente. era encara[...]. relativamente, não é,. não ganhávamos nada.. não se ganhava nada.. jogávamos de graça e tínhamos isto: não havia iluminação nos estádios, como há agora. hum, hum.. íamos treinar sem relva, e como trabalhávamos, às sete e meia da manhã estávamos equipados no campo. no Verão, ainda é fácil. claro!. mas no Inverno, com aquelas camadas de neve e, como vinha a lama, e depois vinha a neve, nós a andar parecíamos que estávamos a andar em cima de cascalho. ficava vidrado. custava muito. mas tínhamos amor à camisola.. pois. era verdadeiro. mas era isto mesmo.. espírito desportivo, não é,. é. conheci grandes treinadores, Roberto Kell, que foi o famoso treinador dos violinos do Sporting, o doutor Eduardo Lemos, foi jogador da Académica, Cesário, que por acaso também no fim da vida dele, depois de abandonar mas que a gente de Famalicão nunca o abandonou, foi um treinador que f[...], esteve, esteve rico, mas dava tudo. e na hora que ele precisava nunca foi abandonado. e nós, os amigos de Famalicão, pusemo-lo aqui, quase de graça, vá, que ele tinha uma reformazita pequena, e depois conseguimos-lhe um lugar no lar. e foi lá onde ele faleceu. hoje tem, no cemitério, que é aqui em Santiago de Antas, que é esta freguesia, e ele está lá com um jazigo digno. hum.. de, daquilo que ele foi.. sim senhor. portanto, era o verdadeiro espírito desportivo nessa altura!. foi des[...], desportivo. quantas vezes, que, aquilo havia muita falha de dinheiro. iam os jogadores, claro que tivémos que ter um, jogadores, já naquela altura começou-se a fazer contratos, de argentinos, de espanhóis,. hum, hum.. mas, jogadores baratos. mas chegava-se ali perto do Natal, já não havia dinheiro para lhes pagar. e então como nós tínhamos um restaurante, fome eles nunca passaram. porque nós davamos sempre de comer.. hum, hum, hum.. além de jogarmos de graça, ainda alimentávamos os jogadores.. hum.. porque havia, havia muito gosto, muito, havia muita amizade, muito, eles nunca foram abandonados. e mesmo depois de irem embora, tinham sempre dinheiro, nunca ficaram ao abandono.. não acha que o, agora, o desporto é mais um negócio do que outra coisa?. isso é, é, eu para mim é pior que um negócio. é uma máfia.. ham, ham.. não há honestidade, e está provado e mais que provado que os árbitros que se vendem, porque eu sei de casos, é verdade, os árbitros vendem-se, os jogadores vendem-se, e não há aquela... espírito desportivo que devia haver. embora eles ganhassem, que eu sou de acordo que deviam ganhar.. claro.. ganham demais, é um erro. e quando eles dizem que o período de, de, que estão no auge e para ganhar dinheiro que é curto, mas esse, com essa, essa passagem que eles têm, só num ano que eles estivessem a ganhar, há operários que não ganham em toda a vida.. exactamente.. portanto, eles que não venham com essas desculpas. agora o que eles deviam era sabê-lo poupar, que eles esbanjam o dinheiro. o dinheiro é lançado fora. e eles só têm vícios e... isso é que está mal. porque m[...], há, há atletas que estão muito bem na vida, e mesmo aqui em Famalicão, aqui não conheço nenhum que esteja mal, que aqui as pessoas conseguiam sempre dar-lhes emprego, tinha, todos bem. não conheço nenhum que acabasse aqui na miséria. também as pessoas não deixavam. há um caso em Famalicão, foi dum jogador que foi irradiado, era o Francisco Pires, que veio do Benfica. foi um grande atleta, um jogador famoso. e há um suborno aqui no Famalicão, que é com o Oriental, que no jogo que vem aqui fazer. hum.. foram ter com ele e deram-lhe cinco mil escudos para ele se vender. e ele chegou ao presidente e, e foi-lhe contar. e o presidente disse 'olha, guarda o dinheiro e vai para o campo e joga'. o que é que acontece? ele foi para o campo e por acaso não conseguiu brilhar, porque estava com aquela, a pensar no, no que se passou, não é, e como não conseguiu jogar. o presidente, o Famalicão nessa altura perde o jogo e o presidente... divulgou o caso porque desconfiou que havia outro jogador que também estava vendido, mas que não sabia. a judiciária veio cá, irradiou logo o Francisco Pires, foi irradiado, que era - para mim era o melhor jogador português naquele tempo - foi irradiado, e mesmo assim as pessoas de Famalicão, dele irradiado, deram, arranjaram aqui uma pensão, pagavam-lhe - era o presidente o doutor Eduardo Lemos - dava-lhe os medicamentos, que ele depois adoeceu do, dos pulmões, e ele, como era assim meio, um pouco, um pouco da vida nocturna, casado, foi para Lisboa, para jogar nos Corporativo dos Correios, CTT. há um maior espírito de ligação entre as pessoas.. há. há aqui um senhor, que foi das f[...], maiores fortunas que temos aqui em Famalicão. o pai dele deixou-lhe uma fortuna. era fornecedor, era, tinha... carnes de porco, e ele fornecia o exército - isto já há quarenta anos - e o pai faleceu e os filhos ficaram todos ricos. mas j[...], eles julgavam que o dinheiro que nunca acabava.. pois é.. iam ao casino todos os dias, e eram naquela altura três irmãos, levavam dez contos por dia, cada um para jogar. isto há quarenta anos, veja o que isto era. e eles julgavam que nunca mais se acabava. abandonaram o serviço. o que é que acontece? empregados deles, que naquela altura andavam ali de socos e... hoje têm aqui uma fortuna doida, no mesmo isto a que se estabeleciam, lindamente, e conseguiram fazer fortuna. e eles, estão todos aí abandonados, a viver de esmolas. mas mesmo assim, e esse... - que é solteiro, deve ter agora sessenta e oito anos - está no lar dos idosos, porque as pessoas que o conheceram meteram-no lá - no melhor que há é ali - não lhe falta nada. e quando há festas, os amigos lá o vão buscar, quando é o dia dos amigos de Famalicão e isso - e ele vive como um senhor, embora não fosse aquele senhor onde ele chegasse - que ele já nessa altura não deixava ninguém pagar nada. nós íamos com ele fosse para onde fosse - hoje há pessoas aí com fortunas doidas que, à beira deles não eram nada. e todos viveram à custa dele. alguns reconheceram-no. há que, sempre aquele que... vai dando, ainda podia dar uma esmola grande mas vai dando p[...], lentamente, pouco.. pois.. é por isso que as pessoas não olhando por a[...], por aquilo que os outros lhe deixaram, podem acabar mal, é sempre por causa deles. ah, pois." +Portugal/Anos 90/O Marido Ideal.wav,Portugal,Faro,F,22,1996,"mas, já pensou que é dif[...], não acha que é difícil, nos dias que correm, para uma mulher, ah, ser... profissional de uma coisa qualquer, e a sua vida de, pessoal? combinar as duas coisas. . tem que começa[...], para já, hoje em dia já é bastante diferente do que era há uns anos atrás. hum, hum. . e tem que ser mesmo assim porque acho que hoje em dia tanto as mulheres como os homens realizam-se profissionalmente. hum, hum. . e a ligação das duas coisas, sei lá, é uma coisa que vem depois. primeiro vem a profissão, o emprego, o futuro. depois tem que vir o resto.. hum, hum. diz que tanto as mulheres como os homens realizam-se profissionalmente. no entanto, eh, para a mulher o realizar profissionalmente implica uma dupla... tarefa, não é, porque em casa normalmente é a mulher que trabalha... . ah, mas isso não pode continuar assim, pelo menos no mes[...], no meu ponto de vista. porque, se ambos trabalham fora de casa também têm que trabalhar os dois dentro de casa. . hum, hum. . por isso não pode ser só da parte de uma pessoa, o trabalhar em casa. . e está habituada a ver isso à sua volta, ver o homem trabalhar em casa? . não. por v[...], por ver exactamente o contrário é que eu penso assim. . hum, hum. e acha que o homem pode facilmente - a mulher aprendeu a fazer tarefas que até aqui há uns anos atrás eram só do homem, não é, . hum, hum. . acha que o homem facilmente pode entrar nas tarefas que eram, normalmente, d[...], especialidade da mulher? . tem que se ir habituando aos poucos. porque há homens que quando querem fazem as mesmas coisas que uma mulher, em casa. quando eles não querem é que já é pior. mas acho que sim. acho que aos poucos conseguem. e mesmo, não digo, por exemplo, uma mulher pode cozinhar, não é, mas há outras coisas para além de cozinhar que se podem fazer em casa. e acho que é principalmente isso. . eh, na sua opinião, quais são essas tarefas, concretamente, que são... mais fáceis para o homem fazer? . estar sentado a ler o jornal, não. . sim, mas isso não. . não sei, mas, por exemplo, a partir do momento em que se constitui uma família . sim. . em relação aos filhos. hum, hum. . não é, por exemplo, uma mulher pode faze[...], pode fazer o jantar, o homem pode ir lavar a loiça, pode ir levar os filhos à escola, também pode vesti-los . hum, hum. . pode, portanto, todos, as tarefas, não é, que podem ser a fu[...], a função duma mãe, podem ser função de um pai também. . acha que um homem, acha que um homem facilmente dá, eh, banho a um bebé recém-nascido, por exemplo. não. . a escorregar por todos os lados? . não, mas... acho que é uma coisa que... tem que se ultrapassar. por exemplo, eu conheço pesso[...], conheço homens que dizem que não, que não, que não, mas já os vi depois conseguirem fazer isso. . hum, hum . têm é que ultrapassar a barreira. é preciso, eu acho que é... mais a questão... de força de vontade . hum, hum. . do que, o acomodamento é que leva a que não façam nada. . hum, hum. por exemplo, pegar num ferro e engomar a roupa. acha que o homem facilmente consegue ter des[...], paciência, mentalidade para isso? . nem por isso. nem por isso, mas... eu também não tenho . ah! bom... . pois. não, acho que as coisas podem ser divididas. acho que há coisas que se calhar agradam mais a um e outras que agradam mais a outro. . hum, hum. . e aí, depois tem que se resolver alguma coisa. comigo já é assim, quando vou para algum lado não, não dá hipótese, tem que ser. . pois. ma[...], mesmo na, nos casos em que as tarefas são compartilhadas . hum, hum . eh, normalmente é a mulher que toma a, o leme da casa e é q[...], é a mulher que tem a preocupação, o que é que se vai fazer para o jantar, etc., não é, . sim. muitas vezes é, mas, é o que eu digo, eu acho que isso se parte de um princípio, quando se, quando se toma a decisão de viver em, em conjunto, as coisas têm que tomar um rumo desde o primeiro dia, porque, se a mulher começa a tomar o rumo da casa e depois passado cinco ou, só, ou dez anos é que decide que o homem tem que trabalhar, aí... as coisas já vão um bocado mal. acho que é uma coisa que tem de partir do princípio. se não partir desde o princípio, não sei se dá muito resultado. . bom, isso que me está aí a dizer faz pensar que olha para... a relação do casal como uma coisa muito racional, muito programada, logo à partida. . não. não, não é a questão de ser programada, só que, não, não acho bem que, prontos, quando o homem trabalhava só e a mulher estava em casa, aí até, até era justo que quando o homem chegasse a casa quisesse descansar mais. . hum, hum. . agora, a partir do momento em que uma mulher trabalha tanto, mais ou menos, do que um homem, não vejo justificação nenhuma para um chegar a casa sentar-se e o outro trabalhar. . e tenciona definir assim as coisas com o seu namorado antes de casar? . ele já sabe o que é que eu penso. . já sabe? . já. . e, e imaginemos que ele lhe diz 'ah, tem paciência, mas eu... lavar louça e, é coisa que eu não faço'. . ele já lava. já lava. . já lava. . já. ele, por acaso, ele agora até, ele já dá aulas e, portanto está a morar sozinho e as vezes que eu tenho ido lá passar fim-de-semanas, faz o jantar, lava a loiça, arruma a casa, por isso está a ficar bem treinado. . portanto, acha que não vai haver... problema. . penso que não. penso que não. mas também não sei se vou pensar casar com ele. ainda me falta tanto tempo. . ah, é? . na[...], eu para mim . ainda falta tanto tempo para quê? . porque... sem ter a minha vida profissional definida, sem, sem saber que me posso sustentar a mim própria, não é, na, na altura do casamento e se resolver, por exemplo, sei lá, pode acontecer tanta coisa, eu tenho que me sustentar a mim própria. não po[...], eu não entro num casamento a depender de outra pessoa. por isso, até chegar essa altura não. . estou a ver que é uma pessoa muito racional. . um, nesse aspecto, um bocado. talvez por causa das coisas que eu já, já vejo à minha volta, não é, . hum, hum. . tanto na minha família como em pessoas que conheço. e, prontos, é assim que eu quero, eu não posso dizer que não me pode acontecer outra coisa... . hum, hum. . mas, é o que eu espero.. claro. mas a pessoa pode-se sempre enganar. mas não acha que, que na, na relação entre as pessoas deve haver também um certo romantismo?. sim, mas uma coisa não exclui a outra." +Portugal/Anos 90/O Trabalho e a Posse da Terra.wav,Portugal,Beja,M,41,1997,"quer dizer que o problema da reforma agrária deixou marcas profundas, no Alentejo.. deixou, deixou. deixou, sim, sim, sim. deixou. deixou e, pronto, eh, hoje reconhece-se que... possivelmente o caminho que se seguiu não foi o melhor, porque, inclusivamente, os trabalhadores não foram os mais beneficiados. eh, a terra, pronto, em meu entender e daquilo que conheço, acabou por ter uma exploração mais activa, e racional, portanto, havia muita terra abandonada, começou a ser, eh, trabalhada, e havia um uso abusivo, com a plantação de cereais, que de algum modo também começou a ser... repensado, e começou a faz[...], começaram a fazer-se culturas de uma outra dimensão, não é, deixando os pousios, fazendo culturas rotativas, enfim, digamos que houve uma gestão mais racional da terra. de qualquer das formas, houve... aqui questões político-partidárias, eh, havia interesses por trás disso, os trabalhadores continuaram a trabalhar com investimento, com afinco, enfim, com, com dedicação à terra, que no fundo era isso que eles tinham. hum, hum.. feito sempre e sabiam fazer. e até gostariam, e gostavam de fazer. eh, no entanto houve alguém que tirou daí dividendos, não é, e as coisas acabaram por, por dar dividendos a esses outros que estavam na rectaguarda, e aqueles que trabalhavam efectivamente a terra não melhoraram a sua... forma de estar na vida, a sua qualidade de vida.. o que me está a dizer implica que eles deixaram de ser explorados por uns para passarem a ser explorados por outros.. é um bocado, é exactamente isso. acho que sim. acho que foi um bocado isso que aconteceu.. hum. hum.. foi um bocado. sim, sim. aliás, depois quando foi, quando se procedeu à entrega das reservas, das reservas de terra. hum, hum.. aos p[...], aos antigos proprietários, verificou-se que muitos trabalhadores se colocaram imediatamente do lado dos proprietários, porque... tinham pelo menos a garantia de ter o ordenado ao fim do mês, não é, cumpriam com um conjunto de determinações e, ao fim do mês, portanto, havia uma maior estabilidade no seu percurso de vida, e no seu trabalho. na situação anterior, portanto, era uma grande agitação, toda a gente, de algum modo, mandava e afinal ninguém mandava, eh, cometeram-se muitos erros por falta de, dum plano de organização, e, eh, naturalmente havia alguém que estava por trás a receber e que às vezes lhe falhava no final do mês, quando eles tinham que prestar contas no merceeiro e no padeiro e por aí fora.. hum, hum, hum.. sim, sim.. e, e, e os antigos, eh, latifundiários, ao recuperarem a terra. sim, sim.. eh, qual foi a reação deles em relação aos operários, aos trabalhadores que, que vinham de trás e...?. sim. de um modo geral foram bem aceites. de um modo geral foram bem aceites. eh, eram pessoas que trabalhavam, portanto, eh, gerações sucessivas foram trabalhando nas mesmas fazendas. portanto, houve uns que foram herdando a propriedade e houve outros que foram herdando o trabalho.. hum, hum.. hum? portanto, digamos que aquilo era, foi uma situação que passou de pais para filhos, e as relações que se estabeleciam já vinham, eh, de trás. portanto, havia, digamos que... implícito, no desempenho de uns e de outros, algum compromisso. hum.. que tinha a ver com, com o estatuto da família. . hum, hum.. portanto, havia, de algum modo, que dar, que dar resposta, em termos de respeito perante a situação, àquilo que a família anteriormente tinha... feito e tinha combinado e trabalhado. eh, cons[...], con[...], consta-se até que - isto é uma situação anedótica, não sei se a posso transmitir [...] se não.... com certeza.. um sujeito que, um patrão aqui do Alentejo que, eh, portanto, logo a seguir ao Vinte e Cinco de Abril, as terras foram ocupadas e ele... foi embora. eh, foi para o Algarve. e... regressava de vez em quando à, à terra, eh, não conseguia falar... com muitas pessoas porque, pronto, não era bem aceite, e então, quando lhe foi entregue a reserva, ele, eh, um dia falou lá com um dos f[...], empregados, daqueles mais antigos na casa, e disse-lhe 'ó senhor Manel, você, eh, devia de vir aí uns dias comigo para a praia, que era para saber o que a gente sofre na praia. porque esta gente daqui acusa-me toda de... passar dois meses na praia todos os anos. mas eles não imaginam o sofrimento que eu lá passo.' e então, 'oh, mas, mas venha lá então connosco, senhor Manel'. então, leva o senhor Manuel para a praia, põe-no ali deitado na areia de manhã até à noite, o homem coitado, branco como a cal, ao fim de dois dias já estava todo empolado. e então ele manda-o para a terra e diz 'olhe, agora vá lá dizer aos seus amigos o que é que eu me farto de gozar aqui todos os anos'. [...] isto, de algum modo ilustra a forma como, eh, enfim, as pessoas se relacionaram após a entrega das reservas, não é, que, houve uma aceitação grande, houve. houve, e houve entendimento, as pessoas aqui no Alentejo têm uma particularidade, principalmente as pessoas ligadas à terra. são pessoas que são muito honestas, têm uma forma de estar muito... radical. sim, sim . eh, faz favor então. . sim, sim.. sim, sim.. sim, sim.. boa tarde.. viva, dona Conceição.. diga.. sim, sim. já chegou aqui, eu já dei parecer favorável. portanto, eh, vai agora para o pessoal, é provável que... amanhã ou no outro dia receba a resposta. mas pronto, não há problema, em relação à troca.. não, não, não.. não, não. quem, quem va[...], quem, quando se ausenta deverá, eh, informar que... vai de férias nesse dia, não é, . exactamente, sim, sim, sim, sim.. pois. e é bom que isto conste no processo, não é, até para defesa das partes.. está muito bem.. não faz mal absolutamente nenhum. e pode preparar as suas coisas para essa data, as suas férias.. muito obrigado então. boa tarde. adeus.. pois, mas . mas. ah! dizia eu que, que as pessoas aqui, principalmente as pessoas ligadas ao campo, têm uma mais-valia enorme, pelo menos naquilo que eu conheço e... tenho tido a oportunidade de viver, são pessoas que têm uma grande dimensão humana, não é, são pessoas, eh, com uma grande dignidade, que, quando dão a sua palavra, eh, pronto, não há, não é preciso ir ao notário, não há... outro tipo de, de meios a que recorrer, porque as coisas são exactamente como as pessoas dizem, não é, e... aqui em relação à, à recuperação das terras por parte dos agricultores aconteceu um bocado isso, não é, as pessoas estavam de algum modo comprometidas com uma situação, elas o que queriam, na sua esmagadora maioria, era trabalhar, não é, era garantir um posto de trabalho, era, pronto, de algum modo dar uma vida mais digna aos filhos, e a preocupação deles era um bocado... essa, não é, por, trabalhar e, e, e ter garantias de continuidade no trabalho. parece-me que nunca houve aqui grande preocupação por parte dos trabalhadores de se tornarem proprietários, ou de, bem, de terem terra para si próprios, um bocado assim.. até porque a terra não, não era, não ficou para eles, não é, aqui?. sim, sim, sim, sim. pois. eh, pronto, hou[...], houve algun[...], houve zonas onde, onde a propriedade foi efectivamente... repartida. ham, ham.. e distribuída às pessoas.. nominalmente, às pessoas?. sim, sim, sim, sim. principalmente em zonas onde havia regadio. hum, hum.. onde através de uma pequena parcela de terra as pessoas podiam tirar uma rentabilidade. hum, hum.. maior. agora ao nível da grande propriedade, não. eh, e no geral, até, as pessoas não, não tiveram grande preocupação em. hum, hum.. em, houve uma altura em que foi be[...], permitido, ou possibilitado às pessoas poderem pedir nas estações agrárias um, uma reserva de, de terra, para exploração directa. e poucas pessoas diligenciaram nesse sentido. foram mais os agricultores que fizeram es[...], que andaram à procura desse.... hum, hum.. desse benesse, do que propriamente os trabalhadores. não houve assim uma grande... preocupação, nem anseio. hum.. pela terra." +Portugal/Anos 90/Um Namoro de Outros Tempos.wav,Portugal,Landim - Famalicão,F,73,1997,"o que eu gostava que me contasse era: como é que conheceu o seu marido? como é que isso aconteceu?. ele é que me procurou.. mas como é que foi? conte-me tudo!. ai não, ai nossa senhora, ai como é que hei-de contar?. ai não olhes para mim [...]. foi na romaria?. tu é que sabes.. eu como é que hei-de contar?. ora.... não foi na romaria que o conheceu?. olhe, foi à vinda da igreja. vinha da igreja. dantes a gente ia ao terço, às ta[...] - agora não há. ham, ham.. e ele vinha do terço e, e s[...], perseguiu-me, pronto.. eu, [...]. mas ele já a co[...], já a conhecia antes? ele já a conhecia antes?. não, isso não sei. a primeira vez foi à vinda do terço.. mas a, a senhora não o tin[...], nunca o tinha visto?. não senhor.. ah, foi assim?. podia até vê-lo, mas sabia lá.. não sabia quem era.. ia passear à montanha.. [...]. e então quando viu que vinha aquele rapaz atrás de si, o que é que pensou?. eu não pensei nada, ele é que veio falar para mim.. e o que é que ele lhe disse?. ai eu agora sei lá!. mais ou menos.. como ele entendeu.. a primeira vez não deu resultado.. atrás de mim vinha o meu pai. ham, ham.. do terço [...]. a primeira vez. então contas tu [...]. foi no dia da inspecção.. espera, espera, espera, espera, espera, espera.. prontos, vai lá então.. ela conta e depois o senhor conta a sua versão.. um de cada vez.. é uma versão de cada um. diga lá.. atrás de mim, o nosso pai também ia ao terço e levava-nos, pronto, éramos católicos e somos, e depois ele levava uns socos, um tamancos, também não era como agora, eram tamancos e eu disse assim 'ai, sai daqui que vem aí o meu pai' e ele nã[...], ainda não o conheceria, não é, e eu 'não venhas para a minha beira', eu assim 'que agora vem aí o meu pai, vem aí atrás de mim' e ele, pronto, retirou-se um bocado e eu vim para baixo. naquele dia não... me falou nada. depois tornou-me outra vez a perseguir, ah, outras vezes fui ao terço e ele foi também. foi também! ele vinha de Castelões, se ia ou não, não sei, ele andava por ali.. [...] para beber uma pinga.. prontos. então, havia lá um tasco à beira. [...]. e ele em vez de ir para o terço até eu sair da igreja, foi para o tasco. tornou-me a perseguir. pronto, e daí, começou depois. olhe, e quando viu que andava aquele rapaz a persegui-la, como é que o seu coração ficou?. eh, ó meu Deus, ó senhor, desculpe, ele também tem de desculpar, eu antes destes vieram outros.. ai é?!. eu tive muitos mais.. ai não foi o primeiro?!. ah, pois não foi, ah! eu não estou a mentir!. ah!. vieram outros. mas eu, prontos. não ligava.. calhou, calhou de ser, não liguei a muitos, foi verdade. que até dois já estão viúvos e outros assim, pronto. e depois a, pronto, ali calhou de ligar a este, depois. está bem [...]. depois eu disse-lhe 'vai-te embora que...', eh, eh, desculpei-me. diz lá.. 'que a minha mãe não, não me deixa conversar. não me deixa, pronto, e eu não estou para andar por aí...' e ele depois, eh, esteve para aí dois meses ou três, depois tornou a vir. então depois tu[...], prontos, digo assim 'bem! sei lá se é para, tem de ser ou não tem'. foi assim.. portanto, gostou mais deste do que dos outros.. mas tive mais, pulha. e ele também teria outras raparigas, pulha. sim.. ele também diz que teve mais raparigas, mas pronto.. sim. mas porque é que gostou mais deste do que dos outros?. ó senhor, calhou! pronto. [...]. devia haver alguma coisa de especial.. eu não posso dizer, ah, então, não houve nada de novo, graças a Deus, não houve nada de especial, de novo. hum, hum.. cá não houveram frocotiques.. muito bem. e depois então começaram a conversar.. é, começámos a conversar.. sim.. mas é. e o seu pai teve que dizer que deixava.. nós tínhamos de, não podia ir para longe de casa, que nossa mãe não nos dava essas rédeas. eu tinha de estar, a minha mãe dizia mesmo 'tu tens de estar onde eu... chame e tu me fales logo'.. hum, hum.. e eu era assim. chamava e eu tinha de lhe falar logo. senão . então a senhora quê, ia só ali . senão elas caíam. para baixo para a rua?. como? não senhor.. ia, descia.. não, não. ah.. a, na, a casa dos meus falecidos pais é ali por trás.. ah.. ele até se vê da, daqui do telhado.. hum, hum.. e até tinha assim um, também assim, ainda é mais assim escondido que aqui, é um recanto [...]. ela vê-se daqui, destas pedrinhas, vê-se dali.. ela vê-se. . hum, hum.. pronto, e eu comecei, ele começou-me a perseguir, prontos, e eu... calhou assim. mas eu tinha de estar onde eu, eh, ela dizia-me 'tens de estar onde eu te chame. [...] teve muita sede. onde eu chame por ti e tu me fales'. foi assim.. [...]. e eu tinha de lhe falar.. e quanto tempo.... só dez minutos.. ham, ham.. dez minutos, não havia mais?. não me deixavam estar mais, pronto.. quanto tempo durou esse namoro?. olhe, não foi muito. foi para aí, seria dois anos?. ah!. seria dois anos, não, nem tanto.. que idade tinha a senhora, na altura?. tinha vinte e sete anos quando casei.. então já.... [...]. [...]. já era crescida.. já era crescida, criada, graças, tinha vinte sete anos.. olhe. hum.. e se comparasse. e, e ele tinha vinte e oito.. ah, se a senhora comparasse o, a maneira de namorar dessa altura. oh!. e a maneira de namorar de agora, acha que é muito diferente?. oh, esteja, oh, esteja caladinho.. porquê?. a maneira de namorar de agora é um nojo.. porquê?. porque a gente vê as coisas. agora não, não ando, mas eu bem sei como é. até se vê nas televisões.. sim.. eh, isto agora não é, dantes não era na[...], Deus me livre de dantes tocar... um, um, um rapaz numa rapariga. bem, não seria todos, vá. olhe que o nosso falecido pai, uma vez, - ele bem se ri - o nosso fal[...] - já lá está - deu com nós ali a conversar. ele ia com umas cordas na mão, ia buscar um molho de coroas, sabe como é, dos milhos. sei.. hum.. cortar para o gado, aquelas coroas.. sim.. e eu i[...], ia a, estava ali à beira de uma casa - os senhores não conhecem, não vale a pena dizer o nome da pessoa, não é, - e estava ali. e o meu falecido pai lá foi ver se. [...]. se haveria alguma coisa de novo. os senhores querem saber eu digo, não é,. [...]. e ele, e e[...], e eu estava desviada do meu homem. [...]. por exemplo, o meu homem estava aqui e eu estava ali, assim, assim, é verdade, era assim. e ele foi, e eu assim que vi a sombra do meu pai - nós já falávamos há uns mesicos, porque ele depois deixou e tornou a vir. também foi contado esse tempo - eu assim que vi assim uma sombra, olhei para trás, o que vale, ele estava - ele bem sabe que é verdade - estava desviado e eu também, e assim que vem a sombra do meu pai eu tremia. parece que até, pus-me amarela. e eu então fiquei assim. e ele foi assim, saiu. deixou-me ficar. eu fiquei assim, fui para o lado de casa e ele, foi assim, pronto. e depois, eh, o meu pai dizia assim 'eu, se tu deres, se tu c[...], entenderes que dás uma treta' - chamava-lhe ele assim - 'a um amigalhote qualquer, tu tens de estar de longe, que se vos eu topo perto, mato-te'. e então, disse-me isso algumas vezes. uma vez também nos topou assim desviado e foi ao, ao... ao penso para os animais - chamamos nós os pensos. o penso.. cortar aquelas coroas que o milho puxa. ham, ham.. hum, hum.. e o meu homem tinha falado comigo em falar o casamento e em vez de, seguiu o meu pai, seguiu o meu pai, prontos. [...] e pronto; e depois ele é que lá falou o casamento. não, não andei muito tempo na conversa, não.. hum.. não, que a nossa mãe não queria. dizia assim 'ou para uma banda ou para a outra'. se quiseres casar, se quiseres um moço, casais, e se não quiseres, larga, eu não estou para andar a pa[...], a espreitar ninguém, nem, não ando agora atrás de ti.' ó senhor, não era preciso andar atrás de mim, mas ela tinha a ideia que, que tinha de olhar por mim, pronto.. hum.. mas já tinha de, já era de maior idade, não é,. pois, de facto.. mas dantes não era assim, de como agora se vê, prontos. " +Portugal/Anos 90/Um Mal Desconhecido.wav,Portugal,Covilhã,M,22,1997,"olhe uma coisa, você disse que, eh, antes de entrar para a universidade - você entrou quando, o ano passado, então?. sim, sim. entrei no ano de noventa e seis, noventa e sete.. ham, ham. e antes disso, disse que esteve três anos, eh, que não esteve a, a estudar.. tive três anos que não estive a estudar, exactamente.. e o que é que esteve a fazer, nesses três anos?. nesses três anos eu tive um problema de saúde, eh, relativo, relacionado com o sistema nervoso central. tive um problema de saúde que eu corri vários médicos no concelho da Covilhã e no distrito de Castelo Branco e fiz um montão de exames a tudo e mais alguma coisa e eles não descobriram absolutamente nada. faziam exames a tudo, estava tudo bem. eu perdia o equilíbrio e a minha, o meu ritmo cardíaco acelerava para a casa dos cento e setenta, parado. recorri várias vezes à urgência do Hospital da Covilhã, onde me administravam uma injecção intravenosa, para o coração voltar ao normal. através de uns conhecimentos com uns amigos - um deles já está a terminar o seu curso também em Direito, na universidade em Lisboa - eu consegui - porque ele tinha uma tia no Hospital de Santa Maria que era enfermeira. tem de ser assim.. consegui ir ao Hospital de Santa Maria, fizeram-me uma carrada de exames, viram realmente que era o sistema nervoso, disseram-me logo 'o senhor é um indivíduo nervoso, eh, não lhe acha[...], não lhe encontramos absolutamente mais nada' - fiz desde o coração à cabeça, até ressonância magnética fiz. e então chegaram à conclusão que era do sistema nervoso. eu andava a tomar três valium cincos por dia, o médico disse-me logo se eu andava a ser tratado por um veterinário cá da zona. ah!. e então mandou-me aventar aquilo tudo para o lixo e disse-me 'não, o senhor não precisa de tomar absolutamente nada. o senhor tem que se autocontrolar e autodominar. isto é apenas um problema de sistema nervoso. o senhor teve uma alteração muito grave no sistema nervoso, eh, que oscilou muito e agora até se recompor o senhor tem que se adaptar a esta situação. não tem absolutamente mais nada'. até hoje. deixei de tomar aquela porcaria toda, comecei-me a sentir cada vez melhor, cada vez melhor, comecei mesmo a pensar 'não, isto será, isto é mesmo sistema nervoso'. pronto, acabou. até hoje, impecável.. que bom! ah, isso é bom. mas você deve ter sofrido imenso durante aquele, aquele tempo.. um bom bocado. e o que é, é que foram, parecendo que não, foram três anos! três anos a sofrer!. três anos da sua vida.. eu cheguei a recorrer - porque depois as vizinhas começaram a chatear a cabeça à minha mãe e nos meios pequenos há sempre aquela tendência 'o seu, o seu Pedro anda embruxado'. chegaram-me a levar à bruxa, a essas senhoras que dizem que fazem... magias negras e não sei quê, cheguei a recorrer a esse tipo de gente. levando só dinheiro possivelmente... inventaram para ali umas histórias quaisqueres para, para comer algum dinheiro, e eu.... pois. exacto. e isso durou três anos?!. durou três anos.. fogo! essas coisas são complicadas.. complicadíssimo, vi-me mesmo à rasca.. pois é.. depois, nessa senhora diz que eu que tinha o espírito não sei quê, andei. ah!. andei lá com um tratamento qualquer que at[...] - eu não me senti pior! mas, pronto, eu vim sempre a melhorar, não sei se também foi de ir lá se não. sinceramente se me disserem assim 'se eu acredito em bruxas?' bem, eu acreditar, quer dizer, ele que as há, há, agora eu acreditar, isso para mim não, não me diz absolutamente nada.. pois, exacto. e você, nessa altura começou a tomar valiuns, para, para se acalmar? porque sentia-se muito a.... sim, andava a, tomava três valiuns cincos por dia, um de manhã, outro ao meio-dia e um à noite.. e o médico é que lhe receitou?. tinha sido um médico da região, um conceituado médico, conhecido, pelo menos em Tortosendo, que era o doutor Pitrez.. pois. é, os médicos de clínica geral não são os mais indicados para essas coisas. pois, infelizmente por vezes... . não é,. as pessoas receitam, isto é o tal problema: é que, em Portugal, recorrendo ao centro de saúde, o médico, ainda o doente está a entrar, olha para a ficha do doente, já está a escrever, a passar a receita, sem sequer auscultar o doente. eu tive bast[...], fui bastantes vezes ao médico sem sequer ser auscultado. eu entrava, eu dizia 'senhor doutor. tinha.... queixo-me disto, daquilo', e ele começava a escrever, a passar medicamentos. quer dizer, é impossível. como é que um médico olha para um doente e sabe aquilo que ele tem? é quase impossível.. pois é. ainda bem que você conseguiu esse conhecimento no Hospital de Santa Maria.. foi muito bom, foi muito bom. fui muito bem recebido, visto por especialistas, indivíduos com, com um nível muito grande. hum.. todos eles professores doutores, eh, chegaram a estar em volta de mim seis médicos, e tinham um anfiteatro, portanto aquilo foi feito num anfiteatro, os exames que me fizeram ao coração, prova de esforço, etc., tinham os alunos todos que estão a estudar Medicina na Universidade Nova estiveram a assistir àquele exame.. ah! porque você era um caso... bicudo, não é,. sim, porque era, era um caso esquisito. esquisito.. que eles também não achavam muita razão para aquilo, e então, também tive uma crise, mesmo dentro do hospital tive uma crise dessas do ritmo cardíaco me acelerar. aproveitaram, tinham os alunos na altura, foram chamar o professor que estava a dar aula, e eles vieram todos para ali.. pois. exacto.. viram aquelas coisas todas. depois ficaram com aqueles exames para eles estudarem tudo. acabaram por chegar à conclusão que era mesmo o sistema nervoso.. e não lhe deram nenhum tratamento?. nenhum tratamento. vim completamente sem nada. . ai que giro.. antes pelo contrário, tiraram-me aquele que eu estava a tomar.. exacto. e depois pronto, você... pouco a pouco.. sim, deixaram-me p[...], continuar a fazer uma vida perfeitamente normal. eh, se fumasse, continuasse a fumar, pronto, que não fumasse muito que o tabaco faz mal, mas, também me disseram, também é, o, terrível deixar-se bruscamente, quem fuma deixar bruscamente de fumar, também... pode afectar muito o sistema nervoso. 'o senhor fuma uns cigarros, pode continuar a fumar'.. exacto. ou seja, você, ah, que ficou pior primeiro da sua doença ao longo daqueles três anos por causa de não saber o que é que tinha e cada vez ficava mais nervoso. exactamente. e eu. quando lhe disseram que não havia problema, foi. acalmei muito mais, exactamente. foi acalmando e foi-se habituando a essa própria ideia.. com certeza. e então a partir daí. isso é óptimo.. até hoje, impecável.. ainda bem. pois, porque você agora está óptimo.. sim, graças a Deus, d[...], ultimamente tenho andado perfeitamente bem." +Portugal/Anos 90/Os Amores de Camilo.wav,Portugal,Landim - Famalicão,M,60,1997,"[...]. bom, mas, eu, a gente podia passar aqui o resto da vida a conversar, senhor Avelino. da vida, da v[...], a com[...], a conversação. mas há uma questão que eu gostava que o senhor Avelino me dissesse. fizesse.. que é: nós comparámos Dom Afonso Henriques em relação à sua mãe . isso.. de certo modo, ele violou um princípio que é o princípio da obediência e do amor filial. . filial.. e não condenamos, apenas constatamos.. pois.. bom. Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, de certo modo, há também ali uma violação de princípios estabelecidos.. pois há.. como é que vamos olhar para eles?. eu, o Camilo, admiro o Camilo e bato-lhe palmas, na parte literária.. na parte literária.. na parte conjugal, marido e esposa, não gosto. não gosto, porque ele foi r[...], roubar uma mulher com quem vivia com outro marido. agora se a mulher fosse viúva, que ele esperasse que morresse o Manuel Pinheiro Alves como morreu muito cedo, e ele aguardasse - com certa incerteza, é claro - mas que aguardasse e que se unisse a ela, eu já não condenava. porque ela já era livre. agora ir buscar a mulher ao seio conjugal de outro homem que a amava, ou não saberia amar melhor, mas ele amava-a, já por isso casou com ela, eu acho que Camilo cometeu um grande erro. como ainda hoje muitos con[...], casais o fazem. casou a dona Ana Plácido com um homem que não, não tinha, eh, carinhos, que não sabia olhar para ela com olhos benévolos, olhos de, de, de amor, olhos de, de reverência até. mas, era o marido dela. ela tinha que ver isso antes de casar com ele. entrou na poça que gostava dele, então foi, gostou do dinheiro dele?. ninguém sabe como é que isso foi.. ah, mas i[...], isso... é mau.. pode ter sido casada porque os pais a induziram a isso.. sim. há casos desses. que é o, é o caso do 'Amor de Perdição' com Teresa. hum, hum, hum.. a Teresinha. a Teresa e s[...]. com o primo. com o primo. . com um primo. há casos desses, mas, se há casos desses ela tinha que reprovar os pais que a meteram nesse sarilho, e nunca o marido. o marido apenas foi saboreá-la porque gostava dela, dentro do matrimónio. eu penso assim.. hum, hum.. portanto, o Camilo, para mim é um ho[...], um ser falhado, na parte do lar. é um grande homem na parte das letras, porque deu vida a muitas novelas, a muitos contos, a muitas histórias que andavam por aí, eh, apagadas, aqui no Minho, e não só, mas aqui sobretudo, na parte... minhota, e ele deu-lhe vida. com personagens, avivou, impregnou certos movimentos que a literatura alcançou outro tom que enriquece o património nacional das letras, suponho eu.. hum, hum. portanto, quer dizer o senhor Avelino então que acha que Camilo não inventou o que escreveu!. podia ter inventado e, e, e a função do escritor também é um bocado essa. mas, foi sempre beber a uma fonte.. portanto, recriou.. é. a uma fonte. e ele, ao, ao, ao escrever 'A Brasileira de Prazins', que era uma casa abastada aqui de Landim, bastante gananciosa, que tinha muitas quintas, e o proprietário, que era um tal senhor Joaquim Araújo, eh, foi ao Brasil, e enriqueceu e veio para aqui, casou com a sobrinha, sobrinha dele mesmo, e essa sobrinha, eh, passado anos adoeceu. e ali havia uma doença implantada por ser tio com sobrinha, o sangue com sangue que não resulta muito bem. e Camilo, segundo dizem, que andava sempre a pedir dinheiro emprestado, bateu à porta dessa referida quinta, a ver se era atendido. essa quinta lá não o atendeu porque duvidava do porte dele, e ele lá não gostou porque sabia dinheiro que, que havia lá com certeza, procurou como historiador saber os motivos da família e onde lhe disseram que a fa[...], a fortuna foi adquirida no Brasil e que ele que era um homem bastante adinheirado, mas que era homem para ir ao Porto com umas côdeas de pão no bolso, para chegar a casa só comer à noite para não gastar dos grandes rendimentos que ia buscar das acções que tinha, de rendimentos através do banco... do Brasil. ele sabendo esses pormenores, viu que a mulher que passou a parte, a maior parte do tempo... adoentada, entrevada, no leito de sofrimento, começou então a desenvolver isso e escreveu a célebre 'Brasileira de Prazins', que muitos dizem que até hoje até que será o melhor romance escrito por Camilo Castelo Branco, porque focou aquela parte dos liberais, desenvolveu, lá mostrou os que queria, e a ganância do povo. ah, entre eles, o, o José de Vilalva, que gostava muito, o José de Vilalva gostava muito da tal brasileira de Prazins, porque era um amor que, construído desde a adolescência, mas quando o, o, o irmão do, do, do, do pai da noiva resolveu vir para o bra[...], do Brasil para Portugal, o, o, o pai procurou desviar o coração da filha e entregá-lo ao tio, porque do José de Vilalva nunca viria os cobres tão largos para comprar quintas aqui à volta, como ele tinha. que ele tinha mais de oito quintas, naquele tempo. e portanto, houve aqui, digamos, uma ganância, hem! camuflada pelos interesses sentimentais dum lado e, eh, e impregnados do, do in[...], do, do, do, do, da mesquinhez do, do venha a nós do rendimento, e o amor deram-lhe um pontapé. de maneira que essa mulher tornou-se logo imediatamente uma infeliz porque quem ela amava a, ao fundo era o José de Vilalva.. bom, vamos voltar à dona Ana Plácido, porque é uma figura que.... central.. por quem, é, ah, nós só temos uma vida. isso.. e só, portanto, tudo o que podemos fazer é durante essa vida. se o Camilo foi o grande amor da vi[...], da dona Ana Plácido. Ana Plácido.. ah, se apareceu depois dela ser casada. sim.. mas se era a sua única oportunidade de viver esse grande amor, o que é que o homem que há e[...], dentro de si diz?. ora bem. fora dos princípios e da moral. sim, nós.... o que é que o seu sentimento pessoal lhe diz?. a minha mãe dizia-me que todos os dias nasce e cresce quem melhor nos parece. hum, hum.. uma frase que já ela ouvia quando era menina e por aí fora, não é, claro que todos os dias, ainda hoje nós mesmo, nós homens, já adultos, se formos por aí fora, com os olhos bem abertos, vemos belezas encantadoras, que nós até nem temos força de resistir. pois. mesmo hoje. nós, às vezes é muito comum dizer 'um padre falhou acima, um padre fa[...]', pois ele ao ver tanta beleza, às vezes à volta dele, ele é um homem. tem um grande carácter, tem uma vocação, tem um, uma ordem religiosa, mas humanamente é um homem.. hum, hum.. se ele começa a presigar, a saborear as belezas encantadoras que estão estampadas no rosto das jovens de dezasseis, dezassete, dezoito anos, que vêm para junto do harmónio, ou para junto do altar, adornar, decorar, cantar, dar, eh, vida ao acto do culto, ele tem que ser um homem muito seguro, senão ele estatela-se. como nós hoje, chefes de família, não sei se os senhores o são, mas sou eu. hum.. mas nem que o sejam. ainda hoje, os senhores, nessas viagens que andam, de colheita. hum, hum.. se realmente não for firmes interiormente o senhor estatela-se como se estatela qualquer um, porque a beleza humana está em toda a parte. se uma mulher é, é possuidora das belezas das estrelas, eh, dos cânticos dos anjos, que Deus adornou a mulher com um encanto infinito, ora nós, que se viemos ao mundo para as apreciar, temos de ser conduzidos por coisas muito mais firmes do que a beleza que nos es[...], eh, estampa logo aos olhares, senão perdemo-nos.. muito bem.. mas nós não podemos andar atrás de coisas bonitas, só de exterioridade. nós também temos de fazer um caminho. hum, hum.. e trilhá-lo.. sim senhor. senhor Avelino, mas o senhor mesmo disse que Deus adornou a mulher desses encantos e dessas belezas. é verdade.. acha que Deus adornou a mulher desses encantos, e dessas belezas para nos tentar, para nos mandar para o inferno?. não. também acho que não.. também não.. não. deu-lhe essa beleza porque ele gostou de, de criar e de ter a criatura bela. uma flor, a humanidade, tudo belo, desde o pensar a, a, a, a tudo! quer dizer, no desejo, nos olhares, sabe que um olhar fascinante de uma mulher prende um homem. eu também fui rapaz novo e bem vi. eu às vezes era preso por um olhar e elas, até da inocência delas, mas eu, pronto, sabia, eh, colher. os senhores hoje andam a colher usos e costumes e eu também saberia colher um olhar, ou um sorriso que me... prendia. e ela sem saber estava a mandar em mim. o que eu tinha era de lá depois dar um pontapé e se quisesse seguir sempre, ou estatelar-me depois.. não acha que, que devíamos ter, em relação a ela, a at[...], a atitude que Cristo teve em relação a Maria Madalena?. sim, sim. pois. nós devemos perdoar à Ana Plácido. e eu perdoo-lhe, mas, eh, sei que ela que fez mal.. pois.. não posso dizer que fez bem.. é que eu acho que, mais do que perdoar, devíamos compreendê-la.. sim. mas que fez mal fez. que fez mal fez. e até, ela escrevia também bem. ela era, era uma mulher que também sabia escrever.. já imaginou o que seria a existência de Camilo Castelo Branco se não tivesse. sim.. encontrado Ana Plácido?. a Ana Plácido. bem.... acha que teria sido melhor ou pior?. continuará a ser o grande boémio... citadino, como era até aí. . sim.. pousa aqui, pousa acolá, um pouco dizia bem, um pouco dizia mal, ia aos saraus das freiras ao Convento da Avé-Maria quando a abadessa fazia anos, recitava, elas batiam palmas. no outro dia escrevia logo um romance a, a, a, 'A Freira sub[...], no Subterrâneo', eh.... ham, ham.. outras coisas, logo a picá-las. eh, eh! tinha esse dom, mas não deixava também, nos dias de festa atender aos convites, e como homem literário que era, ia abrilhantar os saraus literários. quer num convento, quer noutro.. sim.. portanto era um homem que tanto cambava para um lado como descambava para outro, como seguia em frente. tinha os seus, a sua maneira de ser. não era um homem certo.. hum, hum.. Camilo não era um homem certo.. sim. mas finalmente, então, Ana Plácido terá tido um papel positivo ou negativo na vida de Castelo Branco?. ora bem. na sua vida pessoal, no seu equilíbrio.. no seu equilíbrio de... ele rever-se no lar, o homem agasalhou-se. não há dúvida que manteve-se ali fiel ao, ao lar, lutando sempre com a pena para fazer sobreviver ao lar, porque não havia outro rendimento que não fosse a pena dele. eh, dona Ana era uma senhora da, eh, da alta sociedade que, eh, oferecia muitos banquetes, e sobretudo lanches ao, ao, ao Garrett, ao, ao Guerra Junqueiro, e... ao Dom António Feliciano de Castilho - que até está lá um par[...], um padrãozinho de mil oitocentos sessenta e seis, a atestar a visita dele a Seide - e etc. e então ela oferecia es[...], esses lanches, fumava charuto, oferecia uma caixa de charutos aos que fumavam, e tudo isso era uma despesa... fabulosa. ainda hoje, nas nossas casas, se nós metermos muito na sociedade a, a dar brindes de coisas, a, o, as nossa bolsa começa a esvaziar-se. ora na casa de Camilo era na mesma. eh, o Camilo tinha que sustentar isso e ela então com as suas fidalguias, com as suas burguesias, lá sustentava, ia-se polindo, não é, ia até escrevendo, que ela também, eh, tem um livro intitulado 'Luz Coada por Ferros'." +Portugal/Anos 90/Um Sonho.wav,Portugal,Lisboa,F,29,1995,"então o outro era o outro, que era: estávamos na praia e aquilo tudo cheio de areia e não sei quê, era um grupo de mulheres, assim, com fatos de banho antigos tipo [...]. . tipo quê? . sei lá... . anos vinte? . anos vinte, sim, tipo anos vinte. mas só que os fatos eram todos verdes-escuros e assim com uns folhinhos, depois tinham uns barretinhos na cabeça, também assim com os folhinhos, tudo verde-escuro. elas também tinham toalhas verdes-escuros. e então aquilo era um grupo de prisioneiras. . ah! . era tudo prisionei[...], estavam todas na praia e eu era uma delas, percebes, era, só que não era eu, era uma pessoa que eu sei que era eu, porque eu falava através daquela pessoa e sentia o que aquela pessoa sentia mas ela não tinha a minha cara... . sei. . nem o meu corpo, nem nada. e então, de repente, e havia assim uma rede verde, a separar a areia e de um lado estavam as prisioneiras, não é, e do outro lado eu pressuponho que eram as pessoas normais, que estavam ali, no resto da praia e depois para se sair dali tinha que se atravessar aquele bocado da areia e depois ia-se para a prisão... . sei. . suponho eu. e, e de repente elas começaram-se a arranjar e já tinham saído muitas pessoas à nossa frente, e eu olhei e disse 'então, então vocês vão para onde?' porque elas em vez de irem para o lado da rede, estavam a i[...], estavam a ir para o outro lado. e elas disseram 'ah nós vamos fugir'. e eu acho que estava um homem metido no meio delas mas é difícil de saber isto, eu tenho a impressão que estava lá um homem... . curioso. . mas não, mas não tenho a certeza, porque eram m[...], mu[...], eram, eram mulheres só, eram para aí umas três mulheres e ela 'nós vamos fugir' e eu fiquei assim a olhar e disse 'pois é, é muito fácil fugir, por aqui, de facto, mas não adianta de nada, fugir, para que é que a gente vai fugir? depois apanham-nos'. sabes, e eu achei que aquilo era tão natural, que nos iam apanhar a seguir, não valia a pena fugir. então muito naturalmente fui-me embora sozinha. . para a prisão? . para a prisão. e virei para me ir embora para a prisão, só que quando cheguei à prisão, não era nada a prisão era a minha casa... . Paula! . com o António, não é giro? e o António já estava a vestir-se, no quarto, e eu fui tomar banho. e depois, saí enrolada na toalha, espreitei, vi o António a vestir-se, voltei para a casa de banho. e quando voltei para a casa de banho, a água da banheira onde eu tinha estado a tomar banho, estava cheia de peixes, Helena!. peixes, peixes de todas as cores, de todos os feitios, lindos, uns pequenos, outros grandes, uma coisa enorme, olha, e ao mesmo tempo que aquilo era lindíssimo, era aflitivo, era um horror. eu comecei a gritar 'António anda cá ver, António vem cá ver'. e ele 'o que é que foi, o que é que foi?' porque eu entretanto, tinha, tinha ido lá para tirar o, o ralo da banheira, percebes, . sei. . e fiz aquilo na mesma, em vez de não tirar o ralo, tirei o ralo na mesma, então os peixes todos a irem pelo ralo abaixo e um tão grande e eu a pensar assim 'este não vai s[...], caber no ralo'. então aquilo já era nojento, estás a perceber, porque o peixe já era grande demais, para caber no ralo, e eu pensei 'estes peixes vieram todos agarrados à minha pele'! . meu Deus, Paula, isso é . estás a perceber, . Dali . era isso que eu estava a pensar, era em larvas, vieram larvas ou ovos ou, ou qualquer coisa, vieram agarrados à minha pele, porque eles, depois quando eu me meti na banheira, na água, foi como se na água eles tivessem crescido. . incrível! . estás a perceber, aqueles peixes tinham vindo todos colados a mim. . da praia, da pri[...], da, qu[...], daquele grupo de mulheres.. da praia, daquele grupo das mulheres, da prisão, daquela coisa toda, estás a ver, e eu ali 'António vem cá ver, vem cá ver' e ele a ver, e, e pronto, e, e o, e os peixes foram-se embora. e depois eu muito aflita, com aquilo, e quando chego ao quarto, havia peixes a voarem no, num, no quarto, assim era um peixe muito lindo, assim preto e cor-de-laranja, assim com riscas... . imagina. . e eu a ver o peixe assim voar, no ar, a passar assim como se estivesse num aquário e eu, e eu a olhar, para aquilo, assim. . é bonito... até. . não é? mas não é? . só a narrativa, já é... sugestiva . pois, mas é muito estranho, não é, . é, é curioso. já falaste nisso assim? . não, não, não falei com ninguém. não sei o que é que isto quer dizer... . mas deve ter aí, há cargas óbvias, não é, . sim, pois, há coisas óbvias. " +Portugal/Anos 90/Boa Pontaria.wav,Portugal,Beja,M,35,1997,"eh pá, eu tenho várias histórias, tenho várias histórias de caça. concretamente agora dessa, não estou a ver exactamente qual é que a história.... histórias de caçadores.. ai tu estás a referir, eh, há umas que são brincadeiras, há outras que são, que são.... reais!. que são verdade. eu não sei exactamente se tu queres uma dessas de... . que tu foste buscar o pato dentro de água, a nadar.. ah! já sei! já sei! essa já sei qual é que é. mas essa, por acaso, foi de Inverno. mas essa, por acaso, foi de Inverno.. verídica?. foi. essa foi verídica. essa foi verídica.. então conte-nos lá isso, já agora.. está tudo excitadíssimo!. não, essa, eh, foi... durante o mês de, de Dezembro. eu estava, tinha ido sozinho, e tinha ido aos tordos. ali estive, ali estive, mas não havia meio de aparecer nada. de maneira que, às tantas, quando já estava exactamente para vir embora, comecei a ver um grande bando de patos. e comecei a ver que se estavam a querer fazer exactamente àquela albufeira onde eu estava. e disse 'eh pá', fiquei logo todo entusiamado, procurei esconder-me e colocar-me... num sítio onde lhes pudesse chegar. às tantas eles realmente lá vieram e eu derrubei um ou dois patos. só que um apanhei-o, só que o outro caiu dentro de água. 'ora que grande azar' [...] mas isto dos caçadores, quando deixam a caça entrar [...] não gostam de a perder, de maneira nenhuma; eu cão não tinha - ele estava a falar no cão mas eu nessa altura não tinha cão - antes tivesse! antes tivesse! de maneira que, eh! [...] como é que eu agora o, o apanho? ah! eu bem que jogava pedras, mas não ia lá. digo eu assim: 'bom! isto só há uma maneira'. fui, tinha o carro próximo, liguei o carro, liguei a chaufagem, liguei tudo, despi-me, pus-me em pêlo, e enchi-me de coragem, lá fui, trouxe-o, mas vinha a tinir com frio. e imediatamente me meti dentro do carro, eh, com o chaufagem ligado e lá me vesti então. era essa que ele estava, era essa, João, que estavas a querer referir?. pois, esta podia também, também, essa é uma entre muitas.. m[...], mas. mas há muitas. sim?. há muitas histórias e há, há muitas delas em que... se contam até por graça.. hum, hum.. e posso-lhe contar uma - esta é por graça e, e claro que mete muito exageros. mas isto era do... velhote, lá da Amareleja, que, pronto, caçava com uma daquelas espingardas muito velhas, já toda muito velha e toda muito presa com arames, e só dava um tiro. e era daquelas de atacar pela boca. então, quando estão lá, o pessoal da Amareleja, que ele caçava, com uma manta às costas, então, sai daí uma lebre, ele estendia a manta, 'pum!' atirava e depois ia apanhar as peças que caíam da espingarda. bom, mas depois começa a haver aquelas espingardas de cinco tiros. 'cin[...], cinco tiros! cinco, então mas a minha também dá cinco tiros! a minha também dá cinco tiros'. e então o que é que o [...] resolve? meter cinco cargas. e vai então, vai com o filho, iam os dois passando em linha, às tantas saiu uma lebre. saiu uma lebre, ele puxa da espingarda, 'pum!' ele vai para um lado, fica com um bocado da coronha na mão, cai, o resto vai para o outro lado. e o filho: 'eh pai, eh pai, eh pai, o que é que, eh pai', 'foge filho, foge, que ainda faltam quatro'. essa é uma maravilha.. claro que esta é exagerada.. sim. essa para ser verdadeira era um bocado, mas isso deve ser preciso uma paciência de Job para estar ali parado numa porta à espera que o pato passe.. não. depende, há alturas em que é preciso esperar, esperar, esperar. mas, eh, é uma questão de gostar.. não se pode fazer barulho nem nada, não é,. não é conveniente. quando muito... tentar imitá-los ou com a voz ou então com um aparelho qualquer.. e eles deixam-se enganar?. d[...], deixam.. ah, é?. em certas situações. depende. há alturas, não, não nos podem é ver.. ham, ham.. não nos podem é ver de maneira nenhuma. se nos vêem, está tudo estragado. aí já lá não, já não aparecem. porque de uma forma geral, e à tarde, eles têm... determinado tipo de hábitos.. [...]. então vêm sempre um ou dois, que passa, gira, vem, baixa e depois vai-se embora.. para fazer o reconhecimento, não é,. é. tipo reconhecimento. eh, não há nada, normalmente quando vem zzz, vem tudo. vem tudo de uma vez.. isso é o pato?. sim, sim. os patos.. então, e com as lebres e as maganas das lebres e.... eh pá, a, a lebre tem uma caça diferente. a lebre tem uma caça, da maneira como n[...], como aqui se caça no Alentejo, é sa[...], é caç[...], caça de salto. é o nome... do tipo de caça que se dá, à lebre e à perdiz.. hum, hum.. caça de salto, há caça de batida, há diversas maneiras de caçar. mas à lebre, de uma forma geral, é de salto que se caça aqui no Alentejo.. e chama-se de salto porquê?. de salto, talvez por... se andar sempre de um lado para o outro.. ah!. não parar. eh, organiza-se, à lebre pode-se caçar sozinho, com um cão.... hum.. lá... com o cão à procura. mas utiliza-se, normalmente chama-se caça de salto quando é à lebre e à perdiz. há uma linha... de caçadores, que se organizam e combinam as posições de cada um e, eh, e é u[...], e uma c[...], e de uma certa forma a táctica, hum.... hum, hum.. utilizada, não é, e [...], porque, e é necessário também conhecer os terrenos, para se saber as crenças da, da caça. aquele, pronto, normalmente quando fogem de um lado, se fugiram daqui vão para ali, se fugiram dali vão para a[...], vão para outro lado. e depois caçar de uma certa forma. de uma certa forma é, é, é chamada asa de caldeirão, que as car[...], as pon[...], as pontas. hum, hum.. vão bastante mais adiantadas do que o, o miolo.. hum, hum.. eh, começam a andar, é necessário conhecer o terreno, e aí anda-se bastante. aí anda-se bastante e a caça sai muitas vezes inesperadamente. e aí sim, aí anda-se bastante.. isso aí é um verdadeiro desporto.. aí sim. aí é, aí é que se anda. aí é que sim. aí não há.... em compensação tens a caça ao javali em que podes fi[...], tens que ficar ali... quietinho, não é,. depende. depende da maneira como, como, justamente como se caça. aí sim. aí é que se puxa... realmente.... a caça ao javali é, é uma coisa séria.. é. é diferente. é outra coisa. é completamente... diferente.. não é perigoso, o javali?. ah! coitado dos bichos! perigosos somos nós!" +Portugal/Anos 90/Ser Pastor.wav,Portugal,Penedo Gordo - Beja,M,59,1997,"[...]. tem muitas ovelhas, é?. setecentas.. ih! está sozinho a tomar conta de setecentas ovelhas?. [...], sozinho, sozinho. então, para que é que eu quero mais gente?. então é [...]. eu estou, as pessoas [...] ali para nada.. e se fugirem meia dúzia delas, como é que faz?. não fogem que eu não deixo.. tem um cão?. [...]. tenho o cão, que ajuda.. ah!. é, é.. e as ovelhas, e aqui, eh, cria-se as ovelhas, e o leite delas, como é?. o leite delas agora não temos disfrutado.. hum, hum.. faz-se em... criaçãos.. sim. . e a criação é, dá carne, e pronto.. pois.. então, mas eu já tirei o galheteiro ao senhor João?. mas há, quando chega. está aqui um bocadinho.. ralha-lhe!. o seu marido partiu-me um bocadinho, não vê? . ah!. eu não tenho as mãos muito lavadas.. isso, nada faz mal, não é, ah! nem vale a pena.... hum.. preocupar muito.. pois é.. ah, e a lã das ovelhas, para tosquiar aquilo tudo, como é?. há uns rapazes. hum, hum.. à máquina, depressa as tosquiam. depois mete-se [...], aqui em Beja, não sei para onde é que ela vai, depois.. já não é como antigamente, que era à, à tesourada, não?. é, à tesourada. lembra-se disso?. eu não me lembro, mas ou[...]. que idade tem o senhor?. eu tenho cinquenta e três anos.. cinquenta e três, é quase da minha idade.. no[...]. eu tenho cinquenta e nove.. cinquenta e nove. [...]. hum.. lá nos Açores há poucas ovelhas.. sim, lá não tem assim muitos gados de ovelha.. não, têm muitas vacas.. muitas vacas, nos Açores.. é.. hum.. ovelhas há poucas.. há poucas. não, aqui o, a nossa região de Alentejo, que é aqui Beja. hum, hum.. havia muitas ovelhas. só que hoje estão muito reduzidas. têm reduzido muito, muito, muito.. hum, hum.. dedicaram-se à, mais à seara, mais à seara, mais à seara, porque, as ovelhas têm que trazer pessoas atrás, ou adiante, e as searas é com tractores e a pessoa chega à tarde mete o tractor num casão e vai para casa e penteia-se e vê a televisão, e prontos, já está. . acabou.. acabou. e então as ovelhas têm-se reduzido muito, muito, muito. mais, que temos tido bastante subsídios. hum, hum.. para as ovelhas. mas não, mesmo assim.. hum.. não há ninguém que queira. que queira.. andar à par de ovelhas.. é uma vida muito sujeita, não é,. vida sujenta, e além disso, presa e [...]. pois. aquilo é, de Verão é, enquanto há luz elas andam por aí, não é?. sim, depende, da maneira que elas têm tratamento... que apanham no prado.. hum, hum.. se tiver um tratamento bom no prado elas não andam muito tempo de noite.. não, deitam-se.. ah! deitam-se. depois.... pronto. mas se não houver o tratamento preciso, pois de noite também fazem um jeitinho.. hum, hum.. mas só que a gente não tem tido Verão aqui.. este ano.... no nosso Alentejo.. sim.. que quando não chove faz frio. não temos tido aquele Verão. portanto, pouco se encostam durante o dia, mas quando vem ali à tarde, ainda com sol, já estão encostadas. eu até me aborreço da maneirada. ontem, por exemplo. hum, hum.. aqui à tarde, ainda estava o sol alto, já elas estavam deitadas. digo 'ó velhacas, venham para aí mais um pouco', qual quê.. já estavam jantadas, senhor José?. estavam.. pois. [...]. estavam fartas, vieram-se embora, deitaram-se. 'olha, eu vou fazer também o comer, e como, e deito-me também'. pronto. deitei-me ainda com ar de dia, ainda se via bem.. e de manhã, elas acordam. [...]. de manhã, às seis horas, então marchámos. marchámos, levei-as a um sítio em que elas quando veio o fim de uma hora e pouco estavam cheias. 'eh pá, então mas a gente agora, o que é que eu faço?' trouxe-as para cá, vieram, vieram, vieram, vieram-se deitar. o r[...], o resto, precisava, não beberam. aquilo, a comida era verde, não tiveram apetite da bebida.. [...]. para, quando a gente come uma salada também não tem muito. pois é, também não tem muita sede.. também não tem muita sede, é.. e nunca ninguém lhe rouba uma ovelha aí, nem, nem nada?. que eu dê notícia, não tem acontecido. mas não diga que não aconteça amanhã ou depois.. pois.. mas que as pessoas muita das vezes têm apetite de comer. claro.. o que não querem é trabalhar. pois.. isso é que aí acontece, há muita.... nem... pois é. pois é.. assim, uma maneira de, dum borreguito, já me tem acontecido, de achar em falta.. ham, ham.. ali ovelha não, não me tem acontecido.. ham, ham.. hum, hum.. são suas mesmo, as ovelhas?. n[...], são minhas umas, e outras são da dona aqui desta área toda.. ah!" +Portugal/Anos 90/As Grandes Cidades.wav,Portugal,Porto,M,42,1995,"eu acho que as pessoas do Porto têm uma maneira muito especial de viver, não é,. eh, sim, eh, não sei, eh, eu, como sou daqui, sempre fui, nascido e criado aqui, não sei. não posso muito falar, acho. de facto, sei lá, não gosto de Lisboa, por exemplo.. não gosta?. vou a Lisboa e venho-me embora.. porquê?. porque não me sinto bem, porque, e já tive lá amigos, mas, não, eh, sei lá, eu acho que é diferente das pessoas aqui do norte. são mais individuais, mais fechadas no, e, não é o ser mais fechadas, mais, tudo mais isolado.. pois.. já está muito mais... metrópole. Lisboa é mais parecido com uma metrópole. o Porto ainda tem espírito de aldeia, do, da, do bairro. da, as pessoas, eh, preocupam-se mais, são mais solidárias. Lisboa já é mais.... pois.. anónima.. pois é. [...] é isso. eu penso que de facto as pessoas são mais próximas aqui.. é. aqui as pessoas são, estão mais próximas. é. isso se calha[...], isso, para mim, por exemplo, prontos! não, é uma coisa que me afecta logo de imediato. não, não me sinto bem em Lisboa.. hum, hum.. começo por chegar lá e... diz-me pouco.. pois.. não é, eh, a[...], até mesmo, ah, sei lá!, das vezes que lá estive e que até fui um bocado forçado a 'fica e tal, fica mais uns dias', não sei quê. e eu achava que havia um certo vazio, que as pessoas que, que era assim um bocado falso, coisa muito plástica. não, o norte não. as pessoas são mais, têm outra comunicação, outro.... eh, eu penso. mais interessadas no humano. pois.. Lisboa, vá, mais, eh. eu penso que isso também em Lisboa é quando a gente olha assim de fora, não é, porque depois também há os grupos que em relação. claro, também há os grupos, exacto. mas pareceu-me um bocado diferente daqui do Porto. é evidente que as pessoas de Lisboa também chegam aqui, e, e também têm essa sensação, não é, um bocado.. não, mas eu noto. embora reconheçam mais que há mais. hum, hum.. eh, que há o, um, digamos, há outro calor humano.. é, é.. muito diferente. e eles gostam muito. eu notava que as pessoas quando eu ia a Lisboa queriam que eu ficasse, porque gostavam do tripeiro, do. pois.. dos gajos do p[...], do norte, eh, era uma coisa que eles não tinham, um bocado, aliás eles chegavam-me a dizer, algumas pessoas, que era isso, que.... sim. eu pessoalmente penso que as pessoas do norte são mais comunicativas. é.. têm um espírito diferente.. sim, sim. têm um espírito diferente.. e quanto mais para o su[...], para mim Lisboa ainda não é o pior. ainda, eh, pois.. quando se chega ao, a Faro, por exemplo, eu acho que é muito pior do que Lisboa.. Lisboa. eu por acaso nunca fui lá para baixo, para o Algarve.. não?!. é que depois também nunca gostei muito de ir para o sul. . pois.. e nunca fui ao Algarve, tem piada, nunca me interessou. pois.. muito ir. primeiro achava que aquilo que de facto seria interessante de Verão mas depois... é montes de gente, a coisa é assim, uma coisa que, prontos, já não me, não, não estaria interessado. para fazer umas férias, de facto, não era... o ideal.. hum, hum.. a confusão, a turbulência, a agitação do... consumista e tal, não, dizia-me muito pouco.. é. depois, de Inverno também não se propiciava. pois.. e acabei por não, e também de facto noto que, quanto mais se vai para sul, prontos, mais há esse tipo de problemas, mais, e nós sentimos um bocado isso, não é, eu, por exemplo, gostei muito de Paris por ver muitos portugueses, por encontrar portugueses. hum, hum.. e o português no estrangeiro é muito diferente, quer ele seja do norte ou do sul. é sempre.... é português!. comunicativo, pois, é português! é isso. se calhar isso acontece com toda a gente, não é, não, mas nota-se que são mais comunicativos, não há, não se nota tanto essa diferença.. hum, hum.. talvez pelas pessoas estarem fora do seu país, não é,. pois.. mas, há... mais interesse, eh, mais, eh, são mais solidárias. pois.. interessam-se mais pelo, pelo outro. hum.. talvez.. porque, estão, também estão um bocado mais indefesos, não é,. pois.. mas, gostei por causa disso, por exemplo. eh, hum, era uma coisa que me levava a sentir bem, embora eu, nesse aspecto Paris achasse que também fosse muito anónimo. muito mais anónimo do que Lisboa.. pois, ainda é maior, não é,. ainda é muito maior, não é, de facto, as grandes cidades parece-me que criam uma situação de anonimato, de isolamento, de. mas se calhar, as f[...], há, eh, penso que. inclui a realização, não é,. pois. se calhar, actualmente há muita gente que procura, eh, justamente esse anonimato, vá para as grandes cidades para ter esse anonimato. não lhe parece?. eh, não. eu acho que as pessoas que estão a ir para as cidades, para mim, primeiro porque parece que aqui se trata de uma questão de so[...], de sobrevivência. o campo não tem condições para as pessoas viverem e... tudo o que é progresso, evolução, quer dizer, pode ser para o bem ou para o mal, não sei. hum, hum.. eh, não chega ao campo. e, por outro lado, é que as pessoas vêm para a cidade um bocado para procurar isso, e uma melhor qualidade de vida, porque de facto está na cidade, não é, qualidade, se calhar no sentido errado, não é, porque, eh, tenho certas dúvidas se de facto se vive melhor na cidade do que no campo, não é, mas prontos, eh, por outro, as pessoas é o isolamento, é, é estarem mais em comunicação com o mundo. coisa que, eh, o campo não possibilita, não é,. pois.. e.... pois. se calhar é isso. mas.... e é um bocado isso. depois claro que se criou o anonimato porque... se começa a misturar gente de muitos lados, não é, e as pessoas também, prontos, a, a cidade já por si está a impor, de certo modo uma tendência para o ano[...], anonimato, para o desconhecido, para, pessoa, prontos, só está relacionada com um número e mais nada, não é, porque, não sei se interessará ao poder, de certo modo [...]. acha que o poder. está interessado um bocado no anonimato, não é,. em que aspecto?. em todo. até para sua própria defesa, não é, se as pessoas de facto não se comunicam entre si, eh, não podem ser solidárias, não é,. pois. e estão cada vez mais afastadas de um problema, que pode ser colectivo e, e também individual, não é, eh, um problema qualquer que surja, não é, eh, as pessoas aí, eh, não estão, não estão, eh, preparadas para se defenderem colectivamente, por exemplo. hum, hum.. não é, vê-se isso no mundo industrial, não é, em que se criam diferenças entre as pessoas que trabalham e... se procura que hajam interesses pessoais para que, eh, cada um tenha qualquer coisa a defender e não haja espírito de que há... uma coisa colectiva a defender, não é, isso vem do poder e vem. hum, hum.. prontos. e depois, eh, de certo modo o anoni[...], o, o isolamento e o anonimato, não é, a, a individualização, eh, acho que é uma maneira muito inteligente de, eh, de acabar um bocado com lutas colectivas, a nível do, da discussão política, da, da coisa política em si, não é,. hum, hum." +Portugal/Anos 90/Bom Senso e Bom Rosto.wav,Portugal,Lisboa,F,55,1996,"e é, é sobretudo uma clientela feminina, isso nem é preciso perguntar?!. sim. não, sim, nós temos uma gama também para, para homem. eh, e já tivemos essa gama, portanto muito mais completa. mas, de qualquer das maneiras, temos uma gama, pronto, de creme hidratante para a pele, uma opção after-shave, eh, águas-de-colónia, after-shaves, mousses de barbear também, temos, embora, claro, que os produtos abundem, mais, em quantidade para, para a mulher, não é,. hum, hum. eh, na sua opinião, os, os homens não necessitam de usar produtos de beleza, como é que...?. bem, eu acho que sim. todos os homens, o, a, a pele é igual. precisamente. eu os ho[...], acho que os homens devem-se tratar. o que é, é que não está muito nos hábitos dos nossos... homens portugueses, não é,. hum, hum.. porque em França, quando eu entrei na firma, havia uma linha bastante completa de homem, onde tinham um peeling, que é um esfoliante para limpar a pele em profundidade, para retirar as células mortas, eh, pronto, pontinhos negros e depois uma máscara. e de facto era óptima. é, é, era ópti[...], eram óptimos esses produtos. só que não tinham aquela venda, pronto. hum, hum.. enfim, que a, que a Yves en[...], entendia que havia de, de ter, e eles acabaram por tirar cá no nosso país, em Portugal retiraram. hum, hum.. e em França continua a haver, é evidente, já estão mais mentalizados. isto passa por uma preparação também. que é necessária, não é,. a máscara, é de facto, é um creme. é u[...]. que se aplica, não é,. po[...], é um creme. sim. o que é, é que tem outra... função. uma máscara, pronto, é um creme mai[...], eh, eh, a máscara deve ser utilizada, tanto um peeling como uma máscara é um tratamento extra, que se deve fazer no final de semana, portanto, de oito em oito dias, para fazer uma limpeza mais em profundidade, pronto.. hum, hum.. e, e pronto. e é muito boa [...], deixa a pele muito macia, especialmente o peeling, deixa a pele muito macia, limpa os poros, vai dar origem a uma renovação celular muito mais rápida e depois a, a máscara vai dar todos aqueles elementos que são necessários à pele.. hum, hum. eh, o que é que terá feito com que os homens portugueses não se interessassem por esse...?. eh, não sei. isso há muitos factores. olhe, o, tenho a impressão que o primeiro é o factor económico, também. hum, hum.. e depois cla[...], não sei eh, eh, eu não, não sei muito bem, mas, ah...!. o factor cultural, não acha?. cultural também. sim. também o factor cultural, acho que sim, também, isso também, pois, os, eh, certos hábitos que não foi, não foi adquirindo ao longo da história, não é,. hum, hum.. os portugueses.... não, não se costuma dizer que os homens querem-se feios, como é que é?. não, isso, o homem não se quer bonito, para não ser .... sim. mas que se querem feios, sujos e não sei quê.. ah, eu não sei. não, eu na[...], pronto, a mulher evidentemente está sempre com medo de perder o seu homem, não é,. hum, hum.. e então também não o, não o, não, não lhe interessa muito estar a embonecá-lo, não é, talvez com m[...], com, com m[...], com medo, enfim, mas penso que não. eu acho que, que isso já não tem razão de ser nos nos[...], no nosso tempo. acho que não.. com medo que ele seja catrapiscado. eh.... por outra.... exacto. exacto. então! depois, dizem, segundo diz a lenda que cabe a cada homem sete mulheres, não é, veja a posição da mulher, não é verdade? não gosta de repartir, não é, isso não... sei.. e o próprio homem não sentirá que perde a sua virilidade?. não. isso acho que não tem razão de ser. acho que não. então porque é que há-de perder? pelo contrário, se ele se, se vai usar coisas que ele possa se sentir melhor, muito ma[...], enfim, eu acho que não. qual é, perde a virilidade porquê? acho que isso não faz r[...], sentido.. não. claro! eu não digo que, que f[...], que perca a virilidade. exacto.. por isso. o que eu digo é que alguns podem pensar que perdem.. é, pronto. eles podem pensar porque, pronto, ah, na cabeça deles, eh, não estão mentalizados, pronto, não estão muito mentalizados para isso, não é, eh, é tudo uma questão de educação, acho eu, e de princípios.. pois.. leva o seu tempo.. e acha que [...]. o homem hoje está muito mais aberto já, enfim, a certas mudanças, não é, que não estavam os nossos avós e.... claro!. eh, e pronto, enfim, as gerações muito anteriores. hoje o homem está muito mais aberto.. hum, hum. e acha que com o tempo essa, essa evolução.... sim, sim. eu penso que sim. eu acho que sim, que com o tempo que o homem vai... criando hábitos e vai mudando. acho que sim. mesmo hoje um homem já se interessa bastante por usar um after-shave, portanto a seguir à barba, eh, pôr uma água-de-colónia, enfim já acha es[...], que isso é um produto necessário, não é, e já por norma o homem, isso usa. agora um creme hidratante ou, enfim, fazer um, um tratamento especial à, à cara é natural, pronto, que a maior parte não estejam de facto mentalizados. eh, pronto, eh, enfim, ainda perdura assim uma mentalidade um bocadinho antiquada. mas eu penso que os nossos jovens que já estão noutra direcção.. hum, hum. e.... isso seria os, os homens antigos, enfim. hum, hum.. mais antigos, vá!. eh, talvez também porque são coisas minuciosas, estar a fazer uma máscara demora tempo.. não é, não demora nada. a máscara, eh, isso era antigamente, quando fazia-se aquelas máscaras, eh, pronto, em casa, caseiras, isso é que, pronto, a preparar, e tudo isso. hoje não! hoje está tudo, o campo está todo facilitado. é um creme como outro qualquer, que se põe na, na pele. e depois fica. a maior parte, eh, das máscaras é para ficar, nem é preciso retirar. a menos uma máscara de firmeza. essa normalmente é necessário, porque ta[...], forma uma pasta e, portanto, e estica a pele e é necessário depois, eh, nós lavarmos a cara. mas há máscaras já com as duas propriedades: de firmeza e de... hidratação que são utilizadas como um creme. não é necessário depois retirar. eh, eh, ah, a não ser que a pessoa, pronto, sinta que está um bocadinho engordurada, ou assim, pode passar um lencinho para tirar o. hum, hum.. o excesso. mas não, não há necessidade. portanto isso, não é d[...], nem absorve muito tempo. é uma questão de hábito.. hum, hum.. não é, a pessoa todos os dias lava os dentes, toma o seu duche e tudo isso. se o homem também se mentalizar que todos os dias tem que pôr um cremezinho na cara para amaciar, é uma questão de, de há[...], de um hábito adquirido. hum, hum.. hoje, que a mulher hoje já tem esse hábito, não é, sente essa necessidade. portanto, em pôr o seu baton, ou em pôr um bocadinho de base na, na cara, pôr um pó-de-arroz, pintar os olhos, hoje em dia a maior parte das mulheres já sentem essa necessidade. pronto! e, porque adquiriram esse hábito ao longo dos anos. e os homens também, acho que, com o tempo, lá chegarão. a, não, enfim, não pintarem-se, mas pelo menos a porem o seu creme. não pintarem, é como quem diz, porque enfim, os a[...], artistas pintam-se e não há mal nenhum nisso, não é,. claro. para actuarem.. sim, homens. e até mesmo os jornalistas vão para a televisão e tudo isso e a gente vê que eles estão maquiados." +Portugal/Anos 90/Bruxedos.wav,Portugal,Roalde - Sabrosa - Vila Real,M,60,1995,"ela, ela diz que gosta disto, das bruxas. é.. então não gosta. u[...], uma ocasião... saí daqui de casa eram onze para meia noite. foi, foi em Junho. aos tantos não sei, mas isto já lá vai, ai, eu estava solteiro ainda. já lá vai há. hum. pois.. sei lá! tinha para aí alguns dezoito anos, ou dezanove. há cinquenta anos, pronto.. ainda não tinha ido para a tropa e, e eu tinha deixado os bois lá em baixo ao pé do Pinhão. e depois, ali para lá de Vilela eu, há ali, havia ali um atalho para baixo que ia, ia, chamavam-lhe os Muros, quando foi às tantas, aparece-me uma cabra a berrar. e eu digo assim 'ah! que grande cabra ali anda. os pastores madrugaram hoje'. como os pastores de Verão levavam a fouce e iam, ah, que estavam os pastos secos, iam cortar, eh, folhas aos castanheiros, aquelas pernadas, que era para o gado comer. ora bem, aquilo foi-se amarrando, amarrando, amarrando e eu... digo assim 'ai! que cabra tão, tão bonita, se a agarrasse tenho lá em baixo a camboada, prendia-a lá e já, e já tinha uma, uma, uma cabra', eu assim. ora bem. [...]. quando, quando ela foi-se amarrando a mim, amarrando a mim e eu olhava para trás, olhava para trás. quando está[...], está[...], havia ali uma fraga muito com[...], muito ao fundo e, e eu olhei para a frente, para descer a fraga, para chegar ao caminho largo, e olhava para trás. ela vai de trás, pimba! prega-me uma turra. e eu conforme pregou a turra viro-me para trás [...] não era nada, ela fugiu, olhe, quantos pinheiros, quantos castanheiros havia [...] baixo caiu tudo abaixo. era uma fim do mundo. caía t[...] abaixo tudo rrr, digo assim 'ih Jesus, Maria'.. caía porquê?. não caiu nada. era o barulho. ah!. era o, era o barulho que aquilo fazia. quando foi. [...]. quando foi.... muito obrigada.. [...]. quando foi que cheguei. muito obrigada, Deus lhe pague.. quando cheguei à quinta, o caseiro, à noite cozía-me lá as batatas, fa[...], dava-me a sopa, eu andava lá a acartar so[...], solipas, travessas para as linhas do comboio - não sabe onde, q[...], onde a. sim, sim, sim.. as linhas do, do. assentar.. aquelas coisas de pau que se assentá[...], que, onde assentam na, as linhas, eu, a[...], eu acartei muito disso. à noite, quando foi à ceia, digo assim 'ó tio Afonso, carambas, hoje, hoje é que vi uma cabra, tão linda, lá em cima, no, no atalho do cemitério de Vilela'. e diz ele 'era uma tal cabra!'. 'então, e então ela berrava, ti[...], tinha os chifres como uma cabra, e tudo, aí, ah, ainda me pregou uma turra' 'e não tremeste? foi, foi o que, o que te valeu'. pronto! era o diabo, sei lá. sei lá se era o diabo. bem, quando venho para cima estava tudo de pé na mesma. não, não caiu nada abaixo.. sim.. mas eu f[...], eu fui logo para trás com uma pedra na mão, eh, ela botava para aí alguns cinco quilos, a pedra. e levava uma vara dos bois, des[...], destas varas enferradas como já, como já mostrei há b[...], bocado. sim.. mas a vara parecia-me tão leve! peguei numa pedra, fui logo para trás, logo para trás, e aí eu depois fui-me embora. nunca, nunca mais vi nada. quando era que, hav[...], tínhamos aqui umas encruzilhadas, eh, uns caminhos que uns davam para São Martinho, outros davam Sorados, davam para aqui, e depois, de Verão íamos carregar de madrugada o, pinheiros ou cavacos ou rama ou estrume. os meus irmãos iam no carro, e não viam nada e eu adiante dos bois via a, via as bruxas, de branco a, a dançarem o fado, para aqui, para ali, e para além e, e eles não as viam e eu, e eu via-as. deixá[...]. [...]. deixavam aos molhinhos de palha assim, no, nos caminhos com uma, com umas chocolateiras que a gente diz que era feitiços, sei lá! hav[...], havia, havia muito.... mas como é que eram?. muito disso. eram, eram, aquilo nem que a gente, se quisesse amarrar aquilo, aquilo, desfazia-se. diz que eram, diz que eram as bruxas, sei lá! eu, eu, eu, aquilo nunca, aquilo não fazia mal nenhum a ninguém. o que é, se pudesse enganar a gente, enganava. duma vez, saí daqui com os bois e mais um irmão meu aí de cima, desse portão, e quando chegámos ali a uma mata, os bois desapareceram e nunca mais os vimos. e levavam a chocalhada. e a chocalhada parou de tocar e, e viemos a casa buscar os fachoqueiros, corremos aquela mata toda - era uma mata aí adiante, basta - e não se viam os bois. quando, quando depois tant[...], tanto andámos, tanto andámos, lá fo[...], fomos dar com os bois em cima ao, ao caminho e depois elas começavam-se a rir. riam-se, mas a gente só ouvia rir e fu[...], e iam-se embora, não se via era mais nada. e não faziam mal nenhum a ninguém. lá agarrámos os bois, apusemos ao carro e fomos, e fomos embora. doutra vez, ia a chegar ao Pinhão, com um carro de, de, de feno, e um irmão meu ia em cima, deitado. e elas soltaram-me um boi, ficaram as sog[...], as, as bolsas da soga na molhelha e caiu a molhelha ao chão e, e ia as sogas às voltas, conforme o meu irmão [...] assim, assim estavam. elas faziam qualquer coisa. quando foi co[...]. espantoso!. a, a molhelha ficou debaixo do carro e ia o, e ia o, o carro parou. diz o meu irmão 'o que é que foi?' 'eu sei lá! o boi está solto'. ele desceu para baixo, começou às carvalhadas, saiu de lá um melro do, duma, dumas, dumas silvas 'tutchu, tutchu, tutchu'. era, eram, eram elas. elas faziam coisas que era uma coisa por demais.. aí transformou-se em melro.. [...] era um melro! mas o meu irmão depois dizia carvalhadas para lá a torto e a direito. assim, ai embora, mas a mim, a mim aconteceu-me muito disto. muito, muito, muito.. engraçado!. engraçado!. diz que, diziam que quem, quem encontrasse as bruxas que lhe faltava a palavra do baptismo." +Portugal/Anos 90/Vida de Estudante.wav,Portugal,Porto,F,47,1995,"não acha que, de um modo geral, a miudagem já não est[...], eh, em todos os aspectos da vida, não, não quer grandes sacrifícios? não é só no estudo. são.... mas exigem, exigem-se-lhes muitos sacrifícios, eu acho, hoje.. acha?. acho, acho. então, eh, nos complementares, naquilo que se chamava complementares, e no décimo segundo ano sobretudo, eu acho que é uma exigência brutal, m[...], brutal. . em níve[...], a nível da matéria, dos programas?. matérias, de, e falta de tempo, muita coisa para estudar, pouco tempo, e eles não têm, não conseguem viver nada que diga respeito à idade deles. eh, eu tenho uma filha, por exemplo, que está no décimo segundo ano, e que eu ontem fui almoçar a casa de uns amigos, e ela ficou aqui a estudar. e tem sido isto sistematicamente, todos os fins-de-semana. porque durante a semana não têm tempo para estudar, porque têm um currículo muito pesado, em termos de horas, e o que acontece é que durante a semana não têm suficiente tempo, depois têm testes, têm que estar preparados para os testes, acabam uns começam outros, e a verdade é que eles não têm tempo absolutamente nenhum. é uma adolescência estúpida, porque eles não vão ao, não podem ir a lado nenhum, não têm tempo para, para se dedicar a, à música - ela, por exemplo, andava em piano teve que deixar, andava em ginástica teve que deixar - não há tempo para nada. o que eu sinto é isso.. hum.. que eles p[...], passam a, a sua juventude a estudar, agarrados aos livros, assim em cima de uma mesa, e não fazem mais nada. a[...], aqueles que se aplicam, claro.. claro.. sorte a dos outros, se calhar, que não se aplicam.. pois. e quando é que eles vão viver a sua vida...?. não sei. não sei. realmente acho... que está, está-se a exigir demasiado de, desta gente desta idade.. hum, hum.. não se, se depois na, na universidade se as coisas continuam. ui!. como no meu tempo, se pioraram, não sei.. penso que continua a ser [...].. eh, só sei é que realmente se está a estraga[...], e[...], eu olho para eles - claro que eu não vou dizer isto assim, à minha filha posso dizer, porque ela é muito responsável, mas a verdade é que não se pode dizer isto aos miúdos de quinze, dezasseis, dezassete anos - mas a verd[...], mas sinto que eles não vivem nada que diga respeito à adolescência. eles não podem ver televisão porque os pais mandam-nos para a cama, porque de manhã têm que se levantar às sete e um quarto, depois passam o dia inteiro nas aulas, chegam à noite, eh, não têm tempo, como digo, para fazer, ah, qualquer actividade extra-curricular.. nem sequer para conviverem. é o que eu sinto. com os pais, não é,. sim. eu cruzo-me poucas vezes até com a minha filha, a não ser à noite.. pois.. é isso que eu sinto, que, que, acho que têm muitas disci[...], demasiadas disciplinas, penso eu.. e tudo isso em nome de, de se prepararem para vencer na vida, não é,. é verdade. vencer na vida, ao fim e ao cabo é para, só para, para ter possibilidades de um dia vir a ganhar dinheiro, empata-se toda uma adolescência, toda uma ju[...], uma juventude, para se começar a trabalhar já tarde, não é, porque é. pois.. já tarde, e se calhar nem sequer emprego ter.. pois. muitas vezes acontece isso também.. então esta, esta geração agora vai ter muitos problemas, penso eu.. pois. só os muito bons é que vão... arranjar alguma coisa com mais facilidade, não é,. se calhar. mas mesmo esses... depende dos cursos que também pretendem ir.. hum, hum.. mesmo os muito, os chamados muito bons ainda depois terá que haver, eh, os ainda me[...], melhores, melhores que os bons.. pois é. e depois as entradas nas universidades são complicadas também.. sim, e eu penso que aqui em Portugal, pelo menos - não sei se nos outros países sucede a mesma coisa - mas parece-me que é muito injusto, ah, algumas coisas que estão a suceder, que é o facto dos alunos que frequentam colégios particulares, eh, conse[...], conseguirem, eh, alcançar médias que nunca conseguiriam alcançar na, no ensino público. e isso faz com que eles ocupem, eh, primeiro, as vagas que deveriam ser ocupadas por efectivamente aqueles que se empenham mais.. pois.. e isso verifica-se aqui, por exemplo, no Porto, eu tenho alunos que... são capazes no segundo período de estar chumbados a quase todas as disciplinas, vão para o colégio, na, matriculam-se portanto na Páscoa no colégio, passam e regressam às, ao liceu à, que não é liceu, não se chama liceu. pois.. actualmente, aqui é. pois.. aquilo é quase como se fosse um liceu. pois.. à escola secundária. e regressam e, depois no ano seguinte é a mesma coisa, e chegam lá, voltam a passar, e, e depois no décimo segundo então frequentam mesmo o colégio, tiram as notas necessárias e suficientes para entrar num. pois.. curso qualquer e, e realmente vão ocupando as vagas que os outros mereciam.. portanto isso leva-nos a um problema interessante, que é o problema da avaliação, que deveria ser, se calhar, de âmbito nacional, e não.... eu acho, mas, mas o problema é que, dá-me, o facto de ser de âmbito nacional, quem é que corrige?. equipas nomeadas. pois, não sei. porque também o facto do teste ser nacional não significa que depois eles sejam avaliados da mesma maneira.. pois. antigamente como é que se procedia, no caso dos colégios? iam fazer aos liceus, os exames, não é,. iam, iam.. era isso que devia acontecer, não é,. mas mesmo assim, como a classificação - que eu acho correcto que a classificação final entra com a média das frequências.. claro.. mas a frequência, essa nota da frequência é dada p[...], na então, no sítio onde eles frequentaram. portanto automaticamente está viciada.. pois está.. porque mesmo que haja um teste a nível nacional, eh, se cinquenta por cento da, da nota entrar com a frequência, automaticamente está outra vez viciada.. sim. mas se o aluno for realmente muito mau chumba e... portanto não serviu de nada a média que ele tinha do colégio, não é. se ele tem quatro ou cinco no exame de nível nacional, eh, bem pode ter catorze ou quinze de média, não é, porque chumba.. bem, nã[...], eu, há uma, uma, uma... fórmula de avaliação final do décimo segundo ano, que neste momento não tenho presente, mas, eh, que, que realmente me parece que os alunos, eh, do ensino público estão sempre um bocado em desvantagem em relação aos do ensino privado. e a prova é que eles vão todos p[...], quando estão mal, vão para os colégios. por alguma razão é.. portanto, não é justo.. por alguma razão é, não é." +Portugal/Anos 90/Um Meio Pequeno.wav,Portugal,Angra do Heroísmo - Açores,F,28,1996,"e, e portanto esses conjuntos que tu dizes conjuntos de baile significa que aí, por essas freguesias fora, as pessoas já não ouvem aquelas modinhas de antigamente, de.... ah, já não, não querem e, pronto, os conjuntos que existem cá todos eles tentam estar sempre, eh, em cima do, do top e aprenderem a, os primeiros classificados, aprenderem da melhor maneira para agrad[...], para agradarem ao, aos jovens que vão ouvir, já também não se vê as, as senhoras velhotas a irem... a, ao, a, por exemplo, quase sempre os concer[...], os concertos é na Segunda-Feira à, à, à noite. hum, hum.. já não são as senhoras que se vão sentar à frente da cadei[...], com a cadeira à frente do, do palanque, já é os jovens e, e pronto.. isso sugere que actualmente há uma diferença pequena entre a juventude de, de, digamos, do campo, das freguesias e a juventude da cidade, não é,. há uma diferença muito pequena porque, pronto, a maioria qu[...], qu[...], quase, quase eles todos estão a estudar na cidade, passam praticamente o dia, vêm de manhã vão-se embora já por cinco, seis horas e pronto, o tempo que, que passam nas freguesias rurais é para dormir ou. hum, hum.. ou, ou, ou estudar, estão fechados dentro de casa, pronto, a diferença é mínima.. pois, porque numa fre[...], freguesia rural, a um jovem que está a estudar, oferece poucas coisas, não é,. pois. muitas poucas. não deve haver nada até s[...], não s[...], não sei, não estou a par disso mas suponho que o, a casa do povo não, o que é que a casa do povo deve ter? uma antena parabólica para se ver televisão... de fora e pouco mais, sim.... e achas que as pessoas nas freguesias vêem, eh, programas de televisão de f[...], eh, estrangeira?. ah, como novidade, eu suponho, eu tenho passado, quando passo assim pelas freguesias e olho para as casas do povo vejo sempre uma antena parabólica, logo, suponho que. hum, hum.. que eles tenham uma antena parabólica e ve[...], e, e devem ver, eh, eu suponho que, por uma questão de curiosidade, pelo menos, eh, mal se pôs a antena parabólica devem ter ido lá ver, não?. pois! porque as pessoas não percebem. sim, sim.. depois, não é,. às vezes também é um erro, não percebem, eh, algumas percebem, não é,. algumas.... precisamente esses jovens que estão a estudar percebem, pois.... a estudar percebem. exactamente. e por outro lado também, desafios de futebol, não é,. ah, sim, isso então enche tudo, que é casas do povo, cafés, bares... . hum, hum.. é, é.... portanto, digamos que aquela diferença entre a cidade e o campo está-se a esbater.... ah, absolutamente! acho que sim. ma[...], e mais a mais, pronto, jovens, eh, sabendo precisamente isso, os jovens do campo querem-se parecer mais com os jovens da cidade, apesar de isso não ser nenhuma vantagem, nem ser nada de.... hum, hum.. de bom, mas, para não, para não se[...], precisamente para não serem apelidados de jovens do campo, então.... e.... imitam os outros. hum, hum.. o que também não é bom.. e também não é bom. e tu achas que actualmente, eh, continua a ser melhor morar em Angra de que no campo, visto que os do campo têm acesso a isso tudo, eh, morar no campo, morar na cidade, o que é que isto te diz, esta dicotomia? . não. morar na cidade? morar na cidade é bom porque temos acesso a muitas mais coisas, basta sa[...], sai-se de casa e está-se em tudo onde se quer ir. agora, talvez seja mais calmo e, e mais repousante morar no camp[...], morar no campo, mas aí é que está, tem que se ter transportes também à mão, não é,. hum, hum.. por exemplo, um jovem, o jovem que não conduza... tem que estar dependente de, de, de urbanas e. hum, hum.. de camionetas, de carreiras.. eh, e agora uma questão bastante pessoal: eh, para uma jovem como tu, o que é que uma cidade como Angra pode oferecer?. eu, eu, eu estive, eu estive na Bélgica há, em oitenta e seis, oitenta e sete, com dezoito, dez[...], dezoito, dezanove anos, quando vim para cá odiava isto. porque não tinha nada, não havia nada - apesar de eu na Bélgica estar numa aldeiazinha, coitadinha, de três mil habitantes, que também não tinha nada mas tinha tudo o resto ao pé - eh, então odiava Angra. 'quero-me ir embora, não gosto', não sei quê. agora espanto-me a olhar para Angra e a gostar. às vezes saio e olho para as, ah, tão giro, tão bonito, uma cidade tão linda e, eh, por isso acho, precisamente que ela o[...], oferece-me tudo o que eu quero. pronto, em aspect[...], no aspecto de lojas, de s[...], no, negócios, de comércio, tem tudo.. hum, hum.. agora não há nada que Angra não, não tenha. eh, em aspec[...], pronto, para se def[...], para divertimento, também tem tudo, tem, está bem que tenha pouco de cada coisa mas... tem discotecas, tem pubs, tem, eh, por isso, eh.... e profissionalmente falando, saídas profissionais?. ah! profissionalmente falando! pois! no meu caso, que estou no jornal, claro, aí está! surgiu agora a hipótese de entrevistar os, os Extreme, mas isso é uma hipótese que surge... de cinco em cinco anos, se é que surgir! de vez em quando pela san[...], pelas sanjoaninas principalmente, vêm cá grupos de, mais grupos de fora. hum, hum.. dois ou três. aí já há mais uma hipótese. hum, hum.. de eu fazer umas entrevistas. durante o ano, claro que não há muito trabalho. e aí está: é uma das desvantagens, se eu por exemplo, se estivesse em Lisboa, já tinha entrevistas todas as semanas, não é,. hum, hum.. aí, neste campo, nesta profissão, é, é pena, de facto!. e nos momentos em que tu tens poucas entrevistas a fazer então r[...], fazes trabalho... de gabinete.... sim, sim, sim. pois, eu estou no jornal a trabalhar nos computadores também. hum, hum.. precisamente por não haver material suficiente para me manter ocupada o ano todo.. hum, hum. e tu achas que é mais excitante fazer as entrevistas?. ah, absolutamente, credo! claro, sem dúvida! dá mais trabalho mas, mas é muito melhor.. sim?! porque... aprendes coisas novas ou p[...]. sim, porque olh[...], eu o que eu mais gosto é... c[...], música, cinema, literatura. hum, hum.. e, eh, e pronto, faço também os, o cinema, a crítica de filmes e, eh, mas qual era a pergunta? eu entretanto esqueci-me.. não, porque é que tu achavas que fazer as entrevistas era mais excitante, se era por aprenderes coisas novas.. ah sim! por aprender coisas novas, por contactar com, pronto, já não tenho idade para isso, mas com os meus ídolos, entre aspas." +Portugal/Anos 90/Jogar Futebol.wav,Portugal,Faro,M,20,1995,"portanto, pertences a um... grupo de futebol, tens os treinos mais ou menos diários, é?. sim. normalmente. depende de, vá, da qualidade do clube, do cal[...], da qualidade do campeonato que está a disputar.. hum, hum. hum, hum. e esse treino, portanto há uma parte que é mesmo igual para todos, então, não é?. é. há o treino conjunto, que é. ah, pois. [...]. pois, futebol. e há o treino técnico específico, que é jogadas ensaiadas, tipo livres, directos, cantos, e depois há outro treino técnico mas... de, da própria técnica em si, tipo, aquilo que eu lhe disse há bocado. sim. fintar. hum, hum.. receber a bola, rematar.. normalmente, eh, quantas horas treina por dia um jogador?. profissional? da primeira divisão?. ao nível a que tu jogavas?. ah, p[...], a nível a que eu jogava, pouco. uma vez, du[...], de dois em dois dias, para aí, duas horas.. duas horas de dois em dois. mas um jogador do Benfica ou um jogador profissional. hum, hum.. da primeira divisão treina quatro horas por dia, ou cinco mesmo. duas e meia de manhã, duas e meia à tarde.. é duro!. é duro.. e chato também, com certeza, não?. sim, não, um gajo faz o que gosta, é sempre bom.. eu penso que, ah! mesmo fazendo o que se gosta há partes que são chatas.. ah, claro! eu, por exemplo, gostava muito de jogar futebol, mas, se jogava ao Domingo à noite, [...] ao Domingo de manhã aliás, Sábado à noite não ia sair. prontos, é logo aquela, mas pronto, não ia sair. e depois há os esfolões, as feridas, eh, aquelas coisas todas. mas prontos isso... a gente está no chão todo esfolado, vê a bola a passar, levanta-se logo e pronto. passa logo tudo.. mas, portanto essa história de, de, de mu[...], de na véspera de jogar não poder sair é chato, não é,. é um bocado.. e es[...], e a juventude mesmo assim reage... e ultrapassa.... ah! depende, claro. isso só depende de cada um, não é, até há jogadores no Benfica e no Sporting que não, que não ultrapassam, e saem à noite, e vão às meninas, e... discotecas. mas prontos, nunca rendem o, não é,. estás a pensar na história recente . do Sekouravi.. bom. pois. mas, no meio disso tudo, desse trabalho duro, creio que numa equipa, eh, e é isso que, que eu acho que é interessante, se desenvolve um espírito muito especial, não é,. ah, claro. uma pessoa conviver, não é, todos os dias com o mesmo grupo, depois ainda por cima é tudo homens, não é,. hum, hum.. aquilo é, prontos, mais ou menos um desporto de homem, prontos, eh, conversas de homem, aquelas coi[...], aquelas cumplicidades, e prontos, cria-se sempre bons ambientes, bem dispostos, normalmente.. bom, e aí há uma questão interessante, que é normalmente diz-se que o elemento feminino num grupo que, que equilibra.. sim, se calhar sim.. mas, n[...], em contrapartida, eh, nesse, nessas situações em que só estão homens há um ambiente muito especial que se desenvolve.. é, muito especial. claro.. e que não precisa de ser equilibrado, não é,. pois, acho que não. pois, que cada um... é, é, é mais, é mais, são mais expansivos quando é só homens, não é, mas isso é normal.. portanto, no fundo não é preciso... o elemento feminino para equilibrar, como se diz então.. sim, numa equipa de futebol, julgo que não será. não, mas há muitas mulheres que gostam de futebol e.... eu sei. eu sei que há muitas mulheres. fanáticas [...]. mas normalmente as equipas não são mistas.. não, não. não há equipas mistas.. pois.. há futebol feminino, mas não há equipas mistas.. pois. penso que neste momento é um problema sério, que começa a.... não mas, eh.... a levantar-se.. devem ser poucas, prontos, mulheres atletas para jogar futebol de competição com, o futebol é um desporto rijo!. achas que as mulheres não.... costuma-se dizer que não é para m[...], não é para mulheres o futebol.. é?. o futebol não é para meninas. quando um jogador se queixa 'ai, ai! e tal, ele bateu-me'. 'o futebol não é para meninas'. mas, prontos, entretanto, é um jogo duro.. é um jogo duro. mas há mulheres que são muito resistentes.. mas, acho que sim, está bem, mas um jogador sente sempre, não é, fazer uma falta a um gajo ou fazer uma falta a uma mulher é sempre, não se sente bem à vontade. ou se está uma mulher à baliza, não é, a gente não vai mandar um bojardão sabendo que pode acertar na cabeça da mulher [...]. olha, eh, numa equipa de futebol, eh, tu muitas vezes encontras ali jogadores que são... praticamente analfabetos, não é,. sim.. como é que, que os teus, que as tua[...], os teus laços de camaradagem se vão desenvolver com um tipo que é completamente analfabeto? qual é a capacidade de diálogo que vocês têm?. oh, prontos, bem, se vamos falar de cultura, claro que não é a mesma, não é, mas... os diálogos. eu estou apenas a fazer perguntas, não.... pois. nos diálogos no futebol baseiam-se muito na, pois, conversa de homens, tipo de mulheres e 'viste aquela', 'é muito boa!' e tal, aquelas coisas, e depois conversa sobre o jogo e sobre o treino e 'vê lá se jogas mais assim e mais assado', nunca entramos em discussões filosóficas, não é, sobre cultura geral porque normalmente não, os jogadores de futebol não são muito para aí virados. mas não digo que não haja. deve haver.. achas que.... uns mais espertos que os outros, claro. há jogadores de futebol com, licenciados.. pois. normalmente têm-se a ideia que jogador de futebol igual a analfabeto, não é,. sim. não é bem assim. um jogador de futebol para ser muito bom tem de ter... uma personalidade, prontos, não digo cultura, mas uma grande personalidade. " +Portugal/Anos 90/A Juventude Ontem e Hoje.wav,Portugal,Braga,F,82,1995,"naquele tempo não, não, não se andava muito ah, ah, sozinho, era, tinha de ser. isto, já está a ver, há sessenta e tal anos. eu estou com oitenta e quatro, faz favor de ver.. eh, eh, disse que naquele tempo não se andava muito sozinho. não.. ao contrário do que se passa hoje, não é,. oh, oh, hoje é uma desgraça. só, as, os pequenas - tenho uma sobrinha-neta que aos catorze ou quinze anos já queria, sei lá, andar sozinha, não queria n[...], era de noite e de dia, tudo mais, já sabe como é. elas agora entendem que a, que a liberdade e a felicidade que se constrói assim mas... está bem.. e acha que os pais actualmente podem fazer alguma coisa?. não podem, porque q[...], se quiserem prender em casa, estragam tudo. porque eles vão, encontram-se uns com os outros 'ou o teu velho faz assim, o teu velho faz assado, eu não ad[...], eu não admitia isso, eu fugia', até a[...], aconselham isto. portanto, os de fora, se todos se, se reunissem e fossem homoge[...], uma, uma educação homogénea, não! mas não é. porque cada um o que se quer é ver livre dos filhos. não se preocupam com o futuro deles. preocupam-se com o bem-estar deles e que tem a sua fa[...], eu bem sei que agora a, a altura também não é para brincadeiras. o pai trabalha, a mãe trabalha, os filhos ficam abandonados, não é, eles lá já se habituam a preparar os seus alimentos, etc., etc., tudo coisas que no meu tempo nunca acontecia, não é, e enfim, a, a, a mentalidade agora é diferente porque também a vida é completamente diferente da que eu fui criada.. claro.. completamente diferente. de maneira que, olhe, temos de s[...], de andar com os tempos, mas olhe que escandaliza muito. esc[...], é verdade.. faço ideia. faço ideia.. escandaliza, escandaliza. lá, olhe, na, na, no meu tempo, Deus me livre. então! nós, as festas do Carnaval e tudo o mais fazíamo-las no colégio. de maneira que vestiam-se umas de rapaz, outras de raparigas e faziam os bailes, etc, etc, as que fossem mais magrinhas era, eram rapazes, as que fossem mais rechonchudinhas eram meninas, olhe, e nós éramos felizes, no meio daquilo tudo éramos felizes. mas... enfim. não tínhamos as aspirações que agora têm estas meninas agora, não, não.. e na sua opinião, como é que isto vai evoluir para o futuro?. eu, eu não sei. olhe que, preocupa-me muito isto. porque daqui, mas também digo: as telenovelas brasileiras têm tido grande influência nisto. eu acho que, ou, eu não sei, o senhor doutor não se perde com as telenovelas mas, nós agora, entretemo-nos. eu vejo que não há rapariguinha nenhuma de treze, catorze anos que sim, que seja enfim uma, uma, uma rapariguinha s[...], s[...], s[...], direita, séria. e estão mortinhas por, por conhecer toda a vida etc, etc. ora isto, as de cá também vêem isto. claro.. e acham que é tudo muito natural. e é porque é natural mesmo. agora nas nossas universidades é, é, é, é o que, é o que se sabe, não é,. pois é.. tem grande influência, também, isso tem, porque se a, se o, se as... telenovelas tivessem um, enfim, um, antes de serem exibidas, se, se as fiscalizassem e etc, etc, ajudavam muito a modificar isto. assim não. vamos cada vez para pior.. para pior.. vamos cada vez para pior. infelizmente, mas, mas vamos, vamos.. mas eu estou convencido que... nem sequer no Brasil a vida é como as telenovelas mostram.. ora é isso. eu também estou convencida. mas fazem muito mal.. pois.. fazem mal. porque eu quantas e quantas vezes eu digo ao meu marido 'é impossível que seja tudo assim, porque isto, isto é uma pouca vergonha. tanto faz casados como solteiros, como miúdas, como miúdos tud[...], tudo aquilo, tu[...], tudo, é mesmo, só, só pensam em, em sexo e porcarias e... é só na te[...], naquilo. aquilo é, tem de ser. porque se não, pronto.. este hábito que as, que, que a juventude tem de tratar os pais por os velhos.... pelos velhos, os meus velh[...]. concorda com essa maneira de tratar os pais?. mas isso é brasileiro. isso é brasileiro.. acha que sim?. os velhos. é, é. eles t[...], na, na televisão cá vem ele 'ai o meu velho faz assim, o meu velh[...], o meu coroa, o meu velho', é tudo isto assim.. acha bem essa maneira. não!. dos filhos se dirigirem aos pais?. não. e tratá-los por tu, ainda menos! esta trata. os outros dois não. esta é mais atrevida. mas, mas a, mas os outros dois não. e eu nunca lhe dei licença de tratar por tu. até o neto agora também que a mãe na[...], trata, o neto também trata, o filho dela. mas não gosto porque perdem um bocado do respeito. não gosto não, não gosto.. portanto acha que os seus outros filhos r[...], a respeitam mais que a s[...]?. muito mais, muito mais. nunca, nunca nos tra[...], nem um nem outro. sentem muito, muito medo.. sim. mas.... é, é.. se calhar, isso, não é isso o mais importante, não é.... não é o mais importante mas olhe que tem influência. tem, tem. os outros dois são mais respeitadores do que esta. estou pro[...], pr[...], dá o sermão no[...], logo aos pais c[...], por menos de nada. e, e os outros não fazem isso.. é a mais nova?. é, é, é, é por isso, é. é a mais nova, é a única rapariga e, e, pois o pai... tinha sempre um fraco pelas meninas, depois sempre nasceu esta e... enfim. foi, foi mais... mal educada.. acha que as meninas dão mais trabalho a educar do que os rapazes?. eu hoje dizia que antes queria três, três filhos do que um fi[...], dois filhos e uma rapariga. a rapariga dá sempre mais canseira. mais canseira. é mais difícil. mas... também há, há ca[...], há alguns casais, também já tenho encontrado alguns casais que dizem que são mais felizes com as raparigas, principalmente no estudo.. hum, hum.. que são mais cuidadosas que o rapaz, que os rapazes. esta não foi. esta não foi assim muito, não. aquilo foi mais obrigada senão.... [...]. Deus me livre! mas o, o, os rapazes também lá deram conta de si, vamos, mas, mas est[...], mas esta também deu, mas, mas foi mais um, à força. mas, ah, mas eu, nesse ponto não tive essa sorte. mas, há, há pessoas, há casais que nos têm dito 'ai, as meninas são mais cuidadosas, são mais aplicadas, são assim, são assado', está bem, pronto. que seja assim mas eu p[...], por mim não reparei assim muito lá, cá, comigo.. mas não acha que agora dá mais apoio, se calhar, que os irmãos, não?. sim! agora está aqui. ah!. na, mora aqui pegado mesmo. hum, hum.. e assim. agora está bem. bem, mas, eu digo no, no tempo em, de meninas, dos meninos.. claro.. era muito refilona, muito refilona.. a quem terá saído?. não sei. a mim não. ai, não, não, não, não. não, não, não! [...] já viu, a força dela?!. [...]. é, é, a mim não saíu não, que eu, eu, eu tratava a minha mãe - ai meu Deus - se a minha mãe me ch[...], quando a minha mãe me cha[...], chamava 'ó dona Adília' eu já não sabia de, 'que virá por aí?' e nunca a tratei por tu, nunca na vida. e d[...], quando ela me chamasse com aquelas senhorias todas eu desconfiava logo que havia mouro na costa. mas... não, não. nós também estávamos pouco tempo com ela. mas mesmo assim.. a sua mãe era professora?. não, não era.. ah, desculpe.. era doméstica. era doméstica.. era doméstica.. o meu pai é que era. [...]. tesoureiro da câmara, n[...], em Lourenço Marques." +Portugal/Anos 90/O Linho.wav,Portugal,Ponta Garça - Vila Franca do Campo - Açores,M,62,1996,"semeava-se, eh, as senhoras co[...], conhecem a semente do linho, não conhecem?. sim.. é uma sementinha muito miudinha, não é,. linhaça.. é uma lia[...], tratam de linhaça, que é a semente, que até é muito, diz que é muito bom para deitar em vistas quando, quando está inflamado e que no tempo a gente deitava, na nossa casa deitava-se, se tinha alguma coisa dentro aquilo no out[...], a gente deitava um grãozinho daquilo e aquilo limpava a vista, tirava tudo para fora. aquilo semeava-se na terra, um bocadinho de terra daquilo, não é, aquilo crescia, não é, bom, quando estava assim grandinho, aquilo era mondado. tirar aquela erva que não e[...], que não era boa, para o li[...], para o linho crescer. as mulheres, raparigas iam mondar aquilo, nem sequer os homens mondavam. era, se tinham tempo os homens também ajudavam a mondar, mas quase sempre era raparigas que trabalhavam nisso. ele crescia mais um bocadinho, não é, crescia. é, o linho era, com rapazes outras vezes e as raparigas, era todo amassado, debulhado, todo, am[...], para ele amassar. [...]. para ele tombar. para ele ficar tombado, a dormir para ali. ficava ali. e ele dali é que se punha em pé outra vez. chegava à fim de muito tempo ele ia-se pondo em pé. até ele espigar e dar a semente outra vez. chegava a altura da semente estar cheia, as pessoas arrancavam o linho e, ah, traziam-no para casa. havia um ripanço - a senhora, não sei se sabem o que é um ripanço. [...]. com uns dentes assim de ferro, sim senhora. encostavam-lha, encostavam aquilo num banco. calça-se a uma pedra.. calçavam duas pedras aqui que eram pesadas para aguentar o banco, calçavam o, o ripanço atrás com uma pedra, também pesada, não é, e as mulheres ripavam aquilo. para, para a semente cair toda, para, para tirar a semente, para o ano ter semente outra vez. depois do linho estar ripado, o linho era estendido em currais de reses, que havia muito curral de reses. [...]. nout[...],num lugar duro, num lugar, não é, na, na terra. num lugar fir[...], num... chão duro. e aquilo estava para ali a secar. acabava de secar, estava ali uma temporada a secar, não é, acabava de secar, o linho ia para o forno. as mulheres coziam pão, e o linho entrava para o forno e coiso, depois de tirar o pão, o forno quente. pois, pois.. aquilo estava tudo em manchinhos, para o forno a secar. acabava de, de secar bem. quando ele estava bem seco, havia aqui nesta casa de meu sobrinho, que é aqui, nessa entrada dessa canada havia ali um, umas pedras do mar, que era de amassar o linho. com a ajuda das mulheres todas ali, que aquilo e[...], estava sempre pedido, quando um acabava entrava outro, aqui essa casa, a minha madrinha tinha isso ali. era o lugar de, de ma[...], de amassar bem o linho.. com quê?. com uma maça, com uma maça de madeira, eu te[...], ainda tenho lá uma em casa, também. as mulheres lá am[...], amassando aquilo bem amassado, acabavam de amassar o linho, o linho entrava outra vez para o forno. ia outra vez ao forno e do forno ia para as pastagens. se[...], ah, estendiam nas pastagens, depois do pasto est[...], ter, ta[...], estar comido, não é com erva grande, é quando, ah, as vacas acabavam de comer o pasto, as mulheres pediam aos lavradores 'homem, tu podes-me deixar estender linho no teu pasto, e assim, assim', ele lá deixava. estendiam aquilo tudo. havia temporadas de vento, que às vezes enrolava aquilo tudo para os cômoros, para as barreiras, alarg[...], era só dizer a elas 'o linho está para ir, vocês vão ver o linho que aquilo estava tudo lá pa[...]', lá as pobrezinhas, juntar aquilo outra vez, para deitar aquilo tudo. quando a erva pegava bem no linho, é que o vento nunca mais levantava.. pois.. aquilo estava ali uns tempos outra vez em [...] e traziam o linho para baixo. ah, lá l[...], l[...], linho para baixo outra vez para as, havia outras mulheres que trabalhavam no linho, que era... gramar o linho.. [...]. com a gramadeira, gramar o linho. depois do linho gramado ia pa[...], para as costas de uma cadeira, para a tasquinha, para tasquinhar o linho.. que era para tirar o quê?. eh, para pôr o linho fino. . pois.. a tasquinha é que tirava aquela folhada toda do linho, aquilo tudo que não prestava que ia fora. e ficava aqueles cabelos, f[...], aqueles cabelos fininhos, muito fininhos, bem tasquinhado, a mulher estava nas costas da cadeira e com uma tasquinha, que era como uma espada de, tudo em madeira. pois.. sempre a dar-lhe e dava, viravam aquilo para um lado e para o outro, tasquinhavam aquilo muito bem tasquinhado. depois de ter bem tasqu[...], eh, tast[...], eh, eh.... tasquinhado.. tasquinhado, ia para os teares, para, ah, ah! havia . [...] havia. ainda havia uma roca.. as mulheres que fiavam.... as mulheres que fiavam, com a, com saliva da boca e estavam com a roca fiando com um fuso. enrolavam aquilo, quando aquilo estava em fio. fazer linhas, para fazer linhas.. fazer linha, é, é que aquilo ia fazer obra." +Portugal/Anos 90/Saber Vender.wav,Portugal,Porto,F,46,1995,"bom, diz que vende artigos de... . decoração.. decoração. portanto esta época agora é uma época de grande ocupação para si, não é,. imensa. não há horas, não, só há um Natal e... tem que se aproveitar esta altura do ano para... deitar cá para fora os produtos.. eh, é também cansativo, não é,. bastante. em Janeiro descansa-se.. pois. eh, o que eu lhe ia perguntar era o seguinte: eh, portanto isto começa a preparar... muito, com muita antecedência, não é verdade?. eh, nós começamos a apresentar... artigos de Natal em Setembro, princípios de Setembro.. e para isso teve que os adquirir ainda antes, não é,. eh, pois. primeiro são importados, eh, e depois fazemos feiras a nível, no Porto e em Lisboa, apresentamos os produtos aos nossos clientes. clientes - só lojas.. ah!.... que revendemos... para as lojas.. para as lojas. portanto não é uma coisa de, de venda directa ao público?. não, e depois eu tenho as minhas lojas onde vendo directamente ao público.. sim, já estou a perceber. portanto isso acaba por ocupar o, de facto o.... ocupa.. uma parte do ano.. precisava de mais... umas horinhas além das vinte e quatro horas.. e portan[...]. por vezes.. hum, hum. e agora, eh, po[...], eh, eh, disse-me que importava coisas, não é,. hum, hum. não sou eu que importo directamente.. não?. eu trabalho para uma pessoa que importa. que importa. os artigos.. os artigos.. Inglaterra, Alemanha.. hum. olhe, e os artigos de decoração, o que é que as pessoas mais compram, quando se trata de decorar uma casa?. candeeiros.. candeeiros.. muitos candeeiros. gostam de luz. eu acho. é, é, é, estão, há, há uma fa[...], eu acho que para tudo há fases. eu acho que neste momento as pessoas estão, estão numa de... dar cor à casa. hum, hum.. dar luz. nós estamos a vender muito bem candeeiros.. e candeeiros de que tipo?. eh, design diferentes, eh, são, são, eh, eh, candeeiros essencialmente diferentes.. hum, hum.. e muito réplicas de anos cinquenta.. ah! quer dizer que não é só na música que há essa.... não. eu acho que... mesmo a nível de moda... e de decoração as pessoas estão a voltar um bocado aos anos cinquenta.. porque será isso?. eh, saudades. nostalgia dos anos cinquenta, não sei. porque a gente nova também está, está a voltar muito ao, a, a essa época.. pois.. eu tenho dois filhos jovens e eles ouvem a música que nós ouvíamos.. pois. um certo romantismo, talvez. romantismo também, sim.. em contraste com, com um certo, uma certa crueza que há agora.. com a agressividade que há. sim.. pois. e então as pessoas voltam-se um pouco. voltam mais para o... para o romântico. mais calma, mais tranquilidade.. então isso sugere que não devem ser aqueles grandes lustres de muita luz, não é,. nada. nada. nada. nem, nem sequer... dão muita luz, esses candeeiros.. pois.. eu acho que é mais por, por serem bonitos, por serem diferentes.. e... qual é o país que mais produz esse tipo de candeeiros?. nós, neste momento estamos nós a produzi-los.. aqui em port[...]. aqui em Portugal. e depois temos outros importados, Filipinas.... Filipinas?!. Filipinas. quem diria! . candeeiros com papel reciclado.... ah, ah.. ferro forjado e papel reciclado. peças... bonitas.. interessante. bom, eu estive recentemente em Cabo Verde e vi que eles faziam coisas de ferro forjado muito bonito também.. sim, sim.. lá.. e está outra vez na moda. as pessoas estão, eu acho que as pessoas estão mesmo a voltar para coisas que nós já vimos os nossos pais terem e.... eh, a capacidade criativa também se vai esgotando, não é,. pois. talvez seja isso também. já não há muito que inventar.. pois. e portanto as pessoas retomam o.... retomam o, o de antigamente.. hum, hum. e à parte os candeeiros, há assim algum artigo em segundo lugar que as pessoas comprem muito?. para casa?. para casa.. para casa... gostam de mudar muitas vezes as peças que têm na cozinha, que eu noto isso, todos os dias se vendem peças para a cozinha. acho que cada vez mais, eh, se vê homens a comprar esse tipo de peças, que era uma coisa que não se via aqui há uns anos atrás. são eles que procuram os... talheres novos, que vieram e que são bonitos e vamos substituir pelos velhos que lá estão. eh, molduras, vendem-se imenso as molduras. espelhos.. para pôr fotografias.. para pôr fotografias.. molduras para.... hum.. para fotos. papel reciclado. mas isso é mais a nível de, já de... papel de carta.. hum, hum.. as pessoas estão já a começar... a achar que é melhor comprar papel reciclado.. melhor, porque mais bonito ou porque mais...?. eh, hum, talvez não, não polua tanto o ambiente, pensam eles, eh, é mais bonito. quanto a mim é mais bonito.. também acho. eu também tenho, pessoalmente, também tenho.. eu pessoalmente acho que é bonito. e talvez porque é moda, não sei.. pois.. porque isto tudo é um bocado... por ondas.. e a nível de papel de embrulho, também usam papel reciclado? para isso?. o nosso papel é todo reciclado, só usamos fio reciclado e usamos lacre em todas as prendas.. ah, mas isso é mesmo uma coisa.... que é uma coisa que... ninguém usa quase.. é uma coisa ab[...]. é. temos um ritual de embrulho, que agora nesta altura é um bocado complicado, mas nós continuamos a fazer.. e, portanto, o pessoal que trabalha consigo tem que ter uma preparação especial para... tudo is[...].. eh, é assim: eu é raro ter gente a trabalhar. tenho lá, está lá o meu marido, e depois nesta altura metemos sempre alguém. eh, tivemos muita sorte que metemos uma rapariga que viveu sempre em Inglaterra, eh, está cá há dois anos em Portugal, ela é do Sri Lanka, ela em dois dias estava a fazer os embrulhos. ficou assim, foi a única rapariga que entrou para lá e que realmente, em muito pouco tempo, aprendeu tudo, fala com os clientes, eh, teve uma adaptação óptima. porque é difícil. esteve lá uma que nem esteve oito dias. porque não sabia embrulhar, não, queimava-se, o lacre não dava, eh, é, tudo tem que ter uma aprendizagem.. claro.. ela, realmente, olhou, viu, aprendeu.. é preciso ter uma sensibilidade. e é muito sens[...], é sens[...], é mesmo muito sens[...], ela talvez do sangue indiano que tem. hum, hum.. ela tem uma sensibilidade muito apurada.. pois. e portanto a clientela... adere a esse, bem, a esse tipo de coisas.. gosta muito, é. sim, sim, gostam muito. somos bastante elogiados pelo embrulho, pela, pelo atendimento, eh, aqui há uns anos atrás, há dois ou três anos que começámos a fazer esses embrulhos, e havia gente que dizia 'ai, olhe, isso é para prenda'. porquê? porque levava um fio, eh, e não tinha ar de prenda.. pois.. agora já não sentimos isso. mesmo a nível de... pessoas mais de idade, que gostava de ver os laçarotes, o brilho no papel, eh, já não se sente isso. por isso acho mesmo que as pessoas estão, estão-se a educar... para uma coisa mais natural. não tanto plástico, tão artificial.. não tanto fogo de vista.. sim. porque às vezes é, é só mesmo... a embalagem, o interior.... não conta.. não conta.. pois. é interessante. é, é, é agradável que isso aconteça, não é,. é." +Portugal/Anos 90/Amassar e Cozer.wav,Portugal,Camacha - Porto Santo - Madeira,F,62,1994,"pois é. então como é que se fazia o pão, senhora Maria?. ora fazia-se o pão; quando era de trigo da terra, peneirava-se a farinha duas vezes e ao depois é que se deitava dentro da vasilha. era um [...], podia ser uma vasilha de pau e podia ser uma vasilha de barro e agora praticamente é nestas, eh, banheiras plásticas. tenho a minha banheira que é mesmo só daquele... serviço.. então e as vasilhas de pau eram, como é que lhe chamavam, a essas vasilhas? como é que se chamavam?. eram uma celha.. uma celha.. uma celha ou um alguidar. quando era redondo, quer dizer [...], dum, dum tronco de madeira. hum.. fazi[...], primeiro faziam, daquele tronco grande cortavam um pedaço, tiravam-lhe aquela... parte toda. o meio. e ficava... inteiro.. hum, hum. era o alguidar, mas.... a esse chamava-se o alguidar?. chamava-se o alguidar. e havia outros que eram com as tabuinhas postas, tal e qual como as cartolas.. hum, hum, hum.. é como as cartolas. pois.. eram mais.... já estou a ver como é que é. com arcos de ferro e tudo.. sim senhora. minha mãe. sim senhor.. chegou a amassar bastantes vezes numa dessas. e agora praticamente isso acabaram e é... nestas p[...], banheira pla[...]. portanto. numa banheira . e.... plástica. e peneiravam aí para dentro.. peneirava-se.. peneirava-se duas vezes. tirava-se, a gente dizia, tirava-se o farelo e ao depois coava-se para, para tirar o rolão. desse mesmo rolão havia gente que fazia o pão. fazia o pão de rolão para... torrar ou comer mesmo assim. ficava gostoso. do trigo da terra. esta farinha da padaria cá não tem rolão. pois.. e a outra amassava-se, já sabe, amassava-se o pão, depois acendia-se o forno. quando a gente via que o forno estava muitos dias... sem cozer pão, dava-se-lhe mais uma coisinha de lenha para, para fazer o desconto. e quando a gente amassava de oito em oito dias, já se sabia mais ou menos o forno, que a temperatura que andava quente, e o pão... deixava-se a levedar na, na banhe[...], no alguidar.. mas como é que fazia? o que é, tinha que misturar outras coisas no... portanto.... não! fermento. peneirava. o fermento e o sal! . já pode entrar. está aqui filha, [...]. ah, é v[...], é para entrar para aqui.. é a sua filha?. chega-te . deitava-se o fermento e o sal.. e como é que, como é que fazi[...], como é que arranjava o fermento?. a gente tinha o nosso fermentinho sempre de casa, a gente chamava só o crescente. deixava-se.... chamavam-lhe o crescente ou.... o crescente. tinha aquilo b[...], ou deitado numa tacinha, e tapado e à no[...], na Sexta-Feira à noite, a gente deitava uma coisinha de água quente. [...]. deitava-se uma coisinha de água quente, aquilo amolecia mais... da[...], uma coisinha de farinha que a gente via mais ou menos que dava para o pão... deitava-se aquele pedacinho de fermento, no outro dia amanhecia lêvedo, aquele fermentinho que a gente tinha feito. abafava-se bem abafado e no outro dia... . pois.. com licença! no outro dia estava lêvedo, deitava-se naquele pão. depois fazia-se-lhe a, acabava-se de, de amassar. fazia-se assim, dava-se uma coisinha de farinha por cima, uma cruz, as toalhas por cima. quando a gente via que estava bom de tender para cima da mesa, tendia-se, ao passo que o forno ia aquecendo e ao depois estava o pão... quente, o forno estava quente, deitava-se, fazia-se uma rosquilhinha, faz-se uma rosquilhinha para experimentar mais ou menos o calor do forno. quando a gente via que abrasa, deixa-se ficar mais um pedacinho. mas ali uns cinco minutos, seis minutos que a gente vê que a rosquilhinha que não, não tostava de calor, deitava-se o pão, pois.... pois.. quando, às vezes t[...], às vezes tirava-se um pão, dois, experimentava-se, batia-se [...] ainda está pesadinho, cozia mais um bocadinho e assim ia.... batia-se por baixo?. batia-se por baixo, fazia-se assim, aquela coisa e sentia-se mesmo o, o peso de, do pão e quando estava cozido tirava-se e abafava-se. partia-se para o almoço ou com peixe ou com carne, ah, o que nosso senhor deparava.. hum.. sim! eu, faz do[...], Sábado quinze dias eu amassei. faz agora Sábado quinze dias eu amassei.. e portanto, cá nunca se misturava... batata... doce no...?. onde é que está minha querida?. não há?. não havia. há batata doce mas está quase a quatrocentos escudos.. não, mas antigamente, não se costumava misturar? . antigamente quem tinha de casa... misturava. amassava, cozia-se a batata, pela[...], descascava-se, e ao depois ama[...], amassava-se separado e ao depois é que se deitava no pão. limpava-se bem limpinho para não levar.... mas ficava o pão melhor, era, com a batata?. ficava! é du[...], é, dura mais dias, eh, o pão mais fofo. hum, hum.. hum, hum,. e a [...] a maior parte do tempo, era sem batata, minha filha, porque não havia batata. no continente nunca se pôs batata.. nunca! pois.. nunca se pôs batata no, batata doce no pão.. ah, não põem?!. nunca! nunca!. não, não.. ah, nem no Funchal, aquela [...], aquela parte. sim, sim.. mais das freguesias. fazem.. é, é.. acho que estão mais [...], mais costumadas à coisa. sim, sim foi aí que eu aprendi que se punha.... mas eu já tenho visto pão das freguesias, ou é nã[...], não lhe dão o fermento que deve de ser, ou eu não sei. mas portanto o fermento é o crescente, é?. é o crescente para.... chama-se crescente?. é o crescentinho que fica sempre. e quando a gente quer deitar um pedacinho de fermento inglês, nunca se deita no crescente, o fermento inglês.. então? à parte.... é... à parte, junto com a farinha, porque o fermento inglês, indo para o crescente, apodrece mais o pão mais depressa.. hum.. hum!. aquele crescentezinho que a gente temos, tem que se ir sempre, sempre, sempre do nosso de casa. não le[...], não tem que levar fermento nenhum. agora a farinha cá pode-se-lhe deitar fermento inglês, porque... . pois, pois.. pois.. antes de, de, de, de amassar o pão, tira-se outra vez o crescentezinho, do fermento que se fez à noite . para ficar para a outra.... se, para guardar. é assim.. pois.. sim senhor. enta[...] e, eh, e que, que é, de que é que se fazia pão? de que farinha é que se fazia pão?. era far[...] de, era . só. de trigo, é de trigo ou de cevada, minha mãe chegou a amassar pão de cevada.. de cevada.. e o pão de cevada.... e mais nada?. e bolo de centeio. cá que havia pouco centeio. mas havia gente que mesmo não fazia. dizem que... o centeio, que o, que a cevada, que ficava o pão melhor. mas o meu pai nunca fazia assim grandes porção de centeio que chegasse a debulhar para fazer centeio para mandar moer. havia gente que fazia, aqui no nosso, porque isto aqui a parte onde o campo de aviação comeu, isto era um sítio, que era o sítio das areias, que era onde a minha mãe morava." +Portugal/Anos 80/O Leiloeiro.wav,Portugal,Porto,M,,1989,"vamos agora falar da sua actividade de leiloeiro. ah, já há muitos anos que é leiloeiro. . há vinte e cinco.. o que é que é necessário para ser um bom leiloeiro? claro que tem que se conhecer as peças. é.... tem que se, tem-se um trabalho de bastidores, digamos assim.. é um ba[...], um trabalho de bastidores muito intenso. é preciso uma pessoa ter uma preparação, como antiquário, bastante grande, ler diariamente, estudar diariamente, estar a par dos valores que se praticam no estrangeiro pelas várias peças, porque não há dúvida nenhuma que há muitas pessoas e eu estou-me a referir, por exemplo, às pesso[...], aos directores de museus, sabem muito bem, conhecem todas as peças, mas os valores comerciais das peças são praticamente os lei[...], os leiloeiros que as conhecem, porque é com esses valores que se trabalham, todos os dias, não é, eh, pois, eh, eu realmente até para vários museus e para companhias de seguro, enfim, sou procurado para dar valores, ah, para efeitos de seguro, de certas e determinadas peças, porque, na verdade, nós, os leiloeiros e antiquários, é que estamos realmente preparados para comercialmente dizermos o valor de determinada peça.. é ao leiloeiro que compete avaliar a peça. sim.. ou ela já vai para leilão avaliada?. não, a peça, eh, quanto a mim, deve ser lei[...], deve ser avaliada pelo leiloeiro, e a base de licitação deve ser imposta pelo leiloeiro. às vezes as pessoas vão entregar uma peça e dizem 'ai eu vendo esta peça mas não vendo por menos de xis'. o leiloeiro pode concordar ou não com a proposta da pessoa. eu, no meu caso, devo dizer, eu, no meu caso, tinha e tenho este princípio: as peças que vão ser licitadas, debaixo da nossa inteira responsabilidade, ou, a avaliação é nossa. a partir daí é com o público: quem mais der.. senhor Acácio Luz. [...]. uma questão que me surge, ah, quando um leiloeiro está a fazer a avaliação de uma peça tem que saber que ela é, eh, fidedigna.. ah! pois. tem que fazer, tem que ir peritar e especialmente na pintura. hoje há inúmeras vigarices, quem, desculpe-me o termo, mas é mesmo isto, e... que é preciso detectar, pois há, pintor morre, passado... uns dias aparece logo obra bastante desse pintor, não é, e, e claro, como [...]. significa que nem sempre são autênticas.. não são autênticas. há realmente um mercado de, de falsidades, falsificações bastante grande, mas eu também lhe vou dizer que nós não somos os melhores e os maiores falsários do mundo, pois os outros países, ah, já andam nisto há muito mais anos e as falsificações lá fora são dum volume extraordinário, não é, aqui ainda estamos a dar os primeiros passos mas mesmo assim é preciso cuidado, não é,. que tipos de leilões é que faz? de todas as peças?. sim, faço leilões de tudo. praticamente de antiguidades e também fazia leilões judiciários. o leilão judicial é um leilão, é um leilão com outras características, ah, porque, enfim, são peças, eh, industriais, são, eh, peças que foram apreendidas por qualquer motivo ou por falências, mas eu nunca gostei muito dessa faceta.. prefere os outros.. eu prefiro, e gostei sempre das coisas mais difíceis, e, e realmente tenho este princípio, eu... continuo a estudar, gosto da mi[...], muito da minha profissão e, e cada vez que estudo, mais, mais me convenço que sei pouco.. porque é que.... isto é uma profissão tão difícil, tão difícil.... não é fácil ser leiloeiro em Portugal?. hum, ah, para mim um leiloeiro com, dos pés à cabeça, é muito difícil. é muito difícil porque em Portugal nós temos que saber de louças, temos que saber de pratas, temos que saber de jóias, temos que saber de quadros, temos que saber de móveis, enquanto, por exemplo, as grandes empresas mundiais dos leilões têm técnicos, por exemplo, na pintura, do século dezoito, do século dezanove. especializado.. cada um exclusivo, especializado nas várias, eh, técnicas e nos, várias p[...], espécies. [...]. nós aqui temos que fazer tudo." +Portugal/Anos 80/Cartografia Portuguesa.wav,Portugal,Lisboa,M,,1989,"o Visconde de Santarém foi o primeiro fogacho, no sé[...], há mais de um século, como acabo de dizer, e no início desse século, ou melhor, no final da segunda década deste século, aparece Armando Cortesão. Armando Cortesão é o grande entusiasta, foi membro, desta academia, sócio desta academia, e até ao final da vida aqui veio com muita frequência, dar conta dos seus trabalhos... de investigação. Armando Cortesão publicou, interessou-se, pelo estudo da cartografia... e, portuguesa, do tempo dos descobrimentos, e começou por publicar uma monografia. era a ideia dele, primeiro há que classificar as coisas, juntá-las, saber onde é que estão os mapas, estudá-los, ver como são. ele começou por fazer um trabalho, eh, sobre... os homens, que eram cartógrafos, do século... dezasseis, de meados do século dezasseis, aproximadamente, segunda metade do século dezasseis, um pai e dois filhos. afinal eles são irmãos, hoje sabe-se isso, embora, inicialmente, tivesse havido du[...], dúvidas, sobre as relações entre eles. Armando Cortesão publicou esse trabalho, se não erro, eu estou a citar de cor, em mil novecentos e vinte e oito, mas já acalentava a ideia de percorrer todos os cartógrafos possíveis, portugueses e do século dezasseis, o que veio a dar lugar a um... livro, dois volumes publicados inicialmente pela Seara Nova, quando ele já estava exilado, em Madrid. pode dizer-se que foi um bom exílio, porque deu essa obra, eh, um livro que se intitula, 'Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos Quinze e Dezasseis'. obra bem conhecida, que ainda hoje é uma fonte de... informação... segura; os lapsos que há nessa obra são pequeníssimos, são... pouco numerosos, Cortesão era um homem... cuidadoso, pelo menos nesse tempo era muito cuidadoso com o que dizia, e essa obra é realmente o que vai lançar, a obra que vai lançar, outras pessoas no mesmo caminho. lança, por exemplo Teixeira da Mota, que também foi, eh, membro, nosso... companheiro nesta casa; lança, António Barbosa; lança Abel Fontoura da Costa, que também passou por esta casa. todos estes homens trabalharam na cartografia, com aspectos diferentes, porque além da classificação e do estudo dos cartógrafos que elaboraram essa, ah, da vida desses cartógrafos, a biografia desses cartógrafos que elaboraram tais cartas, há que saber também como é que as faziam, e aí, os cartógrafos começaram, os historiadores da cartografia começaram a ficar em desacordo. eu penso, há, houve discussões variadas e até acesas, entre estes homens, de, para se chegar a uma conclusão, de como é que se fazia, uma carta, no século dezasseis. não há motivo para discussões, penso eu, por uma razão muito simples: é que nós temos um documento, um texto, dum padre, o padre Francisco da Costa, que estava em inédito mas foi publicado há relativamente pouco tempo, que indica como é que se fazia uma carta. como há outros textos que dizem como é que se faz um globo. bom, em todo o caso, hav[...], houve especulações acerca do sistema de projecção, a meu ver não há nenhum sistema de projecção, houve especulações acerca duma chamada carta plana-quadrada, que teria sido até inventada segundo alguns pelo Infante Dom Henrique, a carta plana-quadrada é um perfeito equívoco, e o António, e o António mac[...], e o António Barbosa mostrou-o, num livro que publicou, e que teve reedição, aliás publicou também, e a reedição, foi paga exactamente pelo Instituto de Alta Cultura, foi há pouco aqui falado, não foi pelo Senhor Professor Abreu Faro, mas foi por um dos seus antecessores, que publicou, a reedição do António Barbosa, que tem o se[...], tem um título muito comprido 'Subsídios, eh, para a História da Cartografia Portuguesa', é um título muito comprido que eu agora não sei reproduzir, eh, textualmente. mas aí ele prova duma maneira muito f[...], muito... clara, a meu ver, que não há lugar para tais discussões; e por uma razão, ele diz o seguinte: de facto, nas cartas portuguesas, a partir de determinado momento, como se começaram a observar, no mar, latitudes, nas cartas portuguesas foi inserida uma escala de latitudes, embora as cartas não estivessem preparadas para isso. foi abusivamente, podemos dizer, inserida uma escala de latitudes e mais tarde alguém teve a ideia de transferir a mesma escala de latitudes para o equador, o que deu como resultado que a carta está, não expressamente mas implicitamente, dividida em pequenas quadrículas. é uma quadrícula. e então nasceu a tal célebre carta plana-quadrada, que efectivamente não foi com esse intuito que o cartógrafo desenhou a carta, foi um acaso de sucessivas, foi uma consequência de sucessivas... abusos, porque se é, se já a escala de latitudes era um abuso, porque a carta tinha sido desenhada por [...] magnéticos e por distâncias estimadas, em que, a, em, a passagem dessa escala para o equador foi outro abuso. bom, esses eram os problemas da cartografia que estavam em suspensos, mas em mil novecentos e sessenta deu-se um grande passo. deu-se um grande passo quando se publicou a 'Portugalia Monumenta Cartographica'." +Portugal/Anos 80/O Quotidiano e a Lei.wav,Portugal,Porto,M,45,1989,"chega-nos agora uma carta de uma telespectadora do Porto; «vivo maritalmente com um senhor há dezoito anos numa casa arrendada a ele. pergunto: se o meu companheiro morrer, tenho ou não direito à casa?». chegou-nos problemas do, da transmissão do direito ao arrendamento que tanto temos falado. ora bem, a nossa telespectadora não nos esclarece se o seu companheiro é uma pessoa casada ou não. isso é importante. porquê? porque ela terá direito a que se lhe transmita o direito ao arrendamento desde que o seu com[...], companheiro não seja casado, portanto, seja solteiro, viúvo ou divorciado ou desde que, sendo casado, esteja separado judicialmente da mulher. portanto, nesta situação - no fundo, duma pessoa que não está já ligado verdadeiramente à mulher por laços legais - eh, nesta situação o companheiro vivendo há mais de cinco anos em comunhão de vida idêntica à dos cônjuges, que é o caso da nossa telespectadora, tem o direito a que se lhe transmita o arrendamento. evidentemente - e suponho que será a situação - desde que no prédio não vivam pessoas com um grau de parentesco ou de afinidade em relação ao arrendatário, ao companheiro da nossa telespectadora, que, para as quais se transmita o direito ao arrendamento. já aqui tenho dito portanto que o companheiro está em último lugar na situação de transmissão do contrato de arrendamento. neste caso presumo que a senhora viverá sozinha com o companheiro e transmite-se-lhe o direito ao arrendamento nas condições que referi.. surge agora uma carta dum telespectador de Portalegre. diz o seguinte: «sou casado mas estou separado da minha mulher há doze anos. pergunto: que passos hei-de dar para ela não ter nada a ver comigo nem eu com ela?». bom, a respunta, a resposta é... óbvia embora careça de algumas explicações. é óbvia porque o passo que tem que dar é tentar divorciar-se da mulher. é a única forma de não ter nada a ver com ela e de ela não ter nada a ver com o nosso telespectador. ah, poderemos adiantar mais alguma coisa que ajude o nosso telespectador a resolver o assunto, uma vez que pelos vistos, eh, ignora totalmente - o que é compreensível - ignora totalmente estas situações. ah, o primeiro aspecto é que, se o conseguir, deverá tentar resolver a dissolução do casamento através do divórcio por mútuo acordo. será aconselhável, será preferível. para isso terá que resolver fundamentalmente três problemas, se é que eles existem todos. havendo filhos menores terá que resolver o problema dos filhos menores, entrar em consenso com a mulher sobre... chamada regulação do poder paternal dos filhos menores. concretamente em três aspectos: primeiro lugar, saber a quem ficam confiados os filhos menores; em segundo lugar saber o direito de visita do outro progenitor com quem os filhos não ficam; e em terceiro lugar, a pensão que ficará a pagar aquele dos progenitores que não fica com os menores à sua guarda e cuidados. depois haverá que se ver resolvido o problema do direito à habitação da casa de morada de família; saber quem fica com o direito de habitar na casa de família, ao menos até à partilha do, dessa casa, se ela for comum, ou saber para quem fica o direito ao respectivo arrendamento, se se tratar duma casa arrendada. também tem que haver acordo quanto a isto. finalmente tem que haver acordo quanto à pensão a pagar por um, por o cônjuge que careça dela ao outro cônjuge. isto é fundamental, a verificação destes acordos. por último tem que ser apresentada uma relação dos bens comuns do casal e, preenchidos esses requisitos, é possível requerer o divórcio por mútuo consentimento. se por ventura a mulher do nosso telespectador não estiver disposta a acordar com ele neste divórcio por mútuo consentimento, ele tem pelo menos um fundamento evidente que a carta revela: está separado dela há doze anos. a separação por mais de seis anos, separação de facto por mais de seis anos consecutivos constitui fundamento de divórcio. para isso é necessário propor uma acção em que se tem que alegar e provar essa mesma separação e alegar e provar também que existe da parte do nosso telespectador o intuito de se divorciar da sua mulher." +Portugal/Anos 80/Os Poderes do Chefe de Estado.wav,Portugal,Lisboa,M,65,1990,"[...] . porque eu estou a falar em questões que vêm muito de trás, nós não podemos esquecer que o nosso país esteve parado no tempo durante cinquenta anos, e depois destes cinquenta anos em que esteve parado no tempo e apesar dos progressos imensos que fez a demo[...], a democracia ao país, a democracia, o hábito da democracia por um lado, por outro lado, ah, a nossa adesão à Comunidade Europeia, representaram um choque e uma grande, uma grande modificação, uma grande mudança em Portugal, como eu também reconheço. exacto. no país, mas nós gostaríamos que... tivesse sido erradicada completamente a miséria, e sabemos que nos meios urbanos continua a existir, eh, muitas barracas e que as condições de habitação para muitos portugueses são ultra-deficientes, eh, sabemos que existem carências muito grandes na nossa sociedade a vários níveis que gostaríamos de ver naturalmente modificadas. pode isso tudo ser modificável de um dia para o outro? naturalmente que não! isso não vem muito de trás? pois vem. eu estou a chamar a atenção para uma situação e porquê? poque nós estamos numa fase de grande desenvolvimento. indiscutivelmente, e eu digo, nos últimos anos o país deu grandes saltos, quer no aspecto da melhoria do nível de vida dos portugueses e quer no aspecto de certas infra-estruturas, eh, como também na própria mentalidade dos portugueses porque a, a própria mentalidade dos portugueses está a ser modificada e desenvolvida. isso eu reconheço. mas em relação àquilo que nós precisamos e em relação aos nossos parceiros comunitários nós estamos de facto em atraso. [...]. e temos que ter a consciência desse atraso para andar mais depressa e o que e[...], e o que eu quero é que se ande mais depressa.. exactamente. o senhor presidente lamenta nessa, nessa ordem de ideias que de facto, por exemplo, a, a máquina entorpecedora da burocracia não tenha sido movida de outra maneira, não.... exacto, exacto, eu penso que a sociedade civil... . que a reforma do estado não tenha ido mais longe, não é, . exacto. eu penso que a sociedade civil, e penso que sobre isso não haverá dúvidas nem polémicas políticas à volta disso, eu penso que a sociedade civil está a andar mais depressa que o Estado e que os corpos, e que os diferentes corpos do Estado. mas não quer dizer que esse seja uma responsabilidade do governo ou uma responsabilidade d[...], da oposição ou deste governo ou daqueles que foram o governo no passado. não é nessa matéria que eu estou a entrar.. justamente eu gostaria.... estou a fazer uma constatação de facto.. justamente eu perguntava-lhe era se, se o senhor presidente em vez de ter sido o presidente consensual que torna de si hoje, ah, o presidente que sete de cada dez portugueses quereriam comprar segundo uma sondagem recentemente publicada, se tivesse assumido um protagonismo mais activo.... apesar de os presidentes não se comprarem.. apesar de os presidentes não se comprarem.. nem em s[...], nem em sentido literário.. tem to[...], tem toda a razão, mas enfim é uma liberdade de expressão dessa sondagem. se tivesse assumido um protagonismo mais activo não poderia, embora com evid[...], com, talvez com um desgaste maior da sua popularidade que é neste momento enorme, não poderia ter ajudado a avançar essa reforma do Estado de que, que enfim, que considera tão necessária?. penso que não, penso que não. porque, justamente isso é um dos aspectos que eu trato neste prefácio e que é um dos aspectos interessantes, acho eu, porque põe um problema de... sistema, de sistema político e de funcionamento desse mesmo sistema. o presidente da república não tem no nosso sistema funções executivas. quem tem as funções executivas é o governo. na medida em que o presidente da república queira avançar mais do que deve, cai numa área de conflitualidade. e então é pior a emenda do que o soneto, desculpe-se-me a expressão, porque pode querer agir com as melhores intenções mas o que provoca são as maiores pertubações. e eu tive a prudência de não cair nesse aspecto. não por razões eleitorais que nunca estiveram no meu espírito e por i[...], porque eu tenho como sempre, como sabe e sempre dito que não desejo recandidatar-me. não por razões portanto eleitorais que nunca estiveram no meu espírito mas por leitura que faço da constituição e coerência. eu há muito tempo que digo que o presidente não deve intervir. o presidente não tem que intervir na área do, do executivo, tem que respeitar o executivo e tem que ter solidariedade institucional em relação ao executivo.. em todo o caso, senhor presidente, o que está em jogo nesta globalidade das questões europeias, eh, que se nos apresentam, não justificava, com todos os riscos que acaba de, de anunciar ou, enfim, de, de relembrar, uma intervenção mais dinâmica da sua parte?. poderia eventualmente justificar se ela me fosse solicitada, mas só nesse sentido, porque como quem orienta a política externa do país é o governo, obviamente que eu não podia nunca, ah, permitir-me tomar iniciativas em matéria de política internacional, nesse aspecto ou noutros, sem estar em concordância com o governo.. tem sido solicitada, essa intervenção?. nalguma medida tem, noutra medida não.. isso, entende isso como uma queixa ou, ou um reparo ou.... não. naturalmente que não é uma queixa. visto que eu não, não tenho idade nem posição para me pôr em bicos dos pés e estar a dizer 'aqui estou eu, aproveitem-me'. . claro, claro.. se entendem que me devem aproveitar, pois que me aproveitem e eu naturalmente estou ao serviço do país. agora não posso é eu tomar iniciativas numa área que não é da minha competência. " +Portugal/Anos 80/O Pai da Medicina.wav,Portugal,Lisboa,M,56,1989,"para nós o pai da medicina tem sido Hipócrates, cujo juramento ainda continua a estar actualizado. viveu quatrocentos e sessenta anos antes de Cristo e Hipócrates dizia sobre a alimentação que, ah, o estômago é uma espécie de panela de guisar, onde os alimentos são cozidos no calor do próprio corpo. é uma, uma, uma noção extraordinária. duzentos anos antes de Cristo, Galeno, um outro médico, ah, grego, conseguiu demonstrar que o que circula nos nossos vasos não é ar mas sim sangue. isto, isto fo[...], teve realmente muita importância. contudo nós entrámos num período de trevas durante a idade média, em que praticamente, ah, não houve conhecimentos acerca de nada ou pelo menos o conhecimento estava estagnado. e, ah, ao ler a, a história de tudo isto, ah, é com uma certa pena que vejo por exemplo o relato de um, um médico italiano, Santoris, que no fim do século dezasseis concebeu uma balança onde num dos pratos tinha uma cadeira onde ele passou grande parte de trinta anos, muitas vezes até dormia nela, e pesava tudo o que comia e bebia e pesava tudo o que excretava, ah, ah, quer fezes e urina e via que havia uma diferença de pesos. ah, ele notou sempre essa diferença de pesos e nunca encontrou uma resposta para, para esta questão. o, no século, ah, dezasseis, no, perdão, no dezasseis já falámos, no século dezassete, com a invenção do microscópio, já começou a, uma investigação e, mas o grande pulo vai no, já no século dezoito, ah, com um francês a estudar o que é que acontecia aos alimentos na, no estômago; um italiano também que, ah, se, fez estudos sobre a, o, a, as transformações dos alimentos, ah, que ao passarem pelo, pelo estômago e até, ah, qual era a função do suco gástrico; e um inglês, Boyle, que é considerado o pai da química, vem, acaba por referir que há qualquer coisa no ar, eh, sem a, a, a qual nós não podemos viver; e Maillon continuou, ah, esses estudos, até dizia que essa qualquer coisa que existe no ar entra nos nossos pulmões, é transportado pelo, pelo s[...], ah, pelo, pelo sangue e chega a todas as partes do corpo. contudo estas considerações que são tão válidas e s[...], tão verdadeiras só cem anos mais tarde é que foram aceites. e por quem? quem é que vai realizar esses estudos? ah, Lavoisier, de quem já vos falei, o francês que foi considerado o, o pai da, da nutrição, e que morreu na revolução francesa.... nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.... exactamente, foi o que, ah, morreu decapitado na, na revolução francesa. e, é, f[...], é Lavoisier que vai descobrir que esse algo que está no ar é o oxigénio. e oxigénio quer dizer no latim, ah, um gerador de ácidos. no século seguinte é o século da, da grande investigação. é o pulo para a investigação. o século dezanove... dá classificação dos alimentos de origem animal, de origem vegetal e o grupo dos gorduras e óleos. depois vêm todos, ah, ah, franceses e ingleses a, a fazerem experiências. é interessante que, por exemplo, um francês, Magendie, ah, ah, fez a experiência com cães, que, se não tivessem alimentos com nitrogénio, morriam. depois, alguém foi ver que alimentos eram esses e esse foi Müller, que, eh, chamou a esses alimentos com nitrogénio proteína, que quer dizer a primeira coisa, a primeira vida, como também já aqui vos referi. e finalmente Hopkins vem pela primeira vez falar de substâncias acessórias dos alimentos, abrindo caminho para, para as vitaminas, que só vêm a ser descobertas neste século, como eu já vos falei, por Funk, em mil novecentos e onze." +Portugal/Anos 70/Ao Volante.wav,Portugal,Faro,F,25,1972,"e qual é o seu trabalho, já agora, aqui assim? [...]. praticamente é mais serviço de escritório, embora às vezes também vá para a rua entregar carros.. ah, sim?. é verdade.. também tem carta, também tem.... também tenho carta, já há seis aninhos.. ah, há seis aninhos! e que tal se dá com a condução?. olhe, dou-me bastante bem. nunca bati, já me bateram duas vezes, mas.... [...]. mas nada de grande, nada de grave.. não? ainda bem.. não. podia ter sido.... como é que foi? conte lá como é que foram essas, olhe, esses choques.. uma vez ia... devagarinho, ali... perto dum cruzamento, veio um biciclista - oxalá não vão pôr isto no computador, não deve haver muitos q[...], a dizer biciclista - veio um ciclista, o homenzinho vinha em sentido contrário, estava a dar-lhe o sol nos olhos, despistou-se e veio-me cair em cima do capot.. ah, ah!. ficou todo aconchegadinho!. apanhou um susto, não?. sim, eu apanhei! fiquei a tremer, nunca mais conseguia pôr o pezinho no acelerador; mas foi coisa pequena. outra vez em Albufeira - não sei se conhece . conheço.. conhece Albufeira? sabe onde é o cemitério?. ai, não!. aquilo faz ali uma curva muito grande, tem assim um, um parquezinho de estacionamento, que tem uma vista bonita, vem de lá um, na, na mecha com um NSUTP que aquilo anda que se farta, eu ia muito devagarinho no meu Morrizinho todo engalinhado, ia dizendo para a minha mãe 'olhe isto aqui tem uma vista linda!' bom, quando olho para o lado dou por mim já tinha o NSU em cima.. ah, que horror!. limpou-me o lado todo, o lado em que eu vinha conduzindo, bateu de lado um... no outro, depois foi um problema, queria-se chamar a polícia, não havia, como sempre nestas terrazinhas não há nada!. [...]. havia a guarda, a guarda não quis saber de nada, ah, 'olhe, há d[...], acidentes pessoais?' 'não, não.' 'ah, então resolvam lá isso entre vocês, que é para não haver problemas.' claro que foi um problema gravíssimo, tive que lá voltar três vezes.... ai, que horror!. para reconstituir o crime, dizendo foi assim, foi assado, como não havia testemunhas, o moço dizia ao contrário, não queria também ser culpado; ah, lá chegámos depois a um acordo, ele lá pagou aquilo.. ai sim?. já não foi mau.. vá lá.. já não tiveram que, que recorrer a seguros, nem nada disso?. não, ah, quer dizer, é porque a companhia de seguros era precisamente, a minha era precisamente a dele.. ah, pois.. e então o, o homem tinha aquele problema terrível. 'agora vou, não posso ir nem por, pelo que um diz, nem pelo que o outro diz.'. [...]. e para já o outro era muito melhor cliente que eu, porque tinha lá uma série de carros segurados e o restaurante do pai e era seguro contra todos os riscos e tudo, mas o moço era mocito novo, percebe, ainda por cima o pai era o presidente da Câmara de Albufeira, era uma pessoa assim mais considerada do que eu, e então, ah, foi um problema, mas depois lá aquilo se acalmou.. e o que é que, e o, e o carro ? foi portanto para aí o guarda-lamas.... ficou todo raspado, do, do meu lado, do lado que eu conduzia com o lado em que ele conduzia, tiveram que tirar portas, foi um friso todo novo, aquilo ficou tudo bonito! quase que valeu a pena! depois de tantos problemas; mas enfim... . e, e tirando isso não tem havido mais problemas com o carro? . ah, de carro não, que eu me lembre não, assim coisa... grave, não, não tenho tido nada. os carros são todos tão ruins que nem, nem dão para as pessoas bater.. [...]. felizmente que também já tenho andado com carros bons aqui na casa, Mercedes e coisas no género, mas também ainda não bati. o diabo seja surdo, cego e mudo. isso diz-se muito cá para baixo, não é,. é, é." +Portugal/Anos 70/Um Culto Tradicional.wav,Portugal,Ribeira Grande - Açores,M,47,1973,"e vão donde até onde? e como? o que é que fazem?. ai, vão levar aquela coroa pronto, porque aquilo que se tem é um mordomo, chamam-lhe um mordomo. ah, [...]. durante o ano, que ele fica responsável durante aquele ano, por que o Espírito Santo fique na casa dele.. sim.. e, e ele vai recebendo de, de pessoas, voluntariamente que queiram dar dinheiro. sim.. e esse dinheiro no fim eles compram bezerros ou queijos. hum.. matam e a carne depois, como eles chamam pensões. ah.. aquele... bocado de carne, chamam aquilo uma pensão.. hum.. juntamente com um pão de trigo, com uma garrafa de vinho, aquilo é oferecido, é uma retribuição à pessoa que deu o dinheiro. ah!.... ah!.... mas isto é agora actualmente, mas o espírito não era este. pois, pois.. antes davam e aquilo era distribuído aos pobres. pelos pobres, hum.... agora já não fazem isso.. mas é uma pena! que isso é que estava certo [...]. é pena, é pena. sempre dão aos pobres, mas já não é aquela quantia. pois.. nem com aquele espírito. hum, hum.. que se dava naquele tempo.. e acha [...]. e o que eu achei interessante é que as pes[...], as pessoas que acompanhavam e[...], esse estandarte eram só jovens.. eram. [...]. sim, é só jovens.. crianças e raparigas e rapazes. só, só.. é, é.. porquê ?. é um costume aqui. na Ilha Terceira já vão senhoras, já crescidas e.... eu achei piada. porque vimos duas, na estrada,. e eram assim.... e eram só jovens. achei piada.. [...]. esta, esta mudança, é a mudança do antigo para o novo mordomo.. ah.. pois, pois.. eles vão levar, umas vezes faz-se de noite, quase sempre faz-se de noite, outras vezes faz-se de dia, e fica então no, no, depois no ano seguinte fica na outra casa. e então ao Domingo, cada, cada coroa, aquilo é assim, cada coroa tem o seu Domingo: a dominga tal, é conhecido então ou pela rua, ou pelo nome dum santo. [...] tem, tem a dominga da, da pombinha, como eles chamam, tem, aqui tem a dominga da, de Trás-do-Mosteiro, é, é uma r[...], uma rua que há ali para cima e fazem o império. o império também nas ilhas também se faz. [...]. é uma espécie dum, dum, onde toca as bandas de música, dum coreto. sim.. em madeira, que é armado num canto da rua a que pertence. ah!.... aquela irmandade do Espírito Santo [...] deve ser assim. hum.. a irmandade, e no Domingo que há a coroação, quando a coroa, depois de passar pelas ruas, sai da igreja.. sim.. de manhã naquele dia, a missa, na missa, ah, vai uma pessoa ser coroada com aquela coroa. ah!.... ah!.... geralmente são crianças. hum.. mas também há adultos que são então ou fruto de promessas, da família, ou por uma doença. sim.. ou qualquer outra circunstância, ou então pelo gosto. hum.. de ter a sua filhinha ou o seu filhinho que coroaram imperador ou imperatriz em Espírito Santo.. ah! que piada.. eu já tinha, a Rosa Maria já [...] isso tudo.. ou então, a pessoa não, outra pessoa qualquer pede ao mordomo, 'eu gostava que minha filha ou o meu filho fosse... coroado', e a coro[...], e a coroa, a coroação, então sai o cortejo, aquelas meninas, aqueles rapazes, vestidas de branco, as meninas. hum.. e tudo, e levam ofertas, doces, geralmente, ou fruta, vão pelas ruas, vão acompanhados de música; a que foi... coroada vai rodeada de, digamos, de damas de honor ou de. hum, hum.. de, [...], aios, não é, e tem o senhor que leva a coroa, ge[...], geralmente é o dono da casa, ou um convidado, ou então uma senhora, ou uma menina que leva a coroa. pois.. [...]. e vão dois ou três ali ao lado a fazer de, de guarda de honra; depois então vai o cortejo para esse império. hum.. que é uma espécie de coreto em que a coroa está ali e depois começa a haver ah, as ofertas que, que as crianças levaram. sim.. hum, hum.. vão ser rematadas.... ah!.... ah! pois, já tinha ouvido dizer isso, sim, sim.. rematadas e depois a música toca, há o entretimento durante a tarde, para aquela, para aquela gente. dan[...], aqui não se dança, aqui o, o micaelense não é muito amigo.... não?. não." +Portugal/Anos 70/Homens e Bichos.wav,Portugal,Castro Verde - Beja,M,59,Década de 70,"ora, o senhor não é caçador?. não, não sou. sou caçador é... de arma branca, com um cachorrozinho.... como é?. chama-se um podengo.. e como é esse... caçador de arma branca?. caçador de arma branca é a gente, por exemplo, ir a pé por o meio dum campo e encontrar uma lebre, possuir um galgo, e, por exemplo, dar força ao cão, dar força, isto é, açodá-lo, para esse cão ser útil, apanhar a lebre para a gente trazer para casa para comer; para comer ou para vender a qualquer pessoa que, que seja preciso comprá-la. é isso. há caçadores também, por exemplo, de arma branca que não caça só coelhos nem lebres, caça, por exemplo, um ouriço que é um animal que tem o pêlo bicudo e tem, e focinho de porco e a gente apanha aquele animal e traze-o para a nossa casa, serve até para, para apanhar os ratos em casa... que onde há um ouriço, os ratos não entram. e mesmo para, para se entreter, às vezes, brincadeiras, de, para um, um miúdo de dois ou três anos ou de quatro ou cinco entretém-se a brincar com aqueles animais. e há então a perdiz e há a codorniz que a gente apanha com facilidade e às vezes agachadas; há outros bichos mas isso não são bichos de caça, por exemplo, uma cobra, um lagarto, um rato, isso é tudo animais do campo que se pode utilizar, não para comer, para, para se matar para não, não des[...], não desdenharem por exemplo os ninhos dos outros animais que podem prejudicar, por exemplo, a morte a qualquer pessoa. por exemplo o lagarto não faz mal, isso até é amigo do homem, pode uma pessoa estar a dormir muito descansado no campo, passa um lagarto por a cara ou por as mãos, a gente acorda, sabe que está o inimigo ao pé, pode ser uma cobra para nos fazer mal, e a gente nessa altura com um pauzito, ou, pauzito que tem ao pé, que chama-se-lhe a arma branca, mata-o.. ah, quer dizer, ele avisa, o lagarto.. o lagarto avisa, o lagarto é amigo da pessoa. e é contra a mulher. ah, o lagarto é contra a mulher e a favor do homem. e a cobra... é... contra o homem e a favor da mulher.. ah sim? porquê? diga lá. isso nunca tinha ouvido.. ah, porque a mulher... geralmente tem muito medo das cobras, e a cobra quanto mais medo sente à pessoa mais, mais a ataca, e ao passo que o homem... não faz mal.... e o lagarto?. o lagarto é que não faz mal ao homem.. e à mulher faz?. à mulher faz. e a.... então a cobra e o lagarto gostam mais dos homens que das mulheres.. gostam. não, a cobra é contra a mulher e o lagarto é, o lagarto é contra a mulher e o, e a favor do homem. são esses bichos que os podem atacar, por exemplo, a mulher é o lagarto, e a cobra pode atacar o homem quando está a dormir mas tem o lagarto que é a favor dele; se é que está próximo. e há então é o, o tal pato-bravo que é criado nas lagoas que a gente também pode utilizar para comer. o galo, o galo-de-campo, galinha-de-mato que é a galinha-da-índia que a senhora já há-de ter visto nesses montes, não é, em casas assim de lavradores onde há grandes habitações, e então tem essas coisas: galinhas-da-índia, têm patos-da-índia, isso é tudo, hum, sim, é criado no campo, à vontade. e então são estes animais que, que se podem caçar à arma branca... também se podem caçar com arma de chumbo, pois claro.. mas.... há a rola, a rola que é, ah, caçada no, por exemplo no dia quinze de, de quem? de Agosto, é que começa a caçada às rolas. também é um animalzinho que é parecido a um pombo que se pode utilizar para comer, faz até por acaso um belo arroz,. hum!. isso faz.. então, mas diga-me uma coisa, mas a arma branca, então, portanto, quem apanha é o cão.. pois, a arma branca é para uma defesa da gente, a arma branca só, a gente pode encarar com um bicho desses se estiver deitado dá-lhe uma pancada e matá-lo, ah, caso contrário não o mato com uma pancada, está o cão que o apanha. chama-se uma arma branca que é cão. pois.. é o, é o pau.. é o pau." +Portugal/Anos 70/Bavaroise.wav,Portugal,Lisboa,F,51,Década de 70,"bem... deixa-me cá lembrar. chama-se bavaroise de ananás. leva... seis fo[...], oito folhas de gelatina desfeitas numa pequena porção de água, seis ovos, duzen[...], eh, ovos, uma lata de... ananás, em conserva ou um ananás natural, ao natural.. inteiro.. mas eu faço sempre com a lata de ananás. e... agora de repente sem, sem estar assim a, com a receita ao pé, bem, e chantilly.. hum.. para depois enfeitar. agora queres a receita. isso.. a maneira de fazer?. isso.. que é para render mais. olha, ah! duzentas e cinquenta de açúcar. . hum.. leva-se o açúcar ao lume com um bocadinho de água muito pouco e o su[...], e o... sumo do ananás da lata, o su[...], o suco.. pois.. e vai a ferver um bocado para tomar um bocadinho de ponto. depois tira-se, deixa-se arrefecer. deitam-se seis gemas de ovos batidas, depois desse açúcar já estar arrefecido, e as... oito folhas de gelatina que já, entretanto já estiveram um bocado de molho dentro da água; mexe-se bem e volta ao lume... a tomar uma pe[...], pequena fervura. tira-se, deixa-se arrefecer e... juntam-se seis claras batidas em castelo.. hum.. mexe-se... e deita-se dentro duma forma que est[...], que foi molhada com água fria, e vai para o frigorífico. ah, esqueci-me de dizer que se mistura também bocadinhos de ananás partidos muito miudinho, mas não todo, não todo o... da lata. depois no dia seguinte desenforma-se. enfeita-se com o resto do ananás, como se quiser, com as rodelas partidas em meia-lua, é como eu faço, ou em bocadinhos, como se quiser, e com a, o chantilly.. quer dizer que tem que se fazer sempre de véspera.... ah, sempre de véspera. ou de manhã, de Inverno pode-se fazer de manhã para servir à noite. . hum, hum.. mas eu faço sempre de véspera porque simpifli[...], simplifica até.. pois.. e, e pronto. e come-se e é bom.. e tira-se. tem que se estar mesmo gelado para se comer?. ah sim. ah! depois para desenformar mete-se a forma dentro de água a ferver, isso é a técnica de todos os pudins, não é, . hum.. para sair bem, mas desenforma sempre bem. e depois de se pôr o chantilly e enfeitar, volta novamente para o frigorífico, até à hora de servir.. ah pois.. deve ser servido bem fresco.. hum.. é como é bom.. é um doce que eu gosto muito.. como vês a receita, então quando voltares cá a jantar faço esse.. ai, que bom!. faço a bavaroise de ananás.. [...]. a tia, a tia go[...], a tia gos[...], não gosta muito de cozinhar, mas gosta de fazer doces, não é,. não gosto nada de cozinhar.. mas de fazer doces [...]. mas gosto de fazer doces.. ah!... mas e agora como é que faz, sem criada?. faço os possíveis.... mas cozinha muito, faz coisas muito elaboradas?. n[...], não, tudo à base do simples, do muito simples, e... procuro uns menus, umas ementas já minhas esp[...], enfim, escolhidas a dedo para essas circunstâncias porque detesto cozinhar. e procuro coisas que se façam rapidamente.. e o tio é muito exigente?. não! quando há pessoal é um bocadinho, mas quando não há não é. e... aliás até gostam todos muito de, das minhas ementas quando não há pessoal porque é à base de bifes, costeletas.... é bom!. e essas coisas que é o que eles preferem e é o que se faz mais rapidamente. mas... materialmente é o que sai mais caro.. ah pois é, isso é verdade.. peixe nunca entra cá, claro, porque eu abomino arranjar peixe, nem sei, para minha vergonha, e... faço frango, faço alguns pratos de bacalhau, que às vezes, mesmo embora sejam um bocadinho trabalhosos, ah, gosto de fazer e... no fim de contas é mais prático.. hum, hum.. à hora da refeição já está pronto..." +Portugal/Anos 70/Jornalismo em Directo.wav,Portugal,Lisboa,F,62,1973,"faz-me uma, uma certa confusão. como é que pode funcionar uma agência? as, as notícias são monopólio de determinada agência, ou não? através de quê?. não.. de redes de informação, ou de.... não!. quer dizer, há uma corrida grande, não é?. exactamente. é uma corrida contra o tempo.. pois.. e contra a informação. no caso específico da ANI, que é aquele que eu conheço, a ANI tem um contrato com a United Press International, que é uma grande agência americana e que tem os seus correspondentes em todos os pontos possíveis do mundo. tão depressa tem conhecimento de uma notícia, imediatamente por telex. hum, hum.. a envia para o centro, que era em Londres e agora foi desviado para, foi desdobrado antes, para Bruxelas. e dali fazem a selecção das notícias e põem-nas nos circuitos europeus, no circuito africano, ou no circuito do extremo oriente, conforme são notícias que interessam a todos os... ramos, a todos os pontos do mundo, ou especificamente a um determinado. nós, nas agências que recebem as notícias das a[...], da United Press, estamos junto do, do telex a receber aquilo que eles estão a saber momentos antes.. queres-te sentar? . não.. não, deixe. momentos antes. de maneira que... não pode imaginar, eu acho, para mim que é o, a, a forma de jornalismo mais interessante. . hum, hum.. porque este jornalismo de andar a correr na rua a saber as coisas, a ver, a ver às vezes incorrectamente, e a vir para o jornal a correr e dar a notícia e tudo isso, eu acho uma coisa tremenda. pois.. e fatigante. ao passo, você não pode imaginar o que foi, por exemplo, o levantamento da Hungria. em mil novecentos e cinquenta e seis ou cinquenta e sete, não me lembro bem, houve um levantamento nacional da, na Hungria contra os russos. a população veio toda para a rua, libertou o Cardeal Mitzenti, ah, proclamou a sua independência dos russos e os russos, perante a violência... da, do levantamento, disseram que... aceitavam a vontade do povo, retiraram e foram-se embora. e eu, e estavam tudo, estava tudo muito silencioso, toda a gente à espera do que acontecia. numa noite, eram umas quatro da manhã, eu ia a sair daqui e veio-me um rapazinho a correr com a, a fitinha em que dizia 'os russos começaram o ataque.' eu voltei para trás e às oito da manhã ainda estava a dar, notícias do que se estava a da[...], a passar. porque, por uma casualidade muito feliz, a United Press tinha as suas janelas sobre a praça onde estava o centro da revolta. de maneira que o homem, da janela dele, estava a ver tudo quanto se passava, e a mandar-nos. e nós estávamos a viver aquilo como se estivéssemos também nós à janela! ora bem, depois, a certa altura, ele manda dizer 'estão a arrombar as portas lá em baixo.' no prédio! eles mor[...], ele, a United Press estava instalada no segundo andar, 'estão a arrombar as portas no rés-do-chão. sinto-os subir a escada.' a electricidade estava fechada, é claro, não havia... elevadores. ele ouvia o tropel das pessoas pela escada acima - 'vêm pelo corredor!' e depois, sabe o que é estar diante do telex a ou[...], a ver o homem a dizer 'estão a arrombar a porta do meu escritório. rezem pela minha alma!' e parar repentinamente a, a transmissão? deu-nos nitidamente a impressão que tínhamos ouvido o tiro! nunca mais se soube desse homem. . [...]. é uma coisa! nós aqui nas agências estamos a acompanhar o acontecimento em cima dele! . hum, hum.. no momento em que está a dar-se! . hum, hum.. não é como nos jornais que recebem aquela papelada. pois é.. toda e depois põem títulos e depois . pois.. ou, ou, têm que fazer uma triagem, enfim.... pois.. para mim, um trabalho muito mais maçador. aqui não! nós vamos vivendo momento a momento!. hum, hum.. instante a instante aquilo que está a acontecer no mundo inteiro! não pode imaginar a impressão de antiquado, de velho, de ultrapassado que eu tenho quando todas as manhãs vejo chegar o Diário de Notícias à minha casa! são todas notícias que eu dei na véspera.. de maneira que já sei; são tudo coisas que eu já sabia desde ontem. é formidável o serviço aqui! não pode imaginar, é verdadeiramente apaixonante!" +Angola/Um Conto Tradicional.wav,Angola,Angola,M,,1997,"então Domingos, vamos ao conto, que parece gira em volta de que temática mais ou menos? . da prudência que devemos ter na justiça, não é,. portanto, a prudência que se deve ter na justiça, muitas vezes os contos africanos, sobretudo aqueles originários, têm em cada um a sua mensagem. então vamos a mais um, em que o Domingos vai contar. faz favor.. em determinada aldeia, existia uma família que teve um filho deficiente, na perna. essa família foi procurar o médico tradicional, que é o curandeiro, e a partir daí o, a receita que o curandeiro deu é a de... que o filho, que tinha a perna deficiente, usasse uma pulseira, para quando, ou, cada vez que olhasse na pulseira, a tendência seria de melhorar. aconteceu que essa família, no seio desta família, não havia ninguém que possuía a pulseira recomendada pelo... médico tradicional. foi então que... a[...], ocorreram a outras famílias e apareceu uma que tinha essa pulseira, e emprestaram a pulseira, e aí a criança começou a usar e cada vez que olhava, cada vez que andasse, procurava melhorar, e até chegar a melhorar, a pulseira permaneceu. os anos passaram, a criança cresceu, e até que atingiu mais ou menos dois anos, a outra família, foi a, a família que havia emprestado a pulseira, foi buscar a pulseira. quando lembraram-se, já a criança estava grande, forte, e não dava para tirar a pulseira da perna da criança. e ninguém daquela família tinha uma pulseira idêntica para devolver. . portanto uma pulseira com poderes mágicos, não é,. eh, podemos assim dizer, sim.. e muitas vezes na tradição africana, as pessoas usam mesmo, eh, pulseiras, e porque realmente acreditam em qualquer coisa de mágica. quando se vê, muitas vezes, muitas mulheres africanas, sobretudo quando a gente viaja um pouco mais para o interior, a gente vê pulseiras justamente, era mesmo, eh, algumas delas têm qualquer coisa a ver com a tradição.. segundo o que se diz, pelo menos pelos muílas, onde eu andei muito pouco tempo, não é, quer dizer, conheci um pouquinho aí, mas, diz-se que as pulseira têm um poder energético, eh, muito forte, assim para, e que dá resistência às pessoas.. é, com que então vamos retomar o conto. a criança cresceu com a pulseira e a família veio a pedir, a família que tinha emprestado a pulseira.. exactamente. então, como ninguém da família que... tinha o filho deficiente anteriormente, nem, nem deles tinha a pulseira, e a outra família exigia a ferro e fogo que tinham de, de devolver a pulseira, então a solução foi única. cortar a perna da criança para tirar a pulseira. e fizeram. hum, d[...], cortaram a perna da criança e... entreg[...], devolveram a pulseira. passado alguns tempos, aquela família que era possessa da pulseira, teve um filho, nasceu uma criança, que nasceu com os olhos tortos, e foram ao curandeiro, um médico tradicional e este disse 'olha, a criança deve usar um colar, no, no peito, no pescoço', para cada vez que olhasse para este colar, eh, ela, para [...], para cada vez que olhasse para este colar, ela... tendia a melhorar, a endireitar os olhos. então aconteceu que a criança, a de, a outra família teve de recorrer ao, à mesma família que anteriormente lhes havia emprestado a pulseira. então emprestaram o colar e a criança começou a usar, até melhorar... os olhos. passaram-se anos, a crian[...], a jovem, a criança que depois f[...], tornou-se jovem, eh, ficou forte, já ninguém mais lembrava e a outra família foi então buscar a, o colar que havia emprestado. foi assim que chegado lá, ninguém da família tinha o colar idêntico para emprestar. e não havia forma de tirar o colar do pescoço daquela jovem. então, nou[...], a outra família exigia que tivesse que devolver o colar, a ferro e fogo, tal como aconteceu com a pulseira anterior. então não tinham outra, outra alternativa senão cortar a cabeça da... jovem para devolver a pulseira e termina por aí o conto, não é,. portanto, um conto em que, por duas ocasiões, a menina teve que devolver primeiro a pulseira e depois devolver também o colar que custou o pescoço, no caso de, do colar e a, bom, a perna no caso da, da pulseira. portanto, uma mensagem que fica em volta disso. eh, como é que se interpreta este conto?. eh, é que nós temos que ter prudência ao fazer a justiça, não é, quando queremos fazer a justiça para com alguém que nos deve, ou para com alguém que n[...], ou que nos fez algum mal, eh, temos que medir bem o que nós queremos fazer e as con[...], e prever, procurar prever um pouquinho as consequências daquilo que... a gente vai fazer, não é, porque muitas vezes nós agimos por sentimentalismos, emoção a mais, e às vezes não... damos conta que ferimos muitas sensibilidades, não é. " +Angola/O Ensino em Angola.wav,Angola,Luanda,F,,1997,"quando é que se considera que em Angola passou a haver mais ou menos um grupo, ou uma elite a sair formada das escolas, nesta altura, a partir de quando mais ou menos?. bom, formada, depende do que você entende por formada, porque, escola secundária, como digo, abriu ess[...], abriu o liceu em mil novecentos e dezanove e os s[...], o seminário continua a ser uma escola secundária que serviu de formação para muita gente que, que evidentemente nunca chegou a ser padre, porque a maioria dos que frequentaram o seminário não foram padres, mas ficaram com a sua escolaridade de nível secundário. mas eu... acho que, talvez hoje já não se lembrem bem, que a primeira instituição de carácter superior, tirando uma vaga escola médico-cirúrgica do século dezanove que nunca funcionou para formar gente aqui, a primeira instituição de ensino superior foram os Estudos Gerais Universitários, que foram em mil novecentos e sessenta e três. esta colónia, ao contrário de colónias vizinhas, não teve inst[...], eh, qualquer instituição de ensino superior até mil novecentos e sessenta e três. e aí eram os Estudos Gerais Universitários de Angola, dependentes da universidade portuguesa, que em mil novecentos e sessenta e oito se converte em Universidade de Luanda, portanto para toda a colónia, tendo as suas, as suas dependências, também, eh, no Huambo e no Lubango. mas de qualquer forma convém também recordar que há certos cursos que nunca tivemos aqui no período colonial. Direito nunca houve, Arquitectura nunca houve, todos os cursos chamados de Letras não tinham licenciatura, tinham apenas nível de bacharelato. Antropologia nunca houve, Sociologia nunca houve, eh, Filosofia, se não contarmos com a opção seminário, portanto, que tem, como sabe, Filosofia e Teologia na sua formação, eh, nunca houve. quer dizer que não só foi uma universidade tardia, como limitada, e com muitas reservas desde, desde o início, e que [...], e que nunca chegou a tomar desenvolvimento pleno antes da independência, não é, e que foi feita, criada, sobretudo na altura para satisfazer a grande corrente de emigração branca que tinha aumentado muito a população de origem europeia na colónia, que começava evidentemente já a reivindicar a formação na colónia para os seus filhos. o que não quer dizer que alguns angolanos, das mais variadas origens, não tenham também apanhado já esses estudos universitários. mas, é bom termos a percepção que o ensino universitário em Angola aparece muito tarde. e estou a comparar com as outras colónias africanas, não estou a querer comparar com mais nada. portanto, quer a s[...], a escola secundária, quer o ensino universitário são relativamente tardios. é uma caracterização, infelizmente, nossa, do nosso passado, como colónia, nós e as outras colónias portuguesas, um atraso grande no domínio educacional. e os números são muito elucidativos, eh, quando se compara os números do ano setenta, setenta e três, com, por exemplo, os números de setenta e sete, percebe-se o que foi a explosão escolar pós-independência, pode-se mesmo dizer explosão escolar pós-independência, que realmente os dados mostram.. eh, quer dizer que este período vai até mais ou menos à independência, em mil novecentos e setenta e cinco. estamos a falar, mais ou menos, do nível de escolaridade nesta altura... . sim, sim. o nível de esc[...]. e a partir... . o nível de escolaridade sofre um primeiro, eu diria uma pequena explosão escolar na segunda metade da década de sessenta. efectivamente, na segunda metade da década de sessenta, portanto, a seguir a sessenta e cinco, mil novecentos e sessenta e cinco, acontecem duas coisas importantes: acaba a diferença entre a escola dos indígenas e a escola dos outros, portanto, não há mais indígenas e civilizados como estatuto e também na escola o ensino fica unificado, acabou o ensino rudimentar, ensino de adaptação, passa a haver um único ensino. depois depende das posses das famílias, de, de várias condições. portanto não há mais discriminação no ensino, a partir de, de mil novecentos e sessenta e cinco, e isto é um aspecto importante, e isso vai-se traduzir numa primeira explosão escolar, sobretudo no secundário. portanto, no primário, claro, mas também no secundário. as escolas secundárias multiplicam-se, nessa última fase colonial, e enchem-se realmente aí de angolanos de todas as origens. mas isso não chegou, isso não, essa onda não chegou nem ao ensino médio, nem ao ensino superior com muita força. a seguir à independência, portanto, até à independência, mesmo assim, e se você quiser uns números globais que sempre preocupam e assustam as pessoas, eh, acontece que ainda em setenta e dois nós tínhamos no ensino primário apenas meio milhão de alunos, e nessa altura as previsões do, dos estudos feitos, diziam que lá para setenta e nove, oitenta, devíamos ter seiscentos. eu quero lembrar que em setenta e sete, portanto ainda antes da data prevista, nós já tínhamos um milhão de estudantes nos vários níveis de ensino. portanto, e tínhamos, aliás, mais, para ser mais correcta, tínhamos, só no primeiro nível em setenta e sete, um milhão e vinte e seis mil. portanto, e depois tínhamos setenta e nove mil no segundo nível, e noutros níveis mais gente. quer dizer que realmente se pode fazar, falar numa explosão escolar no pós-independência, o que representou, é evidente, uma sobrecarga em termos organizativos, em termos de professores, em termos de, de edifícios, tudo isso. também, não estamos agora a falar de, do momento actual, poderia começar a fazer crítica do que não fizemos no pós-independência, não é, mas isto era para fazer um balanço do período colonial e eu acho que não é brilhante, não. é um balanço que mostra muito atraso, no domínio da educação. em quantidade e em qualidade.. isto... deve-se a alguns factores, quer indicar alguns?. bom, posso indicar um deles que é, é bem conhecido, o p[...], a própria metrópole que nos colonizou tinha um índice de analfabetismo ainda substancialmente alto no século vinte em relação a outros países europeus. eh, por outro lado, o regime que se instala em Portugal a partir do anos trinta, o regime fascista, o regime de Salazar, é um regime bastante retrógrado no domínio científico e é um regime pouco interessado em alargar muito os horizontes e o conhecimento das populações, a não ser na medida em que precisava de formar as pessoas para o trabalho, não é, portanto, escolas politécnicas, escolas técnicas, etc. então, mesmo as universidades portuguesas se ressentiam disso. quando eu disse há pouco que nós não tínhamos certos cursos, eu como estudante fui para Portugal em sessenta e nove fazer História e, e não podia, por exemplo, ir fazer Sociologia, se eu quisesse. não havia um curso de Sociologia em Portugal. a não ser uma coisa ligada aos estudos de política ultramarina para formar funcionários para o ultramar. não havia um curso de Antropologia, como tal, a não ser ligado à política ultramarina para formar funcionários para o ultramar. eh, estou a usar a linguagem da época, claro. eh, e havia, portanto, mesmo nas universidades portuguesas, no domínio das Ciências Sociais, não direi no domínio da Medicina e da Engenharia, onde havia um certo desenvolvimento, mas no domínio das Ciências Sociais um grande atraso, que o próprio regime português criou. quer dizer, colonizado por um país, que já em si tem atraso no domínio educacional, a colónia certamente não vai ter mais desenvolvimento que a metrópole, hum, isso é um aspecto. o outro é que é bom lembrar que Angola só foi totalmente ocupada já neste século, portanto a colónia com estas fronteiras que nós hoje conhecemos como país desenha-se no século vinte. . e voltando um bocadinho no tempo e no espaço, eh, como é que começam a aparecer então, para além da, daqueles casos isolados que já disse, os primeiros doutores, ou aqueles que aparecendo, talvez fossem os assimilados daquela altura, com um nível mais ou menos equiparado ao doutoramento? há casos isolados, como é que se explica estas, bom, estes que aparecem?. doutores sempre teve muito poucos. eu, eu, eu acho que hoje em dia, com a proliferação de doutores que a gente tem, eh, tende a projectar para o passado esses nossos, essas nossas maneiras de observar. doutores sempre houve muito poucos. eh, mesmo falando licenciados, já não estou a dar esse desconto, que aqui s[...], chamamos doutor a qualquer licenciado, mas, mesmo licenciados houve muito poucos, para as próprias necessidades da colónia. isso era uma, uma reclamação feita, quer pelos filhos de colonos quer pelos filhos dos colonizados, era uma, uma, um protesto, uma reclamação sempre sentida. a questão dos, entre aspas, civilizados, ou entre aspas, assimilados, é outra questão, isso não tem que ser doutor, é uma questão de ter adoptado, incorporado e aplicar um modo de vida mais, eh, próximo das influências culturais europeias, e isso sempre houve ao longo da história de Angola, grupos e camadas sociais, uns mais letrados, outros iletrados mas adoptando certos usos e costumes, isso sempre teve ao longo da história de Angola, e depois, agora, seria preciso analisar em cada período o que é que isso significou. " +Angola/A Guerra e o Ambiente.wav,Angola,Luanda,M,40,1997,"eh, doutor João Serôdio, os fluxos migratórios que ultimamente se têm registado, um pouco por toda a África, e também dentro do nosso país teriam provocado graves consequências ao ambiente. em volta disto, o que há a dizer-se?. os fluxos, os fluxos migratórios que sempre houve em todo o mundo provocados por desgraças, por guerras, fomes, secas, etc., por cataclismos naturais ou artificiais, dependendo da quantidade de pessoas que se mo[...], que se m[...], m[...], mobilizam de um lado para o outro, claro que traz sempre grandes desvantagens, sempre grandes desequilíbrios ambientais. nós sabemos que o ser humano como qualquer outro animal, desde que ultrapasse... a u[...], a u[...], a capacidade de utilização da natureza, essa natureza tem que ficar prejudicada, tem que ficar de[...], depletada, tem, tem que desaparecer, árvores, plantas, frutas, ah, exi[...], depo[...], co[...], surgem os problemas de erosão pelo excesso de passagem de pessoas, de movimentação, basta apenas os pés a baterem no chão para poderem de[...], desagregar terrenos, para poderem, depois, com a acção das chuvas, essas... pequenas, esses caminhos, não é, serem... utilizados, serem, através das chuvas, do movimento das águas que corre, não é, sobre essa superfície lisa, arrastarem terras, e começam a surgir as, as, as ravinas, pequenas ravinas primeiro, depois maiores ravinas se não houver um trabalho contrário. portanto, sempre que há uma movimentação excessiva de pessoas de um lado para outro, claro que sempre, isso sempre t[...], são, eh, transformadas em problemas ambientais. isto, mesmo que não haja grandes quantidades de pessoas, basta apenas transferir populações de um, de uma dado, de um determinada zona ecológica, habituados a fazer uma agricultura que aprenderam ao longo de milhares de anos com a experiência do erro... cometido, portanto, acerto, erro, acerto, erro, acerto, as populações que se habituam a viver em determinadas áreas aprendem a viver em equilíbrio com a natureza. se, de repente, por qualquer motivo, você pegar essas populações de populaçõ[...], de... rurais, portanto, de agricultores e transferi-los para uma zona ecológica que eles não estão habituados, a primeira coisa que eles vão fazer é pôr em prática aquilo que estão habituados a fazer. portanto, os, os cultivares que eles vão fazer, as, os amanhos da terra vão ser adaptados à zona donde eles são originários. aí começam os desequilíbrios, porque provavelmente, naquela nova zona onde eles estão, se tiver condições ecológicas diferentes, claro que o amanho, o, a gestão da terra tem que ser de formas diferenciada daquelas donde eles são originários. portanto, já isso, mesmo que não haja excesso de populações, mesmo isso já prejudica a própria natureza. agora imagine o que se passa no Rwanda em que são milhões de pessoas que se deslocam e ficam concentradas durante meses no mesma região em que destroem completamente todo o coberto vegetal. claro que isso é um cataclismo mesmo.. eh, doutor João Serôdio, no nosso caso de Angola, com as movimentações constantes de grupos de pessoas, eh, provocadas por situações de guerra, essa questão não se põe também?. problemas ecológicos, como disse, já dei há bocado o exemplo, acontecem em Angola permanentemente e acontecem desde a independência de Angola. a transferência de populares, camponeses, por exemplo, do planalto central para as regiões de Luanda, regiões de Benguela e Lobito, o Namibe inclusivamente, em que eles vêm com hábitos culturais do Lubango, do Huambo, por exemplo, da província do Huambo, onde chovem mil e seiscentos milímetros por ano, e vão para as zo[...], zonas semi-áridas, mas as técnicas de cultivar são as mesmas que eles utilizavam no Huambo. claro que esssas, essa situação prejudica imediatamente as situações, a, a, a, os locais para onde são levados, o exemplo, Luanda, à volta de Luanda, à volta do Lobito, Benguela, e mesmo Namibe que é um deserto, as populações do su[...], planalto central ao deslocarem-se para ali provocaram dese[...], dese[...], grandes desequilíbrios ecológicos locais, na, na, no, no, nesses locais. primeiro, porque é uma zona semi, são á[...], zonas semi-áridas, não é, toda a costa angolana, mais ou menos, inclui-se numa, numa, numa zona que ecologicamente se diz semi-árida, ou, e, e esse, e essa situação semi, dessa, essa, esse bioma semi-árido tem características de equilíbrio muito especiais. se nós alterarmos esse equilíbrio, claro que estamos a destruir a natureza. portanto, em Angola, está farta de ter exemplos, por toda a Angola, está farta de ter exemplos de destruição ambiental. não é preciso ir muito longe, a própria população do Huambo, que se concentrou devido à guerra, aos, aos problemas da guerra e ao desequilíbrio... políticos e militares, que se concentrou durante anos à volta das cidades. hoje à volta da cidade do Huambo, ess[...], à volta da cidade do Bié, praticamente o terreno está completamente despido de vegetação. e v[...], nota-se de avião quem chega, não é, eh, porquê? era até, as populações locais iriam até onde podiam ir. ainda ontem, por exemplo, de Saurimo, nós saímos da cidade de Saurimo, que é uma cidade pequenina, mas onde existem, neste momento, vinte ou trinta mil desem[...], eh, desempregados, portanto, pessoas refugiadas e, a toda à volta de Saurimo, pelo menos num raio de dez a vinte quilómetros não há vegetação, não há árvores. árvores todas foram destruídas. só a partir daí depois é que se começa a ver outra vez a floresta. . sim, [...] tanto quanto conhece lhe permite fazer qualquer ligação desta, deste desaparecimento de vegetação com desaparecimento também de chuvas.... claro que ao retirar o coberto vegetal, eu estou imediatamente a provocar a situação do surgimento de ravinas. a água da chuva, é, são, zonas que continua a chover intensamente. essa água da chuva cai directamente no solo, desagregando esse solo e arrastando-o depois para os rios. portanto, as ravinas do Moxico, as ravinas do leste de Angola são todas provocadas pelo excesso de população que retirou ao solo o coberto vegetal que fazia a protecção física e mecânica, física, mecânica, claro, e química também, fazia a protecção desse solo. vejam, uma chu[...], se você estiver debaixo de uma árvore a apanhar chuva, a água chega a si já pulverizada, porque ela bate nas folhas, as partículas de água são, são desagregadas e portanto quando chega ao solo já vem sem força, porque houve uma f[...], uma primeira parte que amorteceu a queda da água, da, dessa gota de água, portanto quando chega ao solo já sai l[...], cai lentamente. depois disso as próprias raízes das plantas, das árvores e dos capins têm incapacidade de retenção do solo. você não consegue arranjar, arrancar um pé de capim, por mais fraquinho que seja, se não vier com um torrão de terra agarrado. quer dizer que a própria raiz da planta segrega uma determinada produto que faz uma cim[...], faz, provoca um cimento, uma agregação das partículas de terra em volta das suas raizes, até para se poder agarrar, para se proteger, senão era levada pelo vento, qualquer vento podia arrancar uma planta. portanto, toda essa acção física e química faz a protecção do solo. se você retira o coberto vege[...], vegetal, seja ele de árvores, ou de arbustos, ou de capins, não é, de... herbáceas, ou de gr[...], de gramíneas herbáceas, você está imediatamente a tirar ao solo a capacidade de defesa. essa solo já não tem mais capacidade de, de, de, de contenção e é arrastado pela água corrente.. eh, olhando para todo esse panorama ambiental, assim, é possível fazer-se qualquer coisa para evitar que esta degradação seja ainda acentuada nos próximos tempos que, já que as consequências são visivelmente graves?. nós não podemos pensar se é possível fazer. nós temos que fazer, que é diferente! nós temos que fazer! e há, desde que haja vontade das pessoas, desde que haja vontade política dos governos, tudo se pode fazer. e temos que fazer mesmo se não queremos correr o risco de desaparecermos da superfície da terra! todas as acções que nós estamos a provocar nefastas ao ambiente vão ter repercussões na nossa própria sobrevivência. ora, nós não n[...], devemos ser loucos ao ponto de querermos o nosso... próprio desaparecimento, o suicídio da espécie humana! portanto, nós temos que fazer mesmo e temos e podemos fazer! ora, como? como é que podemos fazer? podemos fazer através de vários métodos. primeiro, você tem que convencer as pessoas que, do que têm que fazer, para isso tem que os informar. ora, para isso tem que haver, primeiro estudos, tem que haver informação, tem que haver uma campanha de educação ambiental, tem que haver uma c[...], de, campanha de educação cívica, para as pessoas se poderem respeitar, tem que haver uma série de acções que levem as pessoas a compreender o porquê das coisas. após essa compreensão, você tem moral para punir aqueles que não querem fazer. eu não posso, ou não devo punir uma pessoa que não tem consciência do que está a fazer. faz as coisas porque não sabe. bem, essa pessoa deve ser alertada, deve ser admoestada, mas não punida. deve ser educada primeiro. a partir dali, a partir do momento em que ela tenha consciência de que está a faze[...], a cometer um mal, então a partir daí, nós podemos entrar com a parte coerciva, quer dizer, obrigar a pessoa a fazer desta ou daquela maneira, e há muitas formas de actuar coercivamente. portanto, há aqui já dois aspectos que têm que se, que fazer. para actuar coercivamente, você tem que ter leis, porque nós não podemos trabalhar sem leis. tem que haver leis. então, há dois aspectos importantes que é, primeiro, fazer a ed[...], a campanha de educação ambiental, alertar as populações, para que a maioria tenha consciência do que está a fazer e do que deve ser feito, como pode ser feito. segundo, ao mesmo tempo fazer publicação de leis para que logo a seguir seja possível a aplicação de acções coercivas - obrigar as pessoas a - outr[...], há muitas maneiras de acção coerciva, como disse, e depois continuar com a investigação científica para, cada vez mais, aumentar o nosso grau de conhecimentos.. também de, sobre políticas a nível de... ambientalistas africanos, eh, parece que se pensa em... sensibilizar governos, em estudar estratégias de contrapor a tanta destruição do ambiente em si. é, é possível nesta região continental fazer-se políticas concertadas entre os vários países próximos?. isso faz parte já, é uma política que já está a ser... levada a cabo. a existência da própria CADC, isto na nossa região, a própria CADC é exactamente isso. é uma tentativa dos países da própria região coordenarem-se em vários esforços entre eles também a protecção do ambiente.. [...]" +Angola/O Jovem Gaspar.wav,Angola,Luanda,M,22,1997,"vamos à conversa com o jovem Gaspar, com... um jovem de vinte e dois anos que em Luanda como outros jovens tem uma situação particular. muito cedo abandonou os familiares, por situações que ele próprio vai explicar. . por isso é que vamos saber também se trabalha.. sim, trabalho, não é, e é do meu trabalho que eu consigo sobreviver. . é. o salário satisfaz?. sim, sim. de facto. satisfaz.. podemos saber quanto é que ganha?. duzentos dólar, vamos assim dizer.. e com duzentos dólares é possível fazer-se frente a tudo, eh, à vida, ao custo, e... como é possível sair-se desta situação, assim, sem grandes problema?. bem, primeiro, é que eu vivo só, não é, vivo só, e, portanto, com... os duzentos dólares que eu ganho eu consigo, pelo menos, eh, fazer as minhas compras e comer, não é, durante o, o, o mês todo. durante trinta dias.. é só porque vive só é que esta facilidade lhe está, é porque, é só porque vive só é que tem esta facilidade?. sim, sim. é porque tenho essa facilidade. porque se fosse, se eu vivesse com mais alguém acho que esse dinheiro, di[...], dinheiro não chegava. nem para mim, nem para a pessoa com quem eu vivesse e para o meu filho.. [...] também falando um bocadinho das condições sociais, o Gaspar, por exemplo, tem à sua disposição um meio como um televisor, um, as suas condições, eh, em casa, tem meios que, que lhe sirvam para dizer que leva uma vida regular.... bem, em casa eu não tenho meios. eu não tenho esses meios, em casa.. portanto, eh, conte-nos um bocadinho a sua experiência desde sair da família e viver sozinho e mais ou menos equiparado aos outros jovens da r[...], de Angola. . bem, eu vou mesmo começar pela, pela minha família, não é, eu saí de casa, d[...], aos treze anos e portanto comecei a dormir f[...], em casa dos amigos, não é, hoje dormia em casa de um, amanhã de outro, amanhã comia ali e assim sucessivamente, não é, inclusivamente, até fui parar a um sítio que, mesmo aí próximo do Marçal, não é, perante uns amigos bandidos que roubavam e fumavam liamba, roubavam as suas coisas e metiam ali, não é, então eu vi, v[...], verifiquei que ali não era o sítio ideal para mim, não é, então fui trabalhando normalmente, primeiro fui trabalhar numa serra[...], serralharia, não é, e onde fiquei aí duas semanas e depois tive de sair dali e fui para a Feira N'Goma, não é, que é lá quando comecei a minha experiência de hotelaria e três meses depois fiz o curso de hotelaria, aprovei, não é, como um dos melhores empregados, e fui para o, o Afrodisíaco funcionar como empregado de mesa e depois passei para o Farol Velho durante cinco meses e agora continuo no, no Imoca, não é, a trabalhar, normalmente.. e, Gaspar, porquê então ter-se afastado da família, algum motivo, e assim tão cedo? eh, será, terá havido alguma razão?. exacto. há razões sim. porque, primeiro é que eu tive problemas mesmo com a família. sim tive problemas com a minha família, não é, e portanto a minha mãe faleceu muito cedo e de. eh, então depois de ter perdido a mãe, o que é que se deu?. sim, não é, a minha mãe era uma pessoa que teve muitos problemas com, com a mãe dela, não é, e depois dela ter morta, parece que o sofrimento dela toda recaiu sobre nós, não é, a família parece que não queria responsabilizar-se de nós, porque nós somos três, então, estávamos separadas, não é, uma estava num tio, outra estava numa prima e outra, e outro estava na avó que sou eu. só que esta avó, portanto, não sei se ela gostou da minha pessoa ou não gostou, maltratava-me muito. então foi a razão no qual eu tive de sair mesmo da minha família e arranjar um cantinho que é para mim poder viver sozinho trabalhar normalmente, para mim poder sobreviver. . eh, nesta altura, quantos anos tinha?. bem, treze, treze anos, nessa altura.. e aos treze anos lembra-se de algum drama, eh, como é que eram as noites, a sua sobrevivência e como é que conseguiu até hoje manter-se?. bem, eh, naquel[...], na[...], naquele tempo, portanto, como eu já antes tivera dito, não é, eu dormia hoje aqui, amanhã ali, às vezes, eh, portanto, dormia mesmo na rua assim ao ar livre. e mais tarde eu verifiquei que estava, estava, estava mesmo a caminhar muito mal, não é, estava que nem um menino de rua e no entanto eu tive de fazer o esforço, poder trabalhar um bocadinho para ver se conseguisse um tecto para mim, não é, e até que eu consegui um tecto para mim viver.. e hoje o Gaspar vive, eu já visitei a sua casa e conheço mais ou menos e como é que conseguiu então encontrar um espaço?. bem, na altura, eu estava a trabalhar com um branco. esse branco confiou tanto em mim que, e, que disse que eu tinha que trabalhar ao lado, ao lado dele, eu tinha que ir viver ao lado, ao lado da casa dele. no entanto ele mandou-me procurar um quarto, e como eu já tinha quatrocentos dólares em casa, então estava a andar com um amigo e este amigo começou a procurar o quarto para mim durante três meses. e nós conseguimos um quarto mesmo na Mutamba. [...]. e qual é a sua maior aspiração depois de ter conseguido ultrapassar com muitas dificuldades ao, ah, de ter-se triunfado na vida, digamos assim, com algumas dificuldades, qual é a maior aspiração para o futuro que pensa realizar?. bem, a minha aspiração nesse momento seria mesmo trabalhar na informação, porque eu... tenho o, o segundo ano de jornalismo, não é, apesar de não ter terminado, faltavam dois, e portanto, eu me esforço um bocadinho que é para ver se entro, portanto, na Rádio Luanda, ou em qualquer emissora que é para mim poder aprofundar um bocadinho a minha experiência, porque eu sei na realidade que, acho que a minha, minha vocação seria mesmo rádio.. é, portanto com esta vocação, eh, pensa encontrar talvez algum caminho para... tirar ou para compensar alguma coisa que no fufu[...], no passado não teve, ou pensa com isto ajudar algumas pessoas que tenham experiência parecida à sua?. não, ajudar, para as poder ajudar algumas, algumas pessoas que têm que, portanto, praticamente estão na minha situação, não é,. de que maneira, mais ou menos?. eh, portanto, eh, eu, da forma em que eu vivi, não é, já estando num, num, portanto, num órgão assim de informação, eu poderei comentar a minha vida a muitos daqueles que também vive a me[...], a mesma situação. portanto, eu não roubei, não é, e eu espero que muitos jovens também não roubam ao, ao, portanto, ao quererem recomeçar a vida, não é, então, é essa a mensagem que eu pretendi e pretendo, pelo menos ainda, dar a conhecer às pessoas, não é,. e Gaspar falou-nos um pouco de, da morte de sua mãe, não nos falou do pai, e em que situações é que isto aconteceu. conte-nos um bocadinho da sua situação familiar quando estava com o pai e mãe, como é que foi?. bem, quando eu era mais pequeno, mais pequeno ainda, digo mesmo, eh, eh, a, a, o pai e a mãe t[...], também tiveram muitos problemas, que eu ainda recordo uma luta de minha mãe e de meu pai. e d[...], após a morte, portanto, o meu pai separou-nos e eu estou, há quase vinte anos que não vejo o meu pai, e nem sei onde está nesse momento.. lembra-se de algum motivo, terá, terá sido alguma pessoa que bebia muito ou, não, não tem mais ou menos ideia de como era o pai, a figura que marca que tem?. bem, o meu pai é uma pessoa que bebia muito, de facto. bebia e depois até fazia confusão. eh, recordo-me, uma das vezes, ele bebeu e foi lá para casa de, de, dos meus avós e... levou assim umas coisinhas para mim: calções, um par de, um par de sapato e, desde aquela data até hoje, eu hoje não consigo ver o meu pai, e eu tenho certeza absoluta que se eu o ver na rua ainda posso esquecer dele.. eh, que receptividade é que você tem com a família, com a, a que esteve ligado, e que de uma certa maneira você tem reservas muito negativas?. bem, nesse momento eu não ligo à minha família. eu não estou, não, não, não, não, não dou assim mui[...], muito, muito bem com a minha família, não é, embora, embora eles me tirarem do sítio onde estava, porque eu estava mesmo muito doente. mesmo já em minha casa estava muito doente. e, portanto, foi a família que me pegou e levou-me ao hospital, fiquei três meses lá, então, eu também devo agradecer a essas pessoas. mas há outras f[...], há outros familiares que nem sequer queriam botar a mão em cima de mim. essas pessoas irão pagar um dia.. eh, irão pagar de que maneira? não pensa numa reconciliação, ou pensa retaliar pela mesma moeda?. bem, reconciliação, hum! reconciliação eu não digo, não é, porque até agora abandalham-me. até agora abandalham-me. prontos, também não vou sujar as minhas mãos de sangue, não é, mas irei utilizar uma vingança límpida, chamo assim." +Angola/Meninos da Rua.wav,Angola,Luanda,M,27,1997,"eh, António dos Santos, você trabalha com o padre Horácio desde quando?. bom, desde, posso assim dizer, desde o início mesmo do, da, da caminhada. nós começámos pela rua, na área praticamente do Eixo Viário, quem desce para o Quinaxixe. eh, a princípio foi um pouco assim, meio difícil, não é, porque ainda não tínhamos aquela, prontos, ah, aquela força total para poder... . e... . eh... . Toni, como é que era este trabalho, vocês saíam às noites, iam ao encontro dos grupos de meninos de rua, meninas de rua, também, não é,. bom, eu praticamente, actualmente já existe meninas de rua, mas antes nós trabalhávamos só mesmo com meninos de rua. eh, nós íamos as noites, íamos às noi[...], às noites ao encontro dos, dos tais meninos. levávamos às vezes comida, cobertores e isto para fazermos a distribuição a estas tais crianças. se encontramos assim agrupados num sítio, eh, mantemos um diálogo com eles, uma sensibilização e tal, por aí, devido certos vícios que na rua também eles, estas tais crianças adquirem, não é, e, prontos. posteriormente, damos a, a... comida, ficamos um tempo com eles e voltamos para a casa. assim sucessivamente o nosso trabalho foi, eh... . vocês todas as noites tinham esse trabalho, até mais ou menos ao amanhecer?. sim, nós, eh, começávamos o trabalho, praticamente entre... dezanove e tal, até lá para as uma e tal, porque as crianças, ah, entre dezoito, dezanove e vinte é um pouco difícil de serem encontrados num sítio, porque é a hora em que eles vão à procura de, prontos, alguma, alguma coisa para comer e tal, e é entre as zero hora, duas, um[...], da uma da manhã eles estão a dormir. então ali nós acordamos estas crianças, apesar que é um pouco de sacrifício, não é, eh, e é, é incomodar a criança enquanto está a dormir, mas é aquela hora que nós achamos porque, prontos, eh, é logo, é a hora em que eles estão ali, eh, praticamente, assim, eh, reunidas. mas isto aconteceu só aqui, na, entre Eixo Viário, eh, Eixo Viário, no... Quinaxixe, no, aqui a área do banco, posteriormente nós fomos até à ilha, porque na ilha onde nós estávamos já assim aglomerados, podemos assim dizer. portanto, praticamente, lá já exis[...], estava assim como um acampamento, onde tinham, ala[...], da, assim, as crianças totalmente já bem controladas. ali o programa era diferente. já tínhamos assim a, a, a oportunidade para ter aulas de explicação, já tínhamos assim um, um, um sistema multi-educacional, posso.... esta educação era mais, eh, moral, vocês transmitiam algum conhecimento, como é que era isto?. bom, eh, nó[...], da, era tudo. moral, da, da, da, religioso, educação, assim, já académico também que era parte de aulas, eh, académicas, eh, porque, também nós já estávamos a pensar no, no futuro deles que é a, a, a... matrícula nas escolas, nas escolas oficiais, porque nós já estávamos a contar com a vinda para aqui, aqui no, no, no Palanca, não é, e prontos, então apla[...], apla[...], apla[...], apla[...], aplicávamos esta, esse sistema para tirar mais ou menos uma parte do vício que elas já, já, já tinham. porque totalmente as crianças estavam assim, bem inundadas com o vício.. e, portanto, e, con[...], conte-nos um bocado como é que era a situação dessas crianças, em que condições é que vocês encontravam, como é que elas viviam, como é que elas dormiam, alguma coisa assim mais mais.. bom, essas crianças, eh, praticamente, nós encontrávamos totalmente drogadas. drogadas com vários, já vários, vários produtos, que é a droga mesmo. a droga... são os comprimidos, então, ingeriam a gasolina, o álcool, o tabaco, que é o liamba e o cigarro, isso exclusivo, e foi um pouco assim. às vezes tínhamos... um pouco de dificuldade como contactar com essas crianças, porque nós não tínhamos assim, praticamente uma formação, uma formação para de, para, prontos, corresponder ou estar em contacto com essas crianças, mas com a ajuda de Deus, não é, tudo foi possível, nós conseguirmos, eh, contactar com essas crianças. tarde depois é quando, eh, com... os conhecimentos ou com a evolução do tempo, a UNICEF apareceu, deu-nos uma formação, prontos, um semi[...], promoveu-nos um seminário, não é, de capa[...], de capacitação, isto para, com estas crianças mesmo de rua. e ali [...] vimos o trabalho um pouco mais diferente e dali fomos... vivendo com o tempo.. e algumas dessas crianças que vocês encontravam nesse estado, em estado de droga, já estão, estão completamente recuperadas, lembra-se de alguma que está recuperada e está aqui convosco neste centro?. bom, actualmente, das que, as que encontrávamos assim totalmente drogada, uma ou duas crianças, posso me lembrar delas, está, portanto, estão, estão cá no Palanca e o restante já foram encaminhadas para a família, porque isso também é um dos nossos objectivos de, portanto, que é da instituição, promover a vida e os direitos da criança com vista à sua autonomia na sociedade e à sua reintegração na sociedade, porque nós já vimos de, devido um certo tempo, não é, as crianças já estão totalmente assim bem, eh, reintegrada, se eu posso dizer, nós vimos que, não é, eh, achamos conveniente reinseri-los para a família de, para as suas famílias. não é isso.. e, com que então, eh, também falava-se que nesta altura vocês já haviam tido algumas dificuldades, sobretudo quando protegiam as meninas de rua, falava-se das meninas de rua que muitas vezes eram assaltadas, por indivíduos, até por grupos policiais, conte-nos um bocado como é que era isto.. bom, quanto às meninas de rua, bom, a, o tempo em que nós estávamos a... ter contactos com as, com os rapazes, eh, os meninos de rua, bom, aquelas [...] eram consideradas, assim, como prostitutas, não é, posso assim dizer, eh, passe o termo. eh, nós protegíamos estas crianças devido também ao, à boa parte de caridade que nós temos, não é, o amor, não é assim, bem, bem elevado, se eu posso dizer, porque, eh, eu, aconteceu o problema do, duma menina, esqueço o nome, que foi baleada por um polícia lá no, na Mutamba, que na qual, eu e o padre Horácio é quem acompanhámos ela até ao hospital, não sei se, não acompanhei mais a, a, a, a evacuação dela da, da, da, do hospital para fora de, de an[...], de Angola, não é, porque ela foi mesmo evacuada fora de Angola, eh, mas [...] o problema foi assim, eh, uns polícias, não é, encontraram as tais miúdas a deambularem no, na, na área da Mutamba, entre o, o b[...], o, o prédio do Ministério das Finanças... é naquela área ali. então as meninas estavam assim, nos, no meio de, de alguns rapazes que são amigos dele, e prontos, a polícia estava a fazer aí a sua patrulha, [...], o seu patrulhamento e tal, prontos, e os rapazes conseguiram escapar-se e foram. e as meninas ficaram. assim que ficaram, não sei se eram mesmo polícia assim, posso assim dizer, não é, polícias, eh, nacionais, mas eles estavam fardados à polícia e levaram as meninas, forç[...], tentaram forçar as meninas para levar. uma delas é que estava... a refilar. e prontos, ainda conseguiu escapar-se das mão dos, da, da, dos polícias, ficaram-se a me[...], meteram, meteu-se a correr, e prontos, foi baleada mesmo ali. os polícias levaram as duas e foram, deixaram aí a menina. assim quando nós vínhamos do Baleizão, eh, para vir à Mutamba para estar em contacto com outras criança, encontramos a menina... a gritar. e dali, prontos, vimos pelas horas, era um pouco tarde, evacuámos a, levámos até à Quinta Avenida. . nesta altura os polícias já não estavam?. já não estavam os polícias, nessa altura. os polícias já não estavam, eh, fomo[...], levámos até à Quinta Avenida. a irmã Danuta, que é uma ma[...], uma, uma madre, que está também ligada dentro deste projecto, fez o, os primeiros socorros e, prontos, eh, passou aí a noite, no dia seguinte... levámos... para o hospital Josina Machel. houve apen[...], algumas pr[...], complicações, mas com a influência da irmã Danuta, como ela é, é médica, médica, prontos, não foi assim muito, pouco difícil rejeitarem a miúda. . e lembram-se de alguns abusos que estas crianças tenham tido e que vocês tenham sido os verdadeiros protectores, como muitas vezes se diz, abusos sexuais, sobretudo contra as tais... sobretudo meninas?. bom, eu não me lembro na, na, nenhuma, na, na, num, nenhuma acção desse tipo, porque, prontos, na altura em que nós estávamos a, a trabalhar com eles, não aconteceu assim lá tanto, tantos abusos." +Brasil/O Acidente.wav,Brasil,Rio de Janeiro,F,71,Década de 80,"dona Dália, mas nós estávamos falando de religião, não é, . certo. . o brasileiro sempre diz que é católico, mas ele nunca pratica. . é, exacto.. é assim que você sente, também? . é, eu sinto assim, não é, eu, se passo na frente de uma igreja e me dá vontade de entrar ali, rezar um pouquinho, vou, rezo... e venho-me embora. inclusive não posso me ajoelhar. depois que eu fui atrop[...], sofri um acidente de carro. foi? . eu não posso me ajoelhar, é. . conte esse acidente. como foi esse acidente? . olha, o primeiro, eu vinha saindo do consultório, do raio-x. . ham.. tinha fechado o consultório, lá em Bonsucesso e vinha-me embora. eu nunca olhei tanto para atravessar uma rua como naquela noite. olhei para um lado, olhei para o outro, não vinha nada. vou atravessando, mas, contramão veio um carro, em toda velocidade, e eu, por instinto de defesa, não é, fiz assim para o carro, para empurrar o carro! aí, levei uma trombada no meio-fio, fui bater no outro meio-fio. então, bati, estava com esse relógio. hum, hum.. bati de barriga para baixo, não é, . sei. . com o joelho. assim, eu bati assim no chão. . hum, hum.. aí vieram chamar, era muito conhecida ali, porque eu sou assim, me dou com todo mundo, não é, aí, 'aquela moça do raio-x foi atropelada e tal!' e eu dizia 'telefona para o, para o Mourão Neto.' . sei.. que era o meu patrão, não é, o dono do raio-x. . hum, hum.. aí foram telefonar para ele. ele foi para o Getúlio Vargas me esperar. aí me pegaram e puseram dentro de um carro. mas eu s[...], estava sentindo só o joelho.. sei.. cheguei lá, o Mourão Neto estava pensando que eu estava toda arrebentada, não é, . ham, ham.. estava já com uma maca ali, que ele é médico, não é,. hum, hum.. e ele disse 'ah, dona Dália! eu pensei que a senhora estivesse toda arrebentada. não está não, graças a Deus.' aí fomos. no joelho não dava nada. e eu estava sentindo dor neste braço. esse braço é que é quebrou aqui. sei.. um pouquinho. aí ficámos naquele negócio, bateu radiografia, ele me deu para eu ver e tal, eu vi 'é, não tem fractura nenhuma, não'. mas eles me imobilizaram o braço, não é, . hum, hum. . e vim para casa, ele me trouxe aqui em casa, eu passei uma noite horrível, cheia de dores. . hum, hum. . aí ele de vez em quando telefonava para casa, eu sentada naquela cadeira e... eu atendia o telefone, e assim passaram-se uns dois ou três dias. ele disse assim - eu es[...], chamo ele pelo apelido, não é, tenho conhecimento com ele, não é, - 'Toninho, está doendo demais.' 'e a senhora estava chorando?' eu disse 'eu estou, chorando de dor.' 'então a senhora vem aqui no consultório'. mas nisso eu já tinha batido uma porção de radiografias, não é,. hum, hum.. inclusive eu lá na casa de saúde de Bonsucesso, quando uma das enfermeiras me viu, ela ficou apavorada, porque tinha visto eu ser jogada uns dois metros de altura e cair no chão. então ela pensou que eu tivesse morrido! . é. hum, hum.. quando ela me viu, disse 'dona Dália, como é que a senhora está andando?' eu disse 'pois é, não sei, é só o braço.' bom, a conclusão: aí eu fui bater radiografia no consultório aonde eu trabalho. um colega meu que bateu, não estava dando, aí, ele pegou e tirou. assim é que apareceu. . hum, hum.. eu tive que operar, depois tirar o pedaço do osso. bom, esse joelho ficou meio ruim. depois agora, aqui há uns anos também, com o meu neto numa kombi, que eu tenho horror a kombi. ele comprou uma kombi, eu ainda disse para ele 'ih, meu filho! sua avó não gosta de kombi.' 'ah! que nada avó.' bom, eu ia experimentar um vestido numa sobrinha na cidade. hum, hum.. que eu também coso, às vezes. e eu ia para lá, ele disse 'ih, avó, entra aqui.' tudo bem. quando nós íamos, depois da Praça Sêca, a kombi, esse negócio, eu não entendo muito bem não, parece que faltou freio, eu não sei o que é, de carro eu não entendo nada. . [...]. eu sei te dizer, minha filha, que o carro não parava de jeito nenhum. foi e ele, então, puxou para o lado do meio-fio, aonde tinha um caminhão, desses feito de alumínio, a kombi foi... . é. ih!.... lá de baixo, e ele pegou, porque ia eu e ele na frente, não é, eu assim com o braço no, nas costas dele. ele pegou, me puxou por aqui. ele saiu fora da kombi, ele caiu lá fora, não sei como ele não foi morto. . é.. e eu fiquei presa entre os ferros. também machucou esse joelho, o mesmo joelho, não é, . é.. e deu aqui, oh! aqui e aqui.. hum, hum.. deu aqui, talhos, e de maneira que eu não posso ajoelhar por causa disso, não é, . é.. tanto quando eu vou a, a uma missa, qualquer coisa, eu não ajoelho de jeito nenhum. não posso mesmo. tenho que ficar mesmo é em pé. " +Brasil/Viver com os Outros.wav,Brasil,Rio de Janeiro,F,57,Década de 80,"e escuta, os pais da senhora, eles faziam o quê? . meu pai é funcionário público. . hum.. era, era. agora é apo[...], aposentado, não é, e minha mãe era doméstica, trabalhava em casa. . nunca trabalhou fora também, não? . não, minha mãe nunca trabalhou fora. minha mãe nem não ia na rua fazer compra. . é?! . meu pai que fazia tudinho. meu pai que ia na, no açougue, na quitanda, antigamente era quitanda, não é,. é.. hoje, hoje é supermercado, não é, antigamente era na venda, não é,. na venda.. é. antigamente, era venda, não era supermercado. meu pai que fazia tudo.. [...] . minha mãe não ia na rua comprar uma verdura. depois nós fomos crescendo, ela mandava 'vai ali na quitanda comprar uma couve. vai na horta.' tinha, tinha horta aqui em Inhaúma, não é, minha mãe nunca [...] minha mãe não atendia telefone! . ah não?. ai, mandavam, quando mandavam chamar no telefone, ela não ia. ela não falava em telefone. . não gostava? . meu Deus! . não. . bem do... . é. mas, se você olhasse assim, não dizia. minha mãe era uma mulher que se vestia direitinho, assim, na moda.. hum.. entende, cortava cabelo, na moda também. mas não atendia o telefone. . certo! hum, hum. e escuta, dona Nadir, depois que o, que ma[...], daqui a alguns anos e tal, quando todos os filhos da senhora já estiverem casados e tal, a senhora, a senhora e o marido pretendem fazer o quê? . bom, eu, é o que eu digo. eu... falo para você, queria morar num apartamento, mas já vi, mas pelo jeito, vou ficar é aqui mesmo. meu marido não vai sair daqui mesmo. porque eu gosto daqui onde eu moro, entende, assim, dos vizinho. são muito bons vizinho - acho que eu já falei isso, não é, mas não gravou. . não, tudo bem. não tem problema.. são muito bons vizinho. são óptimo mesmo, sabe, são vizinho antigos. então, você, quando vai ficando numa certa idade, você tem que, você não depende de tudo, mas de um você depende. é ou não é? você não, não precisa depender de tudo que é vizinho, mas de um, você sempre, então é, aqui tem uma coisa, se eu passar mal, estiver sozinha, é só, tem vizinho de todo canto que vai me socorrer. porque eu já moro muito tempo aqui, meus vizinho também são antigo. tem gente aqui que é mais antiga do que eu. . hum, hum.. então eu tenho vontade de sair daqui, porque a ca[...], já disse, que a casa é grande e tudo mais. mas um momento fico pensando. eu vou para um apartamento, no apartamento você não arranja amizade. você não conhece vizinho. eu sei, porque a minha irmã mora lá, eu vou, canso e não conhe[...], nem sei quem é os vizinhos da minha irmã. como ela também não sabe. . certo.. e casa não. casa você faz amizade, porque você vai ali na frente, vai sempre varrer, limpar uma calçada. então, você faz amizade com vizinho, já apartamento, não. então, eu digo 'meu fim vai ser eu aqui mesmo nessa casa.' aí vem os neto passar dias. vem, não é, estão longe. 'ah! vou passar as féria com a minha avó.' aí vem. . hum, hum.. e casa grande de avó é bom! . pois é. tem lugar para os neto, não é,. pois é. . porque morar com filho, eu não quero não. só se for preciso, mas não quero não. . não, não é? . não dá certo. dá? . é meio difícil, não? . é meio difícil, não é, nora com sogra dar certo. é muito bom, você pode se dar muito bem, mas a nora lá e a sogra cá. juntou... . duas mulheres para cuidarem de uma casa... . com filha, mãe e filha, às vezes, não dá certo, quando casa a filha não dá certo morar junto. você vê nora... . é, é verdade.. não, eu me dou muito bem com a minha nora, entende,. hum, hum.. gosto muito dela, passo tempo lá e tudo, mas eu estou visitando, não é, agora, morar mesmo, no fim não dá certo. se for preciso, entende, eu não sei o dia de amanhã, não é, aí eu moro, mas... por vontade não. " +Brasil/Muito Iguais e Muito Diferentes.wav,Brasil,Araquara - S. Paulo,F,22,1995,"e como é que é ter uma irmã gémea?. olha, n[...], não, eu, eu sou leiga para falar. leiga não, sou suspeita para fa[...], leiga eu não sou, nem um pouco, não é, eu sou suspeita para falar, porque eu tenho uma irmã gémea e porque foi assim des[...], desde quando eu me conheço por gente, eu tenho uma irmã gémea, então eu não sei o que que é não ser gémea, está vendo, aí é que está o xis da q[...], da coisa, da questão, sabe, então nossa, a nossa infância, eu achei que foi, foi sem problemas, foi superlegal, a gente sempre assim com um olhar, uma já sabia o que a outra estava pensando, o que, em relação a alguma coisa, inclusive minha mãe, sempre, a gente levava altos pitos da minha mãe, não é, porque a gente ficava dando risada da minha avó, assim, uma olhava para cara da outra e ria por causa de determinada coisa que minha avó fazia, sabe, então essa parte foi engraçada. daí, nossa, aí quando... eu comecei a namorar, ela começou a namorar também, a gente foi se distanciando, tal, mas, problemas conscientes, eu posso falar que a gente não tinha, não é, mas problemas tipo complexo de Édipo, não é, deve ter alguma coisa, com certeza tem, não é, complexo de Édipo, assim que eu falo, é, porque o complexo de Édipo é o seguinte: a, é, a, a, a disputa da, a, da, na menina, é o complexo de Eletra, não é, então é a disputa do pai em relação à mãe, entendeu, então nu[...], num caso normal seria o seguinte: uma menina, uma criança mulher, ela disputa a, o amor, a atenção do pai com a mãe, sim, mas nos gémeos, eu tenho que disputar com a minha irmã e com a minha mãe, entendeu, . ham!. então eu acho que numa terapia que, o que... segue Freud, não é, a linha psicanalítica, talvez eu pudesse até descobrir, não é, algum problema [...], alguma coisa, entendeu, mas é legal ser gémea, assim você ter, mas, apesar de que com a minha irmã, tem coisas que eu não conto para a minha irmã, que eu conto para melhores amigas minhas, entendeu, porque ela é diferente de mim em muitas coisas, ela pe[...], eu acho que ela é uma pessoa muito mais preconceituosa, ah, eu não sei se foi a, a faculdade que fez assim, se é da minha natureza mesmo ser assim, não é, mas eu acho que a minha irmã, ela difere muito de mim em relação a preconceito, em relação a... muitas coisas que eu acho mito, eu acho tabu e ela acha que não, ela acha que tem que ser assim, sabe, então por aí que, que eu não consigo aprofundar tanto com ela, não é, algumas coisas eu não consigo compartilhar com ela como eu consigo compartilhar com amigas minhas, que não entende, não é, que eu tenho medo do ro[...], do, da repressão dela, entendeu, de ela estar me julgando, não é, porque um julgamento de uma irmã pesa muito mais que o julgamento de uma amiga, não é, é... diferente.. e, e agora que você está lá em Bauru e ela aqui... n[...], não teve, não tem diferença nenhuma?. não, não tem diferença não, eu acho que continua sendo superficial o nosso relacionamento, por ser irmã gémea eu acredito que nosso relacionamento é superficial, assim não era para ser, não é, [...] mas ela, ela é uma pessoa muito mais fechada do que eu, entendeu, ela não chega e conta coisas, assim, e eu também estou assim agora, não é, não estou mais contando tudo para ela. eu estou mudando em relação a isso também, não sei porquê também.... e você não acha pior isso?. acho . você quando vem para cá, ao invés de contar, de tentar compartilhar alguma coisa, ficar se fechando também?. ah, eu a[...], eu acho que, que é pior, não é, mas... é uma coisa que parece que está fora do controle da gente, do meu controle, não é, é uma coisa que parece que está fora, não sei porque acontece. . e nunca aconteceu de você estar longe dela, você se machucar e ela sentir, ou... o contrário?. não, às vezes, às vezes eu penso, Tininha, porque, que nem, quando eu sofri esse acidente que bati a cabeça lá no carro, tudo, eu, eu fiquei pensando: ai será que a Beta sentiu alguma coisa lá em Araraquara, tudo, não é, mas aí eu cheguei, perguntei para ela se ela teve algum tipo de pressentimento, ela falou que não, tudo, não é, mas quando ela sofreu um acidente de moto aqui em Araraquara e eu estava em Bauru, eu senti qualquer coisa, eu senti uma preocupação com ela naquela semana, eu pensei nela de uma forma diferente, eu não sei como, eu não sei o quê, o que assim especificamente aconteceu, eu sei que alguma coisa assim me fez pensar mais fortemente nela naquela semana, naquele dia, e aí cheguei, ah, cheguei, entrei em casa assim no, que eu abri a porta dei de cara com ela com a perna enfaixada para cima, assim, não é, aí foi, foi estranho.. e como que é? ela não tem namorado sério, tal, e você não está namorando na[...], você não tem vontade de sair junto em quatro, em casais? . tenho, tenho. inclusive, assim, me[...], mexeu comigo, sabe, de, de ela ter ficado noiva e eu nessa ainda, não é, lógico que mexe, não é, você pensa pô, minha irmã, minha idade, igual eu, está noiva e eu estou nessa ainda, será que eu vou casar, será que não vou, aparece um monte de dúvidas n[...], na minha cabeça, mas no fim você vê que... são pessoas diferentes, entendeu, são vidas diferentes. minha vida é completamente diferente da dela, não é, e.... e você acha que você cresceu muito mais que ela por ter ido estudar fora, ter ficado mais responsável, talvez alguma coisa assim?. tenho certeza. eu tenho certeza que eu, que eu sou, sou muito diferente dela, eu não, eu seria pretensiosa se eu estivesse falando que eu sou melhor do que ela, entendeu, eu posso até quebrar muito minha cara ainda por ser assim, entendeu, mas eu acredito que eu sou uma pessoa mais aberta, eu sou, eu sou uma pessoa que... pode fazer mil cachorradas comigo mas eu vou estar sempre ouvindo o que a pessoa tem a me falar, e se eu não ouvir, eh, eu vou ficar mal, entendeu, a pessoa pode fazer a maior cachorrada do mundo comigo, se eu um dia não encontrar com ela e falar 'porque é que você fez isso', sabe, querendo ou[...], ouvir com todas as letras a since[...], a sinceridade na pessoa, eu não, eu não vou ficar tranquila. a minha irmã não, ela já se fecha, se a pessoa faz alguma coisa que para ela, ela considera grave, ela não quer nunca mais olhar na cara, ela não quer nunca mais ver, ela fecha a questão e não fala mais sobre o assunto. e nisso não, eu não sou assim, tenho certeza que não . e como que é o relacionamento de vocês duas com a sua irmã mais nova?. é diferente também, ham, eu sinto que eu tenho mais afinidade com a Priscila do que ela, não é, a Priscila, ela brinca mais comigo, ela dá mais risada comigo, ela tem mais afinidade, não é, não sei se é porque eu fico fora a semana inteira, só vejo de fim-de-semana, pode ser por isso também, não é, mas é... aquilo que eu já falei, a minha irmã é mais fechada, a Roberta, não é, a gémea, ela é mais fechada, ela não é tão brincalhona, eu já, já sou mais extrovertida, já gosto de brincar, de... ficar pegando nela, ficar enchendo o saco, e minha irmã não tão assim, não é, ela é, ela brinca, brinca mas não tanto. . e quando vocês eram pequenas, vocês se vestiam iguais, tudo?. na maioria das vezes era, eram roupas iguais mas não assim mesma cor, tal, não é, tudo dois de paus assim, não é, nunca gostámos disso, ai menina, sempre foi assim igual mas cores diferentes, não é, mas mesmo estilo de roupa, tudo. conforme a gente foi crescendo, a partir de, de doze anos, onze anos, não é, aí, o estilo sempre foi igual, mas roupas assim nunca iguais, sabe, sempre a gente quis comprar roupa diferente, tudo. aí, quando e[...], ela escolhia a roupa que eu gostava na minha frente, eu ficava brava, porque eu queria aquela e eu não podia ter aquela que ia ser igual, eu tinha que escolher outra para não ficar igual a ela, não é, fo[...], foi bem por aí, assim na, na infância, foi ro[...], foram roupas iguais mas cor diferente, e ainda bem que minha mãe teve pelo menos a ideia de mudar a cor, não é, e depois, quando a gente começou a crescer um pouquinho a gente foi... mudando.. mas uma usa roupa da outra ou não? roupa dela é dela, sua é sua.. você está falando hoje em dia, como está?. é hoje, é.. hum, a minha irmã é o seguinte, não é, quando interessa para ela, ela troca alguma coisinha, ela empresta, tudo, mas tipo qua[...], a Fabiana que mora comigo, mi[...], minha colega de república lá em Bauru, eu troco muito mais roupa com ela que é minha amiga do que com a minha própria irmã, sabe, são coisas assim que me, isso daí me deixa muito irritada, me deixa muito irritada, porque a minha irmã tem o mesmo corpo que eu praticamente, não é, eu sei que eu estou mais gorda, mas tudo bem, tem praticamente o mesmo corpo, mas é aquela coisa dela, não é, ela é assim com as coisas dela, tudo, e com a Fabiana, é, por exemplo, na boa, assim eu vou, troco, sabe, ela usa meu perfume, eu uso perfume dela, sabe, pedindo, tal, falando, não é, não é também assim vai pegando, vai usando, sabe, mas é m[...], mais, mais tranquilo do que com a minha irmã." +Brasil/Criar Filhos.wav,Brasil,Rio de Janeiro,M,32,Década de 80,"então, que é que o senhor acha dos jovens, por exemplo. acha de quê? . de hoje em dia? dos jovens... de hoje em dia. a cabeça deles, como é que vai ser tudo isso... com o pensamento que, que eles têm? o futuro dessa geração... . é outra pergunta, também, meia, não é, para gente entender a mente de um jovem hoje em dia, está meio bravo. . senhor acha? . eu acho. . mas você se considera assim realmente de outra geração, bem... . não, eu não me considero de outra ge[...], ge[...], geração, não! eu sou de uma geração que não é tão antiga, não é, sou de cinquenta e um. mas, sabe, eh, eu se chegar perto do meu pai e chamar 'aí, ó pai! você...' já é motivo dele me olhar de, me[...], meio atravessado. você sabia disso? . jura? . é. e meu filho chega para mim e fala assim 'ó co[...], ó baleia!' é, meu, meu filho me chama de baleia, barril de chopp, mas eu já crio meu filho na geração de hoje. é.. sabe, eu brinco de lutar com meu, com meu filho, caramba! meu pai nunca me permitiu. agora, ah, sabe, eh, sei lá! essa geração de hoje em dia está meio estranha. muito, mesmo. depois, então, que apareceu essa série de, de troços aí. olha, eu sempre gostei de uma coisa, de duas coisas, desde que eu, q[...], que eu me conheço. eu com... dez anos de idade, eu conheci um cigarro, começei a fumar de brincadeira, não sei o quê, estou aí até hoje, com trinta e dois anos eu fumo. . e o senhor daria liberdade para o seu filho furar, fumar? . dou! . dá? . ele man[...], eu mando ele acen[...], ele acender o cigarro para mim, ele se engasga, sai tossindo. eu dou, para ele ver o que é que é! se ele gostar, ele vai a luta! sabe, acendeu duas vezes, pergunta se ele quer acender mais! meu filho, quando tinha dois, três, três anos, uns três anos mais ou menos, ele sentava... atrás do carrinho de chá, onde eu tinha lá minhas cachaça, meus troço lá, meu, meus licores, ele abria e zip, [...] até o dia que se engasgou. pergunta se ele, se, se ele [...], se, se quer, se ele quer sentir o cheiro. se e[...], se ele está aqui do meu lado, eu estou fumando: 'pô, pai! essa fumaça!' a única coisa que ele ainda gosta, até hoje, é botar cerveja para mim porque faz espuma. aí, ele bebe a espuma. também, só, só. mas ele, quando era garotinho, pegou lá, uma vez pegou um copo lá, eh, sabe, ia sempre, pegava o mesmo, botava, 'hum!' gostou! a gente não via! até o dia que nós encontrámos ele atrás do carrinho de chá, se engasgando todo, porque tomou uma dose de pura. aí se desgraçou todo.. coitadinho! . é.. e o senhor vai dar muita liberdade, assim, para eles, [...]? . eu, olha, eu crio o meu filho, os meus filhos, eu crio com a liberdade de hoje em dia. agora, a liberdade dentro do limite, não é, dentro do limite. que ele, com todo o tamanho dele, já é abusado. se der trela, você não, você não aguenta, não, cara! . mas abusado como? . ah, já quer me... confundir os troços, sabe, você... fala um troço, 'ah, não enche, não sei o quê e...' pergunta à mãe! eu nunca dei um tapa! . não, é? . eu só olho para ele! . nunca bateu? . nunca bati nos meus filhos. ela bate, não sei o quê. eu nunca dei um tapa. [...] . só dei-lhe um tranco uma vez! . é? . [...] dei-lhe um, sabe, um tranco, assim, ele, eu só olho para ele, já é motivo dele ir para o canto chorar. . ai é? . não sei se é respeito, se é medo, sabe, pode ser até medo, não é, . claro. . mas eu nunca dei um tapa nele. eu só prometo. 'ó! tu se cuida, malandro! te cuida que eu vou, eu, eu vou te achar, heim! e a hora que eu te achar, fica ruim!' oh! 'nada, acha nada!' sabe, aquele negócio de criança! . e a menina? . e.... a menina? a menina, oh! uma coisa maravilhosa. . a menina no futuro vai dar mais trabalho, não é, que a menina sempre é mais trabalhosa, não é, educar uma filha, é sempre mais difícil, não é, . a menina já dá trabalho, cara! . já dá, não é, . já dá. atrevidinha, folgad[...], com aquele tamanhinho que você viu aí, o irmão não mete as cabeça com ela, que ela enfia a mão no irmão! com aquele corpo todo dele, ela, ela encara ele mesmo! ela, ela, aí! ela já é totalmente diferente dele. é atrevida, mesmo! atrevida. aquele narizinho, mesmo, de, sabe, atrevidinha, ela. . mas o senhor vai manter uma relação, assim, de bastante diálogo, não é, . ah, eu tenho. . é. . é o que eu disse, eu saio, passeio, quando posso. também quando, sabe, se querem tomar um sorvete, se eu tenho dinheiro, a gente vai, vai tomar o sorvete. se não tem, não vai. ontem saímos daqui, vi[...], vimos o filme dos Trapalhões, acabou oito horas da noite. aí, peguei eu, ele, as mulher, as criança, não é, vá, aí, fomos ali, sentámos ali no, no bar da Toninha, ali, do lado da Estácio de Sá, faculdade. pedi uma lasanha para mim e uma lasanha para ele. ele, com sete anos, comeu a lasanha que eu, com trinta e dois, como. . pô! . nossa! . e uma outra lasanha dividiu entre ela... e a garotinha. ele sentou do meu lado 'pai, pá, vamos comer lasanha?' 'vamos lá!' caímos dentro de uma lasanha, eu e ele. ele comeu u[...], ele comeu a dele, eu comi a minha, com sete anos de idade. ah, então... . você e sua esposa vão querer ter mais filhos? . não! ela, quando nasceu a garota, ligámos. man[...], mandei ligar porque dois basta, mesmo. . é. . já está ligado já... quatro anos, já. já vai fazer cinco. . não, não se arrependeu? não se arrependeram, não é, os dois. . não, porque eu sempre quis ter um filho. eu não, ela, não é, primeiro o homem. nasceu homem. aí, começámos a brincar, aí, depois de três ano aí, começámos aí, pá, não sei o quê, se distraímos, aí, punft! aí, veio uma garota, não é, aí, falámos ass[...], 'se for uma garota mesmo a gente liga.' ou garoto, ou garoto, ia, sabe, já estava tudo programado para ligar. eu acho que... um filho é bom, não, um filho é pouco, dois é bom, três é dose. . é dose. . três é dose mesmo, cara! dois, eu já me vejo doidinho, aí! esse moleque almoça duas, três vezes por dia. você acredita isso? . nossa! . o que bo[...], o prato de arroz e feijão e carne que bota para mim, bota para ele igual, que ele mata. o cara é, o cara é indigesto, mesmo! . tal pai, tal filho. . e eu não i[...], e eu não proíbo. eu prefiro que coma, do que eu ir levar para médico, gastar com médico. . claro. . [...] . esse meu garoto, não cortando você... . [...] . é um caso muito, esse meu garoto, aí, com dois meses e meio, ele arrancou duas hérnias. . pô! . com quatro meses, ele teve inf[...], duas ou três infecções, infecções intestinal, catapora com varicela. se reparar, ele tem o rosto todo furado . hum, hum. . de catapora e varicela que deu junto. esse moleque até uns dois anos, pô! bota dinheiro nisso que, dinheiro e susto, convulsões, uma em cima da outra, e não sei o quê e 'pereré'. mas sim, qual é a sua pergunta? . era o Gerson. . ah, era eu. assim, sobre a mulher actual, por exemplo, mulher que trabalha fora... . maravilhosas! . é? a sua esposa não trabalha fora. . não, nunca tra[...], quer dizer, antes de, de nos casarmos, ela trabalhou com uma amiga minha, trabalhou uns, ainda uns dois meses. . hum. . aí, logo depois, nos casámos, aí, nunca mais. . isso... . agora, me ajuda muito. me ajuda muito. agora. nos... . o senhor não se importaria se ela trabalhasse? . olha, eu acho que é, se ela fosse trabalhar fora, ela teria que ganhar muito dinheiro. . porquê? . porquê? . porquê? porque, pensa bem! quanto é que ganha uma empregada? quanto é que uma empregada de casa de família quer ganhar hoje em dia? . vinte mil, não é, . mais... . pô! vin[...], vinte mil, eu pago à, à primeira que chegar aí! . está muito mais, Gerson! está trinta, quarenta... . é trinta e cinco para, para frente, cara! é, trinta e cinco para frente. então, a minha esposa não tem, ela tem o quê? ela fez curso de Eugenia, na MESBLA, e... tem curso de dactilografia que não faz há muito tempo. então, ela iria ganhar o quê? salário mínimo? vinte e poucos mil cruzeiro. e eu iria pagar de empregada trinta e cinco. para quê? para ver a minha mulher, na rua, recebendo os cochicho, cantadas, que qual é a garota que não recebe uma cantada? qual é a mulher que não recebe uma cantada? daqui ao mercado ela recebe trinta cantadas, no mínino! no mínimo, cara! é! sabe, daqui ao mercado, ali, a quinhentos metros, ali... . mas o senhor também recebe! . eu recebo nada! eu dou as minhas cantadas, se colar, colou; se não colar, saio fora. mas o, o negócio é esse, cara! sabe, não, eu... . então, a preocupação é essa, com as cantadas? . não, não é, não é as cantadas. é que ela não vai ganhar o suficiente para cobrir uma pessoa que fique no lugar do meus fi[...], lugar dela, dentro de casa. e não vai criar meus filhos do jeito que, que ela cria, está, e muita coisa mais! muitas coisas mais. " +Brasil/Samba.wav,Brasil,Rio de Janeiro,F,44,Década de 80,"agora, você falou que vai à escola de samba, todo ano?. vou assistir aos desfiles. . é? . todos os anos.. não é muito cansativo, não? . não, nós gostamos tanto. hum.. que passa bem. ah!. não dá nem sono, não é, todos os anos, nós vamos assistir.. conta um pouco do desfile. eu vejo pela televisão e não é uma visão real, não é, . olha, eu... não, já assisti futebol, no Maracanã e, mas não vou sempre, ele vai sempre com o garoto e eu não vou. então, ele diz 'Dora, assistir pela televisão é uma coisa e assistir lá, no campo, é outra.' . é. . a escola de samba é a mesma coisa. você ver a, o desfile no local é completamente diferente. é, é emocionante você ver o desfile. é. . de escola de samba. ah! é lindo! eu digo que todo brasileiro, pelo menos uma vez na vida, deveria assistir. . hum.. porque é um espect[...], depois porque, não é, são pessoa, a maior parte são pessoas humilde. é um sacrifício tremendo. é.. que fazem e é um espectáculo visual maravilhoso. que eu acho que no mundo não tem igual. . hum.. eu acho, eu acho maravilhoso mesmo, gosto muito. eu já assisti. s[...], se eu não fosse assistir mais, tudo bem, porque já assisti várias vezes. agora, quem nunca assistiu, deveria ver. . hum, hum. então, o ano que vem você assistirá outra vez.. se Deus quiser. isto é, ele ganha as entrada no palácio, eu estou lá.. ah! que bom.. o governador dá duas, olha aí. é. . acho que eu vou conseguir um emprego nesse palácio, que está muito bom. . é. o governador dá, não é, a, o oficial superior tem direito. então, ele ganha duas, é.. então, assim tem que ir mesmo.. é.. nesse, durante esse correr de ano, você viu alguma diferença, esses anos todos que você assistiu, alguma diferença, assim, gritante?. não. cada, cad[...], de ano para ano, elas vêm mais ricas, não é, . hum.. mais ricas já, e vejo a diferença o seguinte: ano pa[...], há anos atrás, você via uma minoria de brancos. hum.. desfilando, não é, hoje em dia, já está quase cinquenta por cento de brancos. que interessante!. cinq[...], ah! é. o branco está tomando conta das escolas de samba, não é, na minha família mesmo tem muita gente que desfila.. hum.. quer dizer, não frequenta a escola de samba. não mesmo.. eles não frequentam, entende, . hum, hum.. os ensaios, nada disso. agora, no dia, no dia do desfile, eles vão. é mãe, é pai e filhos, noras, tudo junto, na mesma ala. eles... . tudo unido. . é. eles vão. adoram.. e você não tem pretensões de sambar, por exemplo?. não. porque ele é, ele é militar, não é, então, eles ficam meio lá.. [...]. é. eles ficam meio assim, depois aonde trabalham, também, não é, no palácio, eles ficam meio, você sabe que os bicheiro estão muito... . deve evitar, não é,. ah! não é, na escola de samba e eles ficam meio receosos. . hum, hum.. porque, inclusive a mãe desse menino que está aí, ela é uma sambista, ela canta bem, ela dança bem e nunca desfilou, porque o marido é coronel, é o ajudante de ordem do governador. então, prende um pouco. . é.. eles, pas[...], nós vamos assistir, brincamos o tempo todo, não é, lá na arquibancada, mas desfilar, nós nunca desfilamos. . que pena.. é.. um dia, as coisas mudam.. é.. [...] desfilarem um pouco.. é. vamos ver. " +Brasil/Se Eu Mandasse.wav,Brasil,Rio de Janeiro,M,30,Década de 80,"ih, rapaz! assim eu, se eu fosse o presidente, eu tinha muita coisa para fazer. que eu ia ajudar todo mundo, não é,. que ele tem força, não é, . claro! eu ia tentar ajudar todo mundo, porque o presidente, entenda uma coisa, o presidente, ele tem força e não tem. o presidente é mandado, rapaz! o presidente é mandado. o que ele faz é mandado, rapaz! ele só praticamente, ele só tem nome de presidente. porque tem negro mais alto do que ele mandando nele, rapaz! . mais alto? . tem. o marechal.. ah!. agora tu não vês nem mais falar em marechal, mas tem marechal. e quem manda nele é marechal, rapaz! o presidente o que é que ele é? coronel? general? . general, não é, . o marechal é mais alto do que ele, meu filho! então ele é mandado. e presidente é indicado a dedo, assim: 'fulano, é o, agora é você que vai fazer besteira lá. vamos embora, é você.' . será que vai ter eleição para presidente? . tem eleição para, agora digo para você, tem eleição para presidente aqui? já teve alguma vez? . será que vai ter em oitenta e seis? . estão querendo fazer. estão querendo fazer. gente, e[...], eles agora estão querendo fazer tudo. que eles estão a fim de correr, eles estão a fim de sair fora. então eles vão fazer tudo. eles estão doido para entregar na nossa mão isso aí, irmão! também o que apanhar também é pato. a bomba que está? vai segurar uma rebordo[...], ou fica bom, ou então piora tudo de uma vez. ou então, entrega na mão do americano que isso aqui, praticamente, já é de americano. . mas talvez piore com isso. . ou piora, ou então melhora. porque o ri[...], o, o, o ritmo de um americano é diferente. e ele está só entrando aqui por dentro. e está entrando mole. está entrando na cara de todo mundo. e ninguém diz nada. há condição? não há condição, rapaz! os homem só querem ir lá fora apanhar dinheiro. não sei o que eles fazem com tanto dinheiro lá fora para apanhar dinheiro lá fora. e aqui, rapaz, a gente temos de tudo. de tudo! para ser um país, pô! rapaz! sinceramente, a gente não precisava apanhar dinheiro com ninguém não, cara! é a mesma coisa com o petróleo. o que é que a gente faz, a gente somos tão burro. o que é que a gente faz ao petróleo, aqui? a gente vende o grosso, depois ele vai lá, refina, e vende para cá para gente mais caro. não é burro? não somos burro? porque é que não tem refinaria, aqui? porque é que ele não faz isso também e vende para eles, eh, no preço que ele vende para a gente aqui? é burro. é burrice! está tudo errado, rapaz! está tudo errado, mesmo! o que tem aqui de legumes está fora de série. rapaz, a terra aqui é boa, rapaz! a terra é boa! mas para quê ir lá fora? para quê ir apanhar lá fora? não entendo, eu não entendo! sinceramente, até agora n[...], não estou entendendo nada. nadinha. " +Brasil/Eu Gosto Dela Demais.wav,Brasil,Rio de Janeiro,M,31,Década de 80,"ah! mas aí, quando chegou o dia, não é, da op[...], aí a doutora marcou 'vamos fazer dia dez de Maio.' aí, pronto, eu sofri até o dia dez de Maio. quando chegou dia dez de Maio que eu ligo para a doutora 'não, deixa para o dia treze de Maio.' eu falei 'oh, uma bonita data, dia de preto velho, tudo bem. está, está melhor.' quando chegou no dia treze que eu ligo, que eu liguei no dia doze 'não, deixa para o dia quinze'. eu falei 'doutora, se a senhora me troca mais um dia, eu me mato.' e eu com medo, não é, podia, porque ela não podia mais sentir a dor do parto assim. ela tinha que ter um parto, hum, sem dor. . hum.. porque a, a placenta estava no[...], quase no colo do útero. se ela chega no colo do útero, a placenta sai na frente e a criança fica atrás, morre. e t[...], você sabendo disso, qualquer ser humano, é, sofre. aí, graças a Deus, no dia quinze ela fez a cesárea, foi onze horas, quando foi onze e vinte me deram a notícia. estava eu e o meu cunhado e eu só fazia chorar de nervoso, não é, porque nessa, eu sou muito bonzinho e tudo, mas nessas horas só faço chorar, meu nervoso ataca para chorar. pessoal até me encarna de bebé chorão, mas eu não tenho isso comigo não. eu choro mesmo. aí, quando o médico chegou, não é, falou assim 'quem é o papai?' eu só fiz assim. eu não tinha nem força para falar de tanto nervoso. 'é uma menina' eu só faltei dar um ataque de tanta alegria e esqueci até que eu estava contando com Rodrigo. e ela anestesiada e o médico depois perguntou 'como é que é o nome da criança?' eu falei 'sabe que eu não sei.' eu falei 'bom, se fosse menino ia ser Rodrigo, agora, menina eu não sei. ah! bota Carolina!' porque quando, assim, eu me juntei com a minha mulher, eu não estava numa boa em casa, a senhora sabe, a situação estava periclitante para mim. que eu sempre briguei muito com meu padrasto e realmente eu não estava numa legal com eles. então, eu acho que a minha mulher apareceu na hora exacta para mim. mas não foi por causa disso que eu me juntei com ela nem nada. nós se juntámos, porque ela, não sei, ela, eu acho que ela ainda gosta mais de mim do que eu próprio dela. ela tem uma certa gamação por mim que é fora do comum. o que ela puder fazer por mim, ela faz, sabe, é o tipo de pessoa que é assim, qualquer coisa que eu depender dela - e eu também faço por ela que eu gosto dela demais, não é, porque eu tive muitas aventura na rua e nunca quis ter filho com ninguém. já com ela eu aceitei a criança porque eu gostava dela e, e senti nela, você sente quando a pessoa é. hum, hum. . legal. então acho que... não tem jeito. ali estou mais amarrado do que se eu fosse casado. para separar ali vai ser uma briga. porque - eu nem quero pensar nisso - porque, assim, eu amo a minha filha demais e amo minha mulher. e eu não acho legal a gente ter o filho com uma pessoa, o pai viver num lugar e a mãe viver em outro. eu acho que de acordo, tem que procurar contornar a situação, procurar viver bem, procurar se entender, conversar bastante, ter bastante diálogo, que eu acho que é o que falta no, na maioria dos casais hoje em dia é o diálogo, para poder ter uma vida assim bem, sabe, sem briga, sem esse negócio de atrito, sem essas confusões toda. eu cá acho isso besteira, não leva a nada. . hum, hum.. e sou contra, também, os homem que bate em mulher, porque eu acho assim: a mulher não serve para o homem, larga. aí, quando um casal chega a ponto de partir para a agressão eu acho que já não dá mais para viver junto, então cada um para o seu lado. se eu digo para a minha mulher 'se eu quis essa criança, é porque eu te amo e sei que você me ama', porque você viveu dez anos casado com uma pessoa, você nunca quis um filho, então você querer o meu é porque você gosta demais de mim. então desde o momento que eu sei que você quis essa criança é porque você me ama, então eu também te amo, vamos viver nossa vida. . hum! que bonito! . é. é, tudo tranquilo. porque a outra - eu namorei a Sueli dez ou doze anos - a Sueli nunca quis. tira duas criança. o primeiro houve um probleminha, ela teve que tirar. tudo bem, eu tive que aceitar. na época eu sofri à beça, estava com uns vinte e um ano. eu sofri muito. mas já o segundo não. fez, não me falou nada, quando eu vim a saber já tinha feito. então, acho que desde o momento que ela fez isso, não tomou assim nem uma, assim, não teve consideração nenhuma comigo, não é, porque ela para fazer, tinha que falar comigo. não falou. e eu, e eu qui[...], sempre quis assumir, não é, um compromisso com ela. ela que sempre me dava uma volta 'ah, nenam.' então, eu achei que aquilo foi demais. e continuámos mais por algum tempo assim, mas não deu para levar o barco muito adiante não. . hum.. aí começou briga, briga, briga. fiquei revoltado, aí fui perdendo aquele amor que eu tinha por ela, acabou. aí tem aquele ditado que 'amar só existe uma vez', mas eu acho que para mim não, existiu duas. porque eu amei muito Sueli, mas hoje em dia se a Sueli vem coberta de ouro, eu não troco a minha mulher por ela. eu sou ainda mais a minha mulher. " +Brasil/O Plano Real.wav,Brasil,S. Paulo,2 F e 4 M,,1995,"quem não está nada satisfeito com o plano real é o sindicato dos artistas e técnicos em espectáculos. Zodja Pereira, directora do sindicato, acredita que a situação da categoria não difere dos demais trabalhadores.. eu acho que para o trabalhador, a realidade continua a mesma. e na realidade cultural isso fica... muito mais difícil. porque, particularmente no Estado de São Paulo, hoje, onde a gente vinha com alguns projectos... de cultura, de popularização da cultura, e isso tudo foi, ah, foi derrubado, foi uma derrocada muito grande.. segundo a sindicalista, o índice de desemprego no sector artístico está subindo. ela fala sobre a crise no governo do Estado e o plano real.. não, eu acho que uma coisa está ligada à outra. pelo menos foi por ter um problema de, de ordem financeira que o Estado de São Paulo, ah, provocou essa derrocada cultural. e, e eu entendo que se o real fosse um plano tão seguro e tranquilo, o... Estado de São Paulo, o governo de São Paulo teria tido condições de sustentar e garantir a cultura ao povo.. apesar de também sofrer com a herança de dívidas do antigo governo, quem está muito satisfeito com o plano real é o director-presidente do Memorial da América Latina, Fábio Magalhães. ele acha que o real é um plano que cria uma estabilidade monetária. com isso dá para prever orçamentos e projectos numa moeda estável.. bem, eu antes não tinha como prever o custo, nós tínhamos que usar uma moeda estrangeira para criar a previsão desses custos. e muitas vezes a inflação, ela superava até os critérios de você ter uma moeda estrangeira como ponto de avaliação. vamos supor, eu usava o dólar, então, esse evento está orçado em cem mil dólares. ora muitas vezes a inflação superava essa previsão mesmo em dólar. eu acho que hoje, com o real, se pode fazer uma previsão muito mais acertada. e fica mais fácil para o próprio empresário também trabalhar dentro de um orçamento cujos, cujos índices de inflação são extremamente menores do que daqueles, ah, que nós encontrávamos antes do plano real.. o Memorial está adoptando medidas para criar receita própria.. uma das medidas que já foi adoptada e teve uma boa, um bom resultado com o público foi a cobrança de ingresso nos nossos espectáculos. o público reagiu de uma forma muito positiva e esses recursos provenientes da bilheteria voltam para a actividade cultural da instituição. nós estamos agora a, vamos, devemos, a, a 'terceirizar' o estacionamento, o restaurante, a loja, enfim, dinamizar aspectos que possam gerar uma receita própria para a instituição. e por outro lado, nós estamos fazendo os nossos projectos junto da iniciativa privada. e essas parcerias ajudam a baixar os custos e muitas vezes a finan[...], a financiar a totalidade do projecto. essa é uma forma que nós estamos encontrando de superar as dificuldades de carácter orçamentários.. o ingresso no SESC Pompéia para o show Tetê e Lula e Lucina custava no primeiro dia do plano real sete e cinquenta. o show do Macalé no SESC Pompéia custa hoje doze reais, o aumento de sessenta por cento. no 'Vou Vivendo' os shows de Terça custavam seis reais no início do plano, com Os Cariocas, por exemplo, hoje, com Borguetinho, a entrada custa quinze reais, uma elevação de cento e cinquenta por cento. e o poder aquisitivo do povo? o real vale mais?. está valendo bem mais.. está conseguindo se divertir mais?. tem que ter um controle. você tem que ter um controle bem... forte sobre o dinheiro porque ele... diminuiu os números. entã[...], mas se você for fazer as contas, mas ele está valendo mais. está valendo bem mais.. e você está indo ao cinema, teatro, ou não?. eh, está dando para ir. a gente vai levando, segurando aqui, segurando ali, controlando bem, a gente vai indo assim. já vai.... está indo mais agora ou antes?. agora. agora está indo mais.. qual é que é a tua frequência? . a minha frequên[...], eu vou assim, vou dizer assim, mais às estreia, não é, duas, três por mês. duas, três.... e antes?. antes, aí, a gente ia uma vez a cada dois meses. uma vez por mês. demorava bem mais. por causa de muita inflação. você ia com um preço hoje e amanhã... já estava outro preço. então você ficava procurando ir de Quarta-Feira também que é mais, mais barato, não é,. a inflação, que antes era de cinquenta por cento ao mês e agora é de trinta e cinco por cento ao ano faz uma diferença brutal nas actividades culturais do país. a opinião é do cientista político José Álvaro Moisés, secretário de apoio à cultura. ele sente essa diferença no Ministério da Cultura, em Brasília.. este ano aqui, os projectos apresentados ao Fundo Nacional de Cultura, que é uma das, das linhas de atendimento aos pedidos e a, e aos projectos apresentados ao mecenato, quer dizer, a, a, na área da lei federal do incentivo à cultura, através das deduções do imposto de renda, esses projectos cresceram muito em, em número e também em recursos solicitados, está certo, no caso do, do, da lei federal do incentivo, os três primeiros anos de... mil novecentos, os três primeiros meses de mil novecentos e noventa e cinco registaram um crescimento de três vezes maior do que os três primeiros meses de mil novecentos e noventa e quatro. no caso do Fundo Nacional de Cultura, nós estivemos trabalhando, quer dizer, nós não, o Ministério da Cultura, até o final de noventa e quatro, esteve trabalhando com um total de cerca de quatrocentos projectos, para aqueles três anos: noventa e dois, noventa e três, noventa e quatro. só em mil novecentos noventa e cinco, o[...], nos seis primeiros meses, nós já recebemos mais de oitocentos projectos para o Fundo Nacional de Cultura, totalizando recursos solicitados na ordem de cem milhões de reais. isso o que é que mostra? mostra o vigor da área cultural, mostra uma imensa retomada das actividades artísticas culturais do país que foram possíveis a partir da estabilização da moeda.. a estabilização da moeda permite uma programação financeira mais real, segundo o presidente da Associação dos Produtores de Espectáculos Teatrais do Estado de São Paulo, Sérgio Dantino.. ao estabilizar a moeda, eh, eh, você ficou sem aquela loucura de, de, sabe, de trabalhar o dia inteiro, você perdia me[...], metade do dia, não somos sós nós em teatro, em qualquer outro tipo de ou[...], de outra... actividade, eh, cultural ou, ou, ou empresarial, você perdia metade do dia, tentando ver se o dinheiro não perdia o valor. e a outra [...] metade do dia você pensava em, em produzir. hoje você pode pensar em produzir o dia inteiro. você sabe que o teu, que o teu dinheiro está... aplicado ou, ou, ou, mesmo sem aplicação ele, a perda que ele vai ter se ficar um, dois dias na conta corrente é insignificante, eh, perto do, do, do que te aconteceu no passado. então você ficava a parte da manhã todinha, vendo o in[...], índice financeiro, indicadores financeiros, quanto é que vai dar o, quanto é que aumentou o dólar, compro o dólar, aplico nos CDBS, aplico nos 'comodities', não sei o quê. à tarde é que você ia ver, ver o que ia fazer com a sua fábrica, com o teu negócio, entende, agora não tem mais isso! então você tem muito mais tem[...], mais tempo para, para produzir. para pensar no s[...], no seu próprio negócio. se eu vendesse, por exemplo, ingressos antecipados e aplicasse o dinheiro, ah, da Quarta-Feira, ah, para entregar esse ingresso, a pessoa só ia usar esse, esse ingresso no, no, no Domingo, não é, eu só ia pagar a minha, minha, minhas, minhas... compromissos na semana seguinte, eu ganhava mais dinheiro no mercado financeiro do que, do que, do que no próprio ingresso, está certo,. dá para se divertir com o real?. não. nã[...], eh, quer dizer, eu não sei, eu acho que o plano está bom, porque... para mim não mudou nada, pelo menos não ter inflação já é uma grande coisa, você comprar uma coisa e saber que está ao mesmo preço. só que agora, nesses últimos dois meses, eu acho que teve uma inflação. principalmente com roupas, calçados e etc. então não está sobrando muito.. para ir ao cinema, teatro?. não. não está sobrando. não está sobrando porque, eh, eu, pelo menos, não é, eu tive aumento de condomínio, de escola - que o meu filho estuda em escola particular - e então, ficou meio apertado. faz dois meses, eh, veio vindo bem, bem, bem, nesses últimos dois meses, a coisa apertou um pouco.. aí corta a parte cultural.. aí te[...], a gente é obrigado a cortar, não é, porque, quando você tem que ir naquele, no que é obrigatório. no essencial, não é,. no essencial, é isso, aí já não dá." +Brasil/O Mundo do Direito.wav,Brasil,Araquara - S. Paulo,F,20,1995,"então, como eu estava falando, então, no direito romano, a mulher não tinha direitos. ela, ah, o di[...], o, a ca[...], a pessoa que ti[...], os que tinham capacidade de, de facto, que era capacidade de ter direitos de, direitos, assim, fora os direitos normais que todos têm que é direito de escola, educação, saúde, isso todos têm independente de ser débil mental, de ser... qualquer coisa. agora, depois tem os direitos, por exemplo, direito de montar uma fábrica, direito de, ah, é, assim, sabe, direito que envolve mais responsabilidade, mais coisa. então, a mulher não tinha, ah, os loucos e... dependia da idade, não é, no direito romano. que mais? ah! e tem muita coisa assim curiosa, sabe, que você fala 'puxa, mas isso não está certo.' então, tanto é que eles adoptam muito, tem leis que eles, tem caso de lei que a gente teve que estudar a lei mas que não vale mais porque o costume não aceitava a lei, sabe,. qual por exemplo?. espera aí, deixa eu pensar, do samba. eh, teve uma vez que, eh, numa constituição, eles lançaram que o samba era proibido no território nacional, aqui, certo, só que o costume, Brasil, é samba, não tem como. ah, o costume tirou a lei de, do vigor, de vigor, eh, essa lei não vale.. porquê o samba não podia?. ai, é, Marilim, eu não, não sei. era a lei que eles fizeram e, só que no, pelo costume não, acho que pela ditadura, não sei, ah, isso, mas foi o exemplo que o, o professor citou, que o... samba era proibido, só que pelo costume, tanto é que assim, ah, pensa no, no Código, por mais que sejam enormes, os gro[...], os Códigos, deve sempre aparecer coisa assim absurda que você fala 'puta, como é que foi isso surgir, isso?' então, eh, o juiz, ele tem todo o direito de, se não tiver na lei, por exemplo, se ele procurar na le[...], nas leis, nos Códigos e não tiver nenhuma lei dirigida àquilo que está acontecendo, ele não pode falar que ele não vai resolver porque não tem lei. ele é obrigado a procurar em costumes o que por costume aqui seria feito, entendeu, . ah! isso que eu ia perguntar.... então, é. ele, então, aí vai para o costume, tem o costume, a, que eles falam, a analogia, que, por exemplo, se tem uma lei que, ah, fala sobre a, f[...], fala sobre uma coisa mas não é bem isso que tem, que cabe ao, o facto que ocorreu, certo, aí ele pode fazer analogia dessa lei, quer dizer, fazer, dar um jeito nessa lei para ela caber dentro do que está acontecendo, sabe, então isso, quer dizer, Direito é difícil, não é, porque além de você ter que saber as leis, você vai ter reso[...], saber resolver problema que nem previsto é nem nada. . tem que saber o número da lei e tudo?. olha, os professores, eles sabem. eles falam assim 'a lei seis mil e quinze', que é a que mais usa, que é enorme, que tem quase tudo, é na lei seis mil e quinze. mas, ah, eu acho que isso você acaba, ah, pegando com o tempo, não é, mas eu acredito que número não, porque são muitas, não é, que nem isso, seis mil e quinze do Código Civil. aí tem Código Penal, Código Processual, Código, sabe, e cada, por exemplo, tem Código Civil, Código Processual Civil, Código Penal, Código Processual ci[...], ah, Penal, sabe, agora Processual, eu já não sei te falar nada porque a gente não entrou ainda. a gente só está em Código normal. mas tem, agora tem LICC, quer dizer, no começo eles falam 'LICC', você fala 'nossa, que é que é isso?' aí, sabe, com o tempo, você vai se tocando. é a Lei de Introdução ao Código Civil, então, que tem os direitos assim básico, que todo homem tem direitos. ninguém pode assim dizer que não conhece a lei, porque a partir do momento que ela foi publicada, só aí ela vai começar a valer, sabe, então que são as leis assim... comuns. aí depois.... e... conta um caso interessante que um professor contou.. acho que o mais interessante que eu lembro foi aquele da sucessão que eu te contei das crianças, tal, de, de, da, do filho que a moça estava grávida.. ah.... o cara era rico. acho que o mais assim que foi interessante foi isso.. e... trabalhista não tem nenhuma?. de trabalhista? não. só, teve no dia da, da, da mulher, não é, no dia internacional da mulher, foi uma moça lá, uma advogada essa que era mocinha, que eu já citei. ela foi lá dar uma palestra para a gente, não é, e ela é advogada trabalhista, na[...], ah, assim não tem nenhum caso assim que ela contou. ela só falou que, ah, que nem o, ela falou assim que o escritório dela é carpetado, é lindinho e que vai aqueles peão de chinelo e tudo sujo de barro, sabe, ah, e que eles vão lá assim, e [...] o, as pe[...], eles têm muito medo do advogado. eles nunca confiam muito no advogado, sabe, que eles estão sempre achando que o advogado está do lado do patrão, sabe, então quando você consegue alguma coisa, eles, sabe, eles falam 'ah! muito obrigado, dona, muito obrigado!', sabe, eles não acreditam que você conseguiu um direito para eles, um, eu acho que é isso porque, caso, caso não, porque o q[...], o advogado trabalhista acho que mais resolve é... coisa assim que é corriqueira mas que também não é certo, não é, por exemplo, acidente de trabalho, essas coisas mas eu não sei de nenhum caso assim para contar. " +Brasil/Festa de Estudantes.wav,Brasil,Araraquara - S. Paulo,F,26,1993,"e você lembra alguma festa na escola?. esse ano?. que aconteceu assim de bom?. lembro sim.. ham.. foi maravilhoso. . ham.. foi quando a gente combinou com o professor de matemática, a gente sempre brinca 'ó, vamos num churrasco? vamos numa pizzaria?' e aquele dia realmente a gente combinou sério de ir. até ele falar 'ah! mas é hoje que a gente vai?' a gente falar 'se você não quiser ir hoje não tem problema.' de repente todo mundo se animou. não foi a classe inteira, é lógico, que a gente não combinou com a classe inteira, mas foi o Tabajara, eu e alguns alunos. de repente a hora que a gente estava na pizzaria, eu não me, eu não me lembro, ali perto da, da,. da escola mesmo.... ah! sei qual que é [...]. Trattoria acho que é. aí nisso ia passando a Rosires, que é nossa directora, a Eliana, a Maria, não é, que é de inglês, aí a gente chamou todos ele lá dentro, foi maravilhoso. aquilo que era para ser só uma cervejinha que era o combinado acabou assim saindo em pizza, não é, acabou em pizza como fala o ditado realmente. e ficamos ali até meia noite e meia, quer dizer, cada um tinha seu compromisso, seu, a esposa esperando, eu não, é lógico, mas eles tinham e foi muito gostoso porque a partir dali nasceu uma amizade mais gostosa com o professor. além de ele ser o professor, ele foi o amigo da gente. então quer dizer muito mais evento desse deveria acontecer, não só com eles em si mas com a família deles, tudo. nós, como eu te falei vira uma família, a escola. então foi gostoso.... e assim como é que é o caso da Maria que você estava me contando? que é...?. foi logo no começo assim. ela chegou assim como um general. ela disse assim que a estrela da classe é o professor. não deixa de ter uma razão. só que ela chega com uma certa autoridade, logo no primeiro dia ela não cativou os alunos. ela já chegou assim meia rude e... ela pediu para escrever uma palavra na lousa, toda a gente escreveu logicamente, ninguém nasceu sabendo inglês, a gente sabendo inglês esse ano, tudo, não é, já vi na quinta série mas só na quinta série. e por falar, inglês é uma língua que eu quero aprender. eu adoro inglês, adoro. até meu irmão faz, minha cunhada faz, as criança dele faz, já estão falando super dez, canta as músicas, já dá para acompanhar. eu acompanho aquela, uma 'Unchained Melody', não é, que você deu.. sei, sei.. aquela lá se estiver cantando, eu sei acompanhar. eu adoro. o que você deu assim bem explicadinho, adoro, dá para acompanhar aquela lá. é uma pena que o dia que você mostrou o filme, 'Ghost', não é, eu estava hospitalizada mas foi uma pena porque todo mundo falava de você na classe. que realmente você incentivou para caramba, que além de você mostrar o filme, não foi assim só para a gente ver o filme. teve um fundamento, você fez aprender, ensinar para a gente também, vendo o filme... e a letra da música. pena que não deu, que o horário da aula foi muito pouco, não é, para gente assistir o filme inteiro, para o pessoal assistir que eu não assisti. então foi assim superlegal. e ela, como eu estava dizendo. é.. me chamou a atenção. e eu por ser uma aluna quieta, não sou de mexer com ninguém, fiquei chocada com a atitude dela falei 'poxa, tan[...], gosto tanto de inglês, mas pelo professor vai ser um pé no saco esse ano.' pelo contrário, conheci a pessoa dela nesse dia que a gente foi na pizzaria, é uma pessoa excelente, quer dizer, aquele conceito que eu tinha dela acabou. ela é uma pessoa legal. então, só que apareceu uma santa Mariliza no lugar dela que realmente dá aula de inglês superlegal para a gente.. [...]. então você acha que é assim. . é uma família mesmo [...]. é uma família, sem dúvida, é uma família. a gente pegou uma amizade, uma amizade gostosa com todos eles. você, a gente só vê s[...], Sexta-Feira mas sente saudade, não é, porque a maioria das Sextas-Fe(iras). (fe)riado, não é,. [...]. e você [...] a festa junina que teve?. não fui porque mais uma vez eu estava hospitalizada mas todo mundo falou que foi superorganizada. eu gostaria de ter ido. disseram que foi muito bem organizada.. e você acha que falta isso na escola, ter mais festinha?. falta mais incentivo assim para a festa, mais... agito, não é, o pessoal adora agito, não é, agito logicamente sem briga, que aí está feio, não é, . mais [...]. mais festinha. achei legal eles emprestarem a... cozinha para a gente fazer festa quando alguém faz aniversário. ontem por exemplo teve uma festa superlegal. como é que foi?. de outra classe, ah, deixaram, tudo bem, falar bebida alcoólica, uma cerveja não é bem uma bebida alcoólica, é uma coisa superfraca.. hum.. e foi assim, não foi para to[...], ninguém se embebedar. teve cerveja, teve refrigerante, teve o bolo, foi uma coisa superlegal.. e todos participaram? como é que foi?. não, assim, eu achei legal isso, porque, cada um você sabe que cria um vínculo, assim de amizade, assim um grupinho, você tem amizade com todos mas cada um tem o seu grupinho mais legal. achei legal porque ninguém se intometeu na festa deles. ninguém foi abelhudo, abrir a porta 'o que é que está acontecendo?' foi uma coisa assim superlegal. participou aqueles que eles acharam que tinha que participar. como eu achei que foi superlegal essa ideia, se a gente fizer alguma festinha, a gente também combina e faz, quer dizer, é uma coisa assim que cada um soube respeitar o espaço daquele, foi muita gente, isso a gente viu, a gente estava lá no pátio, a gente viu, foi legal.. de quem é que era o aniversário?. você não participou? foi aniversário.... não, fui embora.. foi superlegal. gostei.. foi aniversário da.... tem uma certa liberdade ali de brincar, tudo. acho que deveria ter um pouco mais de respeito da parte dos aluno. isso deveria, que eles a[...], eles confundem muito liberdade com, tem uns que é meio selvagem ali, sabe, é o termo certo de usar, porque de vez em quando o que acontece é uma selvajaria, mas é legal sim.. então há esse negócio de liberdade, não é, que você está falando.... hum, hum. tem que dar liberdade mas ao mesmo tempo tem o respeito. isso daí tem que partir dos próprios alunos, não é,. que nem o negócio de ter que chegar na hora, senão a porta está fechada, o que é que você acha disso?. eu acho isso daí muito bom porque senão vira bagunça, a gente assim... fica chateado quando acontece com a gente. fala 'poxa! eu trabalhei até agora, saí um pouquinho mais atrasado, chego aqui está fechado.' mas tem que ter isso daí. a gente tem que ter consciência que tem, senão vira bagunça.. você acha?. o professor está dando aula chega um aluno 'ah! dá licença? posso entrar?' pega a coisa na metade. realmente tem que ter uma disciplina de um horário.. você acha que os alunos não são, assim, adultos o suficiente.... quando eles colocaram sete horas sem esse chorinho . ham.. dos dez minuto, eu achei ruim porque eu saía sete horas, quer dizer, tendo os dez minutos, eu, de moto, eu chego a tempo, não tendo os dez minuto. e agora como você vai resolver isso?. começou me complicar." +Brasil/Arte Urbana.wav,Brasil,Rio de Janeiro,F,44,Década de 80,"escuta você estava falando para mim que conhece Minas, não é, . conheço, e gostei muito, porque eu tinha uma vontade muito grande de ir lá.. hum.. o ano passado, quando t[...], aproveitou-se um congresso de médico que não se foi, aí, em vez de nós irmos ao congresso, no meio do caminho eu disse 'vamos a Minas.' aí, lá fomos nós para Ouro Preto, Mariana e aquilo tudo. depois fomos a São João del Rei e Tiradentes. é o que eu te disse que adorei, mas adorei! porque eu gosto muito de coisa antiga, sabe,. sei. . a minha família, como toda família de Pernambuco, tem uma mania de coisas antigas, de casa, de móvel, meu pai foi fazendeiro, então, tem essa história toda aí, eu gosto muito, sabe, e eu achei, mas eu achei uma be[...], adorei! . hum, hum.. adorei. achei a melhor coisa que eu fiz assim em termos de viagem, assim de coisa pi[...], nada de excepcional, mas eu acho uma beleza. e depois assim aquele contraste muito grande, não é, entre as, as igrejas, e tudo do lado de fora tem aquela simplicidade, quando você entra é aquela, aquele, coisa de uma ostensividade, não é, . sem dúvida.. é, do, do luxo, do, do, do ouro, do dourado e além disso aquela coisa toda, que também tem as pinturas, os coloridos. eu acho aqueles coloridos, assim, da maior exuberância, não é, que aquilo tudo fica, é muito, é muito brasileiro, não é, quer dizer, é muito português, é, mas é muito nosso também, então.... sem dúvida. é muito da nossa história ali dentro, não é,. ah! achei, achei uma, adorei! agora, eu sou louca para conhecer Olinda. . ah é? . é que eu não conheço o norte. eu tenho maior vontade!. os pais pernambucanos, mas você nunca foi?. nunca fui a Pernambuco. não, não s[...], meus pais não, mas meus avós.. é os avós.. a minha família toda é pernambucana. é. . hum, hum.. e eu nunca fui. mas eu tenho uma vontade muito grande de conhecer. Olinda! ir a Maranhão, a São Luís, isso tudo. mas eu não sei, eu achei Minas uma maravilha. e depois, também por causa da diferença, sabe, eu acho que é muito diferente para quem viveu a vida inteira em termo de Rio de Janeiro, você sair daqui e pegar um lugar assim, assim, cinza, como eu estou te dizendo, com aquelas montanhas assim... . ham, ham. . aí dá en[...], para entender mais o jeitão do mineiro, não é,. o que é que você acha que é o jeitão do mineiro, Heloiza? . eu acho, sabe, que tem aquele de[...], assim, aquela coisa assim, aquela coisa sóbria, sabe, aquela coisa. hum.. sóbria que o mineiro tem, que não é tão exuberante feito nós somos, mas tem aquele ar assim, assim ma[...], fechado, sabe, que não tem a água, em termos de mar, assim, a coisa da abertura, dá aquela coisa, assim, mais introspectiva... . sei. . é, eu acho que ele tem, tem todo o astral em volta para dar aquela certa concentração. . ham, ham. . sabe, . é, é tudo entre montanhas, não é,. é. e tem um vento, é uma coisa incrível, eu fiquei impressionada, parecia que você estava dentro de um navio, em Ouro Preto. porque venta tanto, não é, você tem a sensação que você está num navio, sem ter água!. correcto!. eu gostei.. você chegou a conhecer em Tiradentes aquela, aquela igreja de Santo António? aquela matriz de Santo António... . que coisa maravilhosa! aquela que tem, que tem o órgão?. que tem o órgão, o primeiro órgão. . ah, mas é linda, das mais lindas que eu achei! achei das mais lindas. . é considerada a segunda em riqueza, não é, . ai, achei lindíssima! linda! Tiradentes é um, realmente encantador. achei lindo! depois as pessoas de lá são tão agradáveis, as pessoas do lugar, não é, então, sabe, você faz uma perguntinha qualquer, e eles são tão simpáticos, assim, achei óptimo! óptimo. e depois, teve uma coisa, porque eu achei Ouro Preto, Mariana, aquilo tudo a[...], por ali, eu achei sujo. hum.. muito sujo. agora, em Tiradentes não! é limpo! é, é, é limpo, sabe como é, eu acho que já é, é, é mais, eu achei uma gracinha! muito pequenininho, tudo isso, mas achei uma gracinha, porque é limpo. e eu não sei se é porque tem mais verde, não é, parece um presépio, eu achei lindo. . você não teve assim aquela sensação de, ao entrar assim, como que estar fazendo uma volta ao passado, dentro daquela cidade? . ai, não! não era questão de volta ao passado. eu achei que era um lugar que eu já conhe[...], não era nem que conhecia. é um negócio que faz parte de mim, está entendendo? . hum.. é assim, era uma coisa assim que me dava a sensação de 'é, isso eu já conheço!' dá, sabe, assim, já conheço no sentido, mas um conheço gostoso. não é aquele conheço, assim, chato, já conheço chato. . sei.. um já conheço assim, é uma coisa que faz parte da, da minha herança, da minha vida, de tudo que eu gosto.. Heloísa, você sentiu assim que tanto em Tiradentes, São João del Rei, todas essas cidades, muita coisa que é realmente histórica e está assim muito abandonada.... abandonada? mas eu acho que tud[...], dá, dá, dá uma sensação. em Ouro Preto, então, é muito, não é, é muito. agora, vou te dizer um negócio, mas ao mesmo tempo, eu acho que está havendo uma preocupação maior, não é, no sentido de preservar o que é da gente, não é, porque você vê, aqui perto tem uma cidadezinha, chamada Bananal, que fica perto de Barra Mansa. . não conheço. . é uma cidade que também tem muito coisas antigas. mas é uma tristeza, as pessoas do lugar não dão o menor valor, sabe, por exemplo, eles acham que coisa antiga é coisa velha. então botam para, arrebentam com o negócio, acham lindo fazer uma casa assim género planalto, é, palácio da alvorada.... sei.. assim, sabe, no meio, uma coisa assim... . ham, ham. . tacar ladrilho nas casas que não têm nada a ver. mas eu acho que, pelo menos eu acho que, que lá já está havendo mais, dentro do povo mesmo, da gente do lugar, uma consciência maior do que aqui, o velho não é, o, quer dizer, o antigo não é velho. . correcto.. eu acho que tem uma preocupação maior. mas acho que, aí é que eu acho. eu acho que é uma questão de educação, não é, e acho que isso, que o governo tem muita responsabilidade nisso. tem que ter. no sentido, sabe, eu acho que, por exemplo, deveria usar a televisão para se fazer propaganda, para se preservar, para se educar, para mostrar que a, que antigo não é velho!. correcto.. sabe, eu acho que é uma questão de educação. . nesse ponto aí, você concorda então com essa, a, essa, toda essa campanha que o, a Fundação Roberto Marinho vem fazendo e [...]. ah concordo! claro! mas não interessa. eu acho que, contanto, sabe, que as coisas sejam preservadas e, e der uma consciência maior em termos de povo, de educação, eu acho que é o mais importante, sabe, porque eu acho que todas essas, eh, televisão e essas companhias particulares, as pessoas que têm o dinheiro na mão, tinham mais é que se preocupar com essas coisas mesmo. no sentido de uma educação, não é,. correcto. sem dúvida.. de uma educação, porque eu acho que é, o maior problema da gente é educação. tudo vem em decorrência dele.. hum." +Brasil/Bichinho.wav,Brasil,Rio de Janeiro,M,62,Década de 80,"como essa palavra que muita gente ouve nordestino chamar de 'bichinho'. . bichinho. . é uma palavra carinhosa. . hum, hum.. a pessoa chama de bichinho a outro, [...] pessoa, a pessoa gosta. como um pai chama um filho, um filho chama a mãe, pode chamar a mãe de bichinho: 'ó bichinho...' é uma palavra de carinho, não é uma palavra de ofensa. hum, hum.. não é, não é uma palavra ofensiva, bichinho. então, o, deu-se uma coisa muito interessante: eu fui em setenta e sete à Paraíba, a João Pessoa, mas eu lá tive que ir a Guarabira. fui levar umas encomendas, um rapaz que me pediu. fui lá em Guarabira levar. fui eu e aqui minha patroa. . hum, hum.. cheguei lá nessa casa, quem nos atendeu, para não fugir à regra no nome, foi dona Severina, não é, foi dona Severina mesmo, que é uma senhora, não é, aí, ficamos lá na varanda, batendo um papo, conversando muito com dona Severina, e, e dona Severina: 'senhor moço, o senhor é do Rio mesmo?' eu digo, 'sou, senhora dona Severina, sou do Rio mesmo.' 'mas sabe porquê? é porque eu estou conversando com o senhor, o senhor é carioca e eu estou entendendo tudo que o senhor está me dizendo. tudo que o senhor está me dizendo como carioca eu estou entendendo. mas meus sobrinho não; vão lá para o Rio de Janeiro, passam lá quatro, cinco mês, quando chegam aqui, eu não entendo nada do que eles dizem!'. ai é.... então, eu vou lhe dar uma explicação, ó dona Severina: 'é o ambiente que o sujeito, que a pessoa vive lá no Rio. é porque o seu sobrinho, é o seguinte: o rapaz...' - eu não vou dizer seu sobrinho, não é,. hum, hum.. depois eu fui até saber, depois ela me mostrou uns quadros na parede, ela era irmã de dois escritores paraibanos famosos. hum, hum.. não é, lá, tinha lá os nome dele.. hum, hum.. pessoas, ela morava até numa, essa casa é uma casa muito boa, apesar de ser em Guarabira, era uma família de muito recurso - então, ela dizendo para mim. eu digo 'olha, vou lhe explicar, dona Severina: seus sobrinho vão daqui para lá. quando a pessoa está no Rio, manda chamar e acolhe a, tal. mas o rapaz sai daqui para lá para procurar emprego, não encontra, é do ambiente que ele vive. eu sei o que é. eu sei o', eu vou dizer assim 'eu sei o que é.' 'é, porque ele chegam aqui com umas conversa, sabe, seu Paulo, uma conversa que eu não entendo.' eu digo 'já sei o que é, é: 'estou numa boa', não é isso que eles dizem para senhora?', não é, 'estou numa boa, porque agora, não sei quê, comigo é i[...],' 'é, exactamente, exactamente isso que ele, eu não entendo, não entendo nada do que ele fala, nada do que ele fala.' então, eu estava explicando a ela que é do ambiente que eles vivem aqui... . hum, hum.. até, vão trabalhar nessas obras, nessas obras, frequenta-se meio de, de, de, de favela, e essas bodega e tomando essas pinga, eu dizendo para ela, não é, naqueles botequim, naquilo tudo e... então, eh, eles conversam naquele meio, entre eles. isso é conversa de gente, é só, 'está me entenden[...]?' 'não, agora eu estou entendendo o que o senhor está dizendo, porque o senhor diz que é carioca, eu estou entendendo o senhor está falando, eu não entendo os meus sobrinho, quando vão para lá e voltam para aqui, e vêm de volta. hum, hum.. eu não entendo eles.' pois bem, então falam muito assim. e muita coisa varia, não é, por exemplo, nós aqui no sul dizemos 'estamos com pressa', não é, . hum, hum.. [...] está com pressa, está com pressa mesmo; se está com vergonha, está, nós estamos avexados, não é, está um pouco avexado. lá já não, não é, eles chamam às vezes 'vem cá, vem! ó, ó Zé, vem cá, Zé!' ele grita 'não posso não, seu, não posso não, seu, estou muito avexado, estou muito avexado.' está com muita pressa. . pressa, não é, . é, está com muita pressa, está muito avexado. então, o nordestino é assim, eles têm esse sotaque. o cearense fala... já mais can[...], o cearense fala cantando também... um sotaque muito estridente. o ce[...], o... norde[...], esse, esse é do paraibano, não é, ele é muito paraibano. o baiano já não. o baiano, para mim, tem uma... diferença. o pernambucano fala assim, como se estivesse conversando consigo, mas é como se estivesse discutindo, sabe, . sim.. principalmente o, o homem de dentro mesmo, o sertanejo, ele conversa assim, como estivesse discutindo, sabe como é, ele gesticula muito, bate muito, não é, e . hum, hum.. no modo dele... falar. e.... e essas diferenças assim.... agora, eu vou lhe contar uma diferença muito interessante. eu cheguei no Pará, então, no Pará usa-se muito, depois, mais tarde, não é, eu mesmo - quase como se fosse uma pesquisa - no Pará, fala-se muito o português de Portugal. . não, é?. é, o português com muitas palavras do português de Portugal. porque nós falamos o português, mas o português em Portugal . hum.. falamos completamente diferente. por exemplo, no Pará não diz 'tem uma esquina', 'tem um sobrado'. no Pará não diz aqui nós dizemos 'na esquina... da Álvares de Miranda', não é, 'com a avenida suburbana', 'você vai lá, fulano, no sobrado, está,' no Pará diz 'no canto da rua tal', 'nos alto', que é o sobrado, não é, por exemplo, 'vou fazer, vou,' aqui, como você diz, 'vou fazer um terno'. hum.. 'um terno de roupa'. no Pará, 'eu vou fazer um fato'. . um fato.. é português.. ham, ham.. português. porque é um terno, todo mundo sabe que o terno é, são três, é paletó, colete e calça que hoje está voltando. chama-se um terno, não é, . hum, hum.. colete, calça e paletó, um terno. porque tem a palavra de um terno? você diz 'esse aí é um terno', não é, porque é o terno: calça, colete e paletó. então no Pará ainda se usava muito. terno, usava. então, prepararam a comida no Pará, assim na nossa chegada, isso foi o primeiro contacto. nós, cariocas, com o paraense. e prepararam uma comida rápida. a comida mais rápida que eles encontraram foi cortar uma carne seca, para eu, para mim aqui, para você. cortaram uma carne seca e fizeram uma farofa rápida. aí, me veio aquela comida, nós começámos a comer e foi um tal de, é, beber água que não dava para nada. aí, veio um rapaz, um rancheiro, nós estávamos na primeira bateria mo[...], primeira bateria automóvel.... hum, hum.. chamavam automóvel porque ela lá já tinha sido infantaria, não é, cavalaria, infantaria, e estavam fazendo um motorizado, botando ela já motorizada: carro, não é, veículo, viaturas.. hum, hum.. e a mesa era de quatro pessoas. sentávamos quatro na mesa. . certo.. ele chegou, disse 'olhe, não repare não, porque a jabá foi feita avexada.' poxa, aí olhamos para cara do outro, 'não repare não, a jabá foi feita avexada.' traduzido: 'não repare não, porque a carne seca foi feita às pressa.'. hum.. por isso ela estava salgada." +Brasil/A Fazenda.wav,Brasil,Rio de Janeiro,F,30,1972,"uma fazenda é, fica em Friburgo, vinte minutos depois de Friburgo, portanto no município de Friburgo. a fazenda é bem grande, tem uma casa tipo colonial. a casa é toda cercada por um varandão com, com... cerquinha de madeira e depois então dentro tem uma sala muito grande, com duas portas em que se abrem duas alas, que são duas alas de quartos diferentes, cada ala com o seu banheiro... servindo. depois tem uma porta bem grande de ferro que separa da copa. a copa não é absolutamente como nós vemos na cidade. a copa é uma sa[...], uma sala de jantar. aquelas mesas enormes, cadeiras enormes, pronta a receber uma família com muitos filhos. a cozinha - logo em seguida vem a cozinha - também muito grande, uma coisa maravilhosa que aqui na cidade não se vê, que é fogão a lenha. você já viu fogão de lenha? é espectacular, não é,. é [...]. e esse fogão da fazenda é uma maravilha, conservado por uma empregada antiquíssima. então, o grande... prazer dela é depois que termina toda função de alimentação e de alimentar aqueles vândalos, de... arear os metais, passar brasso, então o fogão fica lindo, maravilhoso. aí chega na hora do jantar, bota lenha fica tudo pretinho outra vez. não tem importância.. [...]. todo dia ela faz a mesma coisa. bom, tirando, da cozinha, nós temos o pátio bem grande. nesse pátio tem uma reserva de lenha, a parte fechada, tem uma escadaria de pedra, em cima tem um morro e nesse morro tem uma pequena cabana que foi feita para as minhas filhas. é uma cabaninha de boneca. então, nessa cabana de boneca tem uma reprodução do fogão de lenha da fazenda.... hum.. sem os dourados. isto é muito importante. logo a seguir depois tem uma outra casa, que é a continuação da fazenda. então, na parte de - dois andares - na parte de baixo tem uma sala grande, que está vazia actualmente, mas que futuramente seria uma sala de jogos.... hum.. jogo-de-botão, pingue-pongue, etc., etc. e em cima tem três quartos, esses três quartos estão mobiliados com uma mobília idêntica à que eu tenho no meu quarto, e... tem um banheiro, um banheiro e uma sala. aí normalmente ficam os rapazes da casa, totalmente isolados. agora, bem longe da casa, dessa fazenda, mas dentro ainda do, do território familiar, tem uma piscina, piscina natural. aliás, a piscina até é muito interessante, descobriram esse ano que esta piscina foi escavada cem anos atrás. fizeram, sabe, porque o, a piscina furou, o fund[...] - não sei se tem interesse.... tem, tem.. [...] não, claro, todo o interesse.. o fundo da piscina deu defeito, tiveram que esvaziar e pi[...], e pintar, e limpar. aí perceberam que estava toda quebrada, então resolveram tirar - porque a piscina natural é toda de pedra - então resolveram tirar aquelas pedras e botar um cimento. quando começaram a, a tirar a parte, a parte externa, começaram a perceber que tinham mais pedras para dentro, todas, eh, manuseadas.. hum, hum.. um negócio assim engraçado, não é, aí começaram, meus tios ficaram assim meio curiosos e chamaram pessoas interessadas e pessoas que entendem disso, então começaram a dizer que realmente al[...], muito tempo atrás, não foram definidos, tiraram amostras de pedras, não sei mais o quê, para saber há quanto tempo que realmente aquela piscina tinha sido, sido cavada, não é, engraçado. e agora está lá como relíquia histórica. não sabemos o que vamos fazer da bendita da piscina, não é, todo mundo sem coragem de cobrir... a parte antiga. um negócio assim espectacular.... você disse que tem uma piscina de água natural, quer dizer, a, a água vem de, de onde?. a água vem de um rio.... hum.. e... s[...], ela é represada num pequeno lugar. e este lugar justamente, quando os tios mandaram fazer, eles acharam que seria um lugar ideal porque alargava ligeiramente, quer dizer, o rio dava uma lá[...], um alargamento, tinha uma ligeira queda. então acharam engraçado que realmente parecia que estava formado aquilo ali, mas formado com terra dentro e mato, etc., etc. então eles represaram o rio, fecharam, mandaram cavar, mandaram limpar e conservaram as pedras naturais... e abriram o ri[...], o rio formou o poço, o poço depois cai e faz uma outra cachoeira e é um lugar maravilhoso.. a água é tratada? . não, a água não é tratada. a água é limpinha de rio sem.... que corre.... é. rio sem casebres para cima, a nascente... não tem problema. que mais que vocês querem...?. bom, e, e a casa fica por exemplo, assim, é presa a outra casa da fazenda ou ela é solta? como é que é? . não, a casa é bem, vamos ver, se nós, nós não temos o problema da cidade de, de ficar devassado absolutamente. agora, temos vizinho pertos. o lot[...], o terreno da fazenda era muito grande, então foi loteado uma parte. então, você tem pessoas perto, sim, na base de cinquenta metros de distância, cem metros. você não fica inteiramente isolado, mas a casa é, não é devassada absolutamente. nós não temos vizinhos próximos, ou muito próximos.... a casa fica assim no centro do terreno?. fica no centro dum terreno alto. quer dizer, ela de cima, ela fica, ela pode ver todo o resto da fazenda, certo,. o que é que tem no resto da fazenda?. ah! o resto da fazenda. no resto da fazenda você tem, perto da piscina, você tem uma outra casa bem grande, que era a fazenda antiga. seria a sede da fazenda antiga, certo, mas essa sede actualmente é tida como mal-assombrada. então, apesar de sermos todos pessoas esclarecidas, nós não temos muita vontade de ficar nela. isso é evidente.. vocês nunca entraram lá?. a gente entra, a gente faz aposta, sabe, de passar tempo lá, etc., etc. você sabe, todo mundo tem filho, então chega assim sete ho[...], horas da noite, oito horas, tem que dar jantar apesar de ter babá. então, você sai da fazenda para ficar supervisionando, essas coisas assim que absolutamente não te afectam muito.... está vazia a casa? não tem nada no lugar?. inteiramente vazia. nada.. é muito grande ela?. enorme.. e do mesmo jeito, o mesmo, a mesma construção que a.... é muito mais bonita porque é muito mais antiga. ela deve ser, está-se presumindo que essa casa já foi, nós encontrámos, quer dizer, nós não, meus tios encontraram com, quando compraram a fazenda já tinha essa casa. aí mandaram construir essa que nós moramos, quer dizer, é recente, é moderna. esta outra casa presume-se agora que seja do tempo em que.... eh, da piscina.. da piscina. agora, correm sobre ela milhões de lendas, não é, de que andam.... porquê? qual lenda? o que é que dizem?. dizem que foi um, um lugar, uma sen[...], tinha uma senzala, tem realmente uma, uma parte subterrânea em que poderia ser uma senzala de escravos, entende, então parece que houve histórias de que houve fugas de escravos etc., etc., durante o período da, do século passado. então que os escravos ali se refugiaram, mas que descobriram e fizeram morticínio. então que os escravos, as almas dos escravos clamam por vingança, etc., etc.. aí [...] ficar com medo, não é, [...]. exacto. e que só atacam, só atacariam, quer dizer, as almas atacariam, os fantasmas, sei lá quem, atacariam os brancos, principalmente sendo donos de terra. [...]. como você vê não é muito interessante. eu mesma levei um susto agora esse fim de, esse fi[...] - estou fugindo do meu problema de casa, não é, . não, não, não está não, pode falar à vontade.. nós levámos um susto tremendo essa, agora em Julho. normalmente eu sempre, a gente sempre conta as bravatas, que você não tem medo disso, que você não tem medo daquilo. imagine, alma do outro mundo, boba[...], bobagem. então eu falei para as minhas crianças que absolutamente não acreditassem nessas histórias porque... isso era coisa de gente ignorante e as pessoas da fazenda não, não, não vinham à cidade, não tinham meios de comunicação, etc., etc. então, eram pessoas burrinhas, pobrezinhas, coitadinhas, então que não tinham a menor possibilidade, que cabia a nós, como pessoas esclarecidas, ensiná-las e mostrar as coisas como deveriam ser. elas, como meninas da cidade, aquela lengalenga toda, não é, então uma noite nós fomos ao chiqueiro que fica perto dessa fazenda e escureceu muito rapidamente porque estava ameaçando chuva. então o negócio era o seguinte: 'nós não vamos passar perto da casa velha'. 'sim, nós vamos passar perto da casa velha. absolutamente não tem perigo'. 'está bom'. e foi aquela coisa, pilha de crianças, sete crianças, eu e mais duas moças, 'vamos passar em frente da casa velha'. passámos. aí, 'vamos entrar?' 'vamos entrar'. e entrámos. as crianças... apavoradas, mas ninguém com coragem de demonstrar, nós não tínhamos nada. bom, começou realmente a chover porque estava ameaçando a chover, um vento, sabe dessas coisas de cinema, aquele 'Morro dos Ventos Uivantes'? o vento batendo, as janelas batendo, aquela coisa toda. aí nós ficamos meio assim, 'vamos esperar passar a chuva, não sei mais o quê'. 'está bom'. aí sentamos no chão, ficamos contando história para as crianças, brincando. de repente, nós escutamos um barulho, mas uma coisa assim, nós nos olhamos, nos entreolhamos e fo[...], 'alguém tem que saber o que é que está havendo, não é, porque o barulho não é normal'. aí fomos ver, as três juntas de mão dadas, pálidas, brancas, só faltava os cabelos estarem eriçados, disfarçando para as crianças. dois cavalos entraram dentro da casa e começaram a, a ficar, eles ficaram desesperados. estavam presos, não é, mas faziam um barulho ensurdecedor. mas não foi nada de mais, não. mas que deu susto, deu!" +Brasil/O Jogo do Bicho.wav,Brasil,Rio de Janeiro,M,39,Década de 80,"e o senhor joga, assim, lotaria, essas coisas? . no bicho, o senhor joga? . não, não gosto de jogo de bicho não. é um jogo muito legal mas eu não me adapto muito, não. não dou, não é questão de sorte, entendeu, é porque eu não gosto. entendo muito, mas não gosto. gosto muito, como eu te disse, é... corrida de cavalo, não é, que eu faço meu joguinho, ligo o rádio, escuto, torço, tudo. isso é que eu gosto. agora, jogo do bicho, lotaria esportiva, isso é um roubo! . loto.... isso, tudo é roubo, isso tudo é roubo! . ora mas um dia pode ganhar. . vou ganhar o quê? vou perder! . [...]. você ganhando, você está perdendo. você ganhando, você está perdendo. por exemplo, você desconta ali setenta por cento, você joga cem, só vale setenta. bom, setenta por cento. vocês estudam, sabem o que é setenta por cento, não é, você joga setenta por cento. suponhamos que você acerte no segundo semestre. você já está descontando setenta por cento do que você... ganhou, recebe o líquido, não é, descontado tudo, descontar, aquilo ali é setenta por cento é para pagar isso, aquilo, aqueloutro, imposto, tudo, não é, se você acertar esse dinheiro, no segundo semestre, o que é que te acontece, na próxima? você vai ter que pagar imposto daquilo que você ganhou. . é. . você já está sendo roubado de entrada, tem um jogo que te desconta setenta por cento, já é um roubo. você bota cem cruzeiro, só vale trinta, já é um roubo. é um roubo mesmo. agora, então, você desconta, ganha ou não ganha, desconta, você acerta no segundo semestre. como é que você vai investir seu dinheiro para você pagar, vamos dizer, você ganhou quatrocentos milhões de cruzeiro. no segundo semestre, como é que você vai investir seu dinheiro para pagar logo o imposto de renda logo a seguir, não é, como é que fica? por exemplo, no meu caso. como é que eu vou pagar tudo isso, esse imposto todinho? se eu botar o dinheiro lá encostado, eu vou perder dinheiro. sou solteiro, com esse dinheiro todo, ele vão descontar logo na maior, não é, quarenta e dois por cento, não é, se eu não me engano. um negócio desses não me interessa, que ele nunca vão me descontar. . hum.. e se eu investir eles também vão descontar. quer dizer que então, eu perco dinheiro toda vida. quer dizer que eu desconto na primeira vez que já vem descontado e vou descontar de novo! . mas corrida de cavalo, então, não tem isso? . corridas de cavalo, não. corridas de cavalo não tem erro não. . não? isso eu não conheço.. corrida de cavalo é o investimento dos rico, porque... o rico é o maior ladrão, não é, então é o seguinte, quando perguntam a ele 'porque é que', no imposto de renda, perguntam a ele 'como é, porque é que está sobrando esse dinheiro aqui?' 'eu ganhei na corrida de cavalo.' aquilo lá não dá recibo! você chega, joga e ganha. já é descontado já. lá tudo é descontado. você chega, joga, ganha, chega lá dá o talão, recebe e pronto. eles também não podem te provar contra.. é.. que é que ele vão falar? vai ver que ganhou até um cavalo deles mesmo, não é, . hum, hum.. você nunca ganhou, você nem entende de jogo de corrida de cavalo, mas fala que ganhou na corrida, pronto, acabou! não podem te falar mais nada. . e se o senhor ganhasse uma bolada, assim, que é que ia fazer com esse dinheirão todo da corrida de cavalo? . que é que eu ia faz[...], não, esse dinheiro não dá para ganhar muito não. graças a Deus, por isso é que eu gosto dele.. ah!. a gente só ganha pouco. é um jogo, jogo mais por esporte mesmo. eu jogo para ligar o rádio, ficar escutando, viu, e ter aquela vibraçãozinha assim. que de meia em meia hora a gente liga o rádio, não é, tem aquela vibraçãozinha. . Rádio Difusora Fluminense, não é, . Difusora Fluminense, Rádio Mauá também dá. . é, o senhor falou daquela vez Difusora... . é, não, a Rádio Mauá também dá! . ai é?. é. não, mas escuto a Difusora Fluminense, não é, porque é, é directo e a Mauá, quando tem futebol, dá futebol, também. . hum, hum.. e lá não, lá é só corrida de cavalo. a Difusora Fluminense é melhor, que é só corrida de cavalo. . mas o senhor nunca fantasiou assim se o senhor ganhasse, assim, uma bolada, que é que o senhor faria com tanto dinheiro? nunca.... que é que eu ia fazer? . não sei.. ia gastar do mesmo jeito! ia gastar. a única coisa que eu poderia fazer é o quê? comprar um iate, só. . viajar! . não, não ia para longe, não, ia ficar aqui mesmo. que é que há? no Rio de Janeiro mesmo, só nessas aguinha daqui só, água mansa. é. muita negra, não é, dentro do barco e pronto. a gente ia gastando, ia dando até ficar duro de novo. é a melhor coisa que tem é você ser sem dinheiro, viu, . porquê? . ah! você se sente feliz, porque você luta para ganhar ele, você sabe que tem dificuldade, você dá valor a ele. agora se você tiver dinheiro, não. tem problema não, posso gastar, porque tem lá para ga[...], para apanhar e gastar de novo. tem donde tirar. e agora, se você é dura, então você é, está sempre bem. você sai 'puxa vida' deve, tem momentos na vida que você pensa 'não posso nem morrer!' é. 'eu não posso nem morrer agora.' tem momentos não. [...] se você viver ou morrer para você é a mesma coisa. você pode não pensar assim agora, não é, mas um dia você ainda vai pensar 'poxa vida, se eu morresse hoje, eu morreria tranquilamente.' mas tem momentos na vida que você está botando a mão para o céu e - você não bota nem a mão para o céu, que você não tem tempo para isso - você está pensando 'Deus me livre, eu não posso morrer agora. se morresse agora, ia morrer com a consciência bem ruinzinha.', entendeu, por isso é... que... eu tenho essa ideia, o pobre é sempre feliz, porque ele luta, ele batalha pelo dia-a-dia. ele quer saber sempre que tem para ele comer, é o mais importante para ele, não é, . hum, hum.. quer saber que ele tem para almoçar, jantar e que ele vai lutar e vai ganhar mais para fazer a mesma coisa. mas já o rico não. o rico já pensa em como te pagar, não é, é a diferença. como te roubar para te pagar. tira de você para pagar a você mesmo, não é,. é a preocupação. . é, que você, você, vamos dizer, você é professora, você dá aula no colégio do homem, não é, você estuda lá também. quer dizer que ele está pensando como te roubar para te pagar! é isso tudo. " +Brasil/Nada Ciumenta.wav,Brasil,Rio de Janeiro,F,54,Década de 80,"ah, minha filha! minh[...], mulher de médico precisa... ser uma criatura assim, é, mui[...], muito - como é que eu vou dizer? - não ligar para certas coisas, entendeu, não pode ser ciumenta, não pode estar levando o negócio assim, você querer monopolizar teu marido porque não adianta, porque você tem que deixar de mão mesmo. você imaginou a mulher de médico ciumenta? que coisa horrível! é horrível! eu não tenho. nunca tive ciúmes do meu marido, nem um pouquinho. . nunca? . nunca! nem quando eu era ca[...], mocinha, garota, nunca tive ciúmes, não. porque não, não dá, sabe, ó Maria Lúcia, você habitua mesmo, você não te[...], acho que você no final, você mesmo que seja uma criatura ciumenta você, no final, você acaba se acomodando no, deixando de ser ciumenta, entendeu, porque ele, a vida dele diária é o dia inteiro lidando com mulher, com enfermeira, com colegas médicas, não é, com clientes, moça, velha, tudo, broto, de tudo quanto é jeito. agora, se você é ciumenta, você fica louca ou separa de uma vez, não é, ou separa.. você tem, também tem os telefonemas de noite, não é, . telefonema de cliente. eu acho que marido de, mulher, eh, ma[...], médico, se quiser enganar a mulher, engana com a maior facilidade. como é que você vai andar atrás do ho[...], do marido o dia inteiro? engana. você pode, pode dizer para você que vai dar um plantão, não dá; pode dizer que vai ver um doente, não vai ver. como é que você vai saber?. é.. então você, o, o negócio é você não esquentar a cabeça. deixa para lá, sabe, deixa o barco correr.. [...] aí, qualquer homem pode fazer isso. . ah! mas é, mas já, mas acho que médico tem mais facilidade para isso, sabe, tem muito mais, ele pode, ah, receber um telefonema, não, não ser de cliente, dizer que vai ver o cliente e não é, não é isso? como é que você vai saber se é cliente ou não é? e você vai, vai poder prender o marido dentro de casa? não, eu não. eu nunca prendi. não ligo. me dou muito bem com Paulo, no[...], nós não brigamos, já estamos casados há trinta e poucos anos, até já perdi a conta.... ai, que maravilha!. trinta e pouco. já perdi a conta até. mas eu me dou bem, a gente não briga assim, só tem, às vezes, umas coisas que a gente não está de acordo, não é, porque cada um tem.... sua manei[...]. seu modo de viver, de pensar, não é, mas não, briga séria assim, não tem, não. agora, eu digo o seguinte: se eu tivesse a mentalidade que eu tenho hoje, a experiência que eu tenho hoje, a experiência, não é mentalidade, não, a ex[...], a experiência. então, se eu tivesse a experiência que eu tenho hoje, eu não me casaria com médico. . porquê? . não aconselho a casar com médico, porque você vive só. vive sozinha. vive sozinha, porque você está muito bem com o marido, daqui a pouco [...] ele recebe um telefonema, tem que sair. e você não pode prender, não é, se tem um doente passando mal, você não vai dizer que não quer que ele vá ver o doente, não é, se está passando mal, tem que ir mesmo, não é isso?. [...]. eu oh!, vou te dizer uma coisa: eu não me casaria com médico. preferia casar com negociante que fecha a porta, fecha a loja, nem que fosse dono de armazém. é.. as[...], chega aquela hora, fechou a loja, vem para a casa, não esquenta. o médico, não. o médico sai do trabalho, vem para casa mas não, não te[...], não fica em casa. ele, daqui a pouco recebe um telefonema, quantos telefonema de madrugada, eh, duas hora, uma hora... e quando, quando eu me casei então, foi, foi o pior, foi a fase pior da minha vida, porque eu era muito criança e fui para fora, não é, então, menina, eu ficava sozinha! sozinha! ele, de madrugada, ele saía, recebia aquele chamado, vinham buscar ele em casa, e eu ficava numa, numa casa que eu fui morar, enorme, sozinha, Maria Lúcia! que medo que eu ficava! apavorada! . medo?. apavorada! então, e, mas eu acho que foi por isso que eu, que eu agora não ligo mais, sabe, já me desliguei, já não, não me importo mais, não. dá plantão, está tudo bem, então, eh, volta para casa. . [...] as actividades da senhora, não é, . é, por isso é que eu gosto de, de fazer meus exercício, minhas ginástica, minha ioga, porque s[...], se não, vou ficar aqui trancada dentro de casa o dia inteiro.. engraçado.... aí, eu moro.... porque nenhum dos meninos resolveu ser médico, não é, . nenhum! não, nenhum dos dois. eles sempre disseram 'Deus me livre ser médico para levar a vida que meu pai leva!' porque, quando eu, no princípio, eu, de casada, então ainda era pior, quando os menino, pegava muito plantões seguido. agora, não. há muito tempo até que ele não dava plantão, mas agora a policlínica, lá resolveu b[...], dar esses plantões. está com pouco médico lá, porque vai mandando gente embora, não é, . a policlínica de aonde? . é policlínica do porto. então, eh, tem poucos médicos e, e tem que dar plantão e ele teve que entrar na escala do plantão. ele não queria, porque ele d[...], detesta dar plantão. já deu, deu muito, quando ele era do exército, não é, ele era médico do exército dava, às vezes, seguida, sabe, ele ia para fora e, e, imagina você, ia acampar! . ai, que horror!. acampar! passava quinze dias fora, acampado. às vezes ia para, para fora, ia para, pe[...], p[...], vacinar, eh, vacina de tifo, essas coisa, então ia para, para santos, para não sei para onde, passava lá uma temporada. . e a senhora ficava sozinha? . e eu ficava sozinha com os meninos. olha, vou te dizer uma coisa, Maria Lúcia, até Natal e Ano Novo, eu passei muito sozinha, sabe, muitos natais e Ano Novo eu passei sozinha com os menino. e a minha nora reclamam da vida que, às vezes, os, os meninos, eh, chegam atrasados, chegam tarde, essas coisas, eu digo 'minha filha, vocês não devem reclamar, não. vocês levam até uma vida muito melhor que eu levei, poxa!' . mas eu acho, dona Mariângela, que a mulher hoje ela, sei lá, ela não aceita com tanta facilidade assim. . eu também acho. a mulher agora não aceita mesmo não, sabe, é porque foram habituadas, tiveram uma educação diferente, não é, eu é.... [...]. é isso mesmo.. [...]. eu acho que assim é que deve ser. . a senhora acha? . eu, ah! eu acho. eu acho, eu aprovo. eu sempre acho que, quan[...], ah, não, não acho ruim das, das mulheres que, assim serem independentes e trabalharem fora, eu acho que isso é uma boa mesmo, sabe, é uma boa! a mulher deve ser independente, nunca depender de marido. . é, mas, às vezes, os homens ficam muito ameaçados. os homens, os maridos. . ah! eles ficam ameaçados nada. eles ficam é, é enciumado. . pois é, nesse sentido [...]. eles ficam é com ciúmes, porque tem muita mulher que ganha mais que o marido.. [...]. conheço mui[...], muita mulher que ganha mais que o marido, e, e, e eles ficam assim enciumados, porque eles querem ser sempre os machões, não é, querem controlar ali. mas o, mas eu acho certo, sabe, a mulher ser independente, não depender de marido, não. . [...]" +Brasil/A Macarronada.wav,Brasil,Rio de Janeiro,F,,Década de 80,"e quem cozinha, você ou seu marido? . eu que cozinho mesmo. ele não sabe fazer nada, sabe nem fritar um ovo!. sabe fazer café. . só! só café! às vezes o outro, o caçula é que fala 'pai, vamos fritar' quando eu não estou aí, que eu saio às vezes lá fora, não é,. hum, hum.. também tem, preciso, não é, ir na rua, 'pai, pode deixar que eu frito o ovo para o senhor.' aí ele frita.. ham, ham. . ele só come dois, três, . sei.. não come menos que dois, três, o garoto. poxa, é muito ovo, heim? . é. e no pão, ele gosta fritar ovo, botar no pão, tanto eu não fico sem ovos. todo Domingo é duas, duas dúzia de ovos que eu compro . sei.. na feira. ou na Cobal.. então, se, se você cozinha deve ter um prato que é o predilecto dos seus filhos. qual é? . ah! do meus filho é, do caçula é carne assada. . ham.. adora carne assada. boto linguiça e boto toucinho de fumeiro, não é, assim por, ele adora! ele catuca e tira aquelas, aquelas, aquelas linguiça toda de dentro. eu não aguento com ele. ele é engraçado mesmo. e o mais velho gosta de galinha. . é? . já meu marido adora macarrão. . ham.. adora ma[...], quando eu faço macarronada.. conta para gente como você faz a sua carne assada. dá a receita para mim.. ah! eu to[...], eu faço só de patinho.. sei.. eu compro um peso bom de patinho, redondo, não é,. hum, hum.. e ali eu meto o facão assim por dentro, boto um, pego um paio e coloco assim por dentro, do outro lado eu boto um pedaço de toucinho fumeiro. hum, hum.. aí, ponho para o fogo para assar, com bastante óleo, não é,. sim.. bo[...], ah, diminui o fogo, não boto nem um pinguinho de água. . hum.. deixo ali, vai, vai cozendo, assando devagarzinho, devagarzinho, depois vai corando, aí eu boto umas cebola descascada. sei.. pimentão, umas batatinhas pe[...], miudinha, não é,. hum, que delícia.. aquelas batatinha, ponho, ainda fica, é assim que eu faço. aí fica bem corado . hum, hum.. e ela fica bonita, gostosa! . hum!. mas não coloco a carne cara, nem esse lagarto, eu não gosto. porque é muito dura. hum, hum.. é uma carne muito ressecada e tem que estar pondo água.. sei.. eu não gosto [...] de assar botando a água.. hum, hum.. eu a[...], vou assando assim só com aquele calorzinho dela, só, fica uma delícia. . hum! deve ficar uma delícia.. é. . é. e o macarrão, como faz? . o macarrão, eu faço com bastante carne. compra-se um pedaço de boi, não é, . hum, hum.. aí faço, assim, bastante molho. aí vou botando macarrão e a carne, o macarrão e a carne, vou jogando por cima. . hum!. depois eu encho de queijo, aquela carne assim por cima. marido adora! . a próxima vez eu venho almoçar. . pode vir. " +Brasil/Trem de Ferro.wav,Brasil,S. Paulo,M,,1995,"eu vou começar o programa lendo um poema do Manuel Bandeira, poeta brasileiro falecido em 1968, grande, grande Manuel Bandeira, tido por muitos como o poeta da simplicidade, aquele que conseguia dizer as coisas mais... profundas da forma mais... simples, poeta que caiu realmente na, no gosto do povo, caiu na, na, na, na linguagem do povo, quem é que não conhece a frase 'vou-me embora pra Pasárgada'? quem escreveu isso foi Manuel Bandeira:. todo o mundo conhece isso. eu vou ler um poema do Bandeira então e você pelo poema vai desconfiar do tema, certamente você vai descobrir qual é o tema do programa.. trata-se do poema, do genial poema, do antológico poema, do memorável poema 'Trem de Ferro', do Manuel Bandeira, poema que tem por si só toda a sonoridade de um trem, de um trem de ferro, trem directamente ligado à história do Brasil, à história do interior do Brasil, o Brasil que, por incrível que pareça, já andou de trem. do Brasil que depois genialmente, entre aspas esse genialmente, descobriu que o trem não presta, que o ideal é andar de ónibus, andar de caminhão; então num país continental como este, nós carregamos mercadoria em Porto Alegre e mandamos para Fortaleza num caminhão; lá vai o caminhão andando quatro mil quilómetros, um cidadão coitado sozinho, não é, nesse interiorzão do Brasil por estradas maravilhosas, nenhum buraco, nada, tudo maravilhoso, de primeira, lá vai o cidadão gastando energia, gastando pneu, gastando tudo, para carregar trinta toneladas, quando um trem sozinho, só, só um vagão, não é, leva oitenta, noventa, cem toneladas, imagine quanto não leva um trem desses de carga; o Brasil já andou de trem, não só na base da carga, os passageiros também. o trem está directamente ligado à história do Brasil, especialmente à história do interior do Brasil. os nossos avós andaram de trem, os nossos pais andaram de trem e o trem foi cantado em prosa e verso." +Brasil/Economia e Sociedade.wav,Brasil,São Paulo,M,22,1987,"eu sei o seguinte, eu, eu tenho minhas críticas tal, eu sei que... o sistema socialista tem muita, tem muita coisa ruim mas tem seus lado positivo. e como o sistema capitalista tem muita coisa boa, mas se faz, se se fizer uma análise concreta, e.... de estatística de po[...], prós e contras, não é, eu acho que o capitalismo sai muito mais defasado, viu, porque, por exemplo, o direito, que é que é o direito? direito é o instrumento do estado que tem por finalidade manter a... organização... e dar... uma certa autonomia a cada indivíduo, não é, para se fazer, para fazer valer seus direitos. ham.. por exemplo, qual é a... parcela da sociedade que tem di[...], realmente direito na nossa sociedade? é vinte por cento. você acha que um men[...], um cara que é pobre por falta de condições?. por falta de conhecimento.. não, que conhecimento? por falta de, de, de, de condições materiais. você acha que uma pessoa pobre tem condições de invocar o órgão jurisdicional, por exemplo? pagar custas de processo? tem condições para conversar com advogado e falar 'olhe isso aqui é assim, assim, assim, e eu vou te pagar tanto.' não se tem, pô. o cara não tem condições.. agora, eu acho que, veja, eu estava vendo um, um artigo sobre as múltiplas delegacias que existem actualmente, certo, ah, então, aí eu estava era, eu mesmo não conhecia essas de[...], delegacias, e qual era a real função de cada uma delas, não é, não sabia. elas existem, estão aí. então, sabe, eu acho que a coisa começa aí.. não, porque quando.... a desinformação, a, a.... certo. bom a informação é importante, mas quando se fala em direito, você já, a gente que tem assim uma concepção mais, mais adentro, não é, mais adentrada, tal. assim, em termos de estudo de direito, você já tem uma visão totalmente elitista, como produto de uma, de uma classe da sociedade que faz valer seus interesses através de selecção de valores, ou seja, eles optam por uma lei, optam por outra lei... e quem são os legisladores? são os caras que legitimam isso aí, certo,. é, essa classe é elitista mesmo.. e quando você fala em, você fala em direito com um cara que é pobre, ele, para ele é um conceito abstracto de direito. ele só vê falar nisso aí, mas ele não tem a força, ele mesmo sabe que ele não tem a força de invocar o direito. porque não tem mesmo, depende, depende de, de in[...], de intelectualida(de). à cultura, o cara não tem direito a nada, meu, só vive que nem um animal.. e nem de acesso ao material que ele produz. e é o cara, e é o cara que produz esse prédio aqui, em que a gente está morando e tudo o mais. e então é a classe dominante que usufrui da i[...], da, de, da, da cultura, usufrui dos prazeres da vida, pô,. dos bens materiais.. e isso aí é justo com a sociedade? não é justo, pô, agora há, há-de se falar em liberdade quando se fala numa sociedade socialista? é porque lá não existe liberdade. não existe liberdade tudo bem. isso aí é um mal que tem que ser combatido. combatido, ferran[...], com, com, com muito, como é que se diz?. vigor.... com muito vigor, tenacidade. mas não se pode falar em liberdade antes de se falar em subsistência, pô, a subsistência é, a existência é... primordial da vida. como é que se vai se falar em liberdade se você não tem condições nem de subsistir como gente?. é, pois é, mas.... aqui você tem liberdade, por exemplo . ah.... para comprar u[...], uma calça, um cara que não tem dinheiro não tem.... sim, mas veja, isso no plano que nós analisamos. porque nós estamos vivendo nessa sociedade, não é, em que as coisas são totalmente deturpadas. agora . por exemplo, quando se fala em liberdade.... na sociedade socialista que se falam tanto. hum.. que se apregoam tanto, como você falou no plano filosófico, não é, é, até aí.... não, não, no plano filosófico não é em termos de, de, de aplicação prá[...], prática, não é,. certo.. serve como concepção de vida.. concepção. é.. mas vamos falar em termos de aplicações práticas.. aí tem que partir para o lado político.. exacto. o plano político, está, então nós sabemos que, ah, estão, tentaram aí porque eu acho que foi uma tentativa que se fizeram, não é, nos países do leste de implantação do socialismo.. não, não é, eu acho que não é tentativa, acho que é produto. porque. produto de relações, não é, [...]. é porque, você veja, agora, o que aconteceu? o que aconteceu foi que uma classe dominou toda a situação, e domina a situação. agora, quando Lenine falou-se numa re[...], im[...], implantou uma revolução, ele falou numa ditadura do proletariado.. exatamente. falou.. e na verdade não existe essa ditadura do proletariado. . hum, hum.. porque a coisa ao longo do tempo foi transformando, aquele transformacionismo que a gente sabe que acontece em toda sociedade ao longo do tempo.. é porque o dinamismo é, é, é, é ele existe em tudo o que existe na, na natureza. é. dinâmico.. tudo, tudo é dinâmico. nada é estático.. [...] nada, nada pára.. como o pró[...], como a própria sociedade é estática, tanto é que você, fazendo uma análise histórica, você sabe que nós começamos numa, numa, fase de produção escravista, passamos para uma fase de produção, eh, feudal onde existia o servo e o escravo e não se parou por aí. entrou no capitalismo comercial, não é, industrial e hoje a gente vive uma fase do capitalismo avançado que é o, o imperialismo. . certo.. hoje o, a 'célula mater' do capitalismo que é os Estados Unidos vive de juros dos países do Terceiro Mundo.. [...]. isto é imperialismo, ou seja, ela vive do factor monetário, não é, preponderante [...] então o que é que acontece? é dinâmico. então a, o próprio socialismo, ele surgiu de uma contradição. Marx disse que, eh, um país se tornaria socialista, quando a... sua relação de produção capitalista se tornasse altamente desenvolvida, e isso não se deu. e por que é que não se deu? porque ele Marx viveu uma época, certo,. é.. e nada é estático, e tudo se transforma.. [...]. e o que é que aconteceu? aconteceu que em mil novecentos e dezessete, a União Soviética, a Rússia, ela tinha uma relação de produção eminentemente feudal, onde havia os czares e havia os servos. então o que é que havia ali? havia uma contradição muito grande, muita riqueza e muita probreza. daquela contradição houve choque, choque de interesse, e deu-se uma nova relação, que foi a relação de produção socialista.. hum.. então é produto histórico, como Cuba também era. Cuba em mil novecentos e cinquenta e sete o que é que era? reduto de americano, prostituição, contrabando de drogas e miséria. contradição de sociedade, surgiu uma nova coisa. então o Brasil vai passar por isso. mas quando? quando... tiver muita pobreza e muita riqueza. e quando isso vai se dar? a gente vive uma relação em que uma parcela da sociedade cada vez fica mais rica e uma parcela fica mais pobre. então vai chegar um limite, um momento histórico, em que isso aí entra em hist[...], entra em choque, estoura. é produto histórico, natural, concorda?" +Brasil/Surpresas da Fotografia.wav,Brasil,S. Paulo,F,23,1993,"e foi assim uma viagem que eu aproveitei muita coisa porque.... para qual cidade você foi?. eu fui para Porto Alegre mas, ah, eu fiquei em cida[...], hospedada numa outra cidade vizinha, se não me engano, aí de Esteio, é perto de Canoas, é uma coisa assim, e, mas depois eu peguei, junto com o pessoal da, da Federal de São Carlos, nós fomos fazer os circuitos das, ah, das vinícolas, não é, então, Bento Gonçalves, toda aquela região de, ah, de vinícolas e tal, ah, a go[...]. foi tomar vinho!. essa gozação eu aguentei depois, porque quando eu cheguei aqui, eu tirei foto para caramba, porque eu tirava foto de tudo o que eu via.... a do japonês, do japonês, lembrei, o japonês, tinha, tinha um japonês. não tinha.. errado, que você bateu errado. não foi aquela, foi a do Rio.. ah! errei.. não.... errou.. apaga.. não, essa foi uma outra foto, quando eu fui para SBPC no ano seguinte, que era o Rio de Janeiro, eu pedi para re[...], revelei um monte de fotos, não é, porque eu sempre que eu vou de tudo eu tiro foto, então eu tiro assim... tipo três ou quatro rolos de filme e dali eu aproveito quinze fotos, não é, então quando eu fui para o, para SBPC do Rio aconteceu isso, eu revelei as fotos só que no meio veio de uma japonesa, com uma criança no colo que até hoje eu não sei de quem se trata. ela de[...], deve ter alguma foto minha perdida assim como a dela, ela deve estar procurando até hoje, não é,. é.. então ficou guardada. mas quando eu cheguei lá no, em Porto Alegre, eu tirava foto de um monte de coisa, tudo o que eu via ia tirando foto e foi uma coisa assim muito gostosa porque o pessoal à noite, SBPC mesmo, ninguém passou nem na porta, não é, eu conheci a faculdade. não conta, não conta. eu conheci a faculdade, conheci cada luga[...], conheci onde era a universidade, não é, conheci como era a universidade, como estava dividida e tal, mas o c[...], as palestras, eu... não fui. [...]. porque eu achei nem, ah, nem, ah, não, não chego a, nem graça, eu ia, sairia da palestra aqui, sairia da USP para ver os professores da USP falar em palestra? . lógico.. não tinha nem sentido. então, quer dizer, hoje eu sei que não são só isso, tem... pessoas de fora. [...]. não, tem pessoas de fora. é mentira.. tem pessoas de fora que, que vêm, que trazem coisas interessantes, não é, então, o ano passado eu tive a oportunidade de ver realmente uma SBPC, de assistir, de participar, mas a de, a do Rio Grande do Sul, mais que era a primeira viagem fora.... era a primeira vez, você queria mais era aproveitar a viagem mesmo, não é,. exactamente. eu queria era aproveitar, ver o que dava para poder, assim, conhecer o lugar e eu acho assim que eu até aproveitei muita coisa, talvez não tenha aproveitado, ah, palestra de professores, coisas que eu não assisti.. talvez?. m[...], mas, por outro lado, eu acho que eu aproveitei muita coisa de conhecer uma outra realidade, então eu, quando eu cheguei aqui, eu cheguei com uma cabeça diferente no sentido de, primeiro, e quando você está dentro da universidade você não consegue ver as coisas bonitas daqui, você j[...], consegue ver é quando você está num ou[...], numa outra onde você, eh, poxa, a USP é tão bonita assim em termos de, geográficos mesmos, está, você vê em termos de população, como essas pessoas vivem, o que elas esperam, a própria recepção que elas têm com você, então, você chega, está todo o mundo assim 'ah, você vem de São Paulo?' nossa! parece que você veio assim de outro lugar, está todo.... te tratam como uma deusa.. todo o mundo te trata muito bem assim. você, ah, você quer sa[...], você quer saber o que esta aco[...], ah, as pessoas querem saber de você e querem s[...], assim, querem saber o, quem você é, o que é que você está acostumado a fazer lá e tal, elas são super, ah.... receptivas. receptivas e... eu assim achei superlegal, então acho que eu aprendi muitas coisas por esse lado, não é, até mesmo de você chegar numa cidade onde você não conhece, ter que se virar com guia, com mapa do lugar, então você, bom, ah, está certo, as pessoas falam a mesma língua, alguém te indica, então mas, mas em cidade, geralmente em cidade pequena acontece muito isso. on[...], você chega e fala assim 'ah, onde é o banco? o banco tal' eles falam assim 'é do lado da telefónica', quer dizer, não te [...] adianta em nada porque você não conhece onde é a telefónica.... [...]. exactamente.. que gracinha.. exact[...]. [...] a única que tem.... exactamente, você não conhece, por exemplo, um ponto que para eles são, é uma coisa comum, não é,. hum, hum.. então, ah, você perde esse referencial. então quem te guia realmente ali dentro são os mapas, não é, que foi a primeira coisa que nós fizemos quando chegámos lá, procurar onde era o serviço de turismo para poder pegar, pegar os mapas e tal, não é, ah, ver a questão de prá[...], de, do, d[...], assim, ah, ah, o quanto dete[...], ah, pelo menos para mim foi diferente ver assim como eles valorizam aquela cidade, como eles, embora Porto Alegre seja uma cidade bem grande, não é, você vê como eles valorizam, como um, um turista chega lá, eles querem te mostrar 'olha o rio Guaíba que co[...], passa ali, o nas[...], po[...], o nascer do sol é super, o poente é superlindo', não é, então, esse tipo de coisa, eles querem te mostrar o que têm de bonito na cidade, ah, você vê também até ques[...], determinadas coisas que, ah, para nós, ah, a nossa organização embo[...], você fica, para mim foi uma coisa que na época, principalmente porque eu estava estudando linguística, eu fiquei abismada, porque... eu entendia as coisas teoricamente e lá eu tive a oportunidade de ver isso na prática. então, por exemplo, lá a diferença de falares, lá eles falam por tu, tu, tu, o tempo inteiro, não é, e para a gente é superesquisito, embora a gente saiba que o português, que o correcto seria falar tu, não é, então essa diferença linguística, a diferença até de organização, então, por exemplo, eu lembro que tinha uma rui[...], ruazinha, você tem o guarda que ficou, ele tem visão nas quatro, nas quatro, das quatro ruas, ele fica numa pracinha, dali ele tem visão para quatro ruas, não é, então esse tipo de coisa, essa própria organização que hoje, aqui numa cidade grande, você não encontra, não é, e... a questão por exemplo de você querer ti[...], eu queria tirar foto de tudo, eu queria experimentar tudo, eu queria ver tudo, não é, agora, como a, a Leila já tinha falado . eu não falei nada.. que ela viu as, as fotos que, você não, acho que não conhec[...], você não conheceu, mas eu trouxe um monte de fotos de lá, a metade está, metade está mal tirada e a outra.... e, lógico, quem foi a fotógrafa, quem foi?. metade está mal tirada e t[...], e tem outras, perdão, p[...], ah, muito pelo contrário que eu esperava tirar a foto certinha. [...]. só que eu mexi de tal maneira na máquina que até ho[...], se eu tiver que fazer hoje eu não consigo. então, por exemplo, tem uma foto que nós tirámos numa duna de areia e que era para ter saído clara e, e muito pelo contrário, saiu o, o, saiu como se fosse um, um efeito especial, saiu só a sombra das pessoas naquela areia. então ficou muito mais bonito pelo efeito que pela foto re[...], verda[...], real, real, não é, a outra, uma.... [...] fotografias. uma outra, uma outra também que saiu assim foi de uma igreja que era na cidade de Canela, não é, então tem toda a história da igreja atrás disso e eu fui tirar a parte de dentro da igreja. todo o mundo que vê a foto, se vê, se eu mostrar só a foto fala assim 'aquilo parece coisa de igreja medieval', lembra, não é, pelo, pela maneira que eu coloquei o vitral. como eu fiz isso até hoje eu não sei. em contrapartida ao lado de.... [...] quem sabe uma inspiração, um espírito.. em contrapartida na, na parte de fora da igreja quando eu tirei a foto, eu estava assim, lugar que você não conhece e eu superpreocupada porque você tem documentos, você tem dinheiro, você tem, ah, você tem tudo ali, não é, e outra, eu estava fora de Porto Alegre, não é,. [...] ah, eu lembro. então minhas coisas estavam todas, ah, no alojamento de Porto Alegre e essa altura do campeonato eu estava já n[...], em viagem há dois dias com outra tu[...], com a turma de, ah.... São Carlos.. de São Carlos, da Federal de São Carlos para essas cidades. então, o que eu tinha era o que estava na minha bolsa, não é, então morrendo de medo, eu fui tirar a foto dessa igreja, eu coloquei a bolsa na minha frente e fui focalizar a igreja só que eu não sei como eu coloquei a máquina que saiu a bol[...], saiu a bolsa, a parte de ci[...], baixo da igreja e a parte de cima saiu cortada. não dá para você, você não vê a, a torre da igreja, não é, você viu essa foto?" +Brasil/Comer Bem e Falar Bem.wav,Brasil,Rio de Janeiro,M,41,Década de 80,"o senhor sabe fazer alguma coisa na cozinha? . na cozinha? . hum.. sei, o que é que eu não sei fazer na cozinha? feijão, arroz, fritar um bife. um bom churrasco é comigo mesmo, um angu caprichado, uma sopa de siri.... é.. e como faz. comigo mesmo, um café.... um bom churrasco?. ah! um bom churrasco, você pega a carne, lava a carne direitinho, joga um sal grosso na carne e leva ela ao fogo, simplesmente. é o bom churrasco. é o churrasco gaúcho, é. porque a carne com um certo tempero, ela fica enjoativa, então você assa a carne só no sal e prepara o molho à parte: cebola, tomate picadinho, alho, vinagre, azeite, certo, sal, mais um pouquinho, uma pimentazinha de leve; então depois a pessoa que gosta bota no prato. hum, hum.. à parte, uma farofa! isso é que é o churrasco... ao molho.... e você foi aprendendo.... certo, não, isso é, a vida vai ensinando, certo, é, um reservista de primeira categoria como eu fui tinha que fazer certas coisa e faço até hoje, quando a patroa às vezes vai para praia com as criança ao fim-de-semana, ela vai Segunda-feira e eu só vou fim-de-semana, certo, então, eu fico em casa, eu tenho que fritar um ovo, eu tenho que fazer um cachorro-quente. cachorro-quente também é fácil de fazer, você pega salsicha ou linguiça, se for linguiça você tem que escaldar a linguiça. escalda, tira, vai tirar um pouquinho do sal. hum, hum.. faz aquele tempero, um molho de tomate, cebola, pimentão, aquilo que a pessoa gosta. depois, corta um pãozinho ao meio, bota a linguiça, bota um... queijinho parmesão dentro, uma maionese, certo, é isso aí.. [...]. é um cachorro-quente. quer dizer que eu estou inteirado nesse assunto, não é,. está legal.. se tiver que fazer um bolo, eu também sei fazer um bolo de aniversário. . nossa! mas está [...]. ah! sei! porque é que eu não sei?. e não tem preconceito não? de homem?. não, não tenho preconceito. eu sou mecânico mas também se, se tiver que ser padeiro, eu também vou ser padeiro. tudo bem. isso é questão de, de tocar para frente. tudo na vida se aprende, meu amigo, certo,. e, assim, o senhor sabe que nortista fala carregado, não é, . fala. . que é que o senhor acha disso? da fala deles? . ué! cada um fala da maneira de aonde nasceu, do seu estado, certo, . mas quando o senhor ouve esse alguém falando que é que o senhor acha? . não, eu não sinto nada, é. simplesmente, coitado, ele está falando da maneira que ele aprendeu a falar, certo, como o português, por exemplo, o português, quando ele vai falar 'vasco', ele não fala 'vasco', ele fala 'basco' e quando ele vai falar 'botafogo' ele fala 'vastafogo'. então, quando ele não é 'basco', ele é 'vastafogo'. é isso aí, meu amigo. . e o que é que o senhor acha do jeito do carioca falar em relação ao resto do Brasil?. bom, o carioca é aquele que gosta sempre de estar brincando com os outro, certo, o carioca, sempre, está gozando os outro. [...] o, o carioca está sempre com aquela de brincar com os outro. então, o carioca gosta de gozar mesmo os outro, certo, quando ele pega uma falha qualquer, ele já nega, mas ele também não esquece que muita das vezes ele fala as coisa errada, não é isso? o carioca, muita das vezes, fala as coisa errada. . hum, hum.. no momento eu não lembro de nada que o carioca fala errado." +Macau/Vida Social Macaense.wav,Macau,Macau,F,46,1990,"e nunca pensou fazer um livro com as suas receitas?. não, senhor doutor, porque já há aí muitos e além disso as comidas macaenses variam muito de pessoa para pessoa, quem as faz, porque uns metem is[...], metem este tempero, outros metem outro e como sei que em Macau gostam muito de criticar, não, não, não pensei fazer.. mas é uma pena.. é uma pena mas já há muitos! já há muitos livros com receitas macaenses.. sim, mas.... já!. mas cada cozinheira tem a sua maneira especial de.... isso é verdade. mas não tenho assim também receitas tão especiais para fazer um livro. quer dizer, iam, íamos repetir o que os outros livros também têm. pois. é.. mas deve ter alguns pratos que são só seus, com certeza.. não, doutor, não temos nada. não.. assim, porque a comida macaense também não é muito vasta.. pois.. é uma mistura. pois, pois.. de, de comida portuguesa, comida indiana, comida de m[...], mala[...], da Malaca e de, des[...], desta parte aqui, é uma mistura.. pois, eu lembro-me. é.. que esta galinha à portuguesa, por exemplo, em Portugal nunca vi este prato.. tanto assim que nós quando abrimos o Riquexó nunca pusemos comida, eh, galinha à portuguesa, pusemos sempre galinha à Macau.. à Macau.. porque co[...], galinha à portuguesa não há, não é dé[...], não é assim feita.. pois, pois, pois, pois.. pois claro, nunca pusemos.. e portanto, ao longo deste tempo todo tem preparado muitas festas, não é,. sim, nós estamos, olhe, no Riquexó abrimos em mil novecentos e setenta e oito, já ali fazíamos festas de aniversário e tudo, mas claro, o, ah, o Riquexó é um sítio assim mais pequeno, não dá para muita gente e tudo. agora aqui no Clube de Macau que já é tradicional para festas macaenses de casamentos e tudo. pois. . temos já feito muitos, desde mil novecentos e oitenta e dois, o Clube de Macau.. hum, hum. . é.. e por falar em festas, eu gostava de lhe perguntar uma coisa: diz-se que há uns anos atrás havia muitas festas aqui no Clube de Macau.... havia, havia... muitas festas, porque antigamente talvez, bem, isso eu agora não posso falar porque eu nasci em Lourenço Marques.. ah!. eu nasci em Lourenço Marques.. ah! nasceu em Lourenço.... só vim com doze anos para Macau.. para Macau.. de forma que também já não apanhei essa época das festas que cá havia porque isso, tenho a impressão que foi, era na altura em que o meu pai e a minha mãe eram j[...], eram jovens.. pois.. só nessa altura, eles é que casaram, foram para Lourenço Marques. eu quando vim já estava bastante, bastante morto essa, essas festas. não, não havia assim muitas. e com a vinda do meu pai de Lourenço Marques começou-se a reviver os Carnavais, as peças de teatro em patois.. pois.. em mil novecentos e cinquenta e cinco, começaram-se a fazer festas em casas particulares, de Carnaval, com cortejo na rua e tudo, em mil novecentos e noventa e cinco e depois. em cinquenta e cinco.. até sessenta, até sessenta, sessenta e tal ainda hou[...], ainda continuaram com estas festas. depois foram morrendo, pouco a pouco.. porque será que isso aconteceu?. acho que falta de pessoas que quisessem até porque, eles representavam, faziam uma peça de teatro com o senhor, ah, ah, ah, Santos Ferreira. hum, hum.. José Santos Ferreira, faziam peças de teatro e... acho que depois as pessoas não, não, não, não queriam, não, não s[...], não queriam representar ou coisa assim, quer dizer, aquela, aquela, aqueles que, que se prestavam a isso, como o meu pai e várias pessoas da, da, da idade dele, digamos. pois.. ainda e[...], faziam essas, essas peças. depois as outras pessoas mais jovem, já ninguém... se prestava a isso . pois.. e depois também não sabem falar já o patois.. pois.. porque depois, quer dizer, ah, o patois é aquel[...], é a tal, é a língua macaense antiga. depois vieram, começaram aqui os liceus e tudo, começam a falar português ou o chinês e depois fazem uma mistura . pois.. de português e chinês que nem sequer é o patois.. pois. portanto. pois é. . o patois hoje em dia já ninguém percebe.. não. perceber, percebe-se, porque eu acho que o patois é uma língua que se percebe mas já ninguém fala.. pois.. já ninguém fala... esse.. portanto essas festas acabaram e então os macaenses o que é que têm em substituição dessas festas antigas, o que é que fazem agora como passatempo?. ah, eu não faço ideia, mas acho que a televisão absorve agora as pessoas.. pois.. tenho a impressão que sim porque antigamente o Clube de Macau, além das festas tinha jogos, vinham para cá todos os fins-de-semana, ou mesmo depois da, das cinco, depois da repartição, vinham para cá jogar, eh, majongue, jogar... cartas, havia muito convívio, no Clube, agora não, o Clube está morto. . pois.. está morto. . eh, o facto de deixarem de estar cá os militares não terá tido também alguma influência nessa...? . acho que não, acho que a vida também mudou, a vida em si mudou. tanto assim que mesmo acho que em Portugal também.... pois.. devido aos modernismos. é.. à televisão e depois pode-se alugar um vídeo e pode-se, quer dizer, isto tudo acho que contribuiu . pois.. para as pessoas não se darem assim, não conviverem tanto assim num clube ou coisa assim.. pois, pois, pois. bom, como disse, [...], a vida transformou-se muito em Macau, em Portugal, em toda a parte. eh, na sua opinião, esta transformação de Macau tem sido para melhor ou para pior?. eu acho que pelo menos levamos uma vida mais independente, agora.. sim.. levamos uma vida mais independente. eh, acho, que eu também não posso falar assim muito, porque não era do meu tempo. pois.. o vir jogar a canasta, o vir jogar o majongue e vir isso, mas acho que nessa altura há mais fofoquices, não é, junta-se muita gente. pois.. e depois falam disto e falam di[...], agora as pessoas nem têm tempo para isso. a meu ver eu acho que já não há tempo para isso. cada um tem a sua vida, vai para o trabalho, vai para casa, é uma vida mais independente. é diferente. . pois. ah, a canasta, a canasta é uma coisa que eu agora [...]. que veio de Portugal.. que veio de Portugal?. veio um jo[...], é um jogo que veio de Portugal.. mas agora não se ouve se[...], esse nome sequer.. é assim, é. já ninguém joga, já ninguém joga quase, e pouca, pouca gente.. hum, hum.. as pessoas jovens de hoje em dia já têm outro, outra vida que, que nem dá para aprender para jogar canasta, não têm tempo para jogar à canasta.. hum, hum.. mas isso é dos tempos ainda da minha mãe e tudo, porque eu, eu própria também já não jogo, nem sei jogar.. não sabe jogar canasta?. não sei jogar canasta e majongue... mal e porcamente.. bem, mas as pessoas de cá geralmente gostam muito, não é,. mas não, eu nunca me entusiasmei assim para jogos, de forma que é mais, e acho que foi a época dos meus pais.. hum, hum.. é que, nessa altura é que jogavam.. agora uma coisa que acontece, eh, hoje, o Hotel Bela Vista também fecha as suas portas definitivamente.. é verdade fech[...], fechou. fechou.. ou fecha hoje. fecha hoje.. acho que f[...], hoje ainda há um jantar.... ah, então fecha hoje.. pois.. exactamente.. mas penso que o jantar hoje é por convites. já não é... propriamente.... tenho a impressão que sim.. pois. é também mais uma etapa de Macau que, que acaba.. mas vai ser renovado, não é,. hum, hum.. vai ser todo restaurado.. pois, vai ser restaurado, mas isso implica, ah, tornar-se inacessível ao público que lá ia, de um certo modo.. não sei porquê, porquê?. eu ouvi dizer que se vai transformar no hotel mais caro de Macau.. ah! bem, em questão de preço, mas eu tenho a impressão . pois.. que eles vão, ah, tentar ficar a traça antiga.. hum.. não é?. ouvi dizer que sim.. pois é.. não percebi.. bem, sendo o mais caro.... pois.. pois é.. porque é um sítio onde, eu pessoalmente, de vez em quando ia lá tomar um café, assim nesta altura que o tempo é bom [...] mas agora.... pois, pois, que é fresquinho.... na varanda.. na varanda.. ah, quando se transformar numa coisa de luxo, é diferente, não é,. vai ser mais difícil, não é,. não é só a questão do preço. pois.. é que a pessoa já não vai de qualquer maneira, não é,. pois é. exactamente.. tem que se vestir.. mas eu tenho a impressão que, isso não sei, sabe que os ou[...], todos os hotéis ao fim e ao cabo também são caros cá em Macau.. pois são.. são. para tomar um café. sim.. são logo dezoito patacas. patacas.. ou coisa assim.. ou mais.. deve ser assim mais ou menos. e de vestir, eu tenho a impressão que não deve haver assim tanto rigor.. pois, cá em Macau nunca se formaliza tanto.. não.. não é,. exactamente, como em qualquer outra parte do mundo.. pois.. quando é um bom hotel, a pessoa tem que ir vestida, mas cá em Macau e Hong Kong mesmo também não.... pois, a pessoa pode ir ou bem ou mal.... é verdade, é.. ninguém presta muita atenção.. é sim senhora." +Macau/Os Filhos e o Futuro.wav,Macau,Macau,M,40,1990,"o senhor Silvério tem filhos?. tenho, tenho dois filhos.. e que futuro é que, é que deseja para eles?. bem, espero que eles tenham um, um futuro, eh, eh, risonho, espero que ele tenha um s[...], um futuro mais promissor, espero que eles tenham um futuro... mais seguro, em termos de datas para eles programar a vida deles, espero que eles tenham um futuro para estacionar um local, sem ter a preocupação de fazer as malas e arrancar, espero que o futuro dele seja um, que possam abraçar uma profissão, eh, uma profissão... ligado a... actividades técnicas, eh, espero que o futuro dele seja, ah, dum, de homens assim normais, isto quer dizer que constituam a sua própria família, tenha a sua própria independência, criem também filhos, como... os antepassados deles criaram. pronto, espero que eles, eh, tenham uma vida e um futuro tudo para o normal.. depende. para, para, para qual, pronto, entre comas, o patrão que eles vão ter. se é para o Estado, se é o Estado português, da república, ou, ou se é a administração de Macau. empresa pública, também é claro, aí têm vários tipos de patrões, não é,. hum, hum.. eh, eu, à partida, eh, diz[...], diria que... qualquer emprego que eles sintam bem está tudo bem. se é para a função pública ou não, eh, não importa. e principalmente estamos a entrar nos anos noventa, não é,. hum, hum.. eh, é difícil fazer certas previsões, se o Estado é melhor, se a privada é melhor.. pois.. se a engenharia é melhor ou a medicina é melhor. enfim, o fu[...], o futuro dirá, ou eles próprio, eu penso que eles próprios saberão escolher. porque neste momento, felizmente, eh, os miúdos neste momento têm um vasto mercado de escolha, quer para os seus passatempos, quer para os seus estudos, não é, que nós antigamente não tivemos todas essas oportunidades, daí que eu digo é difícil nós actualmente, os pais dos anos noventa, pensar ou imaginar, pronto, eu quero que o meu filho seja esse tipo de pessoas na comunidade, quando ele crescer. é difícil.. pois.. é difícil preparar. é difícil imaginar, como é difícil, já não é possível, nós pais, impor s[...], profissões para os nossos filhos.. antigamente era diferente, não era?. sim. antigamente era, era diferente. tanto que é diferente que antigamente os próprios pais podiam, eh, impor ou podiam, eh, forçar que os filhos entrassem no seminário. quando os filhos não tinham vocação para ser padre.. hum, hum.. não é?. pois.. é. mas neste momento já não é possível o i[...], ah, nós, pais, ter essa, essa força, não é, essa força que, é claro, eh, eu acho que, pronto, Macau, Macau, por estar talvez e situada na China, e muitas vezes também sofremos umas certas influências da China, não é, porque... os chineses, os pais, os chefes de famílias, tiveram sempre, pronto, o poder na mão, não é, é a pessoa que dita as regras, eh, dentro... de qualquer família. por isso, pronto, nós aqui, macaenses, também tivemos uma certa influência. depois misturado um bocado com a cultura portuguesa, não é, que... s[...], criou-se uma maneira de pensar, eh, muito, muito peculiar aqui da, da, da nossa terra. pronto, realmente, a história diz-nos e, como aliás muitos dos nossos, eh, eh, vá, muitas das pessoas mais a[...], a[...], adultas nos contam o poder que eles então tinha. e neste mom[...], momento, comparando com actualmente o que se, o que se vê. hum, hum. penso eu.. acha que é pena os pais perderem essa autoridade que tinham antigamente, ou acha bem?. bem, eu acho que neste momento eu estou inclinado, sessenta por cento, que eu aceito, para o bem. hum, hum.. quarenta por cento, não.. hum, hum.. eh, sessenta por cento, digo, eu apoio porque acho que... assim podíamos dar uma formação, eh, aos nossos filhos mais para o natural. de acordo com as suas, eh, vocações, de acordo com as suas inclinações e, e habilidades pessoais, não é, eh, quarenta por cento não. por isso, esses quarenta por cento quer dizer que realmente estou numa, numa zona cinzenta. nem é carne nem é peixe. eu lá tenho a minha razão. porque, realmente, como pai, que neste momento já sou, eh, quer dizer, também vou sentir um bocado, eh, porque também passei por aqueles momentos em que eu assisti que os pais tinham muita força. e neste momento, que eu sou pai, vi que eu perdi esse a[...], essa força. por isso é que eu digo - é claro, com uma certa pena - que eu vejo que neste momento os pais estão a perder terreno. estão a perder terreno.. eh, e daqui para o futuro ninguém sabe como é que vai ser, não é,. é verdade. é verdade.. o futuro pode ser ainda muito pior. os seus filhos são pequenos ainda, não é,. ah, os meus filhos têm sete e dez anos, set[...]. ah, já são grandinhos!. é, sete e dez anos. e agora com... a ajuda e, com, vá lá, c[...], a formação que eles estão a ter, com o apoio dos computadores, dos programas televisivos, educativos ou não, que eles assistem diariamente, com tantos jogos assim tão sofisticados, eles praticamente, a toda a hora, eles estão a ser treinados para os futuros homens.. pois.. que, todo esse envolvimento, tudo o que neste momento os nossos filhos têm, nós antigamente nem, nem era bom pensar nessas coisas. quer dizer, termos triós para jogar já era muita sorte!. pois.. não é,. ter o quê?. os triós.. triós!. os triós. que os triós que são, eh, berlindes!. ah! . que nós chamamos que são triós, não é,. ah! não sabia que se chamava aqui em Macau assim!. os triós, pronto, é mais uma influência inglesa, não é, o triol deu o triolas.. ah! ah! não sabia disso!. hum.. pois. eu também, eu nasci nos Açores. hum, hum. de maneira que, eh, também era a mesma coisa. eu só vi televisão aos vinte anos! até lá, era um livro para ler e era muito bom.. então tive mais sorte que a si.. pois.. vi a televisão, bem, eu também vi, vi a televisão a bra[...], a branco e preto, de Hong-Kong, não é,. hum, hum.. quando estava ainda... n[...], no secundário. eh, eh, daí que eu digo que os nossos filhos têm muita e... muita sorte.. pois têm.. muita sorte. mas oxalá que eles continue a ter essa sorte. ter sorte é agora, na infância. e depois quando chegar à adolescência, a situação inverter, aí é numa situação que, em que eles não podem usufruir. hum, hum. . desses, desses benefícios, então que vai ser a, a desgraça. . sei.. porque assim os miúdos vão sentir muito, não é,. hum, hum.. por isso, neste momento, enquanto, nós os pais, enquanto Macau proporcionar, eh, esse tipo de educação ou esse tipo de entretenimento aos nossos filhos se, realmente eles têm, têm sorte." +Macau/Casos Policiais.wav,Macau,Macau,M,23,1984,"mas estava portan[...], estávamos portanto a falar, eh, sobre a possibilida[...], sobre ter ou não ter ido a, a Portugal.. sim.. eh, você, não lhe diz nada Portugal, não gostava de ir lá?. bem, não, não conheço nenhum tio nem nenhuma prima nem ninguém lá. nunca correspondi com eles nem nada. . nem tem curiosidade?. mas você há-de ter.... daquilo que eu ouvi o meu pai falar. sim.. acerca de, de, das pessoas lá de Portugal, bem, o meu pai é português, nasceu lá, é puro português, ele é de Santarém, freguesia de [...], Santarém de... Atalaia. não conheço, mas já ouvi falar. e...é a família que el[...], que ele tem lá, quer dizer, bem, é, é difícil explicar, mas, quer dizer, são, são mais, como é que se diz, são incompreensíveis, é que o meu pai diz. pois.. e s[...], como é que se diz, mordem-lhe na pele, é como ele diz. eh.... provavelmente não devem ter gostado. pois.. que o seu pai ficasse cá em Macau.. bem, não sei, eh, ele agora já, como já faleceu também.... pois. a sua mãe é chinesa, é?. não, é mes[...], é macaense é [...]. macaense?. é, é mestiça.. é por isso que você fala tão bem português, porque falavam os dois português em casa, o pai e a mãe.. bem, eu já não falo bem português, eu já, eu quando estava a estudar ainda falava bem português, agora já perdi muito a prática. [...]. você fala perfeitamente português.. não.. como qualquer português.. não!. fala, fala.. falo, mas gaguejo muito. tenho que pensar primeiro antes de falar.. não tenho prática.. no seu dia-a-dia deve falar muito chinês também e.... e... o português que eu falo, quer dizer, é... um português muita, muito grosseiro, quer dizer, se, se, se me disser para falar um português, assim, vá lá, como um, um português, falar assim um português da, da rua, como eu digo, assim um português, vá lá, carroceiro, como o meu pai diz, bem, eu consigo falar e falo rápido, sem gaguejar nem nada, quer dizer, é um português com palavrões misturados e continuando a ir, sempre a andar para a frente, mas se falar assim, sem palavrões nem nada, devagarinho, assim já custa, já gaguejo um bocadinho, estou habituado é ao português, sei lá, é ao Clube Militar, eh, nesse estilo.. você costuma frequentar o Clube Militar?. costumava. ia lá, s[...], quase sempre. tem lá bom café.. hum, hum.. café.... mas o Clube Militar não é aberto ao público... em geral!?. não, é, tem, sendo sócio.. você é sócio de lá?. era. agora. hum.. parei de ir lá. parei, paguei, parei de pagar a quota, parei de ir lá.. é cara, a quota?. não, é coisa de cinquenta patacas por mês.. mas você já v[...], não é de Macau, você é de Macau, nunca foi a Portugal, mas já viajou aqui à volta, não?. estive na Tailândia, estive nas Filipinas.. e gostou dessas viagens?. bem, para turista, como turista gostei. aquilo é tudo barato.. as Filipinas também?. é. as Filipinas ainda é mais barato. mais barato do que a, do que a Tailândia.. e há divertimentos, assim, por lá?. há. há muitos. especialmente divertimentos que eu gosto.. como por exemplo?. lá há música.. há música?. assim, sítios de música, nas Filipinas, se aqui têm músicos filipinos a pontapés, imagina lá! eles tocam mesmo, os bons nunca vêm para cá, não precisam.. pois.. portanto, num clube qualquer, uma pessoa entra lá, está a ouvir uma música pare[...], quase igualzinha ao original, mas está a ouvir ao vivo.. pois.. eles tem, imitam mesmo, quase igual. como músicas Trio Los Panchos, el[...], qualquer sítio encontra e são filipinos que tocam. pois.. como o Trio Odemira, músicas do Trio Odemira eles também tocam, também é muito conhecido lá, nas Filipinas.. e você quando vai às Filipinas, não fala a língua local, pois não, [...]?. não, falo inglês. falo inglês, quer dizer, mas é um inglês aldrabado, pontapés na gramática, mas lá, bem, eles também falam assim, o inglês deles também não é assim, não é assim mu[...] [...]. e todos se entendem, não é, todos acabam por se entender. e na Tailândia também [...] . na Tailândia, eu, bem, já tive muitas facilidades. eu fui, não fui, não fui com, com, com guia turista. eu fui fui sozinho. com ele e um amigo, fomos lá, estivemos a passear de um lado para o outro. porque eu falo um bocadinho de tailandês.. ah, sim! como é que aprendeu isso? . aprendi aqui.. aqui em Macau? nas saunas, está-se mesmo a ver!. não, não foi nas saunas, quer dizer, eu, bem, não frequento saunas, mas, quer dizer, conheço-as. hum, hum.. e, já há... muitos anos. desde os meus dezassete anos que eu ando sempre nos clubes nocturnos. gosto de cantar. então lá eu, tem lá, há sempre música, e eu lá, vou lá e eu pronto.. portanto você conhece bem Macau por dentro!. oi, conheço todos os sítios. é por isso que na polícia não me aceitaram. nunca fui preso, nunca respondi em tribunal. portanto, o meu... registo criminal é limpo. concorri para a polícia. fui concorrer para a polícia, fazer os conformes e ir para a polícia. quê? informações. mas que raio de informações! o que interessa estava preto no branco, não é,. pois.. nunca cometi nada assim de especial, mas não me aceitaram no, na polícia. fiq[...], fiquei aprovado em tudo.. e eles não.... em todas as provas.. [...]. tanto em português, em português, então, fui um dos melhores que estava ali.. pois, ah! faço ideia, pois. e eles não lhe explicaram porque era?. não, só disse, ah, o ju[...], o júri achou que o senhor não estava interessado, quando eu fui perguntar e... eu, bem, eu pela primeira vez conco[...], que fui concorrer, não é, bem, lá engoli, mas pela segunda fui outra vez. bem, achou que eu não estava interessado?! bem, fui pela segunda, também não me aceitaram. bem, não aceitaram, eles sabem porquê. bem, entra um guarda... qualquer para lá, vá lá, por, como guarda de primeira, um guarda de segunda, um guarda de terceira ou coisa assim, do que, do que sabe, sabe tanto como um comissário, se calhar, e o que o comissário faz e o que os outros fazem, não é, negócio atrás da porta, como a gente diz aqui.. há muito disso?. oi! ah, pois não!. e você conhe[...]. os pequenos comem, quer dizer, se, quer dizer, se comem, não, quer dizer, se, se recebem disso, os grandes estão em cima, mas quando os grandes recebem, quem é que está em cima? não está ninguém.. e você está dentro desses meandros todos, nâo é,. conheço! não estou dentro. conheço.. conheç[...], pois! eu digo, está dentro, no, no sentido de conhecer isso tudo. pois, então eles tiveram, tiveram medo.. Macau é um paraíso para quem tem dinheiro.. hum, hum.. em Hong Kong, antigamente era. anti[...], antes de, antes da ICAC... era, era tal e qual como Macau é agora. portanto os grandes podem comer à grande... que não tem problemas nenhuns. quem tem dinheiro nunca é preso.. pois, lá diz o ditado.... aqui em Macau, houve algum, algum, alguma pessoa com dinheiro preso?. não sei. é muito raro. só se for uma ordem lá de Portugal. como o caso dos passaportes e [...]. essa história dos passaportes o que é que foi?. bem, também não sei, não, não estive muito a par mas... segundo o que ouvi falar foi... passaportes falsos.. e quem é que foi?. dado às pessoas que nem eram residentes aqui em Macau. os chineses. bastavam pagar, ficavam com um passaporte.. e pagavam a quem?. pag[...], bem, ao intermediário e não sei quantos, e não sei quantos, até ao chefe. o chefe é que organizava aquilo tudo.. e o que é que aconteceu a essa gente depois?. bem, está a maio[...], bem, está, a maior parte ainda estão na cadeia. [...], o julgamento vai ser daqui a dias. daqui a m[...], poucos dias, não sei se é no dia vinte e seis se é no dia vinte e, vinte e oito. não sei, é num desses dias. já ouvi falar.. os intermediários.... eu tenho, tenho um amigo que agora está nas Filipinas. ele conseguiu fugir. ele era... segundo oficial. segundo oficial ou o que é que era. ele está nas Filipinas. está em Kaison. eu fui lá e encontrei com ele.. portanto.... ele diz que está à espera depois do julgamento, a ver como é que é. depois só volta depois do julgamento. quer dizer, depois. se não tiver prisão [...]. se não tiver, se não tiver captura para ele. pois. mas e são os intermediários que vão ser julgados ou os.... bem, um, o, os chefes, também, também, estão, estão agora, estão à rasca, também estão lá dentro, à espera, a aguardar o julgamento.. e os chineses que pagavam para ter o passaporte, o que é que lhes acontece?. bem, esses já desapareceram todos.. pois. esses se fo[...], mesmo se for caços, se foram caços, foram, foi um ou outro. pois. a maior parte já fugiram. basta ter o passaporte na mão, tendo dinheiro, pschit... toca a ir embora. chegou a outro país, rasga o passaporte.. passaporte novo.. pois é. chegou a outro país, não! não precisa. tenho um passaporte português, eu chego na América para que é que eu quero o passaporte português?. pois.. rasga o passaporte, trabalha lá. arranja uma mulher americana, casou. pronto: cidadão americano.. os americanos estão a controlar bastante isso agora.. pelo Canadá, então, entrar assim, vão daqui pelo c[...], entram pelo Canadá, para a América. houve um português que já me convidou, ele, ele também é músico, ele é pianista. ele, bem, ele até tem, tem, tem bilhete de identidade de cidadão americano. mas ele veio cá. bem, eu conheci-o, foi há dois anos, ele agora está cá outra vez, já me, já me disse, vem comigo para a América, vamos pelo lado do Canadá, a gente entra. a gente entra de carro, não tem problemas nenhuns. " +Macau/Cantar num Coro.wav,Macau,Macau,M,25,1990,"e... ouvi dizer que quando estu[...], quando estudou no Dom Bosco pertenceu aos Pequenos Cantores.. sim, sim. eh, fiz... parte daquele coro por volta de seis a sete anos, eh, em mil novecentos setenta e oito. não, no ano lectivo de mil novecentos setenta e oito, setenta e nove, fui seleccionado para ir a Portugal, a cantar na Gulbenkian. uma digressão por Portugal e pela Itália.. hum, hum. eh, portanto, gosta de cantar, não é,. sim, gosto da música.. e porque é que o Dom Bosco, porque é que acabaram os Pequenos Cantores?. porque o nosso maestro morreu há uns anos atrás, e acabou o coro.. ah! eu lembro.. um coro com vinte e tal anos de existência.. foi uma pena terem acabado.. porque não há outro maestro melhor que ele. ele estagiou quatro anos lá na aus[...], na Áustria, na, no, junto aos coros de Viena.. hum, hum.. estagiou quatro anos, tirou o curso, não é, de maestro de coros dos Pequenos Cantores, então veio cá formar uma c[...], um, um coro.. hum, hum. e agora não canta em sítio nenhum?. acabou o coro já não cantamos em nenhum sítio já.. mas eu sei que o Dom Bosco tem um coro, não tem?. eh, agora é de adultos, pá. eh.... pois, evidentemente.. o presidente faz parte daquele coro também. exactamente.. é de adultos.. e canta nesse coro agora?. eh, eu já não canto, pá. eh, não tenho esse tempo todo porque, porque, para cantar é preciso treinar também, não é,. claro.. é s[...], é só por muitos treinos é que consegue fazer alguma coisa.. ham, ham. e não acha que é uma pena ter deixado perder, eh.... é que estou muito ocupado, pá. é desporto, faço parte da associação de badmington, depois tenho muitas coisas por trás a mexer, por isso tenho pouco tempo livre.. hum, hum. e agora, a, outro dia, a semana passada, estiveram aqui os Pequenos Cantores de Viena, foi. sim, sim. foi ouvir?. sim. fui lá ouvir, s[...], pois. eh.... o que é que achou?. eh, muito bem trabalhado aquela equipa. eh, eu, mas sei que não é a melhor equipe de Viena. estavam lá... seis, sete elementos que puxavam... o resto da equipa. pois.. eh, muito novos ainda, eh, com capacidade toráxica muito pequena ainda, com oito anos, pouco pode dar, via-se logo que era... uma, a primeira fase de, de cantores deles ainda.. hum, hum.. não é da melhor selecção. mas, mesmo assim, muito bem trabalhado.. hum, hum. bom, eu não percebo nada desse assunto, por isso lhe faço estas perguntas. ham, ham.. que podem parecer parvas, não é, na sua opinião, qual é a entã[...] - diz que eles são muito novos ainda, n[...]. sim, sim, sim.. qual é a idade ideal para se pertencer a um coro. eu, para mim. infantil?. o melhor, a melhor idade é dos doze aos catorze.. ham, ham.. alguns até vão a dezasseis. eh, porque aquelas, a, aquela equipa que veio, não é, eh, tinham miúdos de oito anos, até aos doze. é uma, é uma eq[...], ah, é uma idade muito, muito baixa ainda, para cantar nesses coros, ainda.. hum, hum.. porque com vinte e cinco pessoas a cantar num palco daquele tamanho - ainda bem que é Cine-teatro de Macau, se fosse na Gulbenkian... não se ouvia nada.. sim. mesmo ali, houve alturas em que se ouvia mal.. sim, certo. porque... com aquela idade, pouc[...], pouca voz pode dar ainda.. hum, hum.. mas, mas vê-se muito bem que, eh, é uma selecção muito bem feita, não é, eh, os próprios miúdos percebem de música, lêem música, cantam bem, muito bem preparada, vê-se que houve um trabalho muito bem feito. são profissionais mesmo.. hum, hum. bom, e no seu caso, esse gosto, eh, é uma questão de família, na sua família há mais pessoas que gostam de cantar ou isso foi...?. não, eh, quer dizer, o meu pai também era solista, não é, . ah!. e também, bem, gostei da música porque, porque nasci para aquilo também, não é,. pois.. cantei sempre nos coros de, da paróquia, essas coisas todas, não é, fiz sempre parte do, dos coros.. ham, ham.. nunca perdi oportunidade para isto.. hum, hum. tem mais irmãos?. tenho mais u[...], ah, tenho uma i[...], mais um irmão e duas irmãs.. e eles também gostam de cantar?. o meu irmão também fez parte dos cantores, também.. hum!" +Macau/Trabalhar para o Estado.wav,Macau,Macau,F,38,1990,"nessa altura que entrou para a função pública, era fácil o acesso, ou era mais difícil do que agora?. difícil!. difícil?. mais difícil. concorri para escriturária-dactilógrafa. quando entrei po[...], por baixo.. hum, hum.. eh, eram muitos candidatos, vinte e tal, e eram só três vagas.. ui!. hoje em dia não, não é, aparece três vagas, aparecem v[...], cinco concorrentes, seis concorrentes para [...], para a área administrativa, digo.. porque será essa diferença?. não sei. não sei. será porque a, dantes os chineses não, não se interessavam tanto pelo português, não estudavam português, estudavam. hum, hum.. estudavam chinês. agora, os chineses já, há dez anos para trás, põe os filhos a estudar português, porque é gratuito, tem as cantinas, eh, pois é, é tudo mais barato.. hum, hum.. e depois, com uma intenção de conseguir, de que os filhos consigam um emprego do governo.. hum, hum. eh, acha que a função pública é um trabalho interessante para uma mulher?. é.. concretamente, o seu trabalho aqui, o que é?. neste momento, estou, estou a chefiar a divisão administrativa e financeira.. hum! portanto, quer, digamos. quer dizer, a área de gestão de pessoal e gestão da, do dis[...], dos dinheiros.. hum, hum. o que é que acha mais fácil fazer, gestão do pessoal ou gestão dos dinheiros?. é, é mais ou menos a mesma coisa.. a mesma coisa.. a mesma coisa. é diferente. mas, as contas nós temos os números de zero a nove. hum, hum.. mas do pessoal temos as regras dos, que o Estado impõe.. hum, hum.. para a gestão do pessoal, quer dizer, trabalhar para o Estado é regulamentado, nós seguimos regras, regulamentos. quer dizer, há sempre uma ou outra... dúvida, mas depois resolve-se as dúvidas. antes de trabalhar para o Estado trabalhava para a empresa... privada. as ordens eram ditadas na altura.. hum, hum.. quer dizer, ora é assim, ora é assado. são os patrões que mandam, não está nada escrito nem regulamentado.. pois, digamos que é menos objectivo, não é,. é menos objectivo.. e na sua opinião, gosta mais de trabalhar obedecendo a regras fixas, que conhece de antemão, ou, eh, no tipo da empresa privada, cujas regras são ditadas naquele momento?. eh, nas empresas privadas, quer dizer, ma[...], obrigam uma pessoa a... trabalhar mais. hum, hum.. mas não a trabalhar melhor.. hum, hum. eu, para mim a função pública, uma pessoa pode... mostrar e tender a seguir os regulamentos e as regras e mostrar melhor trabalho.. hum, hum.. apresentar um melhor trabalho. ao passo que nas empresas, o patrão hoje diz que é assim, amanhã diz 'ah, eu já não quero isto assim porque isto e tal' e vá fazer de outra forma.. hum, hum. bom, trabalha com a gestão de pessoal, e ainda há poucos dias alguém tinha uma conversa comigo que era que preferia empregar homens a empregar mulheres. é-me indiferente.. é indiferente.. é-me indiferente.. porque, dizia ele que 'ah, porque as mulheres têm... crianças, porque faltam muito'. aqui, aqui no, nos desportos, não tem acontecido isto.. hum.. pelo contrário.. os homens faltam mais.. porque são jovens.. pois.. passam uma noitada, no dia seguinte chegam tarde, depois pedem ao chefe para salvar a falta.. e geralmente, nesses casos, o que é que faz?. eh, depende! depende. se for dez minutos. hum.. não há problemas. se for muito tenho que chamar a atenção e da próxima vez já não pode.. hum, hum.. não volta a acontecer a mesma coisa.. olhe, e então tem aqui muitas senhoras a trabalhar consigo.. eu tenho, espere, sete senhoras.. sete senhoras. todas naturais de Macau?. não. são naturais de Macau, mas não são todas portuguesas. hum, hum. são.... são chinesas.. são chinesas.. tenho três que são chinesas. hum, hum.. de etnia chinesa.. hum, hum. e, eh, acha que há diferença na maneira de trabalhar, entre uma natural de Macau e uma rapariga de etnia chinesa?. eh, eu penso que não. não tenho notado muito. mas, todos trabalham.. hum, hum.. trabalham, dentro das suas funções.. hum, hum. bom, agora queria-lhe fazer uma pergunta que também, eh, que discuti aqui há dias com um amigo chinês, com um amigo macaense. eh, ele achava que as raparigas, eh, de Macau que andam sempre mais bem arranjadas do que a, do que as portuguesas. mais bem arranjadas, quer dizer, mais cuidadas no seu aspecto. o que é que acha a esse respeito?. também há macaenses que andam, andam de qualquer forma, não é,. claro.. mas, quer dizer, nota-se mais, talvez p[...], as pessoas, eh, de Macau estão, portanto estão mais ligado à, à, aos costumes chineses, por assim dizer. hum, hum.. aos costumes da terra e gostam de estar apresentáveis.. hum, hum.. ao passo que as pessoas euro[...], eu[...], da Europa, as, os, os portugueses da Europa estão habituados a outro nível, vêm cá têm um, uma outra maneira de vestir, não quer que se dizer que vestem pior. é outra maneira de vestir [...]. ah sim.. que talvez para os portugueses são os que são os mais arranjados.. não, pessoalmente, não acho isso, não é,. não. não costumo.... mas.... notar muito.. sim. acho que as pessoas de cá andam de facto mais cuidadas, unhas mais tratadas, vão mais ao cabeleireiro talvez.. até ent[...], até então, até agora talvez.. sim.. agora, com as empregadas a saírem da, das casas, com o trabalho doméstico. hum, hum.. depois do serviço, já não têm tanto tempo para isso. eu penso que sim.. mas, porque é que refere isso das empregadas saírem das casas?. pois. até então empregavam as tais que não, indocumentadas. ah!. e, quer dizer, pagavam m[...], pagavam um vencimento de oitocentas a mil. agora que elas pedem duas mil ou... não conseguem pagar, porque a maioria da população, digo, macaense, eh, são da classe média.. pois." +Mocambique/Meninice na Machamba.wav,Mocambique,Maputo,M,21,1986,"eh, durante a infância, eh, portanto, que passei, eh, eh, no Xai-Xai, eh, ainda com, mais ou menos, cinco... a seis anos, já, já apascentava gado em casa dos meus pais, eh, enquanto ia, [...], enquanto fre[...], e frequentava o, a, portanto, a, a pré-primária . hum, hum.. e, o que não deixei de fazer mesmo... quando já estava a, a, a fazer a segunda e as outras classes seguintes. portanto, só deixei de, de f[...], de apa[...], apascentar gado quando, quando... fiz a, a terceira classe.. hum.. porque já estava... a estudar numa outra escola que ficava... mais distante da, da, da casa. então ali tinha que, era obrigado a... fazer m[...], longos percursos e... era... mais difícil então tratar do gado e ir para a escola. eh, mais tarde, eh, gostava também de, além, portanto, de, de, de apascentar gado e, bom, as minhas tardes, eh, brincando com as outras crianças do, do meu, da minha zona, ah, fazendo alguns jogos, ah, que cha[...], que, que chamávamos, eh, aliás que se chama, um jogo que se chama 'tchuva'.... hum, hum.. um jogo que a gente gostava, eh, gostava mais de praticar, ah, outro ti[...], outro tipo de jogo era, eh, um out[...], um, um jogo, eh, quase semelhante à 'tchuva', que se chama 'murravarrava'.. hum, hum.. eh, jogávamos a bola, eh, e à noite, à, à, à, portanto, em redor da, da fogueira, em minha casa costumávamos, eh, escutar, portanto, a, a avó a contar histórias. eh, histórias. hum.. eh, lá dos tempos de, de Ngungunhana, eh, que eram muito, a gente gostava muito de, de, de, de acompanhar essas histórias. eh, eh, portanto é mais ou menos isto quanto foi a minha infância.. mas eu, desculpa, ainda queria mais pormenores.. sim.. como é que é apascentar o gado? dá lá assim uma ideia de como é que é o dia de uma criança que apascenta o gado, está bem?. hum. hum. portanto apascentar gado é mais ou menos isto. então, de manhãzinha, eh, a gente a[...], abre, ah, abre o curral, as portas do curral, eh, eh, e enxotamos o gado para a, para fora, eh, hum, levando-o, levando-o para a, para a, para a, para a pastagem. eh, e chegado na, na, na, na, na, na pastagem, de[...], deixamos... o, o gado à vontade!. hum, hum.. hum, deixamos o gado à vontade e, e não, e pomo-nos a brincar. eh, o gado vai, portanto, eh, apastando. e... por todo o tempo que, que lá, lá, lá, lá estiver, e, portanto, mas temos que, sempre faz-se um, um controle para que o gado não, não, não, não estrague, portanto, eh, as machambas que existam em redor do, do, lá do sítio onde for a, a pastagem. e, para isso, portanto, como somos, geralmente são muitas crianças.... hum.. cada uma vinda da sua casa. eh, então, de cada vez fa[...], fazemos uma escala, para que de cada vez... [...] ca[...], uma criança, eh, vá, vá, portanto, eh, mandar voltar o, o gado, quando está, já está quase a, a, a entrar num, numa, [...], numa das machambas que, que lá existam. e assim a escala é rotativa!. hum.. vai esta criança, volta, fica a descansar, vai a outra, assim sucessivamente até que... se complete, depois re[...], recomeça-se e.... hum, hum.. até à hora do, do, portanto, da, da despegada. eh.... e comer?. sim, dá [...]. não! vocês comem lá?. no[...], normalmente não, não. sim! o que acontece é que a gente sai com, com marmitas.... hum.. eh, de casa, não é, quando... se prevê levar muito tempo lá na, na coisa, pastagem. mas para o nosso c[...], no meu caso não, não, não costumava, não levava nada, porque não ficava lá m[...], por muito tempo.... hum.. uma vez que tinha que, eh, largar o, esse trabalho às, sensivelmente quando fossem onze horas. então não era, não, não havia grande necessidade para levar m[...], marmitas para lá.. hum.. e... acontece que as outras crianças tinham que levar sempre, porque ficavam todo, todo o dia.... hum.. todo o dia. ao passo que eu tinha quem me rendesse para, para, para eu poder fazer outra coisa, ir à escola. . hum, hum.. e... é mais ou menos isto, eh.... hum.. a, a pastagem.... hum.. sim." +Mocambique/A Chuva.wav,Mocambique,Moçambique,M,32,1986,"bem, voltando um pouco atrás. hum.. voltando um pouco atrás, queria-me referir lá a certos aspectos, eh, da minha vida... lá no campo.. hum.. precisamente quando, eh, vivia... com a minha mãe, bom, conjuntamente estavam, estavam dois irmãos, um mais velho, que eu sigo a ele, e outro segue-me a mim, eh, [...] a vida no campo, o, a base económica é a agricultura! . hum.. que a minha mãe tinha que logo de manhã muito cedo sair para a machamba e muitas vezes eu ficava sozinho. hum, hum.. e isto criou em mim uma... situação, quer dizer, vou dizer, acabei por ganhar timidez!. hum.. e isso está-se a reflectir mesmo até, eh, estes dias. hum, hum. hum.. da minha vida. sou um bocado tímido. hum.. mas eu penso que consigo ultrapassar esta situação porque, eh, como professor, muitas vezes nós, eh, somos obrigado a falar, falar, e... falamos muito. mas, em certos casos tem-se verificado, muito, essa situação, portanto, timidez. eu sou tímido por natureza. hum, hum.. eh, eh, durante esse período, julgo que já tinha quatro anos, eh, aconteceu-me algo de muito engraçado. eu gosto até agora, como sempre gostei, eh, de ver cair a chuva.. hum, hum.. é muito engraçado.. hum, hum.. eh, recordo-me de... ter uma vez, na ausência de... toda a gente em casa, estava eu sozinho, devia ser período da manhã, minha mãe estava na machamba, o meu irmão mais velho não me recordo onde é que estaria, mas o mais novo, esse estava sempre com, com a mãe.. hum, hum.. eu sozinho em casa, começou a relampejar, a trovejar, e pouco tempo depois choveu. e... em nossa casa havia, eh, uma de alvenaria, uma casa de alvenaria e outra uma palhota. eh, e eu preferi ficar, eh, na palhota. mas não dentro da palhota, entre, le[...], a cobertura das palhotas deixa um certo. hum.. espaço. e, e mesmo chovendo, a pessoa não apanha. hum.. estando de fora da casa. fiquei ali, a ver... o, o engraçado para mim era ver as águas a cair daquele capim para o chão!. pois.. fiquei ali durante... todo o tempo que pude, a assistir àquele espectáculo de água que caía, depois acabei por apanhar sono, e eu estava um pouco deslocado, eh, em relação à porta. portanto, como aquilo é redondo, a minha mãe quando chegou não foi capaz de me localizar! é engraçado que ela aflita . ih!. eh, nunca se lembrou de dar a volta à casa.. hum, hum.. teve que me procurar na vizinhança, que também não podia sega[...], ah, seguir a pegada, porque, como choveu, todas elas desapareceram!. [...]. eh, eu continuava ali a dormir, eh, e ela também aflita, só muito mais tarde, quando ela já estava a pensar que devia fazer uma distância de quase dois ou três quilómetros, para casa dos meus avós maternos para ver se eu teria ido para lá. hum.. é que, quando ia a sair, em vez de utilizar o caminho que dava saída, portanto, de casa, eh, quis cortar. portanto, então viu que eu que estava ali, sentado, mas adormecido. eh, é um facto que eu nunca mais esqueci na minha vida e, bom! isto aconteceu porque eu gosto de ver chover e mesmo agora que sou adulto, quando começa a chuviscar, é à noite, de dia, prefiro ficar na janela ou saio mesmo para ver.... hum.. as águas a cair.. hum.. é engraçado mas... eu gosto da chuva." +Mocambique/Maternidade.wav,Mocambique,Maputo,1 M e 1 F,,1997,"está?. bom dia.. está sim?. estou sim, bom dia.. bom dia.. por favor, o seu nome?. está, bom dia!. bom dia.. Neli Elias.. senhora Neli Elias, já está a participar no programa, estamos a debater o projecto de lei da, da revisão da lei do trabalho.. em princípio parece que algumas empresas aí não concediam licença de parto quando se tratasse, por exemplo, de nado morto. mas que... parece que esse problema foi ultrapassado . nesse novo, ou nessa nova lei que está-se aí em, em estudo. é o seguinte: claro, neste momento vamos por partes, porque tenho na mente que não estará aí nenhum médico, ou nenhuma médica aqui da ginecologia. porque, tenho a máxima certeza de que ao conceder licença do parto, não concedem licença de parto porque... nós temos o bebé. não é só isso, em primeiro lugar, temos que ter em conta que uma mãe, desde o primeiro m[...], dia da sua gravidez, até o último mês que é o nono mês em que a senhora tem lá o seu bebé, terá sofrido tantos, tantos gastos a nível... físico, a nível... de saúde e não sei quê, e tenho a máxima certeza de que também os médicos de facto, se dão, claro, estão aí de acordo com o próprio governo que concede essa licença, não sei quantos. tenho a máxima certeza de que não dão só por causa do bebé. primeiro porque a própria senhora tem que se reconstruir fisicamente, a nível de saúde, que é para poder entretanto retomar o seu trabalho. imaginemos então para uma senhora que tem licença de parto, eu vou falar mesmo do meu caso concreto, que eu tive uma miúda... pela cesariana. dentro de dois meses eu tinha que retomar serviços. eu onde trabalho subo lá escadas. sinceramente que eu sofri tanto que até hoje em dia ressinto esse sofrimento de dois meses só que me concederam e que eu tinha que retomar o, o meu trabalho. porque, se eu for a ver uma senhora que tem parto por cesariana, uma senhora que tem parto normal, há uma grande diferença. agora, gostaria de saber se está se estudar essas duas discrepâncias. entretanto dizia assim, digamos, entre aspas, duas diferenças de parto, se haverá licença de parto para aquelas que têm cesariana, porque o sofrimento não é o mesmo logicamente para curar a ferida às três carnes, assim digamos, às três carnes que eu sofri de corte para eu poder tirar a minha criança. se essas, esse sofrimento dos parto, passa essas cicatriz todas só por dois meses.. e em segundo, se de facto, efectivamente, o governo, quando faz essas leis, tem mesmo na mente que também, hum, essas crianças que a gente tem, ao ficarem em casa só por dois meses, conseguem mesmo efectivamente ter o afecto próprio, hum, se é possível mesmo isso. em terceiro lugar, o aspecto que eu desejava de colocar é o seguinte: se não é possível, na mesma lei que está em discussão, quando pelo menos as senhoras tiverem, ou no oitavo mês eu sei que há uma dispensa antecipada de alguns meses, conheço algumas partes do estatuto, um poucochinho. dá uns vinte dias ou o quê antes da pessoa requerer e não sei quê, para ver se pode descansar em casa. mas sinceramente, se eu gasto esses dez dias, então quantos é que eu vou ficar com eles, para depois do parto recuperar um bocadinho o meu estado físico? porque o que está em causa aqui não é o facto de eu ficar com criança em casa. é a mim própria, a ter que recup[...], recuperar o meu estado físico, o meu estado de saúde, que eu sofri durante os nove meses e que sofri durante o parto. ainda [...] a cesariana, não é só o bebé que eu tenho que ver o bebé crescer [...] se for para ver o bebé crescer dois meses não é nada, isso. não é nada, praticamente. penso que aí a maioria dos senhores que estão aí a participar são todos casados, têm assistido muito bem a, as suas... senhoras em casa, com as suas bebés. não é só os dois meses em que a gente deve acompanhar e dar afecto aos nossos bebés em casa. é um problema destes: imagine que eu tive uma colega há pouco tempo, hum, quase que dava parto nas escadas. quase que dava parto nas escadas. porque é que então não pode entrar nesse estudo?. por isso que eu estava a pedir a todos os intervenientes que sentissem este problema de maternidade, não ver isso como uma coisa assim de brincadeirinha, de facto, isso dói muito para nós, dói muito para nós, as senhoras. dói mesmo.. muito obrigado por esta sua intervenção, eh, neste programa 'Linha Directa'. senhor ministro, queria dar alguma achega a isto, ou, ou o so[...], o Sembé pediu há muito tempo para usar da palavra. mas, por favor, senhor ministro.. bom, eh, podemos todos falar sobre isto, porque, eh, é justamente esta a composição agora completa, que tratou de fazer o debate daquilo que é o projecto que vamos levar à assembleia da república. eh, aos empregadores interessa esta matéria, portanto, se o representante dos empregadores que aqui está quer falar, penso que é justo. mas dizer o seguinte: que de facto a proposta procura clarificar uma série de aspectos que, eh, a ouvinte colocou. e, e outros, porque, enfim, não temos ainda a, a, as condições materiais para poder introduzir aqui, não estão cá. relativamente a esta questão do, o nado ser vivo ou morto, o projecto, no seu artigo setenta e quatro, eh, preconiza que a licença de sessenta dias, referida na alínea 'e' de, desta disposição, aplica-se igualmente aos casos de parto a termo ou prematuro. independentemente de ter sido um nado vivo ou um nado morto. portanto, eh, se há parto, há licença. não, não, não tem nada a ver se o nado foi vivo ou morto. houve parto, é aquilo que ela referiu. eh, foram nove meses de gravidez, portanto a licença visa a, a recuperação da parturiente e não do, do, do, do, do filho, e em relação ao filho, ou à filha, o, o, o, a lei preconiza o, o, um outro benefício, que é um intervalo, eh, para in[...], fazer a interrupção da jornada, para ir amamentar o bebé. dizer também que esta questão que nos coloca, de o parto ter sido a cesariana ou um parto normal, eh, eventualmente teremos de encontrar, eh, tratamento, eh, da situação do parto da cesariana como um caso de doença. portanto o, o, já não é porque a ferida ou ferimento que, que se deu p[...], para poder, eh, enfim, eh, remover o bebé, eh, esse ferimento já não é o, o, digamos, o parto. é, é um caso de doença. e, e aí, eh, penso que encontramos, eh, eh, cobertura noutras disposições do, do projecto. o artigo quarenta e dois, eh, preconiza, por exemplo, que as faltas que sejam dadas por causa, eh, eh, dessa situação, eh, possam, eh, eh, ser consideradas justificadas." +Mocambique/Cantar e Pintar.wav,Mocambique,Maputo,M,,1983,"eu irei portanto falar um bocadinho da arte, quer dizer, a arte, vou falar muito concretamente no ramo da pintura, música, aliás nos ramos de pintura e música. se for falar, começar a falar de música, tenho principalmente a afirmar que os primeiros passos dei em mil novecentos e setenta e nove quando um alto sócio meu inspirou, inspirou uma coi[...], não esteja a rir-se, é, é uma realidade, 'jô',. iá.. inspirou-me por concre[...], quer dizer, eu ia lá em casa dele, tocava aquelas músicas profundas com notas tão complicadas, eh pá, eu ficava totalmente impressionado. a única solução era pedir o homem i[...], a ensinar algumas músicas. e ele disse 'olha, a única coisa que posso te dar agora [...] estudar, não sei quantos'. eu fiz o mesmo. porque, quer dizer, antes disso eu andava lá a tocar [...] sem regras sem nada, sabes, hoje, com o andar dos tempos, devido à, às aulas que o meu sócio me deu felizmente já toco alguma coisa. e felizmente posso me or[...], quer dizer, não é orgulho mas é uma realidade que re[...], que surge, que acontece, verídica, que posso mostrar. agora tenho feito várias músicas, feitas por mim, portanto, com várias letras. ah, tenho muitas músicas, não sei se posso mostrar uma delas por exemplo. uma delas é esta. portanto, se for a cantar a letra é assim. por exemplo, essa letra foste tu a fazer, não é,. fui eu. est[...], é de começar a cantar, não é, um momento, tem que sair uma pequena introdução. 'não foi preciso olhar-te duas vezes para me lembrar daquela paisagem. não foi preciso olhar-te duas vezes para me lembrar daquela paisagem, aquela paisagem que me impressionou e desejei tranquilidade. aquela paisagem que', portanto, esta é uma das música que tenho feito e, quer dizer, neste momento eu já nem sei como agradecer ao amigo que me, que me ensinou a tocar a, a viola. por isso co[...], quer dizer, acerca da música não tenho mais nada a dizer senão, irei já saltar um bocadinho no, no ramo de pintura. a pintura, quer dizer, foi uma coisa que já vinha desde criança, gostei de, gostei de desenho desde talvez a infância porque lembro muito bem que quando era garoto andava a esboçar no chão, pá, com o dedo e tal. mais tarde comecei a fazer, quer dizer, desenhos assim de criancice, sabes, nos cadernos de escola primária e lembro-me que em mil novecentos e oitenta tive um primo que estava a tirar o curso por correspondência de desenho e pintura, Alberto Torrão, quer dizer, ele foi a pessoa que me deu mais força e infelizmente quando estava para me inscrever o curso já estava encerrado mas nem com isso fiquei parado. pedi ao mesmo primo para ver se me dava alguns, alguns tópicos deste ramo, mas, eh pá, não sei o que é que se passou com ele, pá, talvez por causa do tempo, ele disse que não podia. mas mesmo assim também não fiquei parado. a única coisa que tinha a fazer era só investigar assim sozinho através de, eh pá, material que eu tinha, não é, lápis de carvão e tal. mais tarde dediquei-me, comecei a dedicar-me na pintura. comecei a pintar, pá, principalmente foi com aguarela, e vi que, que estava subdesen[...], não sei, quer dizer, como eu estava a treinar sozinho, para mim aquilo era um pouco difícil. comecei a pintar com guache também, também não resultou muito bem, mas afinal era, mais tarde notei que era falta de táctica, sabes, porque se, eh pá, se tivesse aqueles conhecimentos básicos, não haveria nenhuma, nenhuma dificuldade. por isso, pá, quer dizer, agora tenho um pouco de jeito mas que não é aquele jeito que se diz... jeito." +Mocambique/Sentimento e Desporto.wav,Mocambique,Maputo,2 F,25 e 26,1997,"bom, falando de desporto, eh pá, o desporto em Moçambique... s[...], eh, depois da independência, nós víamos que as pessoas, eh, praticavam desporto. hum, hum.. praticavam desporto por amor à camisola. porquê? porque ganhava-se muito pouco. mas também pelas condições de vida, nunca foram assim muito coiso, [...] ain[...], ainda não eram assim muito complicadas, como agora, depois do coiso, eh, do plano de reabilitação económica. porque depois do plano de reabilitação económica o que é que aconteceu? os jogadores começaram a passar muito mal.. porquê?. os subsídios que eram dados nos, nos clubes não eram suficientes para a sobrevivência. então é daí que o nosso desporto começou a, a quebrar-se. mas olhando para esse momento em que, as pessoas já estão a despertar a atenção nisso, nós vemos que há de novo uma participação na área desportiva.. iá. também a, a Lurdes é que nos abriu a porta. nós começámos a ver que afinal a, o, a mulher também é capaz de chegar muito longe. eh, ant[...], era muito raro ouvirmos, até parece que ela foi a primeira a participar num campeonato mundial. . não parece... . é, foi a primeira, não é,. [...] entre os moçambicanos, ela é a primeira, claro!. hum, hum. iá. então ela abriu-nos a porta. agora, acho que hão-de surgir mais. só que, por exemplo, no atletismo, parece que é a única, a, a, a [...], como? a Argentina já não se faz falar muito, não se fala tanto dela. então até dá a impressão de que basta a Lurdes envelhecer, já o, o atletismo, eh, vai a, é, atletas n[...], não há, não, não vai-se falar mais de atletas moçambicanos.. mas falando do desp[...], do, do enquadramento da mulher, no desporto. hum.. nós já tivemos, eh, eh, atletas de renome, no básquete, hum, quando falamos. hum, hum.. da... Esperança Sambo, hum, foi uma pessoa de renome, era uma boa basquetista, que se tivesse tido oportunidade naquela altura de ir para o exterior, talvez também tivesse chegado ao extremo talvez da Lurdes. quem sabe?. iá. eu acho que o nosso problema aqui é, é financeiro, não é, porque as pessoas só se fazem ouvir quando saem para fora. aqui em Moçambique nós ficamos, é muito ra[...], pouca gente conhece, por exemplo, eh, eh, a Marta, Marta de, de Maxaquene, pouca gente conhece, mas a Lurdes, como está fora, todos nós passamos a conhecer a, a, a outra, a, a, a Clarisse, também como está fora, nós passamos a conhecer. eh, mudando de assunto, falando da, da derrota da Lurdes Mutola nos oitocentos metros, deu impressão de que ela desleixou-se no fim, não é,. ó pá, aquilo nem foi bem desleixo. ela tinha aquela impressão de ganhar, hum, impressão não! ela fez todo o esforço para ganhar, eu acho que ela até teria conseguido a medalha de prata! . sim, é por isso que eu acho que ela desleixou-se. porque já no fim, é quando ela, acho que parece que ela só estava a correr para o primeiro lugar, a pensar só no primeiro. mas quando viu que estava no segundo, ela deixou a outra pessoa ultrapassar. . ah, para ficar no pró[...], para ficar no terceiro.. sim.. quando falas em desleixar-se, falas... em raza[...], em, em, em, em relação a estar em terceiro lugar. [...] sim.. porque ela podia ter ganho o segundo.. sim.. porque, em termos de vitória, de cortar a meta, ela ser a primeira, ó pá, aquilo depende das técnicas: ela puxou tanto no princípio, desde o princípio que quando já estavam quase para cortar a meta, ela já estava cansada, e a Ana recuperou, como vinha lá de trás, ela tinha mais energia, foi por isso que conseguiu ultrapassar. não porque ela desleixou-se para ela poder ultrap[...], para a, para a Ana poder ultrapassar.. iá, depois, no fim, ah, depois do, do jogo, não é, a, de, da corrida, muita gente começou a criticar a ela. é, eu acho que se nós estivéssemos perto dela talvez nós nem teríamos dado apoio. ela deve-se sentir marginalizada. acho que no fundo, nós devíamos dar um apoi[...], um apoio moral. até foi bom quando vi, aliás, a men[...], a mensagem que o presidente mandou, a mensagem do, do ministro Cadufa, iá, eu gostei porque eu comecei a pensar: ela deve es[...], deve estar a sentir-se já, deve, porque, é um peso para ela, perder. ela começa a pensar: todos os moçambicanos estão à espera dela. se ela perde, ela sente-se em baixo, mas como as pessoas, algumas pessoas, não é, tentaram dar-lhe força, eh, não, não lhe puseram em baixo, claro, só se estivesse cá em Moçambique ela havia de sentir.. ó pá, sobre essa questão de dar força ou não dar força, é claro que n[...], é, é de direito dos moçambicanos de darem força, mas... nós temos, somos, acho que somos m[...], exigentes demais. recordas-te do último jogo dos Mambas no Estádio da Machava? . hum, hum.. o que é que aconteceu? aos cinco minutos, quando Moçambique marca, muita gente já estava fora do estádio, estás a ver,. iá, iá.. então, nós somos pessoas que não conseguimos, quer dizer,. a nossa [...]. até porque, naquela altura, nós podemos aceitar mais tarde, mas naquela altura é difícil as pessoas aceitarem. quer dizer, toda a gente saiu de casa para o estádio, tinha na cabeça que Moçambique ia ganhar. . então dá a impressão de que esse é o pensamento moçambicano. é, a Lurdes também fez o mesmo: viu que não, que não, não ia conseguir o primeiro lugar, [...], preferiu ficar perdendo, não é, um terceiro, até ao terceiro, se tivesse aparecido mais um, acho que ela havia de ficar longe no quarto lugar. acho que é o pensamento moçambicano. não aceitamos a derrota.. não vamos dizer que é o pensamento moçambicano. é um sentimento de desportista. porque toda a pessoa que vai para o campo espera ganhar.. sim, mas eu acho que noutros países, por mais que os jogadores percam, mas são recebidos com um pouco de, de carinho, não é, quando chegam. mas nós já rece[...], às vezes recebemos com, des[...], desprezamos. mesmo quando os Mambas foram perder na África do Sul. toda a gente, 'esses, quando chegarem cá, vão passar mal connosco', 'eles foram brincar, não jogaram bem'. temos sempre essa tendência. sem querermos entender que eles também podem ganhar ou perder. é difícil o moçambicano meter na cabeça que ele pode ganhar ou perder." +Cabo Verde/Ilha do Fogo.wav,Cabo Verde,Santiago,M,25,1995,"qual é a regularidade dos vulcões no Fogo?. em, regularidade em que...?. há, tempo, quantos anos, eh, de quantos em quantos anos aparece?. não. eh, e temos um, segundo Orlando Ribeiro, já f[...], aconteceram cerca de... - menos esta erupção... da actualidade - já aconteceram vinte e um, vinte e uma erupção.. ui, muito!. erupções, aliás. eh, a penúltima foi em mil novecentos cinquenta e um e, temos agora a de mil novecentos e noventa e cinco.. hum, hum. portanto, para si, esta foi a primeira?. esta foi a primeira.. e não.... mesmo tendo relatos dos outros. sim.. mas esta foi a primeira. vivi, vi. sim.. no terreno. tive oportunidade de estudar, de estudar e.... hum, hum.. tenho vários dados.. e diga-me uma coisa: portanto nunca tinha vivido, eh, assim uma situação de vulcão, ouvia falar. s[...], tinha algum sentimento de medo, de perigo que acontecesse isto um dia, ou não? ou para si, nunca pensava neste assunto?. ah, nunca. francamente nunca.. nunca.. nós fomos para o Fogo para fazer uma visita de estudos cujo objectivo era ver os aspectos geomorfológicos, vulcanológicos e hidrogeológicos no terreno.. hum, hum.. e, eh, a parte, eh, isto é, impri[...], juntando a parte teórica. hum, hum. que nós já tínhamos na escola com a parte prática, para se compreender. hum, hum.. melhor a geologia propriamente dita. . hum, hum.. logo fizemos, no primeiro dia fizemos a vi[...], uma visita, em termos geo[...], e... geográfico assim, tratando de geomorfologia. hum, hum.. depois, no... dia seguinte fizemos uma palestra na Vila da Igreja, Mosteiros, sobre o vulcanismo. e logo, às... doze horas, aconteceu a erupção. e as gentes acharam que nós já sabíamos que ia acontecer. acontecer . a erupção [...] até inclusive um, um indivíduo perguntou-me quando é que vai haver uma actividade vulcânica na ilha do Fogo. eu disse 'o vulcão da ilha do Fogo, pelo que eu sei, é activo. hum.. pode entrar em actividade a qualquer hora'. ham, ham.. e à noite aconteceu e ele chegou-me, perguntou 'tu já sabias mesmo?', 'estás a brincar, não sabia nada'. olhe, e antes sentia-se assim alguma coisa, algum fenómeno especial, calor, um...?. segundo o meu pa[...], eu não sen[...], porque na altura o tempo estava mesmo, estava a fazer um pouco de sol, mesmo.. hum, hum.. eh, e na altura o meu pai - eu nem, nem liguei para ele, porque o calor já estava a se sentir . hum, hum. na ilha - o meu pai disse que sentiu-se tremor de terra, à noite, mas também eu não, não liguei na conversa do meu [...] eu não senti nada, também os meus irmãos também não, pronto, e depois à n[...], quando era, por volta das duas, das duas da madrugada, a minha mãe foi-me acordar. foi acordar-me que o vulcão está com lume, entre aspas.. hum, hum, hum.. eu nem, nem liguei também. depois quando o meu pai disse que ontem, por exemplo, no dia anterior sentiu-se tremor de terra logo levantei, porque relacionei as duas coisas.. hum, hum.. mas no prin[...], a prin[...], a princípio tinha medo, eu tive medo . hum.. eu tive medo. sim.. de que... ia acontecer outras coisas, mortes, etc., não é,. não.... é que, é, o vulcão muito raramente mata se. hum, hum, hum, hum. a pessoa tem. se nós não nos acreditarmos nas, nos seus avisos, etc., claro, é o qu[...], é o que aconteceu com Plínio, não é, já ouviram falar dessa história?. não.. Plínio, um... homem que an[...], andava a estudar o vulcanismo.. aqui em Cabo Verde?. não. [...] não me lembro agora de aonde.. ham, ham.. só que en[...], inclusive tem um tipo de, que se designa... erupção do tipo pliniano. ham, ham.. em honra a, ao Plínio o Velho.. ham, ham. mas será o Plínio escritor ro[...], latino? há, eh. não sei.. há dois mil anos atrás, não?. não, não. não tenho a bibliografia. hum.. desse.... hum, hum.. dessa personalidade.. e ele morreu num, num vulcão?. morreu sim. por os estudos. durante os estudos.. hum, hum. não teve cuidado?. bem, é que, se calhar ele não acreditou no aviso.. ham, ham.. e não ouviu aquelas.... e... quando o vulcão começou, quando começou a erupção, foi logo uma grande quantidade, ou foi pouquinho primeiro?. eh, de fogo, ou...?. de fogo, sim.. de fogo, primeiro começou com tremores. hum, hum.. e... no primeiro dia... era intenso.. hum, hum.. logo no segundo dia, no primeiro dia via-se sete focos emissores, eh, em dois alinhamentos diferentes.. hum, hum.. tinha um, um alinhamento - deixa-me ver - nor[...], nordeste, sueste . hum, hum. [...] e o outro já [...] no sentido contrário.. hum, hum.. eh, tinha um, no primeiro havia, estava numerado de um a quatro. hum, hum.. sendo um, dois, três emitia apenas fumarolas, eh, emitiam apenas fumarolas, o número quatro já era fogo principal.. hum, hum.. emitia fumarolas, lavas, etc. no outro alinhamento, cinco, seis, sete e no, só apenas cinco e seis emitiam fumarolas, sete fumarolas, de vez em quando um, pequena, uma pequena quantidade de lava, seguido de um ruído. hum, hum.. mais ou me[...], do tipo assobio.. hum, hum. e portanto as pessoas tiveram tempo de... fugir, levar as suas coi[...]. ant[...], a[...], os, as pessoas não queriam fugir. hum, hum.. bem, é que já é d[...], é muito difícil também porque já, como já se trata duma zona fértil, lá criaram... todo o processo de socialização, têm lá e... não queriam mesmo, mas depois que... começaram a acontecer os estragos, como... as casas que foram destruídas, o fontanário que abastecia a população, os terrenos cultiváveis que foram, em grande parte, dizimados pelas la[...], pela lava aliás, já... eles acharam por bem que o melhor destino era partir mesmo para as zonas menos afectada.. e agora recomeçam uma vida nova nessas zonas, ou como?. não. já regressaram para Chã das Caldeiras, neste momento.. ah, sim?!. é claro começaram no[...], por os que perderam a casa, os terrenos de cultivo, etc., já vão com ess[...], vão recomeçar a vir, digo assim, porque.... e como é que eles. [...]. economicamente, como vão fazer para recomeçar? o governo ajuda?. pá, a p[...], houve, criaram um fundo, no município de São Filipe, eh - Chã das Caldeiras faz parte desse município - criaram estruturas que coordenassem o evacuamento das pessoas para zonas menos afectadas. hum, hum. hum.. e, essas estruturas, para além do evacuamento das pessoas, eh, para as zonas baixas, eh, tinham também, eh, tinham que distribuir alimentos, vestuários, colchões, 'etcs', para essas pessoas.. hum, hum.. e, segundo cálculos - deixa-me ver, tenho dados aqui - segundo cálculos, eh, ainda no mesmo relatório [...] 'no que concerne a alimentação, no pressuposto do custo de duzentos escudo por dia, mantendo constante o número de pessoas nos respectivos centros de acolhimento, as despesa mensais elev[...], elevam-se a duzentos escudos vezes trinta escudos, vezes trinta mi[...], vezes trinta dias, vezes, ainda, o número de pessoas'. pessoas. e, evacuados que eram, que era aliás, mil e trezentas e sessenta e nove.. ham, ham.. que já dá no total oito milhões duzentos e catorze esc[...], mil escudos mensal.. é muito dinheiro. é um esforço grande, não é,. é um grande esforço.. hum, hum. a sua família foi afectada, perdeu alguma coisa? não.. não, não, não, nós estávamos muito longe.. muito longe.. nós f[...], nós moramos nos Mosteiros, na Vila da Igreja.. ham, ham. portanto, lá não chegou nada?. nada.. só um pouco de susto.. só um pouco de susto, é claro." +Cabo Verde/As Mornas.wav,Cabo Verde,S. Vicente,M,54,1995,"portanto, estava-me a dizer, eh, estávamos a falar sobre a origem da palavra 'morna'.. sim. eh, dizem que a palavra 'morna' nasceu de, do vocábulo 'mourni[...]', 'mourning', eh, quer dizer que as pessoas que, que cantavam não cantavam, quer dizer, eh, sabe que às vezes quando no[...], eh, [...], como se diz, na, quando, eh, aconteceu que morreu alguma pessoa. sim. etc., então o inglês d[...], o inglês diz 'they are mourning'. hum, hum.. estão no sentimento do morto, etc.. hum, hum.. e então dizem que o senti[...], o senti[...], o sentimento, o canto da morna. hum, hum. saiu foi destas raízes.. hum, hum.. eu não sei se é verdade ou se é mentira. mas, eu digo, eu posso reproduzir aquilo que os mais velhos. hum, hum.. disseram. eu não sei se é verdade. mas, eh, eu acho, eu acho que até certo ponto pode ser isso. hum, hum.. porque, eu não vejo nenhum, nenhum vocábulo ligado à morna. bom, mas o que eu posso dizer é que a morna é realmente cabo-verdiana. hum, hum.. que, os mais velhos dizem que a morna nasceu na, na ilha da Boa Vista. hum, hum.. depois passou para a Ilha Brava e depois São Vicente, porque essas três ilhas têm, têm um contexto muito diferente, eh, no ritmo e na melodia da morna. eh, é natural que, que essa ideia de que esta palavra 'morna' tenha vindo. hum, hum.. a sua origem da, da palavra 'mourning'. a mim faz-me sempre uma certa confusão, eu sou dos Açores e nos Açores nós temos uma palavra 'mornaça'. e mornaça significa estar assim... a, a conversar assi[...], mas assim uma conversa mole, sem fazer nada. e eu . sim. na minha cabeça f[...], estabeleço sempre uma certa ligação... a morna c[...], assim o ambiente, um ambiente... não é calmo, não sei.... pode ser, mas, eh, eu não posso, quer dizer, eu não sei dizer directamente, porque, sabe que a nossa história tem muito para contar, não é,. hum, hum.. nunca, a história nunca foi contada devidamente, porque... claro que não foi escrita muito bem claro e etc.. hum, hum.. há coisas que ultrapassam.. claro! e qual é o interesse dos jovens actualmente por, por essas r[...], por essas raízes, ao fim e ao cabo?. eu acho que estamos a regressar às raízes.. hum, hum.. há algum tempo que eu estou notando se, que... a juventude está-se a interessar. hum, hum.. pela, pela, pela nossa cultura. eh, havia alguns anos atrás que estavam, estavam, quer dizer, um bocadinho afastados, mas agora estão a regressar, porque, quer dizer, isso é um fenómeno mundial. isto há, isto é mundialmente, agora neste momento, neste preciso momento, quase todas as nações do mundo estão a regressar. pelo que eu tenho visto é assim. através de rádios e gravações que eu tenho, que eu tenho acompanhado, estou a ver que quase todas as nações do mundo estão a regressar às raízes. e Cabo Verde também está a regressar, muito embora que há uma certa margem de juventude que acho, eh, querem estar ligados a, a coisas modernas, que não nos pertence. pertence a ou[...], a outros povos, a outras, a outras nações, etc., mas felizmente que o que estou a ver que há, há pessoas aqui na juventude que estão interessados mesmo pela raiz da cultura cabo-verdiana.. hum, hum. e, e há, há, há estruturas para corresponderem a esse interesse dos jovens pelas raízes?. essas estruturas estão um bocadinho fracas.. hum, hum.. estão um bocadinho fracas. eu não sei se é por falta de finanças ou é, ou é, se é por falta de... cultura no seu eu ou se é, ou não sei p[...], o que é que é esse fenómeno.. hum, hum.. mas, eh, temos muito que andar para chegar, para chegar até lá. porque... a nossa cultura aqui está um bocadinho enfraquecida mas, eu digo t[...], talvez por desinteresse ou talvez por falta de dinheiros.. hum, hum.. eu continuo fazendo a minha parte. hum, hum.. agora o resto eu não sei.. bom, cada um que faça a sua, não é,. sim.. diga-me uma coisa: mas, por exemplo, no que toca às mornas, eh, isso exige uma aprendizagem, não é, não é de um dia para o outro que a pessoa diz 'vou escrever uma morna' não há assim rapa[...], jovens à sua volta que tentem captar o espírito?. tem regras, não é,. tem as suas regras?. sim, mas, eh, nem, nem, nem, eh, isto é, isto é mais, quer dizer, como posso dizer? eh, eh, eh, isto é mais autodidáctico.. hum, hum.. eh, é u[...], é uma experiência autodidáctica, aqui. hum, hum.. em Cabo Verde. alguns às vezes chegam, vão perguntar-me como é, como é que eu comecei a fazer mornas, como é... o meu interesse, etc.. hum, hum.. eh, alguns têm interesse a aprender e outros não. mas, isso é, a maioria, a maioria aprende a fazer um mi menor ou um ré menor no violão, pronto, já sabe muito, e vai fazer, vai, vai compor e às vezes, vai escrever uma coisa que não está dentro de, da nossa tradição. por não ter aprendido, sabe,. hum, hum.. quem não, não estudou não aprendeu. eh, eles têm boa vontade.. hum, hum.. eles têm boa vontade. mas é que esta boa vontade não está bem dirigida. eu espero que no futuro as coisas tornam de uma maneira diferente para que eles cheguem onde querem." +Cabo Verde/Colher de Panela.wav,Cabo Verde,S. Vicente,F,55,1995,"mas olhe, desculpe voltar a incomodá-la por causa da, do tipo de prato... . ah! . aquilo é. por causa do prato.. portanto, serviam ali a cachupa, era?. portanto, a cachupa, servia para cachupa e não só. . e não só. . mas normalmente os trabalhadores, os lavradores das terras ou as, os trabalhadores necessariamente. . hum, hum. . davam o dia de trabalho e... . comiam. . e comiam. e se era para estar a, a dividir aos, aos pratinhos e, essa gamela era colocada ao centro da, da mesa. . e comiam todos dali? . e a[...], não! . não. . eh, tem a, a, há uma colher matriz, porque o prato é prato matriz. . sim, sim. . e há uma colher de panela que também é matriz. quer dizer que essa, eh, que é matriz, quer dizer, a c[...], a colher de panela. . hum, hum. percebi. . tam[...], ah, apanhava-se, servia-se então para os, para os pratos pequenos, aliás, eu tenho um prato pequeno. . e eram também... . ó, ó Zizi dá-me aí o prato pequeno, faz favor, olha... . e[...], eram, todos os pratos pequenos eram assim, não era louça, era tudo madeira? . não, era pratos que eu já venho mostrar. mas o mais interessante, de toda esta festa, esta questão, que eu vou contando, ah! também servia para quando, enfim, eh, se matava porcos... . hum, hum. . salgar, e era muito bom, porque... esse líquido sa[...], essa água... salgada que... . hum, hum. . ficava, era bom que ficasse aí na... . na... pois. [...] . e comiam bem porque este prato leva muito. . pois leva. ah! leva, leva! . já a gente, já se sabe que os trabalhadores trabalham mas também comem m[...], comem bem. . é uma verdadeira obra de arte. . e... o mais interessante de tudo isso - a Isabel também vai ouvir essa história minha - ah, lá para a zona do norte, em que realmente, porque é tradição toda a gente... ter uma cama de ferro em casa. . hum! . porque justamente para, e, e, quer dizer, isso é, é mesmo necessário ter, é uma exigência. é uma exigência em vez da madeira, ferro sim, por causa de, enfim, para o nascimento dos bebés. . hum, hum. . porque a parturiente terá de dar dores, acho que, de, de ter contracções - a Isabel já deve ter lido isso. . tenho lido sim. . nos meus contos. . hum, hum. . que é gravi[...], parto, 'Gravidez e Parto'. . sim, sim. . então, é para agarrar mesmo e para ter essa força. . pois. . para ter melhores contracções. mas há aquelas pessoas que realmente não tinham condições nenhumas e que ao fim e ao cabo acabavam por ficar na esteira. esteira, não sabem o que é? . eu penso que sei. . dá-me lá uma esteira, a esteira, faz favor, ah, está aí embrulhada. . [...] . 'intra'! . só um momento, sim? . [...] . ok. a esteira é esta. . hum, hum. . [...] . isso é... feito, o material é de bananeira. . ah! . é de, portanto, é a folha da bananeira, mas, aquela costura que fica aí ao meio, chamamos-lhe costura. sim, sim. . esta parte aqui. . sim. . então, é aberta, eh, as pessoas em vez de, não tinham colchão, por exemplo, cama, deitavam-se sobre a esteira. . mas aí não tinham onde se agarrar. . mas essa esteira, justamente, ah, o problema é este. o problema é que era difícil esse parto, em relação às pessoas indigentes e que tinham de se deitar na esteira. e é nesta medida que içavam, no cume, tecto, cordas. . hum, hum. . ou os cabos, cabos. . cabos. . exacto. . cabos. e então, a pessoa dava mesmo, tinha mesmo fortes contracções. . hum, hum. . incríveis contracções. e o bebé nascia à vontade e sem problema de rasgos. no entretanto estava aí a parteira, ou não, que normalmente não tinha parteira, diga-se em abono da verdade, mas o mais interessante desta festa é que as pessoas punham sal aí nisso. na[...], não tinha nada a ver com o sal, não é,. claro. . ah! quer dizer, o bebé... nascia, era, portanto, caía... . hum, hum. . hum. . na, o prato de figueira. . ah! . mas as pessoas, eu não sei porquê iam deitando. . portanto, servia para aparar o bebé também. . pois claro, iam deitando um, quer dizer, como se faz com as cabras, matar uma cabra, um cabrito, sei lá! . hum, hum. . e normalmente deita-se esse, esse sal. e as pessoas... . no bebé mesmo? . mas deitavam, sim senhora.. hum, hum. . porquê não sei, mas se calhar pensavam que isso devia ser igual à matança de uma cabra, ou não sei quantos. . não, penso que o sal devia ser desinfectante, qualquer... . pois. é isso. . será? . não sei. . ah! pode ser que seja. . é isso que eu ia perguntar. no bebé mesmo ou, ou na mãe? . pode ser que seja. não, no bebé, não, neste prato, que... . no prato. . no prato? . que recebia o bebé. . o bebé. . está bem. . ah, para amparar, caso houvesse, bem, isso não era preciso parteira, porque normalmente nem era preciso parteira. chegava uma pessoa... a ir com uma, uma rodilha. sabe o que é isso? . não. . é, portanto, é um, um pano que até pode ser... um vestido ou uma peça velha que se recortasse. hum, hum. . um lençol ou o quê. . sim. . que é feito assim... . sim. . ham, ham. . que é feito assim. . é enrolado. . hum. . é enr[...], sim. é, até porque é mesmo em, em rodilha. . sim. . pois, pois. . em roda. . [...]. em rodilha. . em rodilha, pois [...]. . para amparar, enfim, para que o bebé não nasça, não tenha de nascer, assim, a toda a velocidade, para, e evitando rasgos. . hum, hum. . e então amparavam. e é nesta medida que os bebés vinham lentamente, fossem gordinhos, grandes, pesados, ou quê, e estava aí a parteira, à medida que, enfim, que o bebé vi[...], i[...], ia saindo, lentamente, rasgo nenhum, na medida em que eu, por exemplo, eh, lá em casa somos doze... filhos. a minha mãe nunca teve esse problema, como ninguém teve. há lá mães que têm dezasseis e, minha avó, por exemplo, teve dezasseis filhos. mas, eh, falando... sobre essa questão aqui da, da gamela. as pessoas saíam, [...] acabavam de ter o bebé, normal, sem problema de rasgos, sem, sem fortes contracções, e... iam para a cozinha fazer o... pequeno-almoço." +Cabo Verde/Coleccionismo.wav,Cabo Verde,S. Vicente,M,48,1995,"estava-me a f[...], a falar então que prefere ver as borboletas em selos. é.. do que mortas. exactamente, sim.. em caixas, espetadas com um alfinete.. é verdade, sim. porque, eh, o animal é tão bonito que é, dá pena vê-lo espetado com o alfinete.. pois. e... também me disse que costumava mandar vir um catálogo.. ah, sim. eh, aqui orientamos pelo catálogo Donfil, é um catálogo que é editado em Espanha, eh, eh, is[...], isso sobre fauna. há muitas mais á[...], outros, eh, tipos, por exemplo, desporto, eh, plantas, etc.. hum, hum. e diga-me uma coisa: como é que, que ganhou essa ideia de coleccionar... selos, para começar?. bem, eh, dizem que... nós todos temos um pouco de... coleccionistas. pois.. n[...], coleccionei, com[...], comecei por... caixas de fósforos. sim.. depois por cromos. ham, ham.. até chegar então a uma colecção muito mais, eh, avançada. pois.. eh, é d[...], de filatelia, de selos.. pois.. e não estou arrependido. hoje tenho uma linda colecção que... é, faz a admiração dos meus amigos.. e que vale uma fortuna, não é,. não!. quanto é que calcula que vale a sua colecção?. bem, não sei dizer, é muito difícil. eh, nã[...], não há, neste momento não há em jo[...], não está em jogo o aspecto... monetário. sim.. mas sim o da cultura. porque agora já sei... muitas coisas sobre borboletas, que fui obrigado a col[...], comprar livros. ham, ham.. sobre o animal e... estudar algumas, eh, espécies, eh, os que havia aqui em Cabo Verde, etc. por isso que... é mais é, neste momento é com[...], mais como um passatempo do que... é fins, eh, monetários.. sim, sim. mas... as borboletas é um a[...], são um animal que vive muito pouco, não é, têm uma vida muito curta.. sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras, dizem que, que, que s[...], que devem ser apanhadas logo ao, ao sair do casulo. porque senão perdem, eh, quebram as asas e então, eh, perdem qualidade. então, como no caso, por exemplo, dos que... coleccionam o animal vivo, então esse animal tem que ser apanhado logo... ao sair da, do casulo. sim.. para ficar completo.. porque esses selos, para serem feitos, eles baseiam-se em fotografias, não é,. exactamente, sim. mas é, hoje, por exemplo, eh, com a ciência avançada, como o senhor sabe, e, o animal pode ser filmado. e então é, é t[...], é toda essa maneira depois de reprodu[...], tentar reproduzir o animal.. quer dizer, o animal é filmado... sem, em liberdade?. em liberdade, sim. mas ele é, é, no seu... habitat próprio, não é,. pois.. por exemplo, sobre uma flor, sobre, assim mesmo, eh, em, em voo, é, é, é uma coisa interessante.. e depois então fazem a reprodução para o selo?. exactamente, sim. depois agora, por exemplo, eh, o, mesmo o desenhador pode ag[...], eh, que alguns...trabalhos são feitos com desenhos, então agora o, o desenhador agora idealiza o animal.. ah, pois. e, e us[...], pois, idealiza-se, pois.. sim.. e quando é, quando é desenhado, fica tão bonito como ando é, como quando é baseado sobre a fotografia?. sim. m[...], eu, a[...], acho de que... em, em de[...], desenhado, quanto a mim é até m[...], melhor.. ah, é?. sim! porque, por exemplo, eh, eh, não sei porquê, mas, eh, já com fotografia parece uma coisa, eh, como é que posso dizer? feito por máquina.. hum, hum.. agora, já desenho, já é, já dá outra, outra.... outra dimensão.. outra dimensão. é, é, é isso mesmo. sim. . hum, hum. e, portanto m[...], m[...], consegue-se ver da b[...], na borboleta, ah, que tod[...], as asas, as cores, isso tudo?!. exactamente, sim. to[...], por exemplo, todos, tod[...], os desenhos que, que o animal apresenta... e, e as cores.. hum, hum. é uma coisa fora de série!. portanto, o senhor Lourenço ao coleccionar borboletas, já me disse que aprende também coisas sobre a vida das próprias borboletas [...]. exactamente, sim.. eh, as borboletas como, alimentam-se todas de... fl[...], plantas, flores, não é,. é de néctar. néctar das plantas.. néctar.. exactamente, sim. e, apesar de termos aqui poucas flores, como o senhor sabe, Cabo Verde é um país seco. pois.. mas, eh, também é uma coisa: em cada quintal o senhor encontra... um... pequeno vaso... com uma pl[...], com uma planta.. hum, hum.. por exemplo, no meu quintal, é frequente descer borboletas.. hum, hum.. por exemplo, agora, por exemplo, na, Julho, Agosto, Setembro, como sabe, é a época das chuvas em Cabo Verde. hum.. então, as borboletas começam a aparecer. e isso antes do início das chuvas, está a ver, que tem toda aquela coisa de... colocar ovos, e depois da chuva então para... eclodirem as lagartas.... hum, hum.. então é, é, é, é frequente, nesta época do ano, ver borboletas no meu quintal. hum, hum.. por exemplo a, a 'Hipolimas Misupas', é uma borboleta... que é vulgar em, em, também a 'Danosso Crisupas', também, é uma borboleta vulgar em Cabo Verde.. hum, hum. e... o, as crianças... também, esse gosto por colecção de, coleccionar selos, eh, vai-se transmitindo às crianças mais novas ou não?. eh, bom, há um projecto para incentivar as crianças nesse capítulo. [...] e, então, nós, os mais velhos, estamos a j[...], fazer pacotes de selos usados, então para, justamente para... i[...], criar o.... o gosto.. o gosto pela filatelia... na [...]. nas crianças.. nas crianças. mas olhe, infelizmente na, na minha casa, nenhum dos meus filhos interessa pela filatelia.. engraçado.. mas o mesmo acontece também com os, com os meus amigos.. sim?. não há nenhum filho que... pode dizer nós vai continuar o meu trabalho.. [...]. pode ser que haja um neto!. sim. quem sabe?! [...], talvez mais tarde.. pois.. sim.. porque é uma pena, não acha que é uma pena perder-se tanto trabalho?. [...] sim! se[...], por acaso seria uma pena, mas, olhe, por exemplo, é da terra, vai ficar aqui na terra. eu se, quando partir, pronto! adeus borboletas! e adeus colecção! se tiver, eh, alg[...], alguém da minha família que lhe dê continuidade é bom, senão, se [...] vai para o lixo.. pois.. ou então se até vai ser vendida por tuta e meia.. pois. mas pode ser que algum dos seus filhos não se interesse agora e um dia mais tarde se interesse.. sim. é [...], é natural, mas, eu vou tentar... incutir, eh, o gosto pela filatelia.. pois.. aliás, por exemplo, quando chego em casa, com alguns envelopes com selos, eu... dou-lhes para... porem na água, e depois para descolar o selo d[...], mostrar-lhe a secagem, depois, como, como o selo é, é prensado para ficar, eh, bem... liso, não é, eu... tenho tentado de, isso, mas. hum. o entusiasmo é, neste, até este m[...], até esta, esta data, é relativamente... pouco.. pode ser. também depende da idade deles, não é,. sim. tenho um rapaz de onze anos, [...] pelo menos já devia ter, há coleccionado[...], há grandes coleccionadores que começaram... cedo.. sim.. mas... isto tudo. [...]. é tudo relativo." +Cabo Verde/Raparigas de Cabo Verde.wav,Cabo Verde,Cidade da Praia,F,41,1995,"[...] falar um pouco sobre o ensino em Cabo Verde, mesmo, ah, falando um pouco a nível dos in[...], do interesse que as mulheres cabo-verdianas ultimamente têm tido aqui em Cabo Verde. como sabe, em todos os países isso aconteceu, também Cabo Verde não podia fugir à regra, que é a questão das mulheres não, não estudavam. . hum, hum. . ah, mais, eram mais os homens do que as mulheres. no entanto, ah, passado alguns anos, sobretudo após a independência, ah, muitas escolas foram abertas, já em sessenta e oito houve um... surto de sa[...], de escolas, que foram abertas, e assim, proporcionava às pessoas, não é, estudarem . mesmo as raparigas? . tendo em conta que as escolas eram mais perto. sim. fica perto de casa e como... nós aqui temos um problema: as raparigas trabalham mais do que os homens, sobretudo na lida da casa... . como sempre, em todo o lado. . sim, com certeza. e daí que, ah, as mulheres, as raparigas, não, nã[...], agora começaram a estudar. e, e daí que nós verificamos mesmo nas escolas de formação de professores, eh, um número maior de... raparigas na escola de formação de, de, do Instituto Pedagógico. . hum, hum. hum. . e... também o, os pais, nas zonas piscatórias, as mulheres, mesmo os rapazes também não iam, as raparigas não iam muito, para, para a escola, porque diziam que, enfim, ah, 'somos pescadores, sem escola, com escola'. . pois. . que seria nor[...], portanto era normal, que não valia a pena. . e nem apostavam em aprender mais. . foi, sim, sim, não apostavam em aprender e nós tivemos todo um trabalho nesse sentido, de sensibilização, para ver se realmente os pais, ah, mandassem os filho às escolas. . pois. . e, e isso, verificamos que, numa dada altura, que houve um aumento grande, mesmo a nível de, de, de, de raparigas, já os pais, e mesmo as, as raparigas já mais crescidas começam a interessar-se mais e pedem aos pais para deixarem ir à escola. e isso se, está-se a verificar cada vez com um maior número. . eh, em Portugal aconteceu uma coisa engraçada, quando... de facto as raparigas começaram a ir mais à escola, em zonas em que... também só os rapazes é que iam, zonas mais... . hum, hum. . fora das grandes cidades, não é, que era... que as raparigas como tinham estado sempre, ah, afastadas disso, quando tinham a oportunidade de, de estudar, eram muito melhores alunas que eles, porque queriam mostrar a força nalg[...], de algum modo, uma vez que não têm... . exacto. isso também acontece em Cabo Verde, porque, apesar de, de aqui, ah, as raparigas têm muito mais que fazer, como sabe, vão apanhar água, sobretudo se for numa zona rural, têm que apanhar lenha, ah, ajudam os pais com os... bebés, os irmãos mais pequeninos, às vezes há m[...], pais que saem de manhã e só regressam à tarde, são as meninas é que tomam conta dessas, de[...], dessas crianças, dos irmãos mais pequeninos. e, mesmo assim, com toda essas tarefas, às vezes os alunos, as alunas, ou... as raparigas, têm muito mais, ah, notas, ou estudam muito mais, esforçam-se muito mais. . pois. . porque têm um adicional, que é, que é toda a tarefa caseira, não é, e que nos rapazes isso não se verifica em Cabo Verde. . os rapazes não, não fazem mais nada? ah.... eu acho que não, a não ser no interior. pois, que ajudam... . no interior, na zona rural, têm já, vão dar de beber às cabras, vão atirar palha para os animais, fazem mais uma coisinha. mas aqui, no Plateau, ou mesmo nos arredores da Cidade da Praia, os rapazes vão à escola, regressam e começam a passear... . hum, boa vida! . para cima e para baixo. é verdade. . ah, nós reparámos há bocado num, já on[...], há bocado e ontem também, ah, vimos isso, eh, havia um grupo grande ali naquela praça, na esplanada... . hum, hum. hum, hum.. em que eram vários rapazes e só uma rapariga. e a, a ra[...], e não era o mesmo grupo hoje e ontem... . hum, hum. . eram dois grupos diferentes s[...], também... . hum, hum. . ambos só com uma rapariga, e eles falavam, conversavam todos uns com os outros e a rapariga ficava muito caladinha... . hum. . isso é costume? . sim, sim é, e realmente, quer dizer, sobretudo, aqui agora verifica-se um pouco, mas no interior e noutras zonas, ah, periféricas da cidade, nós constatamos que as raparigas não saem, se sairem vão, saem com as amigas e regressam logo de saída, de, logo, ah, depois, porque os pais até dizem 'tantas horas, vem para casa', e os rapazes estão sempre na rua, têm mais à vontade e assim. aparece uma rapariga, que por qualquer, ah, problema, ou qualquer coisa, ah, eh, vem para o grupo, logo, ficam, quer dizer, com uma certa inibição, tendo em conta que não estão habituadas a, a participarem em grupos grandes. mas isso def[...], eh, verifica-se, ou é def[...], diferencia de ilha para ilha. . sim. . por exemplo, em S. Vicente, nós, isso já não, não acontece, dessa maneira. . as raparigas são mais abertas. . as raparigas são mais abertas, estão sempre no grupo, dormem mais tarde, vão à boîte... . hum, hum. . vão às festas. aqui já a Ilha de Santiago - não sei se é por sermos um, uma ilha de tradição camponesa, ou o que é - as raparigas são mais con[...], estão mais conservadas. . até é, eh, estranho, porque é a capital, não é, . exacto, exacto, exa[...]... . devia... . mas isso já vem, é uma história que vem de longe em termos de S. Vicente e Santiago. . hum, hum. . mesmo a Praia, como capital, mas as raparigas, agora, ultimamente... estão saindo um bocadinho, mas mesmo assim com horas marcadas para virem para casa. . e não há nenhum movimento de.... de raparigas? . sim, de, de, de, um movimento feminista ou uma coisa assim, que, que prepara as raparigas para lutar, eh.... o problema que se põe é que se, existem algumas, algumas, eh, algum, alguns movimentos, ah, feministas, p[...] - eu digo de mulheres, não é,. sim. . porque, eh, mas não incentivam essa prática, tendo em conta que... podem ser mal vistos. . hum. . porque, ah, se di[...], dizem 'ah! é uma organização da mulher, em vez de ensinar a fazer, sei lá, uma renda ou um bordado, vai man[...], eh, vai ensinar para saírem na rua ou participarem em outras actividades', não sei até que ponto ainda a sociedade está preparada para isso. . pois. . de qualquer forma penso que hoje há o, há grande progresso neste momento e... há moças que saem e... algumas vão e voltam mais tarde mas isso foi ultimamente. . e em termos de, de planeamento familiar, há muito trabalho feito para preparar.... sim, há algum trabalho e... têm a[...], têm feito, portanto, na, no, temos um projecto do PIMPF, que... faz esse trabalho, e... existem grupos de pessoas que, a nível de, do Instituto de Menores, de, ah, sobretudo a promoção social, tem vindo desencadeando uma, um mo[...], um, todo uma campanha de sensibilização, mesmo a nível de comunicação social, no sentido de ver, fazer com que, ah, as raparigas tomem consciência, e os rapazes também, dessa questão que aqui em Cabo Verde tem sido um, já quase um flagelo, que é o problema da gravidez, gravidez precoce. e temos ainda a nível do Ministério da Educação, inclusive, temos alguns projectos, como é o caso da... vida familiar, e que têm entrado com algumas, algumas informações também, não só na vertente escolar como também não-escolar, precisamente para... ajudar essas jovens, mas isso, se verifica sobretudo na cama[...], nas camadas mais pobres e com menos possibilidade.. sim." +S. Tome e Principe/Costureira de Sucesso.wav,S. Tome e Principe,S. Tomé,F,35,1996,"onde é que aprendeu a coser?. aprendi a coser cá em São Tomé, nas madres canossianas.. e... começou a coser e isso foi suficiente para fazer de si uma grande costureira?. eh, bom, com a experiência do dia-a-dia, comecei fazendo qualquer coisinha depois da formação, mas aperfeiçoei-me mais em Libreville. . eh, quer contar-me como é que foi, como é que chegou a este ponto? ao ponto de ser uma grande costureira, considerada uma das grandes costureiras aqui de São Tomé, com um atelier montado, com aprendizes, com uma vertente de, de escola de costura. conte-me como é que chegou a este ponto.. bom, em Libreville, comecei por trabalhar numa... fábrica de confecção industrial, e depois, dois anos depois, dei aulas de costura, e dois anos, os últimos anos que eu fiz em Libreville trabalhei num atelier público. portanto, esses seis anos de experiência foram suficientes para, eh, o, foram suficientes para aperfeiçoar bem na costura e... por causa disso explorar o pouco que eu... tive, decidi fazer qualquer coisa por conta própria e... . e... esteve oito anos em Libreville, eh, porque é que decidiu regressar a São Tomé? não estava bem, lá em Libreville? não gostou de Libreville?. gostei, mas preferi voltar à minha terra, porque eu penso que na minha terra posso fazer qualquer coisa melhor para mim e também para o bem... do nosso povo.. só por essas razões é que voltou... ou porque a vida era muito dificil lá em Libreville?. dificil é... para algumas pessoas, fácil para as outras, mas, eu penso que com a costura em qualquer parte do mundo não há assim tão dificuldade, desde que a pessoa é capaz de fazer trabalhos perfeitos, com a costura consegue-se sobreviver em toda a parte.. que tipo de clientes é que tem aqui em São Tomé?. eh, tenho... várias categorias de cliente. tenho clientes das zonas... 'environantes', tenho clientes que vêm de fora, da classe média, da classe, bom, de todas as classes sociais.. já coseu assim para alguém, e cose para, mais para homens ou para senhoras, ou cose para toda a gente, para crianças? eh, o que, eh, qual é o grupo que constitui o grosso da sua clientela?. o grupo que constitui o grosso da minha clientela s[...], é, é o grupo das senhoras, principalmente.. e já coseu assim para alguma individualidade, para, para uma pessoa, uma pessoa da, da alta sociedade, alguém, algum notável? . bom, eu não posso dizer para algum notável, mas eu já cosi para pes[...], para grandes senhoras até, eu penso, já vieram cá ao meu atelier coser, eh, d[...], fazer os seus vestuários!. hum, e... a senhora disse que vem gente de todo o tipo. e... quais são as dificuldades, os principais problemas que enfrenta no seu dia-a-dia como costureira? ou é uma profissão fácil, que não tem problemas, porque cada ramo, cada profissão tem os seus problemas, e o seu ramo, como é que é?. bom, normalmente quando a pessoa, eh, ama a sua profissão, tem probl[...], eh, tem problemas n[...], mas não são assim tão graves. bom, a gente trabalha com perfeição e quando se trabalha com perfeição não tem assim graves problemas. mas, em tudo na vida há, eh, decepções e, e, como dizer? . triunfos?. triunfos. hum, por exemplo, pode haver casos de dece[...], decepções, por exemplo, uma falha em qualquer, ah, confecção e se o cliente reclamar é sem dúvida que o cliente tem toda a sua razão e a gente dá razão a quem tem razão. mas isso acontece muito poucas vezes comigo. . portanto, tem mais êxitos que. sim, que decepções.. decepções. e, mas com que objectivo é que tem esse, esse.... [...]. é que dá aulas de, de, de corte e costura?. esta formação de corte e costura é com o objectivo de formar pessoas capazes de me ajudar não só a mim e também ajudar essas mesmas pessoas porque não vou, eh, me responsabilizar por todas as pessoas. por exemplo, as pessoas se formam, posso aproveitar algumas delas para... o meu bem-estar mas as outras também com o conhecimento que elas têm, também podem for[...], eh, sobreviver ou trabalhar noutras partes e ganhar o pão de cada dia.. quer dizer que também está a prestar um serviço à sociedade.... sim, sim. é isso que eu disse em princípio, que eu voltei à minha terra não só para o meu bem-estar, também para o bem-estar dos outros.... hum. quer dizer, a senhora pode ser considerada uma pequena empresária. ah, e nós sabemos que aqui em São Tomé não é fácil, eh, sobretudo a uma mulher, eh, singrar no negócio, se[...], singrar como empresária. a senhora quer falar-me um pouco da sua experiência como empresária? como pequena empresária que é?. bom, como pequena empresária que sou, eh, bom, é, eh, como dizer, em princípio, há dificuldades, mas também exige muita coragem. como mulher que sou, eh, ter essa decisão de, de formar essa pequena empresa e empregar pessoas e trabalhar ao público para pessoas e, mas se não eu, ah, o conselho que eu dou às senhoras como eu é que elas também possam fazer o mesmo, ter a coragem de, de procurar qualquer coisa para o bem delas e para o bem da nação, a fim de, como dizer, desenvolvermos a nossa, hum, capacidade, porque não, não só os homens têm, devem fazer qualquer coisa mas as mulheres também devem manifestar o, esse desejo de ajudar os seus maridos, eh, em determinadas coisas, porque não só homens, sabemos que a nossa sociedade hoje tudo está difícil, não só o homem ainda pode trabalhar mas a mulher também pode fazer qualquer coisa para ajudar a sua família e também a sociedade. . ouça, muita gente se queixa de que não consegue levar a cabo, ah, empresas desse género por não terem qualquer espécie de apoio por parte do Estado. a senhora também é dessa opinião? é de opinião que o Estado deve dar sempre apoio? . bom, eu não sou da opinião que o Estado deve dar apoio. mas em princípio, se o Estado puder dar apoio pode muito bem dar! porque, bom, em princípio, quando não se tem nada, não se consegue nada de nada. é preciso ter alguma coisa para conseguir. eh, bom, em princípio, se alguém não tem nada e tem esse desejo de fazer qualquer coisa, se o es[...], se pode alcançar um apoio do Estado, muito bem! mas se não pode, pode fazer qualquer coisa. por exemplo, uma pessoa formada pode, com o pequeno que, no, no, qualquer soma que tiver, pode arranjar uma máquina, eu também comecei assim, em princípio com uma máquina, duas, três, quatro e cinco e pouco a pouco a pessoa se desenvolve, tendo vontade.. sim senhora. e... que perspectivas é que tem para o futuro? eh, a senhora ainda é jovem?!. sou jovem.. tem trinta e cinco anos!. tenho, sim.. pensa permanecer a vida inteira neste ramo ou pensa alargar o negócio, como é que é?. bom, nesta ordem de ideia, por isso tenho f[...], formado pessoas. essa formação não é só, eh, para ter pessoas para trabalhar para mim, mas sim pessoas que me po[...], que me possam substituir para além, porque eu posso, por exemplo, estar cansada ou, hum, hum, necessitada de, de umas férias, e se tiver pessoas capazes para me, para me substituir, essas pessoas podem ficar no meu lugar e eu... posso-me repousar ou se deixarem as outras pessoas podem continuar.. mas isso é a m[...], a curto ou médio prazo. a longo prazo, o que eu gostaria de saber é, é se tem ideia de que vai ser o seu futuro. se vai continuar como costureira, se vai abrir outras filiais, que, que ideias é que tem de, que perspectivas de futuro é que tem?. bom, ideias de futuro, eh, que tenho é de progredir. e se no caso conseguir progredir, arranjar outras filiais! não só no local onde estou mas noutras partes, fazer, por exemplo, fazendo pronto-a-vestir, eh, e, e como o pronto-a-vestir também que serve muito bem para o nosso país e com isso tudo não, eu sozinha não poderei, eh, trabalhar, mas é, é com, como disse atrás, que com a, com as outras pessoas podia dar a nossa contribuição." +S. Tome e Principe/Pesca Arriscada.wav,S. Tome e Principe,Praia Melão,M,41,1996,"e na pesca, no mar com, com peixes grandes, quando tem que enfrentar às vezes tubarões, já alguma vez apanhou algum tubarão?. sim, apanhei muitos tubarão.. ou.... ou agulha-sombra.. hum, hum.. tubarão, antigamente, quando eu comecei a pescar com esse sujeito que me ens[...], aprendeu a pescar, nós levávamos machim para o mar. nós quando... pusemos dois fio na água, aqui a matar voador com outro fio, que o tubarão come sintético, nós seguramos, e aquele peso do tubarão quando ele vem, nós procura a maneira dar-lhe com um machim, cortar ossos e tal, upa, pôr na canoa. peixe mais, era no antigamente, agora não há tubarão, porque todo o tubarão que passa fora do mar para vir para a nossa baía, não vem já, não vem para a nossa baía mais. porque há os barcos aqui grande, com esses palanque grande. aqui no nosso mar, deita palanque desde aqui de Praia Melão até Neves. e todo o tubarão, qualquer tipo de peixe come esse palanque. e é por isso que o nosso mar já não tem... tubarão. e então, peixe que ficou hoje que o pescador luta com ele, mesmo que for um dia, dois, três dia é coiso, é agulha-sombra. porque a agulha-sombra.... luta dois, três dias?. sim. a agulha-sombra, não for hoje, que apareceu motor da popa, eu posso lutar com uma agulha-sombra desde uma manhã, chamamos outra canoa a lutar com ele desde uma manhã até de tarde, essa, essa, volta das quatro e tal estou a lutar ainda, se esse, se chegar a matar essa agulha-sombra pelo menos meia-noite desse, meia-noite de hoje. não há vento para, para nos arrastar com canoa de vela para vir. a gente vai chegar de manhã. mas hoje não, nós lutamos, lutamos mesmo que for até qualquer hora, nós matamos esse peixe, agulha-sombra bem grande, for três ou quatro canoa. como é que o matam?. quando, nós temos um tipo de isca chamado blindado. ah!. então esse blindado, nós amarramos f[...], no fio, e amarramos ponta de fio no cabo, e quando esse peixe come, vem com esse chifre dele, encontra esse blindado tão branco, pensa que é isca, vem, bate ele, naquele blindado; e o blindado tem fibra, e então essa coisa agarra. então quando agarra, que nós já sabemos que é agulha-sombra, porque, cada um tem o seu peso, peixe-andala, a gente vai saber peso do peixe-andala. peixe de agu[... ], uma agulha-sombra, nós já saber que... esse peixe já não era peixe-andala porque estar a andar muito e está a pedir muito cabo. e então nós temos tendência a chamar duas, três canoa para lutar com esse peixe. e então, quando nós lutamos, lutamos, lutamos, lutamos com esse peixe, quando nós já matámos ele, e que não dá para upar, porque há peixe que não dá para upar no mar, nós amarramos esse peixe ao lado de canoa, saltamos para trás, arranca o motor de popa, mesmo que for qualquer lado do mar, mas nós também estamos a ver o risco, com ele amarrado. os outros vêm atrás.. tubarão vem atrás para atacar. . hum, hum.. e que se aparecer tubarão, nós se estamos com ele amarrado se não, não matamos esse tubarão, temos que largar esse peixe embora, porque ele, o estrago que ele faz aqui é... coisa de mil cabeça! ele pode comer esse peixe, comer canoa! porque há um tubarão no mar... que é rei do mar. é um tubarão que próprio, às vezes, pescador tem medo dele, chamado 'tubom-tunhá'. esse tubarão que tem dente em cima dente. esse tubarão é um peixe muito perigoso.. ataca?. ataca.. ataca mesmo o pescador?. ataca mesmo o pescador. há pescador que dá ele com anzol, sabendo que é... esse tubarão, corta fio, deixa ele embora. porque é um peixe muito malcriado. não custa ele vir, chegar aqui, ele pegar nessa coisa assim: bau! a gente mata ele aqui mesmo. é por isso quando nós vamos para o mar temos que... ter canoa com uma boa cinta ao lado, porque quando, qualquer coisa, quando ele pega essa cinta. é uma cinta, é metálica?. eh, sim. de qualquer maneira tem que matar ele aqui. é muito malcriado, mas ele também não aguenta porrada.. ah!. hum. uma pequena coisa assim ele morre. mas, é um peixe muito perigoso.. e, e há várias espécies de tubarão, não é,. há, u[...], uma data. há... um tubarão com orelha assim como um avião. em nossa língua a gente chamamos, a gente chama ele 'toto'. e há um chamado 'tubon'. 'tubon' é tubarão peixe.. ah!. depois há um tuba[...], esse tubarão mais especial. é tu[...], nós em no[...], nossa língua a gente chama ele 'tubon-tunhá'. é um tubarão que dá para qualquer comida, esse 'tubon-tunhá'. depois há tubarão do fundo, agora. há tubarão de areia, na nossa língua há um tubarão chamado 'qua-cotá', há um tubarão que mataram, os homens de Praia Gamboa mataram lá um que chamado 'má-pintá', há tubarão, hum, como é que se chama? hum, eh, nós temos um tipo de tubarão, a gente chama 'tubon-tunteiro'. 'tubon-tunteiro' é um tubarão que fica só atrás da rocha, a comer bonito, essas coisas, há muito tipo de tubarão.. qualquer deles pode ser pescado, e todos são... comestíveis, pode-se comer todos?. pode tu[...], pode comer todo, toda a marca de tubarão.... aqui nós comemos todos.. todos. todo o tubarão nós comemos. há tubarão que nós ainda não conhecemos. há tubarão. já ouviram falar só.. esse tubarão que os homens de Praia Gamboa mataram, que saiu em televisão: estou a pescar tanto tempo, eu não conheço esse tubarão! mas é tubarão! há um tubarão que os homens de Neves matam no tempo da Gravana chamado 'labo-lungo', é tubarão, há muito tipo de tubarão.. muitas espécies... de tubarão.. uma data espécie de tubarão. antigamente é que nós matávamos os tubarão na nossa água à vontade. mas hoje, tubarão já não passa para vir para a baía. porque nós vamos pa[...], nós não podemos ir aqui, pegar São Tomé, meter na água para não ver terra. nós temos que ir por São Tomé, porque nós vamos para muito, vamos para muito largo!. há um, há um ditado aqui em São Tomé que diz que... Deus fez o mar para todos os peixes, mas o tubarão que tem a fama é que se apossou do mar. tomou o mar só para ele.. só para ele.. isso é, tem o sentimento que isto é verdade? é verdade que o tubarão é que reina no mar, aqui em São Tomé?. em São Tomé, o tubarão reina aí no mar." +S. Tome e Principe/Sabores.wav,S. Tome e Principe,S. Tomé,F,20,1997,"açucarinha, como é que se faz? eu vou dizer como é que se faz açucarinha: açucarinha, pega ao coco, quebra no meio, lava-se, muito bem lavado, depois 'larra', põe numa panela limpa com um pouco de água e casca de limão, com u[...], uma colherinhazinha de manteiga, depois... deixa ferver muito bem fervido até cozer o coco. depois ponho açúcar, ponho açúcar, deixa cozer até secar, depois de ter, ficar um pouco, quase a secar, põe, arranja, corta-se folha de banana, banana-pão ou prata, depois limpa-se muito bem limpado, depois espalha-se açucarinha. deixa secar, depois de ter apanhado a açucarinha, deixa secar; depois está a açucarinha. moda de São Tomé.. então diga lá mais uma outra receita.. qual é, qual é a receita que dona... Ceci quer?. por exemplo... izaquente. no outro dia, a Fati cozinhou izaquente de, de açúcar.. de açúcar.. então diga lá como é que se faz. desde o início.. escolher. desde, desde.... [...]. do momento em que se, em que se vai comprar o izaquente à feira.... compra é escolhida.. então diga.. fui para a feira, comprei izaquente. trezentos e cinquenta cada caneca de izaquente. vim para casa, peguei izaquen[...], peguei a panela, lavei, para não cheirar nem ter gordura. pus água, pus no fogo com um bocado de sal, deixei a água ferver, lavei izaquente muito bem lavado, porque é izaquente que a gente compramos na feira, então lavei muito bem, pus na panela, deixei cozer, então quando estiver muito bem cozida, põe-se, ponho o quê? depois de estar muito bem cozida passa-se no 'passá-vique' ou, ou, quem não tem 'passá-vique' pega a colher de madeira reme[...], me[...], remexe muito bem remexido até apodrecer izaquente. depois de estar po[...], apodrecido, ponho casca de limão ou casca de ca[...], pau de canela, deixa ferver, pisa malagueta grande - só casca para não arder - vai ficar um bocado da cor e dá quente, ponho açúcar e folha [...], depois de estar bem cozido, com açúcar, prova-se. assim está izaquente de açúcar e de azeite.. quer também dizer como é que se faz izaquente de azeite?. quero.. então diga.. mas é mais um pouco difícil que, que izaquente de açúcar e izaquente de frigida.. e o que é isso de frigida?. é quem não sabe fazer izaquente de azeite, então dizem, aqui em São Tomé dizem que izaquente de açúcar é izaquente de frigida, izaquente de azeite que é izaquente de quem sabe fazer.... então diga.. de quem sabe cozinhar.. mas a Fati sabe!. eu sei!. então diga como é que se faz, que é para, que é para, eu também quero aprender, porque parece que eu sou frigida. diga lá Fati.. izaquente de azeite, moda de São Tomé: põe izaquente no fogo, deixa ferver, com pau de pimenta e ossami, folha de maquiquê, um bocado de maquiquê, deixa cozer muito bem cozida. depois de estar bem cozida, pega peixe, pica de espinha, tira a espinha, depois de ter tirado espinha, lava-se, põe na panela de izaquente com um bocado de azeite de palma. depois deixa-se, tapa com sal, deixa cozer. depois de estar muito bem cozida, vai mexendo também com colher de madeira muito bem mexido, até izaquente apodrecer. depois de estar apodrecido, pisa um bocado de tempero com malagueta também, ou casca de pau de pimenta, pisa muito bem pisado e põe izaquente. deixa ferver, mas não pode mexer porque tem tempero, para não cheirar... tempero. depois de... pôr malagueta e tempero, tapa-se, deixa ferver muito bem fervido, põe uma raminha de mosquito para dar cheiro, depois de estar, de, depois de pôr raminha de mosquito, deixa, depois vai só mexendo, mexendo, para não queimar em baixo na panela. e assim está izaquente. depois come-se com farinha mandioca ou mesmo assim seco. há quem gosta comer com farinha mandioca e há quem gosta comer seco.. e a Fati como é que gosta?. eu? tanto faz para mim.. ok! eu já aprendi duas receitas." +S. Tome e Principe/A Banda.wav,S. Tome e Principe,S. Tomé,M,,1996,"eh, agora eu pergunto: você é um jovem e está à frente da, da, da banda, ah, a banda tem mais jovens?. sim, tem mais jovens. até que nesse momento somos cerca de treze ou catorze jovens, mas havia muito mais. mas segundo as possibilidades, o país, o próprio país também não nos ajuda, ah, há muitos que já estiveram cá, por eles tem uma banda mais ou menos já formada, pelo menos com trinta e tal jovens, mas muitos vêm [...] e passam directamente para a banda, depois dois três anos aprendem, começam a tocar mas são obrigados a deixar e ir procurar outro meio de vida porque o salário não dá. ah, não há mínimas condições, os músicos em São Tomé não tomam leite, sabe como a vida está, e então tudo isso é que originou... que, eh, essa quantidade tão pouca de jovens, agora, que, até porque eles estão cá po[...], estão a esforçar muito, estão a esforçar e os que estão [...] banda, gostam, gostam muito de música porque se não fosse o que eles gostam de música não estariam cá. até, quanto à minha parte, também eu gosto muito da música, e eu quero ver a música desenvolver em São Tomé. pelo contrário eu também não nem estaria aqui na banda.. exacto.. ah, tenho estado a trabalhar, a sacrificar muito, mas não ganhar nada. o país pobre não facilita e nem nos apoia nada.. exacto. dantes a banda dava concerto, ah, você irá, irá continuar a promover esse concerto também?. sim, eu penso que devo promover e tem, tem, pelo menos eu e o senhor Pinho temos organizado alguns concertos, juntamente com a senhora dona Maria do Carmo, ela programa e nós temos cumprido, ultimamente, seis de Setembro, demos um concerto da saudação ao dia das forças armadas. é. e o concerto também é muito bom, porque a nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está cá, muita gente pensa que a banda de música só está cá em São Tomé para acompanhar procissões, funerais e desfiles militares. não! há muitas outras coisas que a banda também poderá fazer. e então é nesse campo que nós queremos também começar até fazer um programa mesmo de dois em dois meses, ou três em três meses dar . (con)certos e para a população também o nosso povo habituá-lo com músicas clássicas.. exacto. porque nós temos muitas músicas aqui paradas, sinfonias de Beethoven, Mozart, desses artistas grandes, falados, e nós queremos também meter a música deles em acção para que a nossa população comece a distinguir, e também o concerto da banda também serve de uma distracção grande para a população.. ah, vocês, ah, por acaso têm uma particularidade muito importante: vocês participam também em concer[...], ah, em procissões e, e, conforme, con[...], conforme foi dito aqui. mas vocês não, não pensam um dia também tocar para além de, de, de concerto, tocar também para o povo, ah, para alegrar o povo?. quer dizer, pensamos. pensamos e temos essa vontade. temos essa vontade, mas, bom, nesse momento, as forças armadas estão na fase de es[...], estão, estão na fase de instrução, e depois da instrução, organização, o efectivo da banda quando aumentar nós temos muitos programas que queremos levar a cabo, mas tudo isso temos que fazer também proposta para o segundo comandante, ah, os chefes do governo, tudo isso, depois para nós entrarmos em acção porque a banda é uma banda militar.. exacto.. embora que é de carácter nacional, porque ela é só uma, tem acompanhado trabalhos civis, e também militares, mas, ah, nós não podemos pensar só fazer, temos que, de estar autorizados para fazer isso mas, temos tudo isso. pronto.. temos todas essas perspectivas, essas perspectiva, todos nós temos, todas, nós temos.. e em termos de instrumentos musicais? eles vão, eles respondem?. quer dizer, até aqui não têm respondido nada, até aqui. que eu também o senhor Pinho temos feito muitos esforços.. exacto.. que... eu tocava nos conjuntos, já toquei nos conjuntos musicais, então intercâmbio, e daqui, de lá e tal, consegui, conseguia dois ou três instrumentos, os instrumentos que nós tínhamos aqui são muito velhos, ultimamente conseguimos doze instrumentos, no palácio dos pioneiros, estava lá parado desde mil novecentos setenta e cinco, para organização, para formar banda de pioneiro, mas depois não foi possível, esses instrumentos ficaram lá, outros roubaram, outros ficaram danificados, então nós fomos buscar esse pouco para juntar com aqui, quer dizer, temos descola[...] [...] mas sempre que nós temos pedido apoio a organizações e tal, vamos a ver. ultimamente Portugal nos ofereceu um pouco de instrumento mas, só uma parte e principalmente instrumentos harmónicos e... esses instrumentos já não são, já não eram... logo à primeira mão, eram segunda, terceira, quarta mão. mas só que veio mesmo decente e tem-nos ajudado um pouco. e até aqui a nossa preocupação era os instrumento, porque um instrumento de sopro lá fora... é muito dinheiro. fala-se em oitocentos, novecentos mil escudos cada um instrumento, cada um material.. você praticamente é, você é especializado em quê, em termos de banda? de instrumentos.. bom, eu sou especializado no [...].é, mas eu entendo também outros instrumentos, mas sou mais especializado na trompete.. trompete.. eu sou mais especializado na trompete, mas depois entendo alguns instrumentos, tanto de corda como teclados, ah, mas aqui na banda a minha execução é trompete.. e assim consegue dirigir tudo?. ham?. assim consegue dirigir tudo.. quer dizer, mais ou menos. eu não vou dizer que eu consigo directamente dirigir, mas... mais ou menos." +S. Tome e Principe/Ser Professor.wav,S. Tome e Principe,S. Tomé,F,39,1996,"olhe, eh, ao longo da sua experiência como directora de ensino secundário que... problemas é que tem enfrentado?. alguns. sabe que a sociedade tem muitos problemas e o ensino não podia escapar, ah, à tentativa de se... obter resultados fáceis e... isso passa por, pelas pessoas quererem ver os seus filhos passarem de classe, isso passa pelas pessoas quererem que, dar aulas sem ter o mínimo... para que possam dar, isso passa pelos professores que querem deixar de dar aulas numa, numa escola longínqua para virem para escolas mais próxima e... professores que... não têm condições para poder garantir o seu sustento e que transportam esses problemas para o sistema, e... uma série de outros de ordem estrutural, como falta de, de, de meios. ah.. de ensino que os professores não têm para poderem transmitir convenientemente os seus, os professores que não têm formação e por conseguinte não podem dar aquilo que não têm, são os problemas mais gritantes que neste momento nós temos no sistema.. hum. e... o que é que propõe? tem alguma ideia de como ultrapassar alguns desses problemas? . acho que passa por se definir se educação é ou não prioritária e todo o, toda a, toda a política que se fizer em relação a educação, saber-se o que é que se pretende, que metas é que se pretende atingir e traçar-se estratégias para que se possa atingir essas metas. . a quem é que atribui essa responsabilidade?. todos nós. não é uma forma falaciosa de fa[...], é preciso que toda a gente, a todos os níveis, cada um a seu nível, efectivamente saiba aquilo que deve fazer e de que é que dispõe para fazê-lo. e acho que, neste momento, as pessoas estão fazendo um bocado só por rotina sem saber efectivamente o que é que deve fazer, o que é que pode fazer, o que é que não pode fazer, e, e que contornos dar para... poder resolver minimamente a situação. acho que é necessário pensar nisso, mas isso não se resolve só com o problema da educação, educação sistema em si. é necessário que todo o país esteja virado efectivamente, sinta que a educação é, é, é, é, é fundamental. mas enquanto isso não acontecer acho que... estaremos um bocado a lutar contra a maré.. olhe, ah, certamente que ao longo de todo esse tempo, quer como professora, quer como directora de ensino, ah, eh, deve ter passado por situações, ah, interessantes, mais interessantes, menos interessantes, mais dolorosas, menos dolorosas, eh, que, eh, a marcaram particularmente. ah, quer falar-me, ah, de algum episódio, facto, que a tenha particularmente marcado?. eh, tive muitos. muitos. ah, eu acho que uma das coisas que me marcou bastante foi quando eu deixei o liceu. acho que.... quando deixou a direcção do liceu?. a direcção do liceu. acho que foi uma [...]. pois é, foi directora do liceu.. exacto. foi uma das coisas que mais me marcou. acho que.... porque é que gostou assim tanto?. porque acho que... sentia-me no meu meio, com os meninos. e... essa, eu continuo a estar ligada a eles, de uma forma indirecta, mas esse contacto directo, esse convívio de... muita gente.... [...] dos corredores.. exacto. faz-me falta, até hoje eu sinto a falta desse, desse ambiente. acho que foi uma das coisas que mais me marcou ao deixar a, a direcção do liceu. tive situações... muito... difíceis. hoje, acho que se, muitas coisas que eu fiz, talvez não fizesse, se voltasse ao ensino.. por exemplo?. acho que era muito... rígida. queria, bom, fui para a direcção do liceu numa altura em que as coisas pareciam que estavam num caos e queria endireitar tudo e não se pode fazer tudo ao mesmo tempo e acho que fui muito dura para com os meninos. até hoje, a imagem que eles têm, embora em conversa depois com eles, eles digam que faz falta alguém assim no liceu, mas sinto que eu fui um bocado dura. podia ter sido na mesma rigorosa sem ter sido tão dura. e... isso levou-me a ter algumas situações muito esquisitas, ao ponto de uma vez um menino ter a[...], me atirado com pedra no liceu, pelo facto de eu o ter... sancionado com [...], sancionado com a pena máxima que era de.... suspensão.. suspensão de quinze dias, ele... atirou-me com uma pedra no, no liceu e por um triz a pedra me teria apanhado. e... pode ser que eu tivesse feito a mesma coisa, porque aquele menino tinha sido, mas... houve situações também gratificantes, os meninos hoje que me abordam na rua dizem que precisa hoje no liceu de, de, no liceu e algumas escolas, de algum pulso assim de ferro, mas não sei se... hoje conseguiria fazer a mesma coisa, se, se teria feito de outra forma, mas, o liceu é a coisa mais gratificante que apanhei aqui no [...]. acho que não hesitaria em... voltar a dar aulas, se eu... tiver oportunidade acho que... faz-me falta. não sei se as condições actuais serão as mesmas.. mas, no entanto, a vinda para a direcção de ensino constituiu uma promoção, não é,. é!. uma promoção pessoal, isso também é gratificante.. sim, também é, mas pronto, em termos... profissionais é, mas em termos morais, talvez, a satisfação, porque a satisfação moral tem, tem, por vezes vai, vai usar riscos.. há menos realização pessoal talvez.. pois, exacto. mas, pronto, há, há uma coisa que me ficou marcado bastante que é esse convívio com os meninos, enfrentar, conversar com eles, por vezes dar-lhes algum berro, mas.... fazer um bocado de mãe.. é, é. é um bocado isso. pois." +Goa/Diversidade Religiosa.wav,Goa,Goa,F,23,2001,"fale-me um bocadinho de Goa. de Goa. ah, Goa é uma terra - terra, não - uma... terra. uma terra muito bonita, com gente simpática e, ah, clima também é agradável, é... monção e... as praias são muito giras.. bem e que mais? [...]. e, ah, as pessoas aqui são maioria hindus e poucos católicos e aqui, ah, há muito, há muito, ah, muitas coisas para ver, como igrejas e templos e há praias e há bons hotéis também e, ah, temos um grande costa e, e, e há muita vegetação [...].. ah, os amigos que tem, ah, ou melhor, é hoje ainda muito importante, ou muito relevante, a diferença entre católico e hindu? entre os, entre os seus amigos como é que isso [...]?. não, eu tenho amigas e amigos que comem tudo, carne de vaca, carne de porco, tudo, tudo, que não são muito religiosos e que estão mais modernos, vão para a discoteca, vestem calças, e tudo, 'ista', esta diferença é na gente mais idosa, mais primitivas e... nos, ah, não, não é na cidade, ah, é muito na, nos, ah, 'villages', mas a nova geração estão mais saídas que católicas. hum.. porque... estão, ah, são educados e têm uma, uma . cabeça. cabeça mais aberta.. ah, hum, hum, quando diz que comem tudo está-se a referir aos hindu?. sim.. e os católicos, como é que são?. os católicos são, sempre foram mais saídos, sempre gostavam da folga e dança e... vinho e... [...]. hum, hum.. e, ah, os católicos também são religiosos ainda, religião em Goa é muito importante entre os católicos, porque há muitas festas e igrejas e . hum, hum.. mas.... mas os, os jovens católicos vão muito à missa, por exemplo?. sim.. e como é que, e os hindus como é que é?. com os hindus não sei, eles têm muitos diferentes problemas.. [...]. mas eles não vão, eles não vão como nós, mas eles têm um, uns festivais em cada mês no Tivoli aonde eles celebram. mas como nós não, ah, ah, os católicos têm muito mais, ah, festas do que hindus e como nós vamos para a igreja, todos os domingos, ou quando há festas, ou qualquer coisa, eles não vão tão regu[...], ah, regularmente. . vocês entre, en[...], mas, en[...], na juventude, vá lá, ou entre os jovens, ah, não há... conversas sobre religião?. não, nada. nunca. porque eu tenho amigas hindus, ah, ah, muslims e, ah, mas nunca, nunca, conversamos sobre reli[...], religião.. hum. acha que deviam conversar?. não.. não deviam?. não. religião é qualquer coisa pessoal,. hum.. qualquer coisa que você julga e você acredita, não pode estar a conversar sobre, eu não gosto de conversar sobre a religião." +Goa/Estudante de Medicina.wav,Goa,Goa,M,22,2001,"e... estudou em português?. não. eh, basicamente nós, nós aprendemos... três línguas. até à, da, da, da quinta classe até à oitava, depois temos opção para falar português. português, inglês e... é só isso, não é, e eu continuei a estudar português até ao décimo segundo.. o Pedro estudou sempre português na escola também?. sim, não, da oitava até ao, ao sétimo ano.. ah!. da oitava até à décima.. hum, hum.. depois do, décimo primeiro e décimo segundo. então são cinco anos.. e em casa fala português com os pais. com os pais e irmãos e s[...], e s[...]. só?. e família, família.. não tem amigos com quem fale em português?. não. quase ninguém, quase ninguém na minha idade fala português.. hum. . como é que é o seu dia-a-dia, e os seus amigos. não. como é que é a vida em Pangim? em Goa?. basicamente o vida do estudante, eh, há, há dois tipos de estudantes, não é, os que estão a es[...], a estudar nos coisas, nos colégios profissionais, a medicina, a engenharia, a arquitectura, e há outros que, ah, out[...], ou[...], outros colégios onde, eh, não requer tanto estudo. não requer tanto esforço do aluno. e bá[...], e no, no meu caso, na m[...], a medicina acho que é, é, é um dos cursos mais puxados cá, não é, ah, p[...], por exemplo, ah, basicamente, eu acordava à volta das seis e meia, sete da manhã, estudava, por exemplo, meia hora e tal, depois ia ao colégio. aulas começam às oito. das oito até a, até às onze horas. das onze até uma hora nós estávamos no hospitais. hum, hum. a, a examinar doentes, e depois apresentar casos. e depois disso nós temos um, um intervalo de uma hora e às duas começam as aulas. acabam às cinco. e voltamos e, e pronto, às seis horas temos que sentar a estudar, estuda-se até às oito e meia e depois janta-se e às nove e meia até à meia-noite e tal. é assim a vida diária. [...]. durante quantos anos?. tem sido durante quatro anos e meio. ah, tem s[...], nós temos um ano e meio de, de três [...] e ao fim disso, eh, começamos o estágio, no internato e, isso, isso é, isso é de um ano, dois [...]. ali nós não temos que, não temos que estudar, quase nada, e, e depois em, em termos, em termos de serviço de, de, de trinta e seis horas, ah, duas vezes por semana.. duas vezes por semana trinta e seis horas?. sim.. seguidas?. seguidas e não temos, eh, não temos descanso depois disso, não é, e por isso entramos na, na manhã, passamos, ah, todo o dia, à noite e só saímos no dia seguinte à volta das quatro horas da tarde. e.... e acabam, largam e depois no dia seguinte começam tudo outra vez?. sim, no dia seguinte entrámos ainda não era oito e meia da manhã. basicamente o, o, não é tão puxado, não é, porque não, não, não.... é muito mais físico o cansaço, não é,. é fí[...], o, exactamente. o cansaço é mais físico do que, do, do que mental, não é, porque chegam a estar... fica-se saturado de estudar, de, de trabalhar muito. pois.. e é só isso. e a, e a competição é, é tremenda.. hum, hum.. porque entrámos só setenta alu[...], setenta alunos, e temos vagas para fazer pós-graduação só para vinte e tal, não é, e o resto tem que ir procurar para outro espaço, fora de Goa.. hum, hum.. e é difícil, bastante difícil, porque, ah, nós temos que competir contra, contra ce[...], dezenas, ah, cen[...], centenas de médicos, ah, ah, nos, que estão a ser, estão-se pa[...], a formar em vários estados da Índia.. hum, hum.. e nós todos só temos um exame para todos esses médicos, não é," +Goa/Vida Familiar.wav,Goa,Goa,F,54,2001,"tenho, tenho, tenho uma irmã em Portugal, por acaso sim, e tenho muitos parentes em Portugal, tenho, e agora o nosso bairro de Fontainhas . hum.. já está quase, não temos nenhuns, eh, goeses, agora são todos de fora e que falam só esta coisa, e, ah, mas, ah, mas, eh, me[...], meu irmão, eu tenho um irmão que ainda vive na Fontainhas e passámos bons dias em Fontainhas, eh, portanto, todo aquele grupo, todo conhecido, todos estão em Lisboa agora. hum, hum.. todos os amigos já estão em Lisboa. [...]. estudou em português?. sim, no liceu. sim. e, eh, e, eh, e eu fiquei sati[...], fiquei satisfeita quando o senhor Tiago me disse que, que, que uma senhora queria vir aqui, eh, ouvir o nosso português, embora [...], não temos muita prática, agora só eu e o meu marido falamos português.. com os filhos?. com os filhos, n[...], quan[...], eles eram pequenos falámos português, mas ma[...], d[...], no momento que eles começaram a ir para a escola e ap[...], começaram a aprender inglês, automaticamente começaram a falar em inglês. e agora eles, eh, falam, assim, ah, ah, compreendem, mesmo porque.... quantos filhos é que tem?. eu tenho dois rapazes, duas meninas. um, um menino já está casado. e depois, eh, e, eh, de maneira que, e agora o português deles não é muito correcto, o das crianças. e, principalmente agora que o, a minha sogra e a minha mãe faleceram, elas falavam só português, não sabiam inglês, de maneira que as crianças eram obrigadas a falar português com elas. mas agora que já, elas morreram há alguns anos e agora, é só inglês, por acaso a minha filha, eh, de que, até, até dé[...], décimo segundo, a[...], aprendeu português. hum.. na escola. e mas é a única cadeira e não é tanto a prática, sim. e outros falam, assim. [...]. mas ho[...], hoje em dia fala inglês com os seus filhos ou fala em português?. eu falo em inglês. mas, eles sabem também português. por acaso agora o meu filho vai a Portugal. vai no, esteve o ano passado. hum.. com a 'schoolarship', hum, e esteve por nove meses, scho[...], 'schoolarship' do, do, da fundação. hum, hum.. e agora, e agora ele já conseguiu sua papelada em português, é, é, é esta coisa, não, do passaporte português. hum, hum.. e ele vai agora no fim deste mês e, ah, e [...]. vai, vai viver para lá?. sim. sim. qualquer parte na Europa, ele diz, vai ver onde é que é conveniente e onde é esta coisa. o que é que ele está a fazer?. eh, ele, ele, ele fez o 'bcom', 'ncom', 'ncom' e também é, é bom na música, toca muito bem piano e tudo aquilo. e, e também fez o, todos os cursos de, na, na, nesta coisa de aérea, reconhecidos, na, [...]iata. hum, hum.. e trabalha com o meu marido, o meu marido tem uma agência aérea. ah!. e ele trabalha com o meu marido.. então vai arriscar, ele não vai, . sim.. e[...], ele vai sem emprego fixo lá.. sim, sem emprego fixo, é. ele diz se conseguir ali está bem, senão vai, vai para Londres. vai para Londres ou qualquer parte. vai arriscar. hum. para os goeses emigrar é muito natural, não é,. é. e, ah,. engraçado ele ir assim, a, à aventura!. sim. não é,. mas tem muitos p[...], muitos pessoas que estão dispostos a ajudar. estão muitos pessoas conhecidos ali, em, em Portugal. muitos amig[...], ano passado, ah, foram dois amigos dele que conseguiram em li[...], em Londres. portanto ele diz que talvez, ah, seja melhor ele m[...], estabelecer-se em Londres, porque tem mais, tem pessoas conhecidas, embora eu também tenho, tenho tia, também tenho tia, tem primos, eh, tem muitas pessoas, mas, eh, também o português de lá é tão correcto, para ele trabalhar em . pois.. em Portugal, sim. e até para escrever e tudo ele não é tão esta coisa, de maneira que, o mais certo ele há-de ir talvez para Londres, sim.. sim, mas, eh, e as outras filhas?. eh, uma filha está, hum, ah, está a estu[...], está a trabalhar aqui, e a, e a, eh, um rapaz está em, em, em, em a Arábia. minha filha casada também está na Arábia. . ah!. estão a trabalhar lá.. então só, agora [...]. [...]. uma filha.. sim. ela também está já justo aí, e, eh, em breve deve-se casar, lá até o princípio do outro ano. [...] casar.. e depois ficamos [...] . sozinhos." \ No newline at end of file